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Combinatória, Probabilidade e suas articulações em livros didáticos de Matemática dos Anos Finais do Ensino Fundamental

Combinatorics, Probability, and their articulations in Middle School Mathematics textbooks

Resumo

Apresenta-se uma análise de se, e como, relações entre Combinatória e Probabilidade são apresentadas a professores e estudantes em livros didáticos de Matemática dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Foram analisadas as onze coleções aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático 2017 (PNLD) para a etapa de escolarização supracitada, totalizando, assim, 44 livros didáticos. À luz da Teoria dos Campos Conceituais e dos aportes específicos referentes à Combinatória e à Probabilidade adotados, os 298 problemas combinatórios e os 874 problemas probabilísticos identificados foram classificados em função do tipo de situação abordada, bem como foram levantadas as representações simbólicas apresentadas e as solicitadas nos mesmos. Além disso, teve-se como foco analisar as possíveis articulações entre os problemas identificados, apoiadas em relações existentes entre essas duas áreas da Matemática. Nesse sentido, aproximadamente 15% dos problemas apresentaram potencial de exploração de articulação, sendo estes relativos ao uso de representações simbólicas em comum (9% dos problemas) ou à utilização de contextos típicos ou aprofundamento de problemas (6% dos problemas). Os resultados discutidos suscitam, ainda, reflexões sobre expectativas no que diz respeito às coleções de livros didáticos posteriores à homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), isto é, materiais construídos com base nas orientações curriculares mais atuais. A análise nesse sentido, de coleções para os Anos Finais aprovadas pelo PNLD 2020, encontra-se em andamento, constituindo mais uma etapa da pesquisa de tese da qual o presente artigo apresenta um recorte.

Combinatória; Probabilidade; Articulação entre áreas; Livro Didático; Anos Finais

Abstract

We analysed if, and how, relations between Combinatorics and Probability are presented to teachers and students in Middle School Mathematics textbooks. The eleven collections approved by the National Textbook Program (PNLD 2017) for the mentioned educational level were analysed, representing a total of 44 textbooks. In light of the Theory of Conceptual Fields and of specific theoretical contributions regarding Combinatorics and Probability, the 298 combinatorial problems and the 874 probabilistic problems identified were classified according to the type of situation addressed and the symbolic representations presented, as well as those requested in these problems. In addition, the focus of the paper was to analyse the possible articulations between Combinatorics and Probability in the problems identified, supported by existing relationships between these two areas of Mathematics. In this sense, approximately 15% of the problems had the potential to explore articulations of such nature, which were related to the use of common symbolic representations (9% of the problems) or based in typical contexts or a deeper examination of problems (6% of the problems). The results discussed here also raise reflections on expectations regarding the collections of textbooks that take place after the approval of the National Common Curricular Base (BNCC), that is, materials constructed based on the new current curricular prescriptions. The analysis in this sense, of collections of Middle School Mathematics textbooks approved by PNLD 2020, is in progress, consisting in another stage of the thesis research of which the present paper presents an approach.

Combinatorics; Probability; Articulation of areas; Textbooks; Middle School

1 Introdução

O livro didático exerce grande influência na sala de aula e, por tal motivo, é foco de inúmeras pesquisas na área da Educação. Trata-se de um material didático que está em contato constante com o professor (que o utiliza como base para selecionar os conteúdos que serão trabalhados e como guia no processo de ensino), bem como com o estudante (que o usa dentro e fora da escola, de acordo com as orientações dadas pelo professor), servindo de elo entre esses agentes e o conteúdo nele presente. A análise de livros didáticos de Matemática permite, portanto, que se investiguem conteúdos e problemas (e até mesmo a forma como os estes são abordados) que são vivenciados em salas de aula nas quais se faz uso de tal material.

O Guia Nacional do Livro Didático (Matemática), disponibilizado pelo Programa Nacional do Livro Didático 2017 – PNLD ( BRASIL, 2016BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC / Secretaria de Educação Básica, 2016. , p. 13) destaca que:

[...] o livro didático traz para o processo de ensino e aprendizagem mais um elemento, o seu autor, que passa a dialogar com o professor e com o estudante. Nesse diálogo, o livro é portador de escolhas sobre: o saber a ser estudado (a Matemática); os métodos adotados para que os estudantes consigam aprendê-lo mais eficazmente; a organização curricular ao longo dos anos de escolaridade.

É importante ressaltar que os conteúdos presentes nos livros didáticos estão pautados nas orientações curriculares oficiais. Assim, a construção desse material didático tem como objetivo primeiro traduzir as prescrições referentes às respectivas etapas da escolarização à qual se remetem, aproximando o que está posto em documentos oficiais à sala de aula (professores e estudantes que nela convivem e atuam nos processos de ensino e de aprendizagem).

Nesse sentido, o interesse em analisar tal material didático, no presente artigo, deu-se pelo fato de o livro didático “levar para a sala de aula as modificações didáticas e pedagógicas propostas em documentos oficiais, assim como resultados de pesquisas sobre a aprendizagem da Matemática” ( BRASIL, 2016BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC / Secretaria de Educação Básica, 2016. , p. 14).

Resultados de uma etapa prévia da pesquisa de tese, da qual o presente artigo apresenta um recorte, referentes à análise de prescrições curriculares oficiais que são incorporadas nas discussões aqui apresentadas, foram apresentados no Congreso International Virtual de Educación Estadística – III CIVEEST (LIMA; BORBA, 2019a)1 1 Foram analisados os Parâmetros Curriculares Nacionais ( BRASIL, 1998 ); os Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2012); a Base Nacional Comum Curricular ( BRASIL, 2018 ) e o Currículo de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2019). . Resultados parciais referentes à análise de livros didáticos foram discutidos no XIII ENEM – Encontro Nacional de Educação Matemática (LIMA; BORBA, 2019b), a partir da análise da coleção Praticando Matemática 2 2 Coleção do PNLD 2017 mais distribuída nacionalmente segundo dados do FNDE. . Foram publicadas, ainda, no dossiê temático Educação Estatística da Revista Zetetiké (v. 28) ( LIMA, 2020LIMA, E. Probabilidade em livros didáticos de Matemática dos Anos Finais: diferentes concepções. Zetetiké, Campinas-SP, v.28, p. 1-18, 2020. ), análises tendo por foco a Probabilidade, bem como as diferentes concepções exploradas nos problemas presentes nas coleções analisadas.

Este texto tem por objetivo discutir como está proposto o trabalho referente à Combinatória e à Probabilidade, além de se, e como, estão postas articulações entre tais áreas da Matemática nas coleções de livros didáticos de Matemática dos Anos Finais do Ensino Fundamental aprovadas pelo PNLD 2017. Os principais aportes teóricos que embasam as análises e discussões apresentadas são explorados na seção que segue.

2 Aportes teóricos

2.1 A Teoria dos Campos Conceituais

Vergnaud (1996)VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. defende que um conceito é constituído por um tripé formado pelos conjuntos: 1. das situações que o atribuem sentido ( S ); 2. dos seus invariantes , isto é, propriedades imutáveis, constantes em determinado tipo de situação ( I ); e 3. das representações simbólicas utilizadas para representá-lo frente à resolução de problemas ( R ). Esse autor destaca, ainda, que “para estudar o funcionamento e o desenvolvimento de um conceito é necessário considerar estes três planos ao mesmo tempo” ( VERGNAUD, 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. , p. 166).

É importante ressaltar, ainda, que os conceitos não se desenvolvem independentemente, pois estão inseridos em campos conceituais e possuem relações com outros conceitos que fazem parte desses campos. Um campo conceitual é “um conjunto de situações, cujo domínio requer uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em estreita conexão” ( VERGNAUD, 1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , p. 10). Dessa maneira, é essencial que se tenha contato com diferentes tipos de situações , explorando-se seus diversos invariantes e representações simbólicas , considerando-se, também, que a aprendizagem de um conceito se dá em um longo período de tempo, a partir da resolução de problemas variados, visto que “as concepções dos alunos são formadas pelas situações que eles tenham encontrado” ( VERGNAUD, 1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , p. 2).

Combinatória e Probabilidade, áreas da Matemática foco da pesquisa que deu origem ao presente texto, estão inseridas no campo conceitual das estruturas multiplicativas. Este se refere ao “conjunto das situações que exigem uma multiplicação, uma divisão ou uma combinação destas duas operações” ( VERGNAUD, 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. , p. 167). Fazem parte de tal campo conceitual, ainda, conceitos como o de número racional (fração, decimal ou razão), proporcionalidade e funções, tendo em comum uma relação com o pensamento um-a-muitos, que se diferencia do campo conceitual das estruturas aditivas, ao passo em que o segundo enfoca as ações de unir e separar, relativas ao pensamento um-a-um.

2.2 Combinatória

Batanero, Godino e Navarro-Pelayo (1996, p. 17) definem a Combinatória como a área da Matemática que estuda os conjuntos discretos e as configurações que podem ser obtidas a partir de certas transformações que originam mudanças na estrutura da composição dos elementos desses conjuntos. Esses autores defendem que o desenvolvimento do raciocínio combinatório permite “enumerar todos os modos possíveis em que um dado número de objetos pode ser combinado de maneira que se esteja seguro de que nenhuma das possibilidades foi omitida” (tradução livre).

Os autores Morgado et al. (1991, p. 2) apontam, ainda, que “a solução de um problema combinatório exige quase sempre engenhosidade e a compreensão plena da situação descrita pelo problema”. Nesse sentido, a existência de uma variedade de situações combinatórias demanda uma ampla compreensão das características de um dado problema para que seja possível eleger estratégias válidas à resolução do mesmo.

Diversos autores ( PIAGET; INHELDER, 1951PIAGET, J.; INHELDER, B. La génese de l’idée de hasard chez l’enfant. Paris: Press Universitaires de France, 1951. ; FISCHBEIN, 1975FISCHBEIN, E. The intuitive sources of probabilistic thinking in children. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1975. ; LIMA, 2010LIMA, R. de C. O raciocínio combinatório de alunos da educação de jovens e adultos: do início da escolarização até o ensino médio. 2010. 151f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. ; BORBA, 2016BORBA, R. Antes cedo do que tarde: O aprendizado da Combinatória no início da escolarização. In: Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais – Encepai. Anais... Recife, 2016. ) têm apontado a importância da escolarização específica, bem como do contato com variadas situações combinatórias, ao longo do tempo, para o desenvolvimento do raciocínio combinatório. Dessa maneira, e à luz da Teoria dos Campos Conceituais, apresentada anteriormente, considera-se essencial que diferentes tipos de situações combinatórias estejam presentes em sala de aula, de maneira que seja possível explorar seus invariantes e fazer uso de representações simbólicas variadas e adequadas a cada caso.

Adota-se, no estudo, a classificação proposta por BORBA (2010)BORBA, R. O raciocínio combinatório na Educação Básica. In: Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Anais... Salvador, 2010. que unifica classificações anteriores e contempla a diversidade de situações combinatórias, baseada em seus respectivos invariantes – referentes à escolha e à ordenação dos elementos (que diferenciam as distintas situações), tendo em vista o esgotamento de possibilidades (comum a todas as situações combinatórias). As situações combinatórias são classificadas pela autora em: produto de medidas, arranjo, combinação e permutação . As características, referentes ao número de conjuntos de elementos envolvidos, bem como à escolha e à ordem são apresentadas no Quadro 1 , juntamente de exemplos de problemas que abordam cada uma dessas situações combinatórias.

Quadro 1
– Situações combinatórias e suas características, segundo BORBA (2010)BORBA, R. O raciocínio combinatório na Educação Básica. In: Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Anais... Salvador, 2010.

2.3 Probabilidade

A Probabilidade possui particularidades importantes, envolvendo problemas e relações específicos relacionados à incerteza de certos eventos, que “as pessoas sabem que podem ocorrer, mas não têm certeza se e quando eles irão ocorrer” ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , p. 3, tradução livre). Conhecimentos referentes à Probabilidade permitem que situações aleatórias sejam exploradas, inclusive sendo possível estimar probabilidades de ocorrência de diferentes eventos, e classificar os mesmos em certos, prováveis, improváveis ou impossíveis. Assim, a Probabilidade é a área da Matemática que nos permite compreender e medir a incerteza (GODINO; BATANERO; CAÑIZARES, 1991).

O Guia Nacional do Livro Didático (Matemática) ( BRASIL, 2016BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC / Secretaria de Educação Básica, 2016. , p. 49) afirma que

[...] o estudo da probabilidade no nível fundamental da educação básica oferece aos estudantes a oportunidade de reconhecer e quantificar a incerteza associada a eventos aleatórios estabelecendo pilares para estudos mais adiantados em outras etapas da escolarização. [...] A noção de probabilidade é adotada como uma medida que quantifica a incerteza de um evento em um experimento aleatório.

A definição clássica de probabilidade, que toma “o quociente do número de ‘casos favoráveis’ sobre o número de ‘casos possíveis’ foi a primeira definição formal de probabilidade” (MORGADO et al. , 1991, p. 119). Essa concepção toma o cálculo a priori da probabilidade de ocorrência de um evento, em um espaço amostral equiprovável e é a mais comumente trabalhada em problemas escolares – entretanto, pode vir de encontro a concepções advindas de experiências anteriores, dentro ou fora da escola, nas quais a equiprobabilidade não está presente.

Outra concepção que tem ganhado espaço nos Anos Finais é a frequentista . Sob tal ótica, o cálculo de probabilidades é realizado a posteriori: a partir de resultados de experimentações e/ou simulações. Destaca-se que, em situações aplicáveis, quando o número de observações é grande o suficiente, o valor obtido a partir dessa concepção de probabilidade se aproxima do valor obtido pela razão advinda da concepção clássica.

No contexto escolar, a comparação entre essas duas visões de Probabilidade (discussões acerca de suas aproximações e distanciamentos) ganha força na BNCC ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. ), que não só prescreve, explicitamente, o trabalho com ambas em sala de aula nos Anos Finais do Ensino Fundamental, como traz que a confrontação entre os resultados obtidos a partir de uma e outra devem ter espaço no tempo dedicado ao trabalho com a Probabilidade.

É válido ressaltar que essas e outras concepções de probabilidade coexistem e, a depender da situação aleatória a ser tratada, uma pode se mostrar mais adequada que a outra, visto que “quando comparamos as diferentes concepções, vemos que cada uma pode ser aplicada com vantagem em alguma circunstância” (GODINO; BATANERO; CAÑIZARES, 1991, p. 28, tradução livre).

No que diz respeito à classificação de problemas probabilísticos, tomou-se por base a argumentação apresentada por Bryant e Nunes (2012)BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. . Esses autores afirmam que a probabilidade é um conceito complexo, e defendem que sua ampla compreensão exige o desenvolvimento de quatro demandas cognitivas: o entendimento da aleatoriedade , a elaboração/análise do espaço amostral , a comparação e quantificação de probabilidades, e a compreensão de correlações (relações entre eventos).

A primeira demanda diz respeito à compreensão da natureza de eventos não determinísticos, isso é, aleatórios. Segundo Bryant e Nunes (2012)BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , a aleatoriedade abrange a incerteza sobre resultados de eventos que ainda não ocorreram e possui uma importante aplicação na garantia de justiça/equidade em contextos de jogos e sorteios, muito presentes no cotidiano. Esses autores apontam que a principal dificuldade no que se refere a essa demanda cognitiva, está relacionada ao entendimento da independência de eventos sucessivos, podendo ocorrer efeito de recência positiva (mais comum entre crianças) ou efeito de recência negativa (mais comum entre adultos). No primeiro caso, um evento ocorrer repetidas vezes leva à crença de que continuará se repetindo, enquanto, no outro, se acredita que um evento distinto ocorrerá após uma sequência de resultados iguais.

A segunda demanda citada está intrinsecamente pautada no pensamento combinatório e relaciona-se a pensar em todos os possíveis resultados (eventos) em um dado contexto aleatório. A elaboração/análise de espaços amostrais é importante não só para o cálculo de probabilidades, mas é, também, um elemento essencial para entender a natureza da aleatoriedade. Nesse sentido, Bryant e Nunes (2012)BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. destacam que muitos dos erros cometidos por crianças e adultos ao pensar sobre probabilidades são causados por incompreensões do espaço da amostral em questão, visto que “a solução de um problema [probabilístico] é bastante óbvia para alguém que conhece todas as possibilidades” ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , p. 5, tradução livre).

Por sua vez, a terceira demanda cognitiva apontada refere-se à capacidade de comparar e quantificar probabilidades. No que diz respeito a tal demanda, os autores apontam que é no caráter proporcional da Probabilidade que residem algumas dificuldades, pois “o cálculo da probabilidade de ocorrência de um evento ou de uma classe de eventos deve se basear na quantidade total do espaço amostral e não apenas na quantidade de eventos que nós queremos prever” ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , p. 46, tradução livre).

Por fim, a quarta demanda diz respeito à identificação de eventos dependentes e independentes, visto que a associação entre dois eventos pode acontecer aleatoriamente ou representar uma relação genuína. Essa demanda não é comumente trabalhada na Educação Básica, e seu entendimento depende das demais demandas anteriormente mencionadas.

Uma associação entre dois tipos de eventos pode ocorrer aleatoriamente ou pode representar uma relação verdadeira. Para descobrir quando há uma relação não aleatória nós precisamos observar a relação entre evidências de confirmação e refutação e verificar se a frequência de casos positivos pode ter acontecido ao acaso ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , p. 4, tradução livre).

Como evidenciado por Bryant e Nunes (2012)BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , o amplo entendimento de probabilidade depende do desenvolvimento sucessivo de conhecimentos sobre aleatoriedade, espaço amostral, comparação e quantificação de probabilidades , para se chegar às correlações . Nesse sentido, é importante destacar que problemas probabilísticos podem envolver diferentes demandas , dado que estas estão intrinsecamente relacionadas. Em tal contexto, ao considerar esse aporte teórico para classificar diferentes situações probabilísticas nas análises aqui apresentadas, será levado em consideração o que é explicitamente solicitado, ou seja, qual é a principal demanda envolvida em cada caso.

2.4 Articulando Combinatória e Probabilidade

Combinatória e Probabilidade possuem origens comuns, pautadas nos jogos de azar e nas experimentações (BATANERO; GODINO; NAVARRO-PELAYO, 1996). Ambas são importantes ferramentas matemáticas à compreensão do não determinístico. Por um lado, olha-se para todas as possibilidades de organização de elementos em um dado contexto, imaginando-se, assim, os diferentes resultados que podem ocorrer. Por outro, a partir de tais possibilidades, pode-se inferir informações sobre qual resultado é o mais (ou menos) provável e representá-lo por meio de uma fração, decimal ou percentual.

Tais áreas da Matemática possuem vastos campos de pesquisas e aplicação independentes. Contudo, é importante perceber que elas se entrelaçam, inclusive ao considerarmos diferentes concepções de probabilidade. A Combinatória é, notavelmente, uma importante ferramenta ao desenvolvimento da Probabilidade, visto que “a análise do espaço amostral requer raciocínio combinatório” ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. , p. 8, tradução livre). Contudo, mesmo ao se tratar da probabilidade frequentista (concepção que vem ganhando força nos currículos nacionais voltados aos Anos Finais do Ensino Fundamental), conhecimentos combinatórios são úteis a posteriori , ao se buscar compreender os resultados obtidos a partir de experimentações.

Reforçando o posto, ressalta-se que, à luz de um dos principais referenciais teóricos adotados no presente trabalho, a Teoria dos Campos Conceituais, Combinatória e Probabilidade fazem parte de um mesmo campo conceitual, possuindo estreitas relações entre si. Assim, a aprendizagem de seus conceitos se articula e se complementa. É válido destacar que essas áreas compartilham, ainda, representações simbólicas (como, por exemplo, a listagem, a árvore de possibilidades e o princípio fundamental da contagem (PFC), também conhecido como princípio multiplicativo), utilizadas para ilustrar/organizar e/ou quantificar possibilidades – ações relacionadas à resolução de problemas de contagem e ao levantamento de espaços amostrais em situações probabilísticas.

O interesse por entender como tais relações emergem a partir da resolução de problemas, impulsionou o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado de caráter exploratório desenvolvida com estudantes da EJA em diferentes momentos da escolarização ( LIMA, 2018LIMA, E. Raciocínios combinatório e probabilístico na EJA: investigando relações. 2018. 141f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018. ). Tal pesquisa evidenciou importantes contribuições entre os raciocínios combinatório e probabilístico por meio da resolução de problemas com conceitos de Combinatória e de Probabilidade articulados entre si, a partir de revisitações/aprofundamentos das situações exploradas. A exploração das relações entre problemas combinatórios e probabilísticos se mostrou promissora para o desenvolvimento de ambos os raciocínios e permitiu que fossem observados dados que corroboram a premissa de Vergnaud (1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. ) de que um conceito não de desenvolve a partir de um único tipo de situação, ao passo em que uma situação sempre envolve mais de um conceito.

Nesse sentido, o aprofundamento na investigação nessa área é o eixo norteador do estudo de tese da qual o presente artigo apresenta um recorte. A pesquisa em questão busca investigar Combinatória, Probabilidade e suas articulações em documentos oficiais de prescrição e em materiais curriculares (livros didáticos direcionados aos Anos Finais do Ensino Fundamental), visando, ainda, a construção de uma proposta que favoreça o ensino de ambas as áreas. O método referente ao recorte aqui apresentado é discutido a seguir.

3 Método

Foram analisados os 44 volumes que constituem as onze coleções de livros didáticos de Matemática para os Anos Finais do Ensino Fundamental aprovadas pelo PNLD 2017 ( BRASIL, 2016BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC / Secretaria de Educação Básica, 2016. ). Tais coleções estão listadas no Quadro 2 .

Quadro 2
– Coleções aprovadas no PNLD 2017 – Matemática

Em um primeiro momento, a identificação dos capítulos para análise foi realizada a partir da leitura do sumário de cada um dos 44 livros didáticos. Assim, foram selecionados aqueles capítulos que indicavam o trabalho com Combinatória e/ou com Probabilidade. Para tal, foram considerados termos como: possibilidades, probabilidade, contagem , bem como os que remetiam à multiplicação e à divisão de números naturais – visto que problemas de tal natureza podem trazer abordagem combinatória/probabilística.

Os capítulos selecionados foram, então, examinados na íntegra. Naquele momento, foi feito o levantamento de todos os problemas combinatórios ou probabilísticos neles presentes. Nesse sentido, é válido destacar que, dado que uma mesma questão proposta pode abordar problemas de diferentes naturezas, cada item foi contabilizado e categorizado de maneira independente (letras a, b, c e d de uma mesma questão foram considerados como quatro problemas distintos, por exemplo). Cada problema foi, então, categorizado no que diz respeito às situações combinatórias ( BORBA, 2010BORBA, R. O raciocínio combinatório na Educação Básica. In: Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Anais... Salvador, 2010. ) e às demandas cognitivas da Probabilidade exploradas ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. ). É válido ressaltar, ainda, que a demanda de comparação e quantificação de probabilidades foi dividida em duas, em função da diferença da natureza dos problemas que a abordam.

À luz dos aportes teóricos adotados, as análises apresentadas na próxima seção estão estruturadas, considerando-se as seguintes variáveis: 1. tipo de problema ; 2. representações simbólicas (apresentadas e solicitadas); 3. natureza da articulação (quando existente).

4 Apresentação e discussão dos resultados

4.1 Análises gerais

Foram identificados, nas onze coleções de livros didáticos analisadas, 1172 problemas de natureza combinatória ou probabilística ( Figura 1 ).

Figura 1
– Distribuição de problemas combinatórios e probabilísticos (por coleção)

É possível notar grande disparidade nos quantitativos de problemas presentes nas coleções de livros didáticos em questão. Enquanto a Coleção E conta com 211 problemas combinatórios ou probabilísticos, por exemplo, outras coleções apresentam quantitativos até sete vezes menores, como é o caso das coleções B e H. Na maioria das coleções de livros didáticos analisadas há, ainda, bem mais problemas probabilísticos do que combinatórios – tendo sido identificados, ao todo, 298 problemas combinatórios, enquanto o quantitativo referente à Probabilidade foi de 874 problemas. O maior espaço dado à Probabilidade nos livros didáticos voltados aos Anos Finais pode ser um reflexo dos resultados obtidos ao se analisar documentos oficiais de prescrição, a partir dos quais se percebeu que há, nesses documentos, uma discussão bem mais ampla sobre o trabalho com a Probabilidade do que com a Combinatória nessa etapa da escolarização básica (LIMA; BORBA, 2019a).

É oportuno mencionar, também, como os problemas identificados nos livros didáticos estão distribuídos entre os diferentes volumes das coleções analisadas. Constatou-se que a maior porcentagem dos problemas combinatórios está concentrada nos livros direcionados ao 6º ano do Ensino Fundamental – 119 problemas. Esse volume, em específico, foi, ainda, o único no qual todas as coleções apresentam problemas de natureza combinatória. Tais análises são apresentadas em detalhes nas Tabelas 1 e 2 .

Tabela 1
– Distribuição dos problemas combinatórios (por ano e por coleção)

Tabela 2
– Distribuição dos problemas probabilísticos (por ano e por coleção)

Nenhuma das coleções apresenta problemas combinatórios em todos os volumes e apenas três delas apresentam problemas dessa natureza em três dos quatro volumes direcionados aos Anos Finais. Ressalta-se que esse parece ser um reflexo do fato de que nos documentos de prescrição o trabalho com a Combinatória não apareceu, explicitamente, nas orientações voltadas a todos os anos dos Anos Finais em nenhum dos documentos analisados (LIMA; BORBA, 2019a). Além disso, é importante reforçar que a distribuição desses problemas não é equitativa por coleção, nem por ano.

Por sua vez, os problemas probabilísticos estão concentrados principalmente no 7º ano (374 problemas), e em apenas duas coleções não foram identificados problemas probabilísticos no volume voltado para esse ano da escolarização. Outra parte dos problemas probabilísticos está bem dividida nos livros voltados para o 8º e o 9º ano do Ensino Fundamental. A maior amplitude do trabalho com a Probabilidade reflete as prescrições curriculares, as quais apresentam orientações bem sistematizadas e distribuídas em todos os anos que compõem os Anos Finais do Ensino Fundamental (LIMA; BORBA, 2019a). No entanto, de maneira semelhante ao observado no que se trata da Combinatória, não parece haver uma concordância sobre em qual ano concentrar o trabalho com a Probabilidade nem em que quantidade explorar problemas probabilísticos nos diferentes volumes de livros didáticos.

4.2 Tipos de problema

Os problemas combinatórios e probabilísticos identificados foram analisados e classificados em função da situação combinatória ( BORBA, 2010BORBA, R. O raciocínio combinatório na Educação Básica. In: Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Anais... Salvador, 2010. ) ou da demanda cognitiva da Probabilidade ( BRYANT; NUNES, 2012BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. ) explorada nos mesmos. Os resultados obtidos a partir de tais análises encontram-se sistematizados nas Tabelas 3 e 4 .

Tabela 3
– Distribuição dos problemas combinatórios (por situação abordada, por coleção e por ano)

Tabela 4
– Distribuição dos problemas probabilísticos (por situação abordada, por coleção e por ano)

No que diz respeito à Combinatória, destaca-se que aproximadamente 50,3% dos problemas combinatórios presentes nas coleções analisadas exploram a situação de produto de medidas. Tal dado corrobora que esse tende a ser um dos tipos de problema de contagem mais trabalhados no Ensino Fundamental ( BARRETO; BORBA, 2010BARRETO, F.; BORBA, R. Como o raciocínio combinatório tem sido apresentado em livros didáticos de anos iniciais. Anais... Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Salvador, 2010. ), tendo sido, ainda, o único tipo presente em todas as coleções.

Por sua vez, a situação de combinação foi a menos encontrada nos livros didáticos analisados, o que vai de encontro ao resultado obtido por Barreto e Borba (2010)BARRETO, F.; BORBA, R. Como o raciocínio combinatório tem sido apresentado em livros didáticos de anos iniciais. Anais... Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Salvador, 2010. ao analisarem livros didáticos dos Anos Iniciais. Uma justificativa das autoras à grande presença de combinações nos livros de tal etapa da escolarização é a relação dessa situação combinatória, em específico, ao estudo do sistema monetário. A menor presença de problemas de combinação nos livros didáticos dos Anos Finais e, por consequência, potencialmente também na sala de aula, pode reforçar dificuldades apontadas em estudos anteriores, realizados com públicos variados, que constataram um menor desempenho neste dentre os demais tipos de problemas combinatórios ( PESSOA, 2009PESSOA, C. Quem dança com quem: o desenvolvimento do raciocínio combinatório do 2º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. 2009. 267f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. ; LIMA, 2010LIMA, R. de C. O raciocínio combinatório de alunos da educação de jovens e adultos: do início da escolarização até o ensino médio. 2010. 151f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. ; AZEVEDO, 2013AZEVEDO, J. Alunos de anos iniciais construindo árvores de possibilidades: é melhor no papel ou no computador? 2013. 126f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. ; LIMA, 2018LIMA, E. Raciocínios combinatório e probabilístico na EJA: investigando relações. 2018. 141f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018. ).

Destaca-se que cinco das onze coleções analisadas abordam os quatro tipos de problemas combinatórios, e outras cinco abordam três deles. Uma análise mais detalhada dos dados mostra que não há concordância sobre em qual ano escolar trabalhar problemas de contagem nos Anos Finais nem, tampouco, sobre quais tipos de problema propor.

A Tabela 3 evidencia que há uma quantidade bem maior de problemas de produto de medidas , e evidencia que estes não estão bem distribuídos entre volumes (nem coleções), sendo priorizado o trabalho com essa situação no 6º ano. Assim como os problemas que exploram a situação de produto de medidas , os problemas de combinação e de permutação (menos frequentes nas coleções analisadas) tendem a diminuir com o avanço dos volumes. Por sua vez, os problemas de arranjo estão divididos de forma equilibrada, por ano, na análise dos totais, mas não há concordância sobre em qual ano trabalhar esse tipo de situação.

Nesse sentido, tendo por base os referenciais teóricos adotados ( VERGNAUD, 1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. ; BORBA, 2010BORBA, R. O raciocínio combinatório na Educação Básica. In: Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Anais... Salvador, 2010. , 2016BORBA, R. Antes cedo do que tarde: O aprendizado da Combinatória no início da escolarização. In: Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais – Encepai. Anais... Recife, 2016. ), defende-se que diferentes situações combinatórias (bem como seus invariantes e representações ) sejam exploradas ao longo da escolarização, de maneira contínua, visando o amplo desenvolvimento do raciocínio combinatório e do repertório de estratégias para a resolução de problemas de contagem.

Quanto à Probabilidade, destaca-se a concentração significativa de problemas que abordam a quantificação de probabilidades (aproximadamente 70,3%), a qual foi, ainda, a única demanda encontrada em todas as coleções analisadas e a mais frequente em quase todas as coleções (com exceção de apenas duas). Tal dado alerta para a priorização do cálculo de probabilidades pelos autores nos Anos Finais, enquanto outras demandas (referentes à compreensão da aleatoriedade, ao levantamento do espaço amostral e à comparação de probabilidades), também essenciais ao amplo entendimento da Probabilidade, podem ser deixadas de lado. Mesmo que se trate de uma etapa da escolarização na qual se espera que haja continuidade a um trabalho que deve ser iniciado em anos anteriores, é de suma importância que discussões em sala de aula perpassem diferentes demandas cognitivas, a fim de proporcionar o desenvolvimento do raciocínio probabilístico.

Por outro lado, um aspecto positivo constatado a partir das análises realizadas é que oito das onze coleções abordam, mesmo que em poucos problemas, as três demandas apontadas por Bryant e Nunes (2012)BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. que estão presentes nas prescrições para os Anos Finais (relacionadas 1. ao entendimento da aleatoriedade ; 2. à elaboração/análise do espaço amostral ; 3. à comparação e à quantificação de probabilidades). A segunda demanda mais explorada, relacionada à construção/análise de espaços amostrais , está presente em dez das onze coleções em questão. Tal achado é muito importante à pesquisa da qual o presente artigo apresenta um recorte, visto que constata que os livros didáticos têm valorizado o levantamento de possibilidades como um importante passo no trabalho com a Probabilidade (passo, este, que representa a estreita relação com a Combinatória).

Os dados apresentados na Tabela 4 evidenciam, ainda, que, assim como observado no que diz respeito à Combinatória, também não há uma distribuição equitativa de problemas nas coleções analisadas e dos diferentes tipos de problema por volume. Isso reforça uma grande concentração de problemas de quantificação de probabilidades (com pouca presença no 6º ano) e uma quantidade muito menor dos demais tipos de problemas (também não equitativamente distribuídos). Nesse caso, também é oportuno destacar, corroborando autores como Vergnaud (1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. ), Bryant e Nunes (2012)BRYANT, P.; NUNES, T. Children’s understanding of probability: a literature review. Londres: Nuffield Foundation, 2012. e Campos e Carvalho (2016)CAMPOS, T.; CARVALHO, J. I. Probabilidade nos anos iniciais da educação básica: contribuições de um programa de ensino. Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana, Recife, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2016. , a importância de que diferentes situações probabilísticas (que envolvam as diversas demandas cognitivas) estejam presentes no ensino ao longo da escolarização básica, de forma contínua, para que se possa aprofundar as reflexões acerca das mesmas e, com isso, potencializar a aprendizagem dos estudantes e o amplo desenvolvimento de seus raciocínios probabilísticos.

4.3 Representações simbólicas

Além de voltar o olhar às diferentes situações combinatórias e probabilísticas (diferenciadas entre si em função de seus invariantes ), os problemas presentes nos livros didáticos foram analisados, tendo-se em vista representações simbólicas (apresentadas e solicitadas) nos mesmos. Tal variável se refere ao terceiro elemento do tripé que compõem um conceito, segundo Vergnaud (1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. ), e dizem respeito aos modos de representar situações e relações nelas implícitas, sendo, assim, um importante meio para a resolução de problemas.

As Figuras 2 e 3 se referem aos dados obtidos no que se refere às representações apresentadas pelos autores nos livros didáticos e àquelas solicitadas aos estudantes, respectivamente, em problemas de Combinatória.

Figura 2
Representações simbólicas apresentadas pelos autores (problemas combinatórios)

Figura 3
Representações simbólicas solicitadas aos estudantes (problemas combinatórios)

Foram considerados, no primeiro caso, os registros presentes nos enunciados dos problemas, bem como nos exemplos disponibilizados nos livros didáticos. À luz de referenciais adotados ( VERGNAUD, 1986VERGNAUD, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas. Um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, p.75-90, 1986. , 1996VERGNAUD, G. A Teoria dos Campos Conceptuais. In: BRUM, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1996. p. 155-191. ; BORBA, 2010BORBA, R. O raciocínio combinatório na Educação Básica. In: Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Anais... Salvador, 2010. ), reforça-se que a exploração de uma variedade de representações simbólicas adequadas ao trabalho com a Combinatória é essencial para que os estudantes as conheçam e possam se familiarizar com elas, a fim de estarem munidos de opções para resolver os problemas de contagem corretamente. Assim, a presença das mesmas nos livros didáticos as aproxima de seus usuários durante os processos de ensino e de aprendizagem – professores e estudantes.

Como evidenciado na Figura 2 , grande parte dos problemas analisados (cerca de 45%) apresenta apenas enunciado, isto é, não se utiliza de outras representações além da escrita para auxiliar a condução do problema proposto. Um resultado semelhante foi obtido por Barreto e Borba (2010)BARRETO, F.; BORBA, R. Como o raciocínio combinatório tem sido apresentado em livros didáticos de anos iniciais. Anais... Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Salvador, 2010. , que apontam um percentual de aproximadamente 35% em problemas combinatórios presentes em livros didáticos dos Anos Iniciais.

Destaca-se o uso de desenhos para auxiliar na resolução de problemas combinatórios nos materiais didáticos analisados – aproximadamente 28,9% dos problemas. Já Barreto e Borba (2010)BARRETO, F.; BORBA, R. Como o raciocínio combinatório tem sido apresentado em livros didáticos de anos iniciais. Anais... Encontro Nacional de Educação Matemática – X ENEM. Salvador, 2010. apontaram um percentual de 37% referente aos Anos Iniciais, sendo a representação apresentada mais comum e bem apropriada para crianças desse nível de ensino. É importante ressaltar, ainda, que no presente estudo este tipo de representação simbólica (desenho) foi diferenciada de meras ilustrações ( Figuras 4 e 5 ).

Figura 4
– Representação apresentada – desenho (produto de medidas)

Figura 5
– Representação apresentada – ilustração (produto de medidas)

No primeiro caso ( Figura 4 ) o desenho apresentado pode auxiliar o estudante na resolução do problema proposto, uma vez que pode servir de base para desenho e/ou contagem dos caminhos possíveis na situação em questão. Por sua vez, na Figura 5 , a ilustração não serve de auxílio à resolução do problema, apenas o contextualiza.

Outras representações simbólicas foram apresentadas ( Figura 2 ) – pelos autores dos livros didáticos analisados – em quantidades bem pequenas e de maneira não equitativa entre as coleções e volumes. É válido ressaltar, no entanto, que as representações referentes a árvores de possibilidades, listagem e quadro de possibilidades – apresentadas em cerca de 8,4%, 4,7% e 3,7% dos problemas combinatórios identificados, respectivamente – dizem respeito a diferentes formas de explicitar possibilidades uma a uma, consistindo em construções combinatórias muito úteis, inclusive, ao cálculo de probabilidades, pois permitem que seja realizada a quantificação dos casos possíveis ( espaço amostral ) e dos casos favoráveis.

Tais tipos de representações simbólicas são típicos na resolução de problemas dessa natureza e não são espontâneas. Constituem, ainda, etapas na compreensão dos diferentes tipos de problemas e servem de suporte para o desenvolvimento dos raciocínios combinatório e probabilístico e para a apropriação de representações mais elaboradas, como o PFC e as fórmulas (que são mais adequadas à resolução de problemas mais complexos, com um número elevado de possibilidades), que irão surgir, inclusive, no Ensino Médio. Assim, é de suma importância que os livros didáticos apresentem, mais frequentemente, árvores de possibilidades, quadros de possibilidades e listagens.

Em aproximadamente 84,9% dos problemas combinatórios não foi explicitada qual representação o estudante deve utilizar. Esse pode ser considerado um ponto positivo, visto que, ao apresentar representações diversas, o estudante terá contato com diferentes caminhos de resolução dos problemas e poderá eleger aquela que preferir em cada caso. Por outro lado, ao solicitar o uso de uma representação específica, em alguns casos, se pode explorar relações inclusive com a Probabilidade a partir da explicitação de cada possibilidade, isto é, a construção de um espaço amostral – seja por meio de listagem ou construção de árvore ou quadro de possibilidades , como mencionado anteriormente. É importante ressaltar, no entanto, que essa indicação uma a uma não é viável em todos os casos. A listagem (assim como o desenho) é, ainda, uma representação que surge espontaneamente (de maneira não sistemática), quando os estudantes não conhecem ou não estão seguros em utilizar outras formas de levantar possibilidades (que não demandem, necessariamente, uma enumeração das mesmas) ( PESSOA, 2009PESSOA, C. Quem dança com quem: o desenvolvimento do raciocínio combinatório do 2º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. 2009. 267f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. ; LIMA, 2010LIMA, R. de C. O raciocínio combinatório de alunos da educação de jovens e adultos: do início da escolarização até o ensino médio. 2010. 151f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010. ; LIMA, 2018LIMA, E. Raciocínios combinatório e probabilístico na EJA: investigando relações. 2018. 141f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018. ).

A pequena presença de árvores de possibilidades e do PFC (tanto na apresentação, quanto na solicitação) consistem, assim, em um ponto de atenção dado o posto em estudos anteriores que evidenciam a importância de tais representações à ampla compreensão de diferentes situações combinatórias (e seus respectivos invariantes) e, consequentemente, ao desenvolvimento do raciocínio combinatório ( AZEVEDO, 2013AZEVEDO, J. Alunos de anos iniciais construindo árvores de possibilidades: é melhor no papel ou no computador? 2013. 126f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. ; LIMA, 2015LIMA, A. P. Princípio fundamental da contagem: conhecimentos de professores de matemática sobre seu uso na resolução de situações combinatórias. 2015. 138f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática e Tecnológica) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015. ).

As Figuras 6 e 7 apresentam, por sua vez, os resultados referentes à Probabilidade: representações simbólicas apresentadas pelos autores dos livros didáticos e, em seguida, as solicitadas aos estudantes.

Figura 6
Representações simbólicas apresentadas pelos autores (problemas probabilísticos)

Figura 7
Representações simbólicas solicitadas aos estudantes (problemas probabilísticos)

É notável que são apresentadas representações simbólicas bem variadas (ainda que não estejam presentes em todas as coleções/volumes analisados). Parte dessas representações, em Probabilidade, estão relacionadas às diferentes formas de apresentação de um número racional/de uma razão – razão/fração (apresentada em cerca de 7,8% dos problemas probabilísticos), decimal (2,3%) e porcentagem (6,4%) – que são utilizadas para quantificar uma probabilidade. Outros tipos de representações, como é o caso das tabelas (5,7%) e gráficos (1,5%), se relacionam à concepção frequentista de probabilidade, tendo em vista que são apresentados como ferramenta para a comunicação de dados de pesquisas estatísticas atreladas aos problemas probabilísticos em questão.

Por sua vez, constatou-se que representações de natureza combinatória são apresentadas pelos autores em poucos casos nos materiais analisados – quadro de possibilidades (2,9%); listagem (2,8%); árvore de possibilidades (1,6%) e PFC (0,3%). Percentuais tão pequenos se opõem ao que se observa em documentos oficiais de prescrição, que dão grande destaque a diversas representações combinatórias como ferramenta à construção de espaços amostrais e ao cálculo de probabilidades (sob uma concepção clássica), sendo assim, uma fonte articuladora entre Combinatória e Probabilidade.

Resultados análogos foram observados no que se trata das representações solicitadas aos estudantes ( Figura 7 ).

Semelhante ao observado no caso da Combinatória, na maior parte dos problemas probabilísticos propostos aos estudantes não há solicitação explícita da estratégia a ser utilizada quando da resolução dos mesmos – cerca de 85% dos problemas. Dessa maneira, fica a critério do estudante eleger, dentre o repertório que possui (adquirido a partir das representações apresentadas nos livros, em sala de aula e outras experiências), a mais adequada ao resolver um dado problema.

Ao mesmo tempo em que tal liberdade na resolução de um dado problema é algo positivo, pois permite que uma diversidade de representações e estratégias surja, é importante destacar que nesse caso ( Figura 7 ) ainda menos problemas fazem uso (solicitação) de árvores de possibilidades (0,6%), quadros de possibilidades (0,5%) e PFC (0,1%) – e um percentual também pequeno solicita a listagem (4,5%). Como ressaltado anteriormente, estas constituem um importante elo entre Combinatória e Probabilidade.

São, ainda, exploradas em diversos estudos que valorizam tal articulação ( ABRAHAMSON, 2012ABRAHAMSON, D. Seeing chance: perceptual reasoning as an epistemic resource for grounding compound event spaces. ZDM: the international journal on mathematics education, Karlsruhe, v. 44, n. 7, p. 869-881, 2012. ; FERNANDES; CORREIA, 2010; KAPON et al. , 2015; LOCKWOOD, 2012LOCKWOOD, E. Counting using sets of outcomes. Mathematics Teaching in the Middle School, Dallas, v. 18, n. 3, p.132-135, 2012. ; NUNES et al. , 2014; SCHNEIDER; BLIKSTEIN, 2016SCHNEIDER, B.; BLIKSTEIN, P. Flipping the Flipped Classroom: A Study of the Effectiveness of Video Lectures Versus Constructivist Exploration Using Tangible User Interfaces. IEEE Transactionson Learning Technologies, New York, v. 9, n. 1, p. 5-17, 2016. ) e apontam seus potenciais em favorecer o desenvolvimento de ambos os raciocínios em questão. Já a solicitação do uso de razão (5,2%) e de porcentagem (3,8%) é, ainda, um reflexo da maior presença de problemas de quantificação de probabilidades sob uma visão clássica nos livros didáticos analisados.

Nesse sentido, as representações de cunho combinatório apresentadas e solicitadas evidenciam uma estreita relação entre o estudo de espaços amostrais em uma situação probabilística e uma construção combinatória. O levantamento de espaços amostrais , via raciocínio combinatório, é uma etapa essencial para o cálculo de probabilidades na visão clássica3 3 Tal concepção de Probabilidade foi a mais encontrada nos livros didáticos em questão – em cerca de 81% dos problemas identificados, conforme apontado por Lima (2020) . .

A relação entre o levantamento de espaços amostrais (a partir de representações tipicamente combinatórias e que recrutam raciocínio dessa natureza) e o cálculo de probabilidades é exemplificada nas Figuras 8 e 9 . A Figura 8 apresenta um problema no qual, ao se explorar um contexto tipicamente probabilístico (sorteio de bolas em uma caixa de papelão), é utilizada (pelo autor do livro didático) uma árvore de possibilidades – para indicar todos os eventos que constituem o espaço amostral envolvido no problema proposto. A partir desse registro, solicita-se (ao estudante), sem pré-determinação da estratégia a ser utilizada, o cálculo de algumas probabilidades. Por sua vez, a Figura 9 ilustra um problema de estrutura semelhante, no qual a representação simbólica apresentada é um quadro de possibilidades, servindo de base para a resolução dos itens que compõem a questão.

Figura 8
– Representação apresentada – árvore de possibilidades (quantificação de probabilidades)

Figura 9
– Representação apresentada – quadro de possibilidades (quantificação de probabilidades / comparação de probabilidades)

A potencialidade de problemas como o apresentado nas Figuras 8 e 9 para a exploração de relações existentes entre Combinatória e Probabilidade, possibilitando o desenvolvimento de ambos os raciocínios (combinatório e probabilístico) é explorada nas análises a seguir.

4.4 Articulações entre Combinatória e Probabilidade

A partir do levantamento realizado, foram identificados 181 problemas que articulam conceitos combinatórios e probabilísticos, possibilitando, durante o ensino, a exploração de ambas as áreas da Matemática em questão e auxiliando o desenvolvimento dos raciocínios a elas atrelados. Tal quantitativo equivale a aproximadamente 15,4% do total de problemas levantados nas coleções de livros didáticos analisadas (1172). Ao examinar tais problemas, foi possível classificá-los em duas categorias, em função da natureza da articulação neles implícitas: 1. exploração das relações por meio do uso de representações simbólicas em comum; 2. utilização de contextos típicos ou aprofundamento de problemas ( Tabela 5 ).

Tabela 5
– Distribuição dos problemas que articulam Combinatória e Probabilidade (por coleção e por natureza da articulação)

O primeiro meio de articulação (exploração das relações por intermédio do uso de representações simbólicas em comum) está muito presente nas prescrições oficiais, que ressaltam a importância de construções de natureza combinatória ao levantamento de espaços amostrais e, consequentemente, ao cálculo de probabilidades (LIMA; BORBA, 2019a). Além disso, diversos estudos apontam a Combinatória (seu raciocínio e construções/representações associadas ao levantamento de possibilidades) como importante ferramenta ao trabalho com a Probabilidade. É importante elucidar, ainda, que os 106 problemas categorizados nesse tipo de articulação englobam os dois sentidos da exploração dessa relação: problemas combinatórios que fazem uso de representações que permitem a explicitação de possibilidades uma a uma, tendo, assim, ligação direta com o conceito de espaço amostral ( Figura 10 ), bem como problemas probabilísticos que fazem solicitação de uso de representações tipicamente combinatórias ou a apresentação das mesmas (como ilustrado anteriormente, na Figura 8 ).

Figura 10
– Problema combinatório (arranjo) com solicitação de construção de árvore de possibilidade

Por sua vez, problemas que apresentam uma articulação entre Combinatória e Probabilidade a partir da exploração de contextos típicos e/ou do aprofundamento/revisitação de situações não são explicitamente mencionados nas prescrições nacionais nem do estado de Pernambuco (LIMA; BORBA, 2019a). No entanto, tal tipo de articulação constitui uma rica possibilidade atrelada à resolução de problemas, e permite que a Combinatória ganhe espaço não apenas como ferramenta ao cálculo de probabilidades, mas como uma área com contextos próprios e uma variedade de situações a serem exploradas (respeitando-se os invariantes das mesmas e a partir do uso das representações /estratégias adequadas e viáveis a cada caso). Esse viés de articulação é apresentado nos exemplos a seguir ( Figuras 11 e 12 ).

Figura 11
– Problemas probabilísticos (quantificação de probabilidades) como aprofundamento de contexto combinatório (permutação)

Figura 12
– Problema combinatório (produto de medidas) com contexto tipicamente probabilístico (lançamento de um dado e uma moeda)

Observando-se as figuras anteriormente apresentadas, que constam nos livros didáticos analisados, é possível perceber, ainda, que existe uma aproximação entre os dois tipos de articulações entre Combinatória e Probabilidade, isto é, por vezes esses tipos de articulação (a partir do uso de representações simbólicas em comum e como aprofundamento de contexto / revisitação de problemas) se cruzam, coexistindo em diferentes itens de uma mesma questão.

As considerações iniciais levantadas a partir das análises aqui discutidas são apresentadas a seguir.

5 Algumas considerações

A partir do desenvolvimento da etapa do estudo de tese do qual o presente artigo apresenta um recorte, referente à análise dos 44 livros didáticos de Matemática dos Anos Finais aprovadas pelo PNLD 2017 ( BRASIL, 2016BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC / Secretaria de Educação Básica, 2016. ), foi possível perceber que não há uma distribuição equilibrada de problemas combinatórios e probabilísticos nas coleções analisadas, por volume nem por tipo ( situação combinatória ou demanda cognitiva da Probabilidade) – resultado influenciado, possivelmente, pelo que está posto, também, em documentos oficiais de prescrição, como apontam as análises apresentadas em Lima e Borba (2019a).

Foram identificadas, ainda, evidências de relações entre a Combinatória e a Probabilidade e a proposição de problemas que exploram articulações entre elas a partir das representações simbólicas apresentadas e/ou solicitadas (corroborando orientações dos documentos oficiais (LIMA; BORBA, 2019a) e a partir da utilização de contextos típicos ou aprofundamento de problemas, uma possibilidade rica de articulação entre Combinatória e Probabilidade que não é mencionada explicitamente nas prescrições curriculares. É importante mencionar, ainda, que esse segundo tipo de articulação consiste em uma forma sistemática de valorização de ambas as áreas da Matemática e, assim, a proposição de problemas de tal natureza nos livros didáticos analisados parece possuir um caráter mais intencional de relacionar os raciocínios combinatório e probabilístico.

Esse segundo caminho de articulação mencionado permite que o foco seja o contexto abordado em cada situação, aplicando-se conhecimentos dessas duas áreas da Matemática e não apenas destacando a Combinatória como ferramenta ao estudo da Probabilidade, motivo pelo qual traz importantes contribuições ao trabalho da tese em desenvolvimento. Encontra-se em andamento a análise de coleções de livros didáticos de Matemática dos Anos Finais aprovadas pelo PNLD 2020 ( BRASIL, 2019BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC / Secretaria de Educação Básica, 2019. ), que enfoca, principalmente, modificações referentes ao foco de estudo que possam ser resultantes das orientações presentes na BNCC ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. ), visto que tal documento prescritivo entrou em vigência após a elaboração dos livros didáticos anteriormente analisados e traz em seu texto marcos importantes ao trabalho com a Probabilidade e da Combinatória como ferramenta a ela articulada.

Agradecimentos

À CAPES, pelo financiamento concedido à pesquisa de doutoramento em andamento.

Referências

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  • 1
    Foram analisados os Parâmetros Curriculares Nacionais ( BRASIL, 1998BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática – 3º e 4º ciclos. Brasília: MEC / Secretaria de Ensino Fundamental, 1998. ); os Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2012); a Base Nacional Comum Curricular ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. ) e o Currículo de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2019).
  • 2
    Coleção do PNLD 2017 mais distribuída nacionalmente segundo dados do FNDE.
  • 3
    Tal concepção de Probabilidade foi a mais encontrada nos livros didáticos em questão – em cerca de 81% dos problemas identificados, conforme apontado por Lima (2020)LIMA, E. Probabilidade em livros didáticos de Matemática dos Anos Finais: diferentes concepções. Zetetiké, Campinas-SP, v.28, p. 1-18, 2020. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2021
  • Aceito
    2 Nov 2021
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