Open-access Segurança e Eficácia dos Antivirais de Ação Direta no Tratamento da Hepatite C em Transplantados

RESUMO

Objetivos:  Realizar uma análise comparativa, avaliando cuidadosamente os perfis de eficácia e segurança em uma coorte de receptores de transplante de fígado e não receptores de transplante de fígado infectados com hepatite C e tratados com antivirais de ação direta.

Métodos:  Este estudo é uma análise observacional retrospectiva da vida real de indivíduos com hepatite C crônica que foram tratados com antivirais de ação direta. Durante esse período, 990 pacientes diagnosticados com hepatite C receberam terapia com antivirais de ação direta, 165 dos quais foram submetidos a transplante de fígado. Os critérios de exclusão incluíram pacientes HIV positivos e aqueles sem avaliação de resposta virológica sustentada.

Resultados:  A resposta virológica sustentada foi de 95,8 e 95,6% em receptores e não receptores de transplante de fígado, respectivamente (p = 0,94). A maioria dos pacientes foi tratada com sofosbuvir (SOF) em combinação com daclatasvir, simeprevir e ledipasvir. A ribavirina (RBV) foi administrada a 43,2% dos pacientes, resultando em ausência de melhora na resposta virológica sustentada e aumento de eventos adversos. O tratamento de pacientes do genótipo 2 com SOF e RBV e de pacientes do genótipo 3 com SOF, interferon e RBV por apenas 12 semanas mostrou eficácia subótima (89,5 e 83,3%), respectivamente.

Conclusão:  O tratamento da hepatite C com antivirais de ação direta é tão eficaz e seguro em pacientes transplantados hepáticos quanto em pacientes não transplantados hepáticos, e a prescrição de RBV é desaconselhável devido ao aumento de eventos adversos graves sem melhora da resposta virológica sustentada.

Descritores
Hepatite C; Transplante de Fígado; Tratamento Biológico; Antivirais de Ação Direta

ABSTRACT

Objectives:  To perform a comparative analysis, evaluating the efficacy and safety profiles discerningly in a cohort of liver transplant recipients and non-liver transplant recipients infected with hepatitis C and treated with direct-acting antivirals (DAA).

Methods:  This study is a real-life retrospective, observational analysis of individuals with chronic hepatitis C who were treated with DAA. During this period, 990 patients diagnosed with hepatitis C received DAA therapy, 165 of whom had undergone liver transplantation. Exclusion criteria included HIV-positive patients and those without a sustained virologic response (SVR) assessment.

Results:  The SVR was 95.8 and 95.6% in liver transplant recipients and nonrecipients, respectively (p = 0.94). The majority of patients were treated with sofosbuvir (SOF) in combination with daclatasvir, simeprevir, and ledipasvir. Ribavirin (RBV) was co-administered to 43.2% of patients, resulting in no improvement in SVR and an increase in adverse events. Treatment of genotype 2 patients with SOF and RBV and genotype 3 patients with SOF, interferon, and RBV for only 12 weeks showed suboptimal efficacy (89.5 and 83.3%), respectively.

Conclusion:  The treatment of hepatitis C with DAA is as effective and safe in liver transplant patients as in non-liver transplant patients, and the prescription of RBV is inadvisable due to the increase in serious adverse events without improvement in SVR.

Descriptors
Hepatitis C; Liver Transplantation; Biological Treatment; Direct-Acting Antivirals

INTRODUÇÃO

A hepatite C, causada pelo vírus da hepatite C (HCV) transmitido pelo sangue, manifesta-se como uma condição patogênica crônica com possível progressão para fibrose hepática, cirrose, carcinoma hepatocelular (CHC) e necessidade de transplante de fígado.1,2 Um novo regime de tratamento com antivirais de ação direta (AAD) foi capaz de obter uma redução sustentada ou eliminação viral completa em mais de 95% dos usuários, independentemente da gravidade da doença hepática e do genótipo viral, resultando em altas taxas de cura clínica e reduzindo a necessidade de retransplante.1,2 O tratamento anterior do HCV consistia em um curso de interferon peguilado subcutâneo semanal (IFN- PEG) suplementado por ribavirina oral diária (RBV) por 24 a 48 semanas, dependendo do genótipo. Essa intervenção foi eficaz em aproximadamente 55% dos pacientes, com uma incidência significativa de efeitos colaterais graves, como toxicidade hematológica, infecções bacterianas e rejeição de enxerto, levando à interrupção prematura do tratamento em aproximadamente 30% dos casos.3

Os inibidores de protease de primeira geração, como o telaprevir e o boceprevir, foram os primeiros medicamentos testados para o tratamento da infecção recorrente pelo HCV após o transplante de fígado.4

A combinação desses inibidores com PEG-IFN e RBV melhorou significativamente a resposta virológica sustentada (RVS), com taxas de RVS variando de 50 a 65% em receptores infectados pelo genótipo 1 do HCV. No entanto, esse regime está associado a problemas com perfis de segurança comprometidos e aumento das interações medicamentosas. Dentro da estrutura regulatória brasileira, esses medicamentos não estão atualmente aprovados para uso em receptores de transplante de fígado.5

Antes do advento dos AAD, o transplante de fígado em pacientes com hepatite C estava associado a maior mortalidade e perda de enxerto do que outras indicações de transplante de fígado.6,7

Um estudo conduzido pelo Polaris Observatory HCV Collaborators estimou que haveria aproximadamente 56,8 milhões de infecções por HCV em todo o mundo no início de 2020, o que representa um desvio da trajetória esperada para a eliminação global da hepatite viral até 2030.6,9 Apenas 12,9 milhões de indivíduos dessa população foram oficialmente diagnosticados.9 Se a taxa atual de tratamento com AAD permanecer abaixo de 1 milhão de indivíduos por ano, prevê-se que o número de mortes decorrentes de doença hepática deverá aumentar. A doença hepática em estágio terminal relacionada ao HCV e o CHC são as principais indicações para o transplante de fígado nos países ocidentais.10, 11

Os AAD de segunda geração, disponíveis no Brasil por meio de um programa de acesso público desde outubro de 2015, representam um avanço significativo no enfrentamento dos desafios impostos pelos indivíduos resistentes aos tratamentos convencionais, principalmente devido à sua maior eficácia antiviral e ao perfil de tolerabilidade favorável, especialmente no contexto de combinações sem IFN.12

Na literatura atual, há uma escassez de dados sobre o impacto dos AAD na melhoria dos resultados de sobrevivência em receptores de transplante de fígado, especialmente quando comparados a um grupo de controle, com foco no curso do tratamento e nos dados clínicos e laboratoriais pré-tratamento. Como um importante centro de transplante de fígado, particularmente renomado na América Latina, nossa instituição acumulou décadas de dados de pacientes após esse procedimento cirúrgico. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar comparativamente a epidemiologia, a eficácia e a segurança do tratamento com AAD no grupo de transplante de fígado de hepatite C (GTF) e não-GTF(NGTF).

MÉTODOS

Delineamento do estudo

Este estudo foi uma pesquisa observacional, retrospectiva e de vida real de indivíduos com infecção crônica por hepatite C que foram tratados com AAD de outubro de 2015 a dezembro de 2023.

População do estudo

Durante o período do estudo, 1.523 pacientes com hepatite C foram tratados com AAD. Os pacientes foram excluídos se tivessem testado HIV positivo ou recebido um transplante renal. Aqueles sem uma avaliação de RVS, definida como teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) -RNA pelo menos 12 semanas após o término do tratamento, foram excluídos da análise do tratamento, mas foram incluídos na análise epidemiológica.

Coleta de dados

Os dados extraídos foram registrados on-line. As fichas de avaliação dos pacientes tratados foram registradas durante as consultas. Nos casos em que dados prévios eram necessários ou o formulário não podia ser preenchido durante a consulta, o prontuário do paciente era revisado para garantir a coleta e a confirmação completa dos dados. Os eventos adversos do tratamento foram coletados principalmente do prontuário do paciente e das notificações do departamento de farmácia para cada retorno de dispensação de medicamento.

Avaliação de dados

Os dados do tratamento consistiam em dados demográficos (idade, sexo, peso, altura e nível de escolaridade), dados clínicos (doenças crônicas, medicamentos usados e epidemiologia da exposição ao HCV) e dados de estadiamento da doença hepática pré-tratamento (presença de cirrose, biópsia hepática, elastografia, índice de aspartato transaminase (AST) para índice de plaquetas e índice de fibrose-4). Se houvesse cirrose, os escores Child-Pugh-Turcotte e MELD (Model for End-Stage Liver Disease) eram usados antes e depois do tratamento. Também foram obtidos dados laboratoriais pré-tratamento, como AST, alanina aminotransferase (ALT), gama-glutamil transferase (GGT), fosfatase alcalina (ALP), albumina, teste de tempo de protrombina (PTT)/relação normalizada internacional (INR), bilirrubina total, creatinina sérica, contagem de plaquetas, HBsAg e anti-HIV 1+2. Para todos os pacientes, a genotipagem do HCV (PCR-RNA para HCV pré-tratamento e, pelo menos, 12 semanas após o término do tratamento, genótipo do HCV), os dados do tratamento (data da prescrição, medicamentos e dosagem, uso de RBV e dose por quilograma de peso corporal, duração do tratamento em semanas, uso do tratamento anterior à terapia atual e medicamentos usados, eventos adversos durante o tratamento) e os resultados do estudo (cura se RVS estivesse presente, morte, descontinuação do tratamento, perda de acompanhamento) foram extraídos para todos os pacientes. A falha no tratamento foi definida como um resultado composto de positividade do HCV PCR-RNA em qualquer momento após o tratamento, interrupção do tratamento por qualquer motivo e morte durante o tratamento.

Os eventos adversos graves (EAG) foram definidos como anemia com uma diminuição de 3 g/dL ou mais, eventos com risco de vida e necessidade de hemodiálise durante o tratamento. As mortes foram analisadas separadamente dos EAG.

Análise estatística

A fase inicial da análise concentrou-se nos dados demográficos, com variáveis contínuas apresentadas como médias e desvios padrão, enquanto as variáveis categóricas foram expressas como proporções. Para lidar com dados ausentes, usamos uma abordagem de análise de casos disponíveis (ACA), com base nas informações disponíveis para cada categoria sem imputação. Para variáveis contínuas, usamos testes t não pareados após verificar as suposições de distribuição normal dos dados. Nos casos em que os dados não atenderam às premissas de normalidade, o teste de Mann-Whitney foi usado como alternativa. A análise univariável incluiu o uso de testes de qui-quadrado e de Fisher para variáveis categóricas, conforme apropriado, com o cálculo de índices de probabilidade e intervalos de confiança de 95% para avaliação de RVS. Os testes estatísticos foram bicaudais, e um p bicaudal < 0,05 indicou significância estatística. Os formulários eletrônicos facilitaram a coleta de dados para criar um banco de dados abrangente, que foi posteriormente importado para o software de análise estatística Jamovi e R.

Considerações éticas

Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética do Hospital Universitário Walter Cantídio, Universidade Federal do Ceará, seguindo as diretrizes para pesquisa clínica com seres humanos de Helsinque e Istambul.10, 11

RESULTADOS

Em nossa coorte de 1.523 pacientes com hepatite C tratados, 990 indivíduos foram avaliados quanto à RVS, dos quais 165 pacientes haviam sido submetidos anteriormente a GTF e 825 pacientes foram designados como receptores de NGTF. A análise comparativa revelou diferenças significativas nos perfis epidemiológicos entre os grupos GTF e NGTF. Comparando os grupos GTF e NGTF, descobrimos que os pacientes transplantados tinham uma proporção maior de homens, indivíduos mais velhos e uma carga viral de hepatite C mais alta em comparação com o grupo NGTF. Por outro lado, os pacientes do NGTF tinham uma proporção significativamente maior de indivíduos com cirrose em comparação com o GTF. Os grupos GTF e NGTF eram semelhantes em termos de distribuição do genótipo e IMC (Tabela 1). As descrições detalhadas das características epidemiológicas dos pacientes estratificados em GTF e NGTF são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características epidemiológicas e virológicas de pacientes com hepatite C tratados com medicamentos antivirais de ação direta.

O tempo médio entre GTF e o início do tratamento para hepatite C foi de 34 meses. O grupo de pacientes transplantados é composto por aqueles submetidos a transplante de fígado e receberam tratamento com AAD, com tratamento realizado antes e depois do transplante de fígado. Por outro lado, o grupo NGTF inclui exclusivamente aqueles tratados com AAD para hepatite C sem histórico de transplante de fígado, excluindo os pacientes que receberam tratamento antes de serem submetidos ao transplante de fígado.

Com relação ao histórico de tratamento, o NGTF teve uma proporção significativamente maior de pacientes sem tratamento em comparação com o GTF, com 87,3% (n = 720) e 50,9% (n = 84), respectivamente (p < 0,001). Nenhum dos pacientes desse estudo havia sido tratado anteriormente com AAD.

A taxa geral de RVS entre os pacientes foi de 96%, comparável entre os pacientes GTF e NGTF (p = 0,94). Informações detalhadas sobre os tratamentos administrados e suas taxas de RVS correspondentes são mostradas na Tabela 2.

Tabela 2
Tipo de tratamento da hepatite C e RVS.
Tabela 3
Tratamento da hepatite C e RVS em GTF e não GTF.

A RBV foi adicionada ao regime de tratamento em 417 dos 974 pacientes (43%), com maior frequência em receptores de GTF (63,4%, 97/153) em comparação com pacientes de NGTF (38,7%, 328/847). A dose mediana de RBV por kg de peso corporal usada foi de 11,65 mg/kg/dia (Δ9,33-14,9) em receptores de GTF e 10,40 mg/kg/dia (Δ7,9-11,9) em pacientes de NGTF.

Na análise de EAG, foi observada uma incidência maior em GTF em comparação com NGTF. A incidência de mortes durante o período de tratamento foi mínima e comparável entre os dois grupos, conforme mostrado na Tabela 4. Houve três mortes no grupo GTF e seis no grupo NGTF (Tabela 4). As causas de morte entre os pacientes do grupo GTF incluíram sepse bacteriana (n = 1), recorrência de CHC (n = 1) e infecção fúngica (n = 1). No grupo NGTF, as causas de morte foram sangramentos gastrointestinais superiores (n = 2), sepse (n = 1) e causas desconhecidas (n = 4).

Tabela 4
RVS e EAG.

No grupo GTF, a anemia caracterizada por uma diminuição de mais de 3 g de hemoglobina foi o evento adverso grave mais comum, ocorrendo em 14 pacientes, todos no regime de RBV. Dois pacientes com insuficiência renal crônica não relacionada à diálise progrediram a ponto de precisar de diálise durante o tratamento. Além disso, um paciente teve um episódio de apendicite durante o tratamento.

É importante ressaltar que não foram observados casos de rejeição significativa em receptores de transplante de fígado durante o curso do tratamento da hepatite C com AAD. Três pacientes apresentaram rejeição leve caracterizada por elevação transitória das enzimas hepáticas e resolução após o aumento da imunossupressão.

DISCUSSÃO

O tratamento do HCV com RVS é uma meta importante, e os resultados têm sido prejudicados há muito tempo pela baixa eficácia e alta toxicidade do tratamento com PEG/RBV, mesmo em combinação com inibidores de protease de primeira geração.4 Antes de 2015, tratávamos a hepatite C com IFN e RBV por 48 semanas. Apenas 70% conseguiam concluir o tratamento devido a eventos adversos, com apenas 55% de RVS de acordo com a análise de intenção de tratar.3

Embora os grupos GTF e NGTF sejam heterogêneos em termos de idade, carga viral, grau de fibrose e função hepática, isso não afetou a resposta geral ao tratamento com medicamentos ADD. Antes do advento dos medicamentos ADD, a hepatite crônica devido à hepatite C era quase onipresente em receptores de transplante de fígado. No prazo de cinco anos após o transplante, aproximadamente um terço dos pacientes evoluiria para cirrose, muitas vezes levando à falência do enxerto.12. 13 A Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) recomenda o tratamento imediato para pacientes com cirrose descompensada (Child-Pugh B ou C) que ainda não estejam listados para transplante de fígado e não tenham outras condições de saúde que possam comprometer seu prognóstico. Pacientes com cirrose descompensada (Child-Pugh B ou C) e sem CHC aguardando transplante de fígado, com pontuação MELD abaixo de 18-20, devem ser tratados antes do transplante. Nenhum dos pacientes cirróticos tratados neste estudo tinha um MELD maior que 20 pontos.14

Esse achado foi confirmado pelo estudo multicêntrico brasileiro, que alterou a política do Ministério da Saúde do Brasil. Atualmente, o tratamento da hepatite C não exige genotipagem antes do tratamento, e o uso de SOF e daclatasvir (DAC) por 12 semanas é recomendado para pacientes não cirróticos e cirróticos compensados. Para pacientes com cirrose descompensada, o tratamento Child-Pugh B e C com SOF e RBV é administrado por 48 semanas.15, 16

Isso se deve ao pequeno número de pacientes com genótipo 3 em nossa coorte que se submeteram ao regime de tratamento de 24 semanas (n = 2), o que limitou nossa capacidade de estabelecer associações conclusivas. Neste estudo, o genótipo com a menor RVS foi o genótipo 2. Isso pode ser explicado pelo fato de que o tratamento recomendado para esses pacientes no Brasil foi de 12 semanas de SOF e RBV.17

Esse estudo não influenciou a escolha do tratamento para hepatite C. O Ministério da Saúde disponibilizou inicialmente apenas SOF, DAC e simeprevir (SIM), justificando o grande número de pacientes tratados com esses medicamentos. Todos os regimes avaliados em inúmeros pacientes apresentaram taxas de RVS acima de 90%, sugerindo que a disponibilidade e o custo podem ser os critérios para a escolha do tratamento.16, 18

Com o uso adequado de AAD, 95% dos pacientes incluídos foram considerados curados e não houve diferença entre os pacientes submetidos a transplante de fígado e os que não foram, o que sugere que a terapia com AAD é eficaz em diferentes estágios da doença hepática. Um número relativamente menor de pacientes submetidos a transplante de fígado eram virgens de tratamento quando chegaram ao centro de tratamento; no entanto, a maioria desses pacientes nunca havia sido tratada com um AAD, destacando a importância marcante dessas novas terapias medicamentosas na progressão da doença. Um esboço das possíveis opções de tratamento para pacientes virgens de tratamento examina o AAD mais potente para esse grupo, demonstrando novamente que o tratamento anterior pode levar a resultados diferentes, o que não foi abordado neste estudo.19

Embora os AAD sejam medicamentos muito mais seguros, os resultados deste estudo documentam que os EAG não são tão raros e estão frequentemente associados ao uso de RBV. Os EAGs foram mais frequentes no grupo GTF em comparação com o grupo NGTF e foram associados ao uso de RBV. Esses resultados são consistentes com os de outros autores.14 A adição de RBV ao tratamento da hepatite C com AAD foi associada a eventos adversos que não melhoraram a taxa de RVS e foi desencorajada pelos resultados desse estudo. Outro estudo brasileiro não controlado que avaliou o tratamento da hepatite C em receptores de transplante de fígado documentou a RVS (97,6%) em 84 pacientes inscritos. Poucos casos de SAE foram relatados. A RBV foi usada em apenas 8,2% dos pacientes.20

Em pacientes cirróticos Child-Pugh B e C com MELD ≥ 20, embora o tratamento da hepatite C com AAD possa ser realizado, a chance de cura é significativamente menor do que após o transplante de fígado. Portanto, o momento do tratamento deve ser individualizado, dependendo do tempo estimado para o transplante de fígado. Nos casos em que o tempo de espera na lista de transplante for superior a 6 meses, os pacientes que se enquadram na categoria acima devem ser tratados antes do transplante, dependendo das rotinas locais.14 O AAD após o tratamento com GFT pode erradicar a infecção e normalizar os testes de função hepática na maioria dos pacientes tratados. Pode-se esperar uma melhora nos resultados de longo prazo do enxerto e do paciente. O tratamento com AAD em pacientes com insuficiência hepática que aguardam GFT elimina a infecção e está associado a uma melhora na função hepática na maioria dos pacientes tratados. A maioria ainda precisa de transplante, embora alguns possam melhorar o suficiente e rapidamente para serem retirados da lista de espera de GFT.21 A rejeição não foi uma complicação importante no tratamento da hepatite C em pacientes com transplante de fígado neste estudo, confirmando os achados de outros estudos.22

Embora a pandemia de COVID-19 possa ter afetado o plano de eliminação da hepatite C no Brasil, a disponibilidade de medicamentos gratuitos para todos os pacientes com hepatite C e os resultados deste estudo confirmam que a eficácia do tratamento da hepatite C está dentro da faixa prevista pelo governo brasileiro, tanto em GFT quanto em NGFT.23

CONCLUSÃO

O tratamento da hepatite C com AAD é tão eficaz e seguro em pacientes transplantados de fígado quanto em pacientes não transplantados de fígado, e a prescrição de RBV não é recomendada devido ao aumento de SAE sem melhora na RVS.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará, que apoiou este estudo, parte de minha tese de doutorado.

  • FINANCIAMENTO
    Todos os medicamentos para hepatite C deste estudo foram fornecidos gratuitamente aos pacientes pelo sistema público de saúde brasileiro.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Os dados estão disponíveis em https://redcap.huwc.ufc.br/.

REFERÊNCIAS

  • 1 Pawlotsky JM, Negro F, Aghemo A, Berenguer M, Dalgard O, Dusheiko G, et al. EASL recommendations on treatment of hepatitis C: final update of the series. J Hepatol, 2020; 73(5): 1170-1218. https://doi.org/10.1016/j.jhep.2020.08.018
    » https://doi.org/10.1016/j.jhep.2020.08.018
  • 2 Gane EJ, Portmann BC, Naoumov NV, Smith HM, Underhill JA, Donaldson PT, et al. Longterm outcome of hepatitis C infection after liver transplantation. N Engl J Med, 1996; 334: 815-821. https://doi.org/10.1056/nejm199603283341302
    » https://doi.org/10.1056/nejm199603283341302
  • 3 Garcia JHP, Araujo Filho AH, Braga LLBC, Viana CFG, Rocha TDS, Pereira KB. Pegylated interferon and ribavirin for treatment of recurrent hepatitis C after liver transplantation: a single-liver transplant center experience in Brazil. Arq Gastroenterol, 2015; 52: 216-21. https://doi.org/10.1590/S0004-28032015000300012
    » https://doi.org/10.1590/S0004-28032015000300012
  • 4 Burton JR, O’Leary JG, Verna EC, Saxena V, Dodge JL, Stravitz RT, et al. A US multicenter study of hepatitis C treatment of liver transplant recipients with protease-inhibitor triple therapy. J Hepatol, 2014; 61: 508-14. https://doi.org/10.1016/j.jhep.2014.04.037
    » https://doi.org/10.1016/j.jhep.2014.04.037
  • 5 Lobato CMO, Balassiano N, Hyppolito EB, Sanchez-Lermen RLP, Signorelli IV, Nicacio MYT, et al. Effectiveness of first-wave protease inhibitors in hepatitis C virus genotype 1 infection: a multicenter study in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop, 2018; 51:14-20. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0279-2017
    » https://doi.org/10.1590/0037-8682-0279-2017
  • 6 Wiesner RH, Sorrell MF, Villamil FG, Balan V, Berenguer MC, Brown, RS. Report of the First International Liver Transplantation Society Expert Panel Consensus Conference on Liver Transplantation and Hepatitis C. Liver Transpl, 2003; 9: S1-9. https://doi.org/10.1053/jlts.2003.50268
    » https://doi.org/10.1053/jlts.2003.50268
  • 7 Berenguer MC. Systematic review of the treatment of established recurrent hepatitis C with pegylated interferon in combination with ribavirin. J Hepatol, 2008; 49: 274-87. https://doi.org/10.1016/j.jhep.2008.05.002
    » https://doi.org/10.1016/j.jhep.2008.05.002
  • 8 D’Ambrosio R, Degasperi E, Colombo MG, Aghemo A. Direct-acting antivirals: the endgame for hepatitis C? Curr Opin Virol, 2017; 24: 31-7. https://doi.org/10.1016/j.coviro.2017.03.017
    » https://doi.org/10.1016/j.coviro.2017.03.017
  • 9 Blach S, Terrault NA, Tacke F, Gamkrelidze I, Craxi A, Tanaka J, et al. Global change in hepatitis C virus prevalence and cascade of care between 2015 and 2020: a modelling study. Lancet Gastroenterol Hepatol 2022; 7(5): 396-415. https://doi.org/10.1016/S2468-1253(21)00472-6
    » https://doi.org/10.1016/S2468-1253(21)00472-6
  • 10 World Medical Association. World Medical Association Declaration of Helsinki: ethical principles for medical research involving human subjects. JAMA, 2013; 310(20): 2191-4. https://doi.org/10.1001/jama.2013.281053
    » https://doi.org/10.1001/jama.2013.281053
  • 11 Abboud OI, Abbud-Filho M, Abdramanov K, Abdulla S, Abraham GP, Abueva AV, et al. The declaration of Istanbul on organ trafficking and transplant tourism. Clin J Am Soc Nephrol, 2008; 3:1227-31. https://doi.org/10.2215/CJN.03320708
    » https://doi.org/10.2215/CJN.03320708
  • 12 Forman LM, Lewis JD, Berlin JA, Feldman HI, Lucey MR. The association between hepatitis C infection and survival after orthotopic liver transplantation. Gastroenterology, 2002; 122: 889-6. https://doi.org/10.1053/gast.2002.32418
    » https://doi.org/10.1053/gast.2002.32418
  • 13 Gane EJ. The natural history of recurrent hepatitis C and what influences this. Liver Transpl, 2008; 14Suppl 2: S36-S44. https://doi.org/10.1002/lt.21646
    » https://doi.org/10.1002/lt.21646
  • 14 European Association for the Study of the Liver. EASL Practice Guidelines. EASL recommendations on treatment of hepatitis C: final update of the series. J Hepatol, 2020; 73(5):1170-1218. https://doi.org/10.1016/j.jhep.2020.08.018
    » https://doi.org/10.1016/j.jhep.2020.08.018
  • 15 Lobato C, Codes L, Silva G, Souza A, Coelho H, Pedroso M, et al. Direct antiviral therapy for treatment of hepatitis C: a real-world study from Brazil. Ann Hepatol, 2019;18(6): 849-54. https://doi.org/10.1016/j.aohep.2019.08.001
    » https://doi.org/10.1016/j.aohep.2019.08.001
  • 16 Brasil. Ministério da Saúde. Brasília (DF): MS; 2015.
  • 17 Huang JF, Huang CF, Yeh ML, Dai CY, Yu ML, Chuang WL, et al. Updates in the management and treatment of HCV genotype 3, what are the remaining challenges? Expert Rev Anti Infect Ther, 2018; 16: 907-12. https://doi.org/10.1080/14787210.2018.1544492
    » https://doi.org/10.1080/14787210.2018.1544492
  • 18 Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e guia terapêutico da hepatite C e coinfecções. Brasília (DF): MS; 2020.
  • 19 Ayoub WS, Tran TT. Regimens for the hepatitis C treatment-naive patient. Clin Liver Dis, 2015; 19(4): 619-27. https://doi.org/10.1016/j.cld.2015.06.003
    » https://doi.org/10.1016/j.cld.2015.06.003
  • 20 Silva EU, Batista AD, Lopes EP de A, Filgueira NA, de Carvalho BT, Santos JC, et al. A real-life study on the impact of direct-acting antivirals in the treatment of chronic hepatitis C in liver transplant recipients at two university centers in Northeastern Brazil. Rev Inst Med trop S Paulo, 2021; 63: e6. https://doi.org/10.1590/S1678-9946202163006
    » https://doi.org/10.1590/S1678-9946202163006
  • 21 Mutimer D. Pre- and post-transplant treatment of viral hepatitis C. Dig Dis, 2017; 35(4): 347-50. https://doi.org/10.1159/000456586
    » https://doi.org/10.1159/000456586
  • 22 Booth IA, Clark JE, LaMattina JC, Barth RN, Haririan A, Ravichandran BR. The impact of treatment delay on hepatitis C liver transplant outcomes. J Pharm Pract, 2023; 36(2): 264-70. https://doi.org/10.1177/08971900211034261
    » https://doi.org/10.1177/08971900211034261
  • 23 Brasil. Ministério da Saúde. Plano de eliminação da hepatite C no Brasil. Brasília (DF): MS; 2018.

Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2025
  • Aceito
    11 Fev 2025
location_on
Associação Brasileira de Transplante de Órgãos Avenida Paulista, 2.001 - 17° andar Conj. 1.704/1.707, Cerqueira César - CEP: 01311-300, Tel: (55) 11 98243 - 3901 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abto@abto.org.br
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Accessibility / Report Error