Open-access Perfil Epidemiológico de Candidatos à Doação em um Centro de Referência de Transplante Cardíaco Pediátrico

RESUMO

Introdução:  O transplante cardíaco (TxC) é o tratamento-padrão para doença cardíaca em estágio terminal. A adoção dessa terapêutica é limitada a fatores relacionados ao doador e ao receptor, além de haver peculiaridades inerentes à sua realização na população pediátrica. Devido à disparidade entre oferta e demanda de órgãos, a mortalidade durante a espera por um TxC é alta nessa faixa etária, variando de 17 a 30% no mundo. Mesmo assim, cerca de 40% dos corações listados não são utilizados em nível mundial. A alta taxa de recusa se explica pela falta de uniformidade na avaliação, no aceite e na recusa das ofertas no TxC em pediatria. Sabe-se que os fatores do doador e do receptor interagem entre si de forma complexa, exigindo uma análise conjunta para definir se o órgão disponível naquele momento é adequado ao paciente em questão.

Objetivos:  Identificar o perfil epidemiológico de candidatos à doação de coração ofertados a um centro de referência de TxC pediátrico do sul do Brasil.

Métodos:  Trata-se de um estudo observacional, descritivo e retrospectivo. A amostra foi formada por prontuários de potenciais doadores ofertados de janeiro de 2021 a dezembro de 2023.

Resultados:  Foram 205 órgãos ofertados no período, sendo oito excluídos da análise devido à falta de dados. A média de idade dos pacientes foi de 19,5 anos, sendo 67,5% do sexo masculino. Radiografia ou tomografia de tórax não foi disponibilizada em 38,6% dos casos. O total de 56,3% tinha eletrocardiograma, dos quais 45% apresentavam alteração, e 29,4% não tinham ecocardiograma. Dos ecocardiogramas, 22,3% apresentavam disfunção. O total de 88,8% dos pacientes estava em uso de droga vasoativa e 61,9% apresentavam infecção ativa. Foram recusados 92,9% dos órgãos.

Conclusão:  Verificou-se uma taxa de recusa superior à estimativa mundial, o que pode ser resultado da ausência de informações sobre parâmetros relevantes relacionados ao doador no momento da oferta. Também se nota a prevalência de dados que sugerem algum grau de disfunção cardíaca nos potenciais doadores.

Descritores
Transplante de Coração; Transplante de Órgãos; Doadores de Tecidos; Epidemiologia Descritiva

ABSTRACT

Introduction:  Heart transplantation is the standard treatment for end-stage heart disease. This therapy is limited by factors related to both the donor and the recipient, in addition to peculiarities inherent to its implementation in the pediatric population. Due to the disparity between organ supply and demand, heart transplant waiting list mortality is high in this age group, ranging from 17 to 30% worldwide. Even so, around 40% of listed hearts are not used worldwide. High refusal rates are due to the lack of uniformity in assessment, as well as in the acceptance and refusal of organs in pediatric heart transplantation. It is known that donor and recipient factors interact with each other in a complex way, requiring a joint analysis to determine whether the organ available at that time is suitable for the patient in question.

Objectives:  To identify the epidemiological profile of candidates for heart donation offered to a pediatric heart transplant center in southern Brazil.

Methods:  This is an observational, descriptive, and retrospective study. The sample consisted of medical records from potential donors offered from January 2021 to December 2023.

Results:  There were 205 organs offered during this period, eight of which were excluded from the analysis due to a lack of data. The average age of the patients was 19.5 years and 67.5% of them were male. Chest radiography or tomography was not available in 38.6% of cases. A total of 56.3% of cases had an electrocardiogram available, but 45% of them were abnormal, and 29.4% of patients had no echocardiogram. Of the echocardiograms, 22.3% showed dysfunction. A total of 88.8% of patients were receiving vasoactive drugs and 61.9% had an active infection. Of the available organs, 92.9% were refused.

Conclusion:  The refusal rate was higher than the global estimate, which may result from the lack of relevant donor-related information at the time of the offer. Moreover, there is a prevalence of data suggesting some degree of cardiac dysfunction in potential donors.

Descriptors
Heart Transplantation; Organ Transplantation; Tissue Donors; Descriptive Epidemiology

INTRODUÇÃO

O transplante cardíaco (TxC) é o tratamento-padrão para casos de doença cardíaca em estágio terminal em crianças e adultos1, sendo as miocardiopatias e as cardiopatias congênitas complexas as principais indicações para esse procedimento na faixa etária pediátrica2. Entretanto, o TxC pediátrico tem características únicas e peculiares, que o diferenciam da cirurgia cardíaca pediátrica em geral e do TxC em indivíduos adultos3.

A adoção dessa terapêutica é limitada tanto por fatores relacionados ao doador, incluindo disponibilidade, elegibilidade e anatomia complexa no caso de cardiopatias complexas, quanto por fatores relacionados ao receptor4. Como há grande disparidade entre oferta e demanda de órgãos, a mortalidade durante a espera por um TxC permanece alta na faixa etária pediátrica, variando de 17 a 30% ao redor do mundo5, apesar do advento e implementação de dispositivos de assistência ventricular3. Mesmo assim, em nível mundial5, cerca de 40% dos corações listados não são utilizados.

Essa alta taxa de recusa dos órgãos se explica pela falta de uniformidade na avaliação, no aceite e na recusa das ofertas no contexto de TxC em pediatria6. Não há um escore de avaliação de risco que estabeleça boa relação com prognóstico a partir de dados disponíveis no momento do aceite da doação7, muito menos um escore validado a ser usado na avaliação do doador8. Ademais, não há consenso nas definições de receptor de alto risco, aquele que, teoricamente, teria maiores riscos cirúrgico e pós-transplante, ou de doador limítrofe, que não seria a escolha ideal8. Esse contexto dificulta a uniformização na produção científica e a posterior comparação dos dados obtidos.

Sabe-se que os fatores do doador e do receptor interagem entre si de forma complexa e única, exigindo que os parâmetros sejam analisados em conjunto para definir se o doador disponível naquele momento é adequado ao receptor em questão8. Algumas características do doador estão notadamente relacionadas a pior prognóstico, apesar de não haver um ponto de corte bem estabelecido. São elas:

  • Maior idade do doador – A International Society for Heart and Lung Transplantation (ISHLT) sugere que órgãos de pacientes com até 45 anos são elegíveis5. Porém, Westbrook et al.9 demonstraram aumento da mortalidade e da incidência de doença vascular do enxerto em adolescentes que receberam coração de indivíduos com mais de 5 anos de sua idade cronológica, sobretudo quando o doador tinha mais de 25 anos.

  • Alteração da função cardíaca – A ISHLT sugere rejeitar órgãos com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) inferior a 40%5. A 3ª Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco coloca como corte a FEVE inferior a 45%, o que determinaria a necessidade de um manejo mais intensivo do doador até que se atinjam condições que permitam a utilização do órgão10. Também é possível avaliar alterações no eletrocardiograma (ECG), mas ainda não há consenso sobre quais achados seriam aceitáveis ou não5,8. Em nosso serviço, o protocolo em pacientes que aguardam na fila sem prioridade é aceitar órgãos com FEVE igual ou superior a 55%, enquanto corações com FEVE abaixo de 55% são aceitos apenas em pacientes priorizados, segundo critérios de priorização, e com baixas doses de droga vasoativa (DVA).

  • Relação peso doador-receptor – A ISHLT recomenda 0,7 a 2 para adultos5, mas há evidências de que esses valores podem ser extrapolados com relativa segurança em pediatria, podendo chegar a até 2,5 a 3 vezes o peso do receptor, dependendo de sua estrutura física e grau de cardiomegalia4.

  • Tempo isquêmico – Relacionado a maior mortalidade após 6 meses do transplante, quando é superior a 3,5 horas11.

Tempo de parada cardiorrespiratória (PCR), uso de DVA e causa da morte não devem ser avaliados de forma isolada, mas não há definição do que seria tolerável12,13. Poucas infecções do doador são contraindicação absoluta para o transplante4, sendo essas a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, no caso de um receptor que não seja portador, doença de Chagas4,5 e infecções do sistema nervoso central (meningite viral ou bacteriana)14. Bacteremia e sepse isoladamente não contraindicam o transplante, porém não é recomendado utilizar corações provenientes de doadores em choque séptico15. Contudo, indica-se também a testagem sorológica e, se possível, de reação em cadeia da polimerase para hepatites B e C4.

Pacientes listados na fila para receber TxC são priorizados quanto maior o risco de óbito durante essa espera, isto é, aqueles em uso de dispositivos de assistência circulatória mecânica, suporte inotrópico e/ou ventilação mecânica10. Devido à resposta insatisfatória aos tratamentos disponíveis atualmente, casos de miocardiopatia restritiva também podem ser priorizados10. Existem os pacientes que não se encaixam nas diretrizes de priorização, como aqueles com cardiopatia complexa cianótica com ou sem desnutrição, que apresentam maior mortalidade na fila10.

O objetivo deste estudo é traçar o perfil dos doadores de coração ofertados aos receptores listados em um centro de referência de TxC pediátrico do sul do Brasil, permitindo uma avaliação sobre a viabilidade dos órgãos disponíveis. Tendo em vista a complexidade no aceite do órgão para transplante, como discorrido anteriormente, o intuito é fomentar uma corrente de aperfeiçoamento no processo de captação, o qual tem início no manejo clínico dos potenciais doadores. Também foi analisada a taxa de recusa de órgãos pelo serviço, visando otimizar a realização de transplantes cardíacos e reduzir o tempo de espera e a mortalidade das crianças candidatas ao procedimento.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional, descritivo e retrospectivo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Pequeno Príncipe, sob o parecer 70608723.6.0000.0097. A amostra foi formada por candidatos à doação de coração ofertados de janeiro de 2021 a dezembro de 2023 ao serviço de TxC pediátrico do Hospital Pequeno Príncipe em Curitiba, estado do Paraná, Brasil.

Foram coletados dados secundários fornecidos pela Central Estadual de Transplantes no momento da oferta. Foram incluídas todas as informações dos candidatos à doação no período referido e os critérios de exclusão foram informações incompletas dos pacientes.

Foram coletadas as seguintes informações: estado de origem da oferta, sexo, idade, peso, altura, exame de imagem de tórax (radiografia ou tomografia), ECG, ecocardiograma, uso de DVA com a respectiva droga utilizada e dose, presença de infecção ativa e foco da infecção, ocorrência e tempo de PCR, causa do óbito e aceite ou recusa do órgão.

Os dados foram tabulados e, posteriormente, submetidos à análise descritiva com o auxílio do programa computacional SPSS v.26.0. Os resultados foram expressos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios-padrão (variáveis quantitativas) ou por frequências e percentuais (variáveis qualitativas).

Esta pesquisa não recebeu bolsa específica de qualquer agência de financiamento nos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.

RESULTADOS

Foram ofertados 205 órgãos no período, dos quais oito foram excluídos da análise devido à falta de dados, totalizando a amostra de 197 potenciais doadores analisados. As ofertas tiveram origem em todas as regiões do Brasil, exceto no Norte. Os estados com maior número de ofertas foram Paraná (31,97%, n = 63), Santa Catarina (22,33%, n = 44) e Rio de Janeiro (10,66%, n = 21). Também foram ofertados corações de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Distrito Federal, Goiás, Bahia e Rio Grande do Sul.

A média de idade foi de 19,5 anos, sendo 67,5% (n = 133) do sexo masculino. Pouco mais de um terço dos pacientes (34%) tinha mais de 25 anos, e apenas um potencial doador tinha mais de 45 anos. Observaram-se a média de estatura de 148,98 centímetros (cm) e de peso de 54,75 kg (Tabela 1).

Tabela 1
Características da amostra.

Exame de imagem do tórax (radiografia ou tomografia) não foi disponibilizado em 38,6% dos casos (n = 76). Dos 56,3% que possuíam ECG disponível (n = 111), quase a metade apresentava alguma alteração (45%; n = 50). Não realizaram ecocardiograma 29,4% (n = 58). Dos potenciais doadores que tinham ecocardiograma disponível, 22,3% (n = 31) apresentavam algum grau de disfunção. A média da FEVE foi de 63,05%, com apenas dois pacientes (1,6%) com FEVE inferior a 40% (Tabela 2).

Tabela 2
Exames complementares disponibilizados.

O total de 88,8% (n = 175) estava em uso de DVA, dos quais 85,14% (n = 149) utilizavam noradrenalina, isoladamente ou em associação com outras DVA. A média obtida da dose da noradrenalina foi de 0,2 mcg/kg/min, enquanto 59,1% (n = 88) estavam com doses acima de 0,1 mcg/kg/min. Outras DVA utilizadas foram vasopressina (37,14%; n = 65), adrenalina (8,6%; n = 15) e dobutamina (1,71%; n = 3) (Tabela 3).

Tabela 3
Drogas vasoativas.

Verificou-se a prevalência de 62,4% de infecção ativa (n = 123) nos potenciais doadores. O principal foco infeccioso foi o trato respiratório (52%, n = 64), seguido do sistema nervoso central (7,1%, n = 14). Em 22% dos casos (n = 27), não foi possível determinar o foco da infecção conforme as informações fornecidas (Tabela 4).

Tabela 4
Frequência de infecções e focos infecciosos.

O total de 58 pacientes (29,4%) apresentou PCR, com média de tempo de 15,05 minutos. A principal causa de óbito foi o traumatismo cranioencefálico, totalizando 40,1% (n = 79), seguido da hemorragia intracraniana (15,7%; n = 31) (Tabela 5).

Tabela 5
PCR e causa do óbito.

A taxa de recusa foi de 92,9% (n = 183). Os principais motivos para a recusa dados pelo serviço foram questões inerentes ao doador, que incluem idade elevada em relação ao receptor, comorbidades, uso de drogas lícitas e/ou ilícitas, alteração no ECG, alteração no ecocardiograma, ausência de ECG e/ou ecocardiograma, uso de DVA em doses elevadas, presença de infecção ativa e tempo de PCR elevado. Em apenas 14 casos (7,6%), a logística de transporte desfavorável que determinaria um tempo de isquemia excessivo foi dada como motivo para o não aceite. Dos órgãos aceitos, cinco foram destinados a outra instituição.

Dentre os diagnósticos dos pacientes listados como receptores no serviço, temos miocardiopatias (dilatada, restritiva, hipertrófica, não compactada), malformações congênitas anatômicas (anomalia de Uhl, anomalia de Ebstein, insuficiência aórtica, atresia tricúspide) e adquiridas (comunicação interventricular pós-traumática com infarto agudo do miocárdio, miocardite). Mesmo com a alta taxa de recusa, dos 24 pacientes listados para TxC no período estudado, seis evoluíram para óbito durante a espera por um órgão, o que constitui uma mortalidade de 25% em fila, compatível com a verificada em nível mundial5.

DISCUSSÃO

O perfil de potenciais doadores de coração do serviço estudado é de adultos jovens, com média de idade de 19,5 anos. Tal fato pode ser um limitador no aceite de órgãos para receptores mais novos, sobretudo até os 2 anos de idade, já que as evidências mais recentes sugerem que a diferença de idade doador-receptor de mais de 5 anos resulta em maior mortalidade pós-transplante9.

Verificou-se, também, a média de peso de 54,75 kg. Atualmente, a principal forma de avaliar a compatibilidade de tamanho do coração ainda é a relação de peso doador-receptor16. Portanto, essa média obtida também pode sugerir uma escassez na oferta de órgãos compatíveis com pacientes mais jovens. Mesmo assim, já está demonstrado que o uso de órgãos maiores, com relação de peso doador-receptor entre 2-3, não impacta negativamente a mortalidade nem reduz a sobrevivência em longo prazo após o transplante, apesar do risco aumentado de síndrome de hiperperfusão no pós-operatório imediato16.

Mesmo com quase um quarto dos ecocardiogramas apresentando disfunção, essa alteração em exame complementar não deve ser utilizada isoladamente como critério de recusa para o órgão. Firoz et al.17 demonstraram que a presença de disfunção ventricular esquerda no coração doador se relacionou à maior mortalidade pós-transplante apenas quando associada a um tempo isquêmico acima de 3 horas. Entretanto, chama a atenção o fato de quase 30% dos potenciais doadores não terem uma avaliação ecocardiográfica disponibilizada. Soma-se a isso a prevalência de 38,6 e 43,7% de ausência no momento da oferta de exame de imagem de tórax e ECG, respectivamente, o que certamente compromete a análise da compatibilidade doador-receptor, já tão complexa no contexto de TxC em pediatria.

Foi observada, também, a alta prevalência no uso de DVA nos potenciais doadores, sendo a droga de escolha a noradrenalina. Apesar de não ser uma contraindicação absoluta, as recomendações mais atuais são considerar pacientes em uso de baixas doses de noradrenalina, até 0,1 mcg/kg/min, como potenciais doadores na ausência de outros órgãos disponíveis14. Ao ser demonstrado que mais da metade dos pacientes ofertados estava com doses acima desse valor, é possível inferir que esse é um fator importante para a alta taxa de recusa do serviço.

A maior parte dos potenciais doadores ofertados apresentava algum tipo de infecção ativa. As principais recomendações a serem seguidas atualmente incluem a exclusão de disfunção cardíaca induzida por sepse, obtenção de hemoculturas consecutivas negativas antes do procedimento, além de evitar pacientes que faleceram após 96 horas da admissão hospitalar18. Alguns centros aceitam órgãos advindos de pacientes com bacteremia, desde que a antibioticoterapia tenha sido utilizada por pelo menos 48 horas com alguma resposta clínica e que o ecocardiograma tenha sido realizado para excluir endocardite19. Contudo, tais análises podem ter sido dificultadas devido à falta de dados relevantes em relação ao potencial doador, o que justificaria a recusa dos órgãos em vigência de infecção ativa, contribuindo para a elevada taxa de recusa. O total de 14 pacientes apresentava infecção com foco no sistema nervoso central, os quais deveriam ser recusados seguindo as recomendações atuais19.

Com relação à PCR, estudo de Galeone et al.20 avaliou seu impacto na morbimortalidade pós-transplante e não encontrou diferença relevante no desfecho independentemente do tempo de PCR no caso de a FEVE estar preservada no momento da utilização do órgão. Com isso, nota-se a importância de uma avaliação completa em relação à função cardíaca para a tomada de decisão.

A causa do óbito do potencial doador também pode impactar a sobrevida pós-transplante4. Hammond et al.21 identificaram que em seu serviço os receptores que receberam corações de pessoas falecidas por hemorragia intracraniana apresentaram maior frequência de morte relacionada à doença cardiovascular. Em nosso serviço, a principal causa de morte entre os potenciais doadores foi o traumatismo cranioencefálico, que acomete tipicamente pacientes jovens e sem comorbidades4. Contudo, a hemorragia intracraniana foi a segunda causa de óbito mais frequente.

No que diz respeito à mortalidade em fila, é válido ressaltar que cinco dos seis pacientes que evoluíram a óbito apresentaram esse desfecho em menos de 30 dias da data de inscrição na fila para transplante e não acompanhavam previamente com o serviço. Esses pacientes deram entrada em nosso serviço na vigência de descompensação aguda e seriam os maiores beneficiados pelo aceite de órgãos de doadores marginais.

Por se tratar de análise de dados secundários, há como limitação a dependência do correto registro das informações e sua disponibilização. Além disso, como em qualquer estudo transversal, não é possível determinar causalidade; pode-se apenas inferir justificativas para a alta taxa de recusa, porém, para que essa relação seja estabelecida com certeza, é necessário que mais estudos com diferentes desenhos sejam realizados.

CONCLUSÃO

A análise da compatibilidade doador-receptor no TxC é complexa no contexto da população pediátrica, sobretudo devido à ausência de critérios bem estabelecidos para essa avaliação, somada à falta de uma avaliação cardiovascular mais completa e melhores cuidados com o potencial doador. Isso pode justificar as elevadas taxas de recusa de órgãos em todo o mundo, o que estaria de acordo com dados de outros estudos realizados no Brasil15.

Foi realizada uma análise epidemiológica das ofertas de coração ao Hospital Pequeno Príncipe, que demonstrou uma taxa de recusa superior à mundial, de 92,9%. É possível inferir que tal fato pode ser, em parte, justificado pela ausência de informações mais completas sobre o doador, mas essa hipótese poderá ser confirmada a partir de mais estudos, com diferentes desenhos.

AGRADECIMENTOS

À doutora Solena Ziemer Kusma Fidalski, a qual prontamente nos auxiliou durante a análise estatística.

  • FINANCIAMENTO
    Nada a declarar.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Todos os dados foram gerados ou analisados neste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2024
  • Aceito
    21 Jan 2025
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