Open-access Fatores Associados à Reinternação Hospitalar no Primeiro Ano Pós-Transplante Hepático

RESUMO

Objetivos:  O transplante hepático é o principal tratamento em diversos casos de doença hepática avançada. A ocorrência de complicações no 1º ano pós-transplante é fator influenciador na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes, além de aumentar os custos em saúde. O objetivo do presente estudo é analisar potenciais fatores relacionados à incidência de reinternação após transplante hepático.

Métodos:  Estudo retrospectivo com informações de receptores de fígado do Hospital Felício Rocho transplantados no período de 1 de julho de 2018 a 30 de junho de 2022, avaliando suas reinternações e sobrevida ao final de 1 ano, além da relação desses desfechos com dados dos doadores e receptores, do procedimento cirúrgico e do período de internação para o transplante.

Resultados:  Amostra de 128 casos, com mediana de idade de 57,5 anos. A maioria apresentou pelo menos uma reinternação no 1º ano, sendo 141 o total de reinternações no período, com infecção como principal causa. Em análise univariada, foram fatores de risco para reinternação a necessidade de terapia de substituição renal (p = 0,038), tempo de permanência no centro de terapia intensiva (CTI) > 8 dias (p = 0,023) e permanência hospitalar de mais de 20 dias (p = 0,029). Na análise multivariada, a permanência no CTI > 8 dias permaneceu associada à reinternação, enquanto a frequência de reinternações e a doença hepática de base se relacionaram com a sobrevida ao final do período.

Conclusão:  A permanência no CTI por mais de 8 dias é o principal fator de risco associado às reinternações no 1º ano pós-transplante. A frequência de reinternações e a doença hepática de base, por sua vez, são fatores relacionados à redução da sobrevida em 1 ano.

Descritores
Transplante Hepático; Reinternações; Sobrevida

ABSTRACT

Objectives:  Liver transplantation is the primary treatment for various cases of advanced liver disease. The occurrence of complications within the first year post-transplant influences patient survival and quality of life, in addition to increasing healthcare costs. This study aims to analyze potential factors associated with the incidence of hospital readmission after liver transplantation.

Methods:  A retrospective study was conducted using data from liver transplant recipients at Hospital Felício Rocho who underwent transplantation between July 1, 2018, and June 30, 2022. The study assessed their readmissions and one-year survival, as well as the relationship between these outcomes and donor and recipient data, surgical procedure details, and hospitalization duration for transplantation.

Results:  The sample comprised 128 cases, with a median age of 57.5 years. Most patients experienced at least one readmission within the first year, totaling 141 readmissions during the period, with infection being the leading cause. In univariate analysis, risk factors for readmission included the need for renal replacement therapy (p = 0.038), intensive care unit (ICU) stay > 8 days (p = 0.023), and hospital stay exceeding 20 days (p = 0.029). In multivariate analysis, ICU stay > 8 days remained associated with readmission, while readmission frequency and underlying liver disease were linked to survival at the end of the period.

Conclusions:  An ICU stay longer than 8 days is the primary risk factor associated with readmissions within the first year post-transplant. Additionally, readmission frequency and underlying liver disease are factors related to reduced one-year survival.

Descriptors
Liver Transplantation; Readmissions; Survival

INTRODUÇÃO

O transplante hepático é a principal opção terapêutica para pacientes com doença hepática avançada, de natureza aguda ou crônica. Atualmente, no Brasil, a média de sobrevida no 1º ano pós-transplante é de cerca de 70%1. A maior ocorrência de complicações e internações após o procedimento se dá no 1º ano pós-operatório, com tendência à redução ao longo do tempo2. Diversas são as causas de internação no 1º ano pós-transplante, incluindo infecções, complicações cirúrgicas, eventos vasculares e rejeição ao enxerto, aumentando os custos em saúde para o cuidado desses pacientes3,4. Em geral, as taxas de reinternação em 1 ano encontradas após transplante hepático variam de 15 a 69%5,6.

No que diz respeito aos fatores de risco relacionados às reinternações, existem algumas diferenças quanto aos fatores atualmente vinculados a reinternações no 1º ano, nos primeiros 90 e 30 dias. No 1º ano, os principais são a realização de cirurgia abdominal prévia ao transplante, neoplasia hepática como indicação ao transplante e a ocorrência de qualquer complicação após o transplante5.

Nos primeiros 90 dias, a etiologia da hepatopatia, mais especificamente hepatite pelo vírus da hepatite C, é o principal fator descrito7, e nos primeiros 30 dias, a necessidade de hospitalização até 90 dias antes do transplante, trombose de veia porta prévia ao procedimento, níveis de creatinina maiores que 1,9, albumina menor que 2,6 e complicações cirúrgicas são fatores relacionados à posterior necessidade de reinternação8.

A ocorrência de internações piora a qualidade de vida dos receptores, traz maiores custos ao hospital e ao Sistema Único de Saúde (SUS), além de potencialmente significar redução da sobrevida dos pacientes3,4. Com a identificação de fatores prognósticos relativos ao doador, ao receptor ou ao procedimento, é possível atuar contra os fatores de risco modificáveis e otimizar o tratamento e a vigilância de complicações dos pacientes no pós-operatório, no intuito de reduzir a ocorrência de complicações. Menor taxa de complicações tende a reduzir, também, a frequência de internações, melhorar a qualidade de vida dos receptores, com potencial ganho em sobrevida, e minimizar custos ao sistema de saúde.

O objetivo do presente estudo foi identificar a ocorrência de reinternações no 1º ano pós-transplante hepático de pacientes transplantados no período de 2018 a 2022 e identificar características demográficas, clínicas e laboratoriais relacionadas. Além disso, objetivou-se analisar o impacto das reinternações na sobrevida ao final de 1 ano e outros potenciais fatores de risco para óbito no 1º ano pós-transplante.

MÉTODOS

Trata-se de estudo retrospectivo que utilizou informações de receptores de fígado do Hospital Felício Rocho (HFR), de ambos os sexos, cujo transplante tenha sido realizado no período de 1 de julho de 2018 a 30 de junho de 2022. Foram utilizadas as informações referentes ao procedimento cirúrgico, aos doadores e às reinternações no 1º ano pós-transplante, registradas em prontuários e no banco de dados do serviço de transplante hepático do HFR.

Foram excluídos do presente estudo pacientes que perderam seguimento no serviço em menos de 1 ano após o transplante hepático, bem como aqueles que evoluíram a óbito durante a internação para o transplante, uma vez que, nesses casos, não haveria como analisar reinternações no período de 1 ano após a alta hospitalar.

Para pacientes retransplantados precocemente, na mesma internação do primeiro transplante, o primeiro procedimento e suas complicações foram excluídos, pelo mesmo motivo. Nesse caso, foram considerados os dados referentes somente ao segundo procedimento, bem como características relativas ao doador desse evento e as condições clínicas do receptor nesse momento.

Os dados dos receptores e referentes aos procedimentos foram obtidos por pesquisa eletrônica nos prontuários do HFR. Informações dos doadores foram fornecidas pelo banco de dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT).

A variável dependente do estudo é a ocorrência de reinternações hospitalares dos pacientes transplantados no período de 1 ano pós-transplante ou até a data do óbito, se essa ocorrer em menos de 1 ano após o procedimento.

As reinternações foram agrupadas de acordo com sua etiologia, nos seguintes grupos: infecção por citomegalovírus (CMV), outras infecções, complicações biliares – como fístulas e estenose de via biliar com necessidade de abordagem – rejeição com necessidade de pulsoterapia, complicações vasculares – como trombose de veia porta ou artéria hepática – e outras – como, por exemplo, disfunção renal, distúrbios hidroeletrolíticos e eventos cardiovasculares.

Nesse período, o diagnóstico de infecção por CMV foi realizado por meio da pesquisa de antigenemia, de forma que um resultado maior ou igual a 7 células era considerado indicação de tratamento preemptivo do CMV. No serviço em questão e no período considerado, não houve disponibilidade para tratamento com medicação oral ou infusão de medicação endovenosa em hospital-dia; por isso, os pacientes com indicação de tratamento preemptivo necessitaram de internação hospitalar para receber a medicação.

Como variáveis independentes, foram utilizados potenciais fatores prognósticos associados à reinternação pós-transplante, entre esses idade e sexo do doador e do receptor, exames laboratoriais do receptor e doença hepática de base. Todas as variáveis consideradas estão listadas nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Características do receptor e do procedimento cirúrgico.
Tabela 2
Características do doador de enxertos hepáticos.

No que diz respeito à doença hepática de base dos pacientes, foram criados grupos de etiologias para facilitar a análise: etanólica, estato-hepatite não alcoólica [non-alcoholic steatohepatitis (NASH)]/criptogênica, viral, autoimune e outras. Com relação à avaliação do estado nutricional pela nutrologia, os pacientes foram agrupados em quatro categorias: normal ou com risco de desnutrição, desnutrido, desnutrido grave e sobrepeso ou obesidade.

Por fim, variáveis ligadas à internação para transplante também foram avaliadas: tempo total de internação hospitalar, tempo de permanência em centro de terapia intensiva (CTI) e ocorrência de complicações na internação para transplante.

A análise descritiva de frequência foi realizada para variáveis nominais. Comparações envolvendo essas variáveis foram analisadas pelo teste de qui-quadrado. Para análise das variáveis quantitativas com distribuição não normal, os dados foram apresentados pela mediana e intervalo interquartil (IIQ) e foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparações.

As associações entre as variáveis do doador, do receptor e relativas ao procedimento e a ocorrência de reinternações por diferentes causas foram analisadas. As mesmas variáveis foram também correlacionadas ao status do receptor ao final de 1 ano. A partir dessa análise, foram identificadas as variáveis estatisticamente significativas a um nível de significância menor ou igual a 0,05. Por fim, as variáveis potencialmente relacionadas aos desfechos nas análises univariadas foram incluídas em análise multivariada. Os cálculos estatísticos foram realizados com auxílio do software IBM SPSS Statistics versão 29.0.2.0.

RESULTADOS

No período analisado, foram realizados 188 transplantes hepáticos na instituição. Desses, foram excluídos 60 casos: cinco devido à perda de seguimento clínico, oito por necessidade de retransplante na mesma internação e 47 devido à evolução para óbito ainda na internação para transplante. A amostra analisada, portanto, contém um total de 128 casos.

A mediana de idade foi de 57,5 anos (IIQ 49,5-63,8) e 74,2% eram do sexo masculino. Na maioria dos casos, a indicação ao transplante ocorreu por cirrose de etiologia etanólica – 41 casos (32%) – seguida por NASH ou criptogênica – 33 casos (25,8%). O grupo denominado outras etiologias incluiu pacientes com hemocromatose, doença de Wilson, deficiência de alfa-1 antitripsina, colangite biliar secundária, cirrose medicamentosa, trombose de artéria hepática ou síndrome de Budd-Chiari. Os pacientes apresentaram mediana de modelo para doença hepática terminal [model for end-stage liver disease (MELD)] sódio calculado de 20,0 (IIQ 16,0-24,0) e MELD sódio atribuído de 21,0 (IIQ 20,0-25,0). Outras características clínicas do receptor, como comorbidades e estado nutricional, encontram-se descritas na Tabela 1.

No que diz respeito aos doadores, a mediana de idade foi de 44,5 anos (IIQ 30,3-56,0) e a maioria da amostra foi constituída de homens (64,8%). A maioria dos doadores (60,9%) estava em uso de antibiótico e 80,5% em uso de aminas vasoativas no momento da doação. As características do doador são descritas na Tabela 2.

Com relação ao procedimento, apenas sete (5,5%) tratavam-se de retransplante, e a mediana do tempo de isquemia fria (TIF) foi de 390,0 minutos (IIQ 330,0-480,0) (variáveis também descritas na Tabela 1).

Ao se analisar a internação para transplante, foi possível notar um tempo de permanência no CTI cuja mediana foi de 5,5 dias (IIQ 4,0-8,0) e o tempo total de permanência hospitalar com mediana de 17,0 dias (IIQ 12,0-24,8).

Com relação às complicações ocorridas na internação para transplante, a principal etiologia foi a infecção bacteriana, em 45 casos (35,2%), seguida da necessidade de terapia de substituição renal (16,4%), sangramento (10,9%) e tratamento preemptivo de CMV (10,2%). Mais raramente, complicações biliares (3,9%), vasculares (2,3%) e rejeição celular aguda (2,3%). A taxa de sobrevida ao final de 1 ano de acompanhamento na amostra estudada foi de 91,4%.

A maioria dos pacientes (56,3%) apresentou pelo menos uma reinternação em até 1 ano após a alta hospitalar do transplante e a mediana de reinternações por paciente foi de 1,0 (IIQ 0,0-2,0), sendo 6 o número máximo. O tempo transcorrido entre a alta hospitalar e a primeira reinternação ocorreu com uma mediana de 61,0 dias (IIQ 38,0-131,3), e a mediana de tempo até a 6ª (e última) reinternação foi de 257,0 dias (IIQ 142,8-345,8).

A análise das principais indicações para as internações identificou, como principais etiologias: infecção em 23,4% dos casos (33 pacientes), tratamento preemptivo para CMV em 20,6% (29) e complicações biliares em 12,8% (18) (Tabela 3).

Tabela 3
Principais causas de reinternação hospitalar em cada evento de reinternação.

Inicialmente, foi possível identificar associação entre a necessidade de reinternação hospitalar e a sobrevida ao final de 1 ano, pacientes que tiveram alguma reinternação apresentaram risco de óbito maior em relação àqueles que não reinternaram (p = 0,002) (Tabela 4). Mais especificamente, reinternações para tratamento preemptivo de CMV (p = 0,006) e aquelas causadas por outras infecções estiveram associadas a maior risco de óbito (p < 0,001) (Tabela 5). Além disso, o número total de reinternações em 1 ano parece exercer influência sobre a sobrevida. Pacientes que apresentaram duas ou mais reinternações tiveram menor sobrevida em comparação àqueles com nenhuma ou somente uma internação (p = 0,011). A etiologia da hepatopatia também se mostrou relacionada à sobrevida; pacientes agrupados em “outras etiologias” tiveram menor sobrevida (p = 0,011). Outras características do doador, do receptor ou do procedimento, isoladamente, não constituíram fatores de risco para óbito em 1 ano.

Tabela 4
Fatores associados ao status ao final de 1 ano.
Tabela 5
Relação entre as diferentes causas de reinternação e o status ao final de 1 ano.

Ao analisar potenciais fatores de risco para reinternações, foram identificados como os fatores associados a maior necessidade de reinternação a necessidade de terapia de substituição renal no pós-operatório (p = 0,038), a permanência no CTI por tempo superior a 8 dias (p = 0,023) e a permanência hospitalar por mais de 20 dias (p = 0,039). Na amostra analisada, a sorologia negativa para CMV pré-transplante apresentou tendência a maior necessidade de reinternações (p = 0,067) e a maior mortalidade em 1 ano (p = 0,058), mas sem atingir significância estatística (p < 0,05). Outras características do receptor, do doador, do procedimento, bem como ocorrência de complicações na internação para transplante, não apresentaram relação com a necessidade de reinternação, conforme explicitado na Tabela 6.

Tabela 6
Fatores relacionados à necessidade de reinternação em 1 ano.

Por fim, as variáveis clinicamente relevantes que apresentaram p < 0,20 na análise univariada foram incluídas na análise multivariada. Na busca de associação com a ocorrência de reinternações, as seguintes variáveis foram incluídas: tempo de permanência hospitalar maior que 24 dias, tempo de permanência no CTI maior que 8 dias, terapia de substituição renal no pós-transplante inicial e sorologia negativa para CMV. Permaneceu como variável significativa relacionada à reinternação somente o tempo de permanência no CTI maior que 8 dias (p = 0,031).

Com relação ao status ao final de 1 ano, as variáveis incluídas na análise multivariada foram a ocorrência de reinternações, o número de reinternações, a doença hepática e a sorologia negativa para CMV. Os fatores que se mantiveram relevantes foram o número de reinternações (p = 0,004) e a doença hepática de base – grupo outras etiologias com menor sobrevida (p = 0,019).

DISCUSSÃO

O transplante hepático é um procedimento cirúrgico de grande complexidade, realizado em pacientes potencialmente graves, principalmente com cirrose hepática avançada ou insuficiência hepática aguda. Portanto, é compreensível que se trate de um procedimento com grande frequência de intercorrências associadas e, consequentemente, com alta taxa de reinternação em longo prazo.

Diversos estudos evidenciaram a relação entre a ocorrência de reinternações hospitalares e a redução da sobrevida dos pacientes transplantados5,6,9, embora existam outros estudos em que essa relação não tenha sido claramente estabelecida10. Além disso, as múltiplas reinternações tendem a aumentar os custos relacionados ao transplante hepático3,4. Todos esses fatores justificam a análise das reinternações e sua associação com características do receptor e do doador, com vistas a permitir intervenções que auxiliem na redução das readmissões hospitalares.

O presente estudo analisa o contexto de um hospital privado, com atendimento também a pacientes do SUS. Foi escolhido o período de 1 de julho de 2018 a 30 de junho de 2022 devido à maior facilidade de acesso aos dados de prontuários hospitalares. Como já explicitado, a casuística desse estudo contém 128 casos. A amostra foi semelhante a outros estudos da literatura no que diz respeito à mediana de idade dos receptores, à predominância do sexo masculino e a outros dados clínicos, como a mediana de MELD ao transplante e a ocorrência de cirurgia abdominal prévia5,7,9,10.

Foi identificada a ocorrência de pelo menos uma reinternação em 56,3% dos casos analisados. As taxas de reinternação apresentam grande variação na literatura, de 18 a 69%, em períodos que variam de 30 dias a 1 ano de seguimento5-8.

A ocorrência de infecções foi a principal causa de reinternação neste estudo (23,4% dos casos), seguida da internação para tratamento preemptivo de CMV. Em outros estudos, de forma semelhante, infecções são a principal indicação de reinternação, variando sua incidência de 19,5 a 48%5,6,10,11. Menos frequentemente, outros estudos evidenciam outras causas principais de reinternação, como, por exemplo, complicações cirúrgicas e rejeição12.

Com relação aos sítios de infecção identificados nas reinternações, foi identificada a infecção de foco abdominal como a mais frequente (12 casos), correspondendo a 36,37% das infecções consideradas, seguida de infecções respiratórias (27,27%) e urinárias (15,15%). Menos frequentemente, outras infecções foram detectadas (21,21% dos casos): infecção de cateter, infecção cutânea, neurotuberculose, candidíase oral e herpes zoster. Estudo recente desenvolvido na China descreve infecções respiratórias como as causas mais comuns de reinternações pós-transplante, diferentemente do que foi encontrado na casuística atual11.

Chama a atenção a grande necessidade de internação para tratamento preemptivo de CMV neste estudo, diferentemente do que costuma ser visto na literatura. Isso ocorre porque, no período analisado, não era possível a realização de tratamento ambulatorial de CMV com valganciclovir ou em hospital-dia com ganciclovir endovenoso para os pacientes de transplante internados pelo SUS. Dessa forma, esses pacientes com indicação de tratamento preemptivo necessitaram de internação para poder receber o medicamento.

É importante ressaltar, ainda, que a frequência relativamente baixa de complicações biliares, vasculares e de rejeição celular aguda encontrada no estudo não reflete o total de complicações desse tipo ocorridas em geral no serviço. Muitas dessas complicações ocorrem de forma precoce, ainda na mesma internação para transplante. Uma vez que, neste estudo, foram excluídos da análise pacientes que evoluíram a óbito ou a retransplante na mesma internação para transplante, algumas complicações que tenham ocorrido de forma precoce no pós-operatório foram desconsideradas.

Com os dados apresentados, fica evidente a associação entre a ocorrência de reinternações e a redução da sobrevida em 1 ano (p = 0,002) e, principalmente, a relação entre internação por infecções ou tratamento preemptivo de CMV e óbito em 1 ano. Mais especificamente, houve relação também entre a maior frequência de readmissões (duas ou mais) e menor sobrevida. Essa redução é encontrada também em outros estudos5,6. Outra característica que se mostrou relevante na análise atual foi a etiologia da doença hepática. Enquanto alguns estudos evidenciaram a hepatite C como fator relacionado às reinternações7,9, este estudo demonstrou menor sobrevida em pacientes inseridos no grupo de outras etiologias (p = 0,019). Uma possível explicação para essa relação é o fato de que parte desse grupo é composta por pacientes retransplantados, cuja etiologia do segundo procedimento tenha sido trombose da artéria hepática. Esses são, normalmente, pacientes mais graves, o que pode justificar sua evolução desfavorável.

Com relação aos fatores de risco associados a maior risco de reinternações, as principais variáveis identificadas na literatura foram o diagnóstico de neoplasia hepática5, cirurgia abdominal prévia5, complicações no pós-operatório5,8 e doença renal crônica (DRC) prévia ao transplante, principalmente com necessidade de terapia de substituição renal13,14. A internação prolongada do transplante também aparece como fator importante relacionado ao risco de readmissões9,10,11,15. Com relação ao tempo de hospitalização, Yataco et al.10 concluíram que internação com duração maior que 7 dias aumentou o risco de reinternações, enquanto Patel et al.9 evidenciaram, como fator de risco, a duração maior que 14 dias. No presente estudo, a internação prolongada também constituiu fator associado a maior taxa de reinternação. Em análise univariada, a internação com duração maior que 24 dias e a permanência no CTI por mais de 8 dias se mostraram estatisticamente relevantes, enquanto em análise multivariada o tempo de permanência no CTI foi a variável que se manteve significativa (p = 0,031).

Como limitações do estudo, estão sua natureza retrospectiva e o fato de ter sido realizado em um único centro. Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de outros estudos, de natureza prospectiva e multicêntricos.

CONCLUSÃO

O principal fator associado à necessidade de reinternações hospitalares no 1º ano pós-transplante hepático é o tempo de permanência em terapia intensiva superior a 8 dias. A frequência de reinternações, principalmente secundárias a infecções e ao tratamento preemptivo de CMV, e a etiologia da doença hepática geram impacto negativo na sobrevida após 1 ano do transplante hepático.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Agnaldo Soares Lima, pelo auxílio na análise dos dados e estatística do estudo.

  • FINANCIAMENTO
    Nada a declarar.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Todos os dados foram gerados ou analisados neste estudo.

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2024
  • Aceito
    21 Jan 2025
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