Resumo
Este artigo tem o objetivo de analisar e compartilhar cortes na experiência formativa de duas pesquisadoras em Educação Matemática durante seu pós-doutorado na Faculdade de Educação da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul. Em uma escrita difrativa, a partir de imagens e experiências na África do Sul, articulamos a perspectiva pós-humanista crítica aos modos de operar dessas educadoras matemáticas. A partir de registros em cadernos de campo, grupos focais e entrevistas (que não serão, aqui, especificamente tematizados) este texto articula experiências em um curso de formação de professores; em um projeto internacional que envolveu escolas da educação básica, estudantes e comunidades; nas ruas e no trabalho com/em um grupo de pesquisa com o intuito de afirmar possibilidades para uma Educação Matemática que lute contra a organização binária de um mundo que demanda ser lido em interseccionalidade.
Pós-humanismo crítico; Educação (Matemática; Escrita e pedagogia difrativas; Processos formativos
Abstract
This article aims to analyze and share snapshots of the formative experiences of two researchers in Mathematics Education during their postdoctoral studies in the School of Education at the University of Cape Town, South Africa. Through a diffractive writing approach, drawing from images and experiences in South Africa, we articulate a critical posthumanist perspective on the ways of operating these mathematics educators. Based on field notebooks, focus groups, and interviews (which will not be specifically addressed in this text), this paper connects experiences in a teacher education course, an international project involving basic education schools, students, and communities, as well as in the streets and in working with/in a research group, with the aim of affirming possibilities for a Mathematics Education that challenges the binary organization of a world that demands to be read through an intersectional lens.
Critical posthumanism; Education (mathematics; Diffractive writing and pedagogy; Formative processes
1 Introdução
“Not a day should pass when we don’t remember our past”. Este texto, impresso na parede do museu Bartolomeu Dias em Mossel Bay, cidade portuária do Oceano Índico na África do Sul, sinaliza para um cuidado importante: a história explicada parece compor-se como distrator na problematização de acontecimentos. Durval Muniz de Albuquerque Júnior, em entrevista a Caio Souto1, afirma que o saber é feito para cortar e não para explicar. Segundo o historiador, é questionável que a leitura de um livro sobre a história da violência ou de uma guerra específica não provoque nos leitores o incômodo que deveria, não os fira como ferem todas as violências. Em sua leitura, esse não envolvimento com o tema tratado está em parte vinculado ao caráter explicativo que se atribui ao saber: quando se explica, se está a justificar e há coisas no mundo que deveriam permanecer como injustificáveis.
O que pode um corpo cortado/corte? O que pode uma pesquisa-corte? O que pode um ensino-corte?
Este artigo foi produzido com o objetivo de articular alguns dos cortes produzidos pela experiência formativa das autoras durante o pós-doutorado desenvolvido na Escola de Educação da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, sob supervisão de Karin Murris2 no período de 2019 a 2020.
Nascidas respectivamente em Ipaussu e Tabatinga, ambas cidades do interior de São Paulo, as autoras mudaram-se para outras cidades de forma a dar continuidade aos estudos. Uma das autoras para Bauru-SP primeiro, nos quatro anos de Licenciatura em Matemática e depois para Rio Claro-SP, para onde a segunda autora migrou já desde a graduação. A parceria que hoje se afirma nas disciplinas, publicações e projetos comuns inicia no Grupo de História Oral e Educação Matemática (GHOEM)3, especialmente na convivência criada com e dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Unesp de Rio Claro. Parcerias ensinam. Ensinam em movimento de, apesar de não saber onde o outro está, reconhecer que é preciso saber para que se possa caminhar na direção um do outro e para que estes possam negociar, juntos, a possibilidade de irem a lugares diferentes (Lins, 1999).
Fomos para a África do Sul, para um grupo de pesquisa, o Decolonising Early Childhood Discourse4 (DECD), que estuda e pratica uma perspectiva pós-humanista na Escola de Educação da Universidade da Cidade do Cabo - UCT. Supervisionadas por Karin Murris, participamos de reuniões semanais, bem como do Projeto de Pesquisa Children, Technology and Play em parceria entre University of Sheffield, UK, University of Cape Town, South Africa, LEGO Foundation and Dubit (Cf. Marsh et al, 2020).
Das marcas que narram essa experiência formativa, destacamos algumas neste texto. A primeira delas diz respeito ao cenário de manifestações dentro e fora da universidade, devido a mais uma mulher estuprada e assassinada na cidade. Uma aluna da UCT que perdeu a vida nas mãos de um homem que trabalhava em uma pequena empresa de fotocópias, lugar onde estudantes iam com frequência para replicarem textos para estudo. A biblioteca central do campus expunha gigantescas faixas chamando a comunidade para a luta contra a violência de gênero. De mãos dadas, centenas de estudantes entoavam um canto-oração em frente a esse espaço, em uma língua que não conseguimos identificar (a África do Sul possui onze línguas oficiais). Esse clima aumentava as orientações sobre não andar sozinha pelo campus ou cidade e ressoavam nas produções das alunas na disciplina Childhood Studies de que participamos como parte da formação de professores para a Fundation Phase no ano de 2019, na Universidade da Cidade do Cabo.
Esse cenário não é um pano de fundo em que um pós-doutorado, uma graduação ou vidas acontecem. Como sinalizado por Murris (2017), uma ontologia pós humana relacional pressupõe um desaprender a ler o mundo como dividido entre seres vivos (com centralização no humano) e coisas tomadas como passivas, inertes. Não há passividade, os espaços não são um pano de fundo para o que acontece no mundo de forma geral, ou no recorte de uma sala de aula. Esse cenário é matéria e isso não significa dizer uma substância fixa. Matéria é tomada como o que chega a ser um fenômeno através de processos de contínua intra-ação.
Matéria, assim como significado, não é uma entidade estática ou individualmente articulada. Matéria não é pequenas porções de natureza, uma tábula rasa, superfície ou espaço em branco passivamente aguardando a significação; nem é um chão inconteste para teorias científicas, feministas ou marxistas. A matéria não é suporte, locação, referente ou fonte de viabilidade para o discurso. A matéria não é imutável ou passiva. Ela não requer a marca de uma força externa como a cultura ou a história para completá-la. A matéria já é desde sempre uma historicidade em curso (Barad, 2003, p. 25-26. Tradução das autoras).
É, portanto, fundamental operarmos na perspectiva de que esta historicidade em curso nos coloca a performar entendimentos, cuidados e modos de vida, ao mesmo tempo em que essa performance segue materializando outras intra-ações.
Com um motorista de uber na Cidade do Cabo, aprendemos a mapear algumas dessas materializações: “um dos fatores que te ajuda a se localizar na cidade é o verde. Quanto mais verde, mais aquela região é rica”. Também estrangeiro, esse motorista afirmava se orientar assim para entender em que região da cidade estava.
Além da Universidade da Cidade do Cabo, que fica perto da Table Mountain (umas das sete maravilhas naturais do mundo), nossas pesquisas aconteciam em outros dois bairros. Orientadas por aquele motorista, usaremos imagens aéreas como descrições.
Se, para além das áreas verdes, adicionarmos outras cores, evidenciamos outras camadas a essa discussão.
Reafirmamos aqui: ambiente não é pano de fundo, a matéria importa. Os últimos meses dessa experiência do pós-doutorado aconteceram em meio à pandemia por Covid-19. Reuniões online, processo de escrita e análise dos dados que havíamos produzido nos primeiros meses na Cidade do Cabo, Google Meet, Zoom, Whatsapp, Email. Filhos em casa, aulas online, invenção de brincadeiras e experimentos, idas solitárias e a pé ao mercado. Do Brasil, notícias alarmantes e um número crescente de mortes que aumentava a preocupação com amigos e familiares e, quando do entendimento da necropolítica em ação, preocupação geral. Na Cidade do Cabo, a primeira vez que ouvimos sobre o coronavírus foi de um motorista de Uber, novamente: “Você viu o que está acontecendo na China?”
E, de repente, acontecia na África do Sul. Um país que, naquele momento, contava com menos de mil leitos de UTI. Reuniram-se membros do governo e cientistas que organizaram um plano de lockdown comunicado à nação. O então presidente Cyril Ramaphosa reforçava as responsabilidades coletivas solicitando doações e reforçando o fique em casa.
Durante a primeira fase de lockdown não se vendeu cigarro ou bebida alcoólica no país, não circulavam carros de aplicativo/táxis/ônibus nas cidades ou entre cidades (a não ser seguindo as restrições em casos de enterro de familiares), nos mercados somente as sessões de alimentos e produtos de higiene estavam abertas (não se conseguia comprar coisas como tinta de cabelo, por exemplo) e filas enormes se organizavam ao ar livre, uma vez que a quantidade de pessoas dentro dos mercados era controlada. Prateleiras de alimentos vazias no mercado, pessoas de máscara apressadas para voltar para a casa, higienização de cada produto comprado ao entrar em casa … ampliavam a ansiedade daquele momento. A cada pronunciamento, uma atualização dos números, das medidas tomadas (primeiros testes direcionados para as favelas, onde o isolamento era mais difícil), um discurso que engajava (essa é a chance de mostrarmos ao mundo que aprendemos algo com o Apartheid). As crianças foram convidadas a desenhar arco-íris e colar nas janelas de suas casas de forma que aqueles que passassem na rua em direção à farmácia/ao mercado soubessem que não estavam sós. Toda ida ao mercado emocionava.
África do Sul teve, claro, vários problemas como todos os países do planeta, mas é sintomático que os cortes que ainda se fazem sentir são de outra ordem, são da ordem do aceno para outros modos de existir, de estar junto.
Elaborar este texto acadêmico com os pés fincados no presente, buscando uma escrita difrativa sobre um regressar é como nos colocamos nesse movimento. Um regressar, advertimos, não por reflexão ou volta a um passado que já foi, mas como se o revirássemos uma vez e de novo – interagindo iterativamente, difratando de novo, em formação de novas temporalidades (espaço-tempo-matérias), em novos padrões de difração. Fazemos tal movimento pautadas nas compreensões que temos mobilizado, desde a nossa estada na África do Sul, em especial de nossas participações no grupo de leituras e discussões de textos e pesquisas na perspectiva pós-humanista, coordenado por Karin Murris, o DECD Reading Group – Decolonising Early Childhood Discourse, cujo foco principal foram os textos de Karen Barad sobre difração/leitura difrativa e sua compreensão da noção do performativo como intra-ação.
Para fazer entender a sua compreensão de difração, Barad (2014, p.168) sugere que imaginemos o retorno como uma multiplicidade de processos, como aquelas que as minhocas revelam ao ajudarem a fazer compostagem, estando ao mesmo passo ocupadas pelo trabalho e pelo lazer: “revirando o solo várias vezes – ingerindo e excretando-o, cavando túneis através dele, escavando, todos os meios de arejar o solo, permitindo a entrada de oxigênio, abrindo-o e dando vida nova a ele”. Para a autora, embora a difração seja mais comumente relacionada a um fenômeno óptico e menos orgânico, em sua compreensão trata-se de um assunto não apenas animado, mas que perturba a própria noção de dicotomia tida como um ato singular de diferenciação absoluta que fratura isso daquilo, o animado do inanimado, o orgânico do inorgânico, o agora do então, o passado do presente (Barad, 2014). Com o compromisso onto-ético-epistêmico de descentrar o humano e atender às diversas forças materiais não-humanas com as quais o humano está/é em emaranhado, o pós-humanismo reforça a ideia de um organismo regido por intra-ações, ao invés de inter-ações, uma vez que não existem coisas em separado e um entre, mas co-existência no sentido de ser com/em (Barad, 2003).
Assim, ao mesmo tempo em que discutimos tais conceitos e ideias, buscamos um tipo de escrita plausível a eles, de encontros entre diferentes tempos, fenômenos e categorias tradicionalmente separadas, como fotografia e escrita, entre matéria e significado, como também entre criadoras cortadas/separadas como a Luzia e Heloisa que fomos (-sendo) e a Luzia e Heloisa que vamos (-sendo) com/nos espaço-tempo-matérias, é o que buscamos no movimento deste texto. Uma escrita que ressalte sua transversalidade, seu movimento e seu devir processual.
Enquanto escrevemos, nos perguntamos quais formas o texto faz e pode assumir e para que efeitos. O texto também age e nos carrega para outros lugares nos pedindo que decidamos entre retomar o foco inicial ou explorar novas vias que a escrita sinaliza. Mergulhamos nas leituras feministas materialistas das relações entre texto e o mundo, o discursivo e o material, pretendendo oferecer percepções sobre o que percebemos como o rememorar as vivências na África do Sul por meio de uma perspectiva pós-humanista. Uma prática de escrita em que, como agentes dessa ação, assumimos o nosso fazer, o nosso pensamento, não apenas como um exercício isolado, mas que é atravessado por uma coletividade.
Com Manning (2020, p. 50), pensamos em uma escrita experimental que ao invés de mediar “as” histórias que se inscrevem neste texto, prefere um escrever desde as contadoras, descobrindo as vozes que são nossas e não nossas na escrita. Ao nos situarmos em tal movimento, na encruzilhada do estudo teórico e da prática, nos apresentamos desta forma não por querer concretizar algo revolucionário, mas por hoje nos pautarmos na noção de que alguma coisa é sempre inscrita (em nós) na sensação do escrever, e este, por sua vez, é nunca um ato acabado (Manning, 2007).
Uma pedra jogada em um lago produz um padrão de ondulação. Duas pedras jogadas no mesmo lago produzem dois padrões ondulados. Onde as ondulações se cruzam, um padrão novo e complexo emerge, redutível nem a um nem a outro. Este é o tipo padrão de interferência conceitual ao qual a escrita do livro aspira (MANNING & MASSUMI, 2014, p. vii – tradução nossa).
Tal como na analogia de Manning & Massumi, dos padrões difrativos ondulatórios para a produção de novos pensamentos na prática de escrita, retornamos às nossas produções e atuações por meio de uma escrita co-composta porque resultante de um cruzamento de ondas provocadas em nossas distintas fases de atuação e produção, que resultam em padrões de interferências que possibilitam novos devires pesquisadoras-educadoras.
Em contraposição às tradições liberais ocidentais humanistas e à racionalidade iluminista, a perspectiva pós-humanista crítica (Barad, 2007, 2014, 2017; Barad; Rubinstein, 2017; Braidotti, 2013; Murris, 2016, 2018) têm o compromisso onto-ético-epistêmico de descentrar o humano (e não de excluí-lo!) em nossas pesquisas, atendendo às diversas forças materiais não-humanas com as quais o humano está emaranhado. As discussões favorecem uma perspectiva na qual “nós”, homo sapiens, podemos avaliar melhor nossa dependência em relação ao meio ambiente, como parte e produto de um organismo regido por intra-ações (ao invés inter-ações) e não à parte dele, como o binário cultura/natureza produzido pelas teorias humanistas fazem pensar, crer, operar. Elas permitem pensar as crises ambiental e climática como complexidades abrangentes não gerenciadas e sustentadas por e para a espécie humana, ou seja, embora os seres humanos provoquem interferências nesse organismo porque dele são parte, não necessariamente são capazes de controlá-lo sempre a seu favor.
Contrastando com a relação de interação entre coisas/corpos ‘em separado’ em que está previsto um entre que mantém um nível de independência entre tais coisas/corpos, a intra-ação envolve uma relação de co-existência no sentido de ser com/em, de maneira que indivíduos e modos de ação (modos e capacidade de ação como agência) materializam-se através de intra-ações, ou seja, dentro das relações e não fora delas (Barad, 2003). Ancorada nessa noção de intra-ação está a noção de realismo agencial. Nesta perspectiva, a questão deixa de ser por que e como um humano age como age num ambiente determinado, e passa a ser o que é produzido num emaranhado formado por humanos e não-humanos.
De outro modo, a noção de realismo agencial rompe com ontologias, epistemologias e também uma ética que toma a excepcionalidade humana como ponto de partida. Se a agência para as ciências sociais designou como agente aquele que realiza o movimento a partir de sua intenção consciente ou vontade própria (portanto, o ser humano), o realismo agencial, em contraposição, refere-se ao organismo formado pelo emaranhado de humanos e não humanos (ou mais que humanos) e usa a ideia de cortes para discutir as agências envolvidas nas relações.
Ao romper com o excepcionalismo humano e a existência de interioridades e exterioridades das teorias sociais humanistas, tal perspectiva rompe com binarismos, tais como natureza/cultura, coletivo/individual, homem/animal, homem/mulher, adulto/criança... Esse rompimento retira de cena a figura referencial do homem moderno (branco, europeu, hétero), servindo de apoio às manifestações, discussões e teorias queer, antirraciais, antimisógenas, contrárias às discriminações por etarismo, favorecendo, portanto, um movimento decolonial que coloca em cena a necessidade de um posicionamento frente à noção de injustiça epistêmica (Fricker, 2007).
O pós-humanismo crítico de Karen Barad argumenta que a separação de sexo (como algo natural) e gênero (como algo cultural) por Judith Buttler abriu espaço para as experiências anteriormente excluídas, LGBTQIAPN+. Ou seja, o uso dos conceitos não é apenas teórico, mas também prático, material-discursivo. As práticas discursivas têm agência performativa na produção de identidades racializadas, de gênero, sexualizadas e capacitadoras que, embora construídas socialmente, podem ter sido consideradas como naturais, afirma a autora. A maneira como organizamos o mundo conceitualmente tem implicações para o que fazemos e o que não podemos fazer, o que pode e não pode ser dito (ou seja, o discursivo), e para os pós-humanistas o discursivo também é sempre material e inclui não apenas o humano, mas também corpos não humanos (Barad, 2003, 2017).
Além dos estudos sobre o pós-humanismo, enquanto estivemos na África do Sul, pudemos nos aproximar de estudos pós-coloniais, anti-coloniais e decoloniais o que incluiu cursar a disciplina Decolonial Anthropology, ministrada por Hylton White, um antropólogo, pesquisador e docente da University of the Witwatersrand, Johannesburg, oferecida para o curso de Sociologia da UCT. Nela compreendemos como a discussão dos estudos subalternos e pós-coloniais, que buscaram denunciar as diferentes formas de dominação e opressão, especialmente em contextos estimulados por processos de independência em partes da África e da Ásia, tiveram influências determinantes de teóricos responsáveis pela constituição dessas linhas conceituais, por exemplo o francês Franz Fanon e o palestino-estadunidense Edward Said. Além disso, por meio desses e outros estudos, compreendemos que o processo de reformulação da perspectiva discursiva social também encontrou inspiração nas tradições críticas de Michel Foucault e Jaques Derrida, como também da descentralização da noção de sujeitos e de narrativas contemporâneas, com o pós-modernismo de Jean-François Lyotard e dos estudos culturais, sobretudo a partir de reflexões de Stuart Hall5.
Compreendemos de que modos os estudos decoloniais na América Latina (por exemplo, Mignolo (2008), Quijano (1992), Lugones (2008)) confirmavam as perspectivas de análises pós-coloniais e subalternas de estruturas daqueles outros contextos (africanos e asiáticos) com contribuições teóricas diversas, por meio de revisões historiográficas e retomada do pensamento crítico latino-americano. Os estudos decoloniais trouxeram à cena outras possibilidades de construção do conhecimento pautadas na importância de se assumir diferenças próprias, parcialidades e responsabilidades na construção de sociedades democráticas na América Latina.
Vimos nesses estudos algumas aproximações com a filosofia pós-humanista crítica. Além disso, percebemos que tal perspectiva filosófica não é recente, sendo que muitas de suas lutas e entendimentos se articulam, por exemplo, às práticas e conhecimentos de comunidades indígenas.
No livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, Ailton Krenak (2019) problematiza o sentido do termo humanidade e de práticas que, em nome dessa ideia, foram construídas. Ao abordar as noções de humanidade esclarecida e humanidade obscurecida, Ailton tematiza um dos binarismos fundamentais do Humanismo: homem – selvagem, que em nome de uma humanidade ou civilidade a ser conquistada, justificou e tem justificado, ao longo da História, diversos tipos de violência. A centralidade atribuída ao homem como aquele capaz de explorar os recursos naturais (em grande dimensão no formato do extrativismo) alimentou um outro tipo de binarismo, cultura-natureza, guiado por um modo correto de estar no mundo. Segundo Ailton Krenak, essa chamada para compor o seio da civilização ou o clube da humanidade é justificada pela defesa da unicidade da verdade.
As andanças que fiz por diferentes culturas e lugares do mundo me permitiram avaliar as garantias dadas ao integrar esse clube da humanidade. E fiquei pensando: “Por que insistimos tanto e durante tanto tempo em participar desse clube, que na maioria das vezes só limita a nossa capacidade de invenção, criação, existência e liberdade?”. Será que não estamos sempre atualizando aquela nossa velha disposição para a servidão voluntária? Quando a gente vai entender que os Estados nacionais já se desmancharam, que a velha ideia dessas agências já estava falida na origem? Em vez disso, seguimos arrumando um jeito de projetar outras iguais a elas, que também poderiam manter a nossa coesão como humanidade (Krenak, 2019, pp. 8-9)
Desde 1994, com a queda do regime segregacionista do apartheid, as escolas da África do Sul passaram a receber mais atenção e o governo sul-africano prometeu melhorar o seu sistema educacional nacional6. O ensino é obrigatório dos 7 aos 15 anos e está dividido em Escola Primária, que atende crianças de 6 a 12 anos; Escola Secundária Júnior, com crianças de 13 a 14 anos; Ensino Secundário Sênior, com adolescentes de 15 a 18 anos, e Universidade, para adultos com 18 anos ou mais. São oferecidos cursos como as licenciaturas brasileiras, ou seja, cursos de formação de professores de quatro anos, mas na UCT só havia Programas de Certificação de um ou dois anos, sendo esses os mais comuns no país. Esses Programas são frequentados por pessoas formadas em bacharelado em alguma área afim e que têm interesse em atuar como professores.
A premissa-corte também nos acompanhou durante a disciplina ministrada por Karin Murris, a Childhood Studies course, oferecida no Post-Graduate Certificate in Education (PGCE) da Escola de Educação da UCT7, que teve como postura pedagógica o método difrativo. O papel desempenhado por nós, pesquisadoras e observadoras, naquela disciplina, rompia com o binário observador/ participante e nos colocava como parte do emaranhado de alunos e demais mais que humanos. Em contraposição à noção de reflexão, sem com isso estabelecer uma oposição entre uma noção e outra, a difração atende a necessidades específicas de emaranhados materiais em intra-ações que não são representacionais.
No esboço da disciplina, a professora Karin Murris deliberadamente não indicou um conteúdo a ser abordado, apenas uma primeira aula/convite/abertura, as semanas de encontro, datas de entrega de trabalhos visuais e da avaliação final. As estudantes trabalharam em diários difrativos de forma colaborativa em arquivos do Google, produzindo novas percepções sobre os conceitos que elas investigavam oralmente, visualmente (através de pinturas, imagens, esculturas e desenhos), através do movimento corporal, têxteis, tecidos, cordas, lã, barbante, massa de modelar etc. Conforme perguntas e conceitos emergiam, enquanto elas difratavam através de ideias umas das outras, a professora selecionava livros ilustrados, vídeos, reportagens e os usava como provocações durante as próximas aulas. Nesse movimento um currículo emergia.
Esse processo, entendemos, dá abertura a novas maneiras de fazer e pensar sobre ensinar, que substituem o tipo de aula expositiva em que os estudantes se regurgitam e ‘realimentam’ sobre o que se trata uma leitura ou o que percebem que o professor gosta de ouvir. Difração é uma metodologia e uma pedagogia afirmativa: “A difração como metodologia é uma questão de ler percepções através, e não umas contra as outras, para tornar evidente o sempre já emaranhado de ideias específicas em sua materialidade” (Barad, 2017, p. 64, tradução nossa).
Uma leitura difrativa é diferente da crítica de modo que textos/obras/abordagens são lidos com respeito uns através dos outros de forma relacional, procurando provocações criativas e inesperadas, fortalecendo-as, em vez de usar um binário atomístico como lógica para comparar um com o outro (Murris; Bozalek, 2019, p. 873, tradução nossa).
A difração através de livros ilustrados como método era uma característica incomum no Programa e, ao contrário da crítica literária ou do uso generalizado de livros ilustrados na educação, eles foram usados como textos filosóficos e de forma mais ampla do que para o ensino de alfabetização. Sob uma perspectiva pedagógica, a difração foi mobilizada no rompimento de binários, geralmente muito presentes na educação infantil (Murris et al., 2021).
O Elephant Elements, problematizado naquele curso, é um livro ilustrado interessante para se discutir a necessidade da quebra dos binários a partir da radicalização na estética de opostos que muitos argumentariam que as crianças deveriam aprender como parte do seu vocabulário.
É relevante levar em consideração que o livro ilustrado está longe de ser inocente. Naquele curso, livros ilustrados foram sugeridos como filosofia com crianças, uma das pedagogias adotadas para interrogar tais livros para encorajar leitores (de todas as idades) a questionar suas suposições filosóficas (Haynes; Murris, 2012, 2019). Em vez de usar a noção de crítica que compara avessos, como grande/pequeno, completo/vazio etc., e considerá-los como opostos que não podem existir ao mesmo tempo, em difração, estudantes colocam os opostos em conversa entre si, sem mapear as diferenças e semelhanças entre eles objetivamente, mas com criatividade e provocações inesperadas – não uma “visão do nada” (Murris; Bozalek, 2019, p. 873). A própria materialidade do livro é posta em questão: que tipo de ideia é sempre representada nas páginas da direita? E nas da esquerda? O tipo de representação ou a expressão representada indica valoração do conceito apresentado (por exemplo, cheio como bom e vazio como ruim)? Como a materialidade participa na construção de um discurso?
Os fragmentos materiais não são, assim, lidos como ligados causalmente (no sentido de causalidade linear) nem meramente análogos. Em vez disso, eles devem ser pegos como cristais e girados, permitindo que a luz se difrate através deles, vendo o padrão geral que já está dentro de cada fragmento, mas também observando constelações inteiras de percepções brilharem, mesmo que momentaneamente.
De acordo com a professora Karin Murris, o pós-humanismo abre possibilidades para que futuros professores reconfigurem o humano por meio da criança e não assumam que a humanidade plena (geralmente vinculada à ideia de adulto) é o ideal do progresso individual desde o nascimento. Para ela, como formadora, o desafio é preparar professores para uma educação que não tenha esses ideais de desenvolvimento inquestionavelmente incorporados.
Essas discussões também atravessaram as práticas vinculadas ao projeto Children, Technology and Play, que nos possibilitou inúmeras experiências em duas escolas da Cidade do Cabo: Pinelands North Primary School e Ithemba Primary School, localizadas em Pinelands e em Muizenberg respectivamente. Um relatório detalhado acerca dessa incursão em salas de aula, em trabalhos com grupos focais dentro das escolas, entrevistas com professoras, crianças e pais e em acompanhamento de algumas dessas crianças em suas atividades de rotina em suas comunidades está disponível em Marsh et al. (2020).
Neste espaço, focaremos em algumas das marcas produzidas junto a essa imersão. A primeira delas diz respeito à dinâmica das aulas em Pinelands North Primary School. Nessa escola acompanhamos as aulas da Grade R (série anterior ao primeiro ano infantil) e nos chama a atenção o modo como corpos são inseridos e a produção coletiva de questionamentos sobre o mundo.
Essa escola possui diversos espaços verdes e a Grade R possui um parquinho exclusivo ao ar livre, além de alguns animais e uma pequena horta onde as hortaliças que alimentam esses bichos são produzidas com a ajuda das crianças. Na escola toda há patos, peixes, gato, cachorro, porquinho da índia, hamsters, pássaros, galinhas, coelhos, entre outros espalhados pelas áreas verdes e pela área interna da escola. É comum ver as crianças com animais nos braços, ouvir um galo cantando no corredor, assim como é comum que professores experienciem isso com as crianças. Uma das professoras do Primeiro Ano levou sua cachorra e os filhotes para a aula para que estes não ficassem sozinhos em casa naqueles dias e todas as crianças se envolveram com o cuidado.
Todas as manhãs, a recepção é feita em tal parquinho. As crianças brincam, correm e, a cada dia, uma ou duas crianças se responsabilizam por sinalizar o início da aula. Elas entram na sala, pegam instrumentos musicais (como corneta e tambores) e saem pelo parquinho tocando e pulando. Todas as outras crianças entram nessa fila dançante que percorre o parquinho todo antes de entrar em sala de aula. Nesta, há poucas mesas com poucas cadeiras nas laterais da sala (trabalha-se em pequenos grupos que circulam em diferentes espaços ao longo de uma aula), mas o primeiro lugar que se habita é o espaço central. Todos se sentam em um grande círculo para um diálogo inicial. Vejamos a fala de uma das professoras sobre isso:
Pam: eles podem decidir não participar do diálogo, mas nenhum corpo pode ficar de fora (Professora da Grade R, 2019).
Nesse círculo se explora a leitura do tempo, a contagem junto à sensibilidade à presença/ausência de amigos e as hipóteses e suas problematizações trazidas e produzidas junto às crianças. A cada dia uma criança é escolhida para falar do tempo. Dia da semana, dia do mês e, finalmente, qual sua leitura do dia. Caso a criança não tenha observado o céu o suficiente ainda naquela manhã, este é o momento de fazê-lo. A criança se levanta da roda, vai para o lado de fora e observa o céu, a temperatura, o vento relatando para os amigos sua percepção.
O momento da contagem os coloca a notar quais amigos não foram à escola naquele dia, quais seus nomes, o que se sabe sobre sua falta, quantos são os presentes, quantos os ausentes e se essa soma bate com o total de estudantes daquela sala. Também nesse momento é exercitada a percepção de si como parte do grupo e o gesto de começar a contagem com um toque da mão em sua própria cabeça orienta o processo. Contas corretas encerram a atividade, contas equivocadas provocam risos e o desafio de tentar não somente acertar o resultado, mas os processos que produziram respostas diferentes.
A partir daí, inicia-se o diálogo coletivo em que a orientação primeira é: quem gostaria de compartilhar algo? E surgem histórias diversas que são sempre orientadas pela produção de perguntas e com elas terminam. Citamos dois exemplos acerca disso: i) Uma aluna conta que na noite anterior o pai foi parado pela polícia que afirmou que ele estava acima da velocidade apesar de ele não estar. A professora perguntou o que aconteceu e a aluna explicou que o pai teve que pagar uma taxa ao policial. Perguntas sobre o que são taxas, se essas são pagas ao policial ou ao banco, o que se faz com o dinheiro de taxas como essa orientam a conversa até que se chegou ao ponto de alguém perguntar se era certo pagar esse dinheiro ao policial ou se havia a possibilidade disso ter sido um erro. Grande parte das crianças respondeu que não poderia ser um erro, pois policiais não erram. Eles são como super heróis, um disse. A professora questionou se seres humanos erram e todos afirmaram que sim. Ela perguntou se um policial é um ser humano e todos afirmaram que sim. Ela perguntou novamente se um policial erra e as crianças afirmaram que não.
Pam: [questionando os alunos]. Então, sou professora e erro, certo? Se amanhã, eu decidir ser policial eu perderei a capacidade de errar? (Professora da Grade R, 2019).
E um espaço para outras histórias é aberto. Não se espera uma resposta, não se busca um consenso. ii) Uma das crianças diz querer falar sobre o tempo (era um dia chuvoso), pois entende que a chuva mostra a tristeza da nuvem, que chora. Uma outra criança levanta a hipótese de que por estar mais próxima do sol, ela, na verdade, sua. Um menino pede a palavra para dizer que nuvens não sentem essas coisas, que chove por causa da evaporação. A professora pede que ele fale mais sobre o que é evaporação ao que ele responde que é o que acontece quando fica muito quente e a água sobe para a nuvem e depois cai. Pam, então, analisa com as crianças o período de maior quantidade de chuva na Cidade do Cabo e todos concluem que é no inverno. Pam formaliza a questão que perpassa a discussão a partir daquele momento. Se para chover precisa que a água evapore e para evaporar precisar estar calor, porque na Cidade do Cabo chove no inverno? E outro assunto é iniciado ou a dinâmica das atividades do dia.
Essa é uma marca de estranhamento, não da condução do diálogo em si, mas de como era difícil para nós sair dali incomodadas por essas e outras questões. Acostumadas a pensar questões sempre vinculadas a respostas, parecia que algo se perdia ao não se chegar até o fim. O fim de uma questão é sempre uma resposta? Aparentemente sim, e por isso mesmo havia ali uma preocupação tão grande em criar momentos e espaços para deixar que as perguntas sigam existindo.
Essas experiências nos marcaram, pois produziram em nós um desacelerar, um olhar para si e para o outro, um pensar a escola como lugar em que também se aprende a questionar as coisas do mundo, a acolher outras perspectivas sem necessidade de embate. Pam, em uma entrevista, nos fala de um projeto que fez sobre fotografias com as crianças. Analisando as fotos que essas produziram, lhe chamou a atenção o fato de que não havia pessoas enquadradas, rostos centralizados. Havia mãos fazendo coisas, pés na grama, movimento.
Enquanto isso, na Universidade da Cidade do Cabo, nos reuníamos com pesquisadores em torno de uma perspectiva familiar aos ali presentes, chamada unhoming education, e essa perspectiva fez sentido. Esse unhoming ou subversivo,
[...] denota rupturas globais e locais para pessoas, animais, lugares e matéria; mudanças de in/segurança; a condição precária e mutável do mundo. A saída de casa sinaliza o terreno instável do desconhecido e do estranhamente familiar, do estranho no comum, do tabu; experiências que podem ser ressonantes, nervosas, misteriosas, perturbadoras ou estranhas. Através da [educação] subversiva, sistemas, estruturas e relações familiares são questionadas. Isto inclui dimensões antropocêntricas do pensamento e da ação humanista, com todas as suas consequências destrutivas. A saída do lar pode provocar desconforto e incerteza, talvez vergonha, medo ou excitação, abrindo rachaduras no que é dado como certo: rachaduras para sentir outra coisa. A investigação pedagógica e de investigação fora de casa é uma resposta à precariedade, bem como à injustiça, e pode levar a possibilidades inesperadas ou esperançosas (Haynes, 2021, p. 04, tradução nossa).
A primeira série da escola Ithemba Primary School que acompanhamos atuava em uma sala de aula com mesas e cadeiras individuais e um espaço amplo entre as carteiras e a lousa, onde estudantes e professora também se sentavam no chão em algumas aulas. As atividades começavam no pátio da escola com grupos/turma enfileirados em duplas e a respectiva professora ao lado. Os dias se iniciavam com contagens a ritmar atividades físicas, alongamentos. De um em um, dois em dois, cinco em cinco… as crianças imitavam os movimentos das professoras e, ao final, se dirigiam à sala. O primeiro olhar foi inevitavelmente comparativo, uma vez que Pinelands North Primary School foi a primeira escola com que tivemos contato: não há assistentes junto à professora, nem espaços verdes, nem animais, como em Pinelands. E paramos aí. Quase nada vem de diferente quando se busca o igual. Na chegada ao bairro, na esquina próxima ao portão da escola, uma escultura em referência a Ubuntu, filosofia que afirma sou porque nós somos. Há um pátio central e um estacionamento de concreto onde, em meio aos carros, por vezes as crianças faziam atividades como desenhar com giz no chão figuras simétricas e explorar o desenho das sombras uns dos outros.
Ao fundo da imagem, vê-se a escola Ithemba Primary School.
Buscando, entretanto, por cortes, focaremos nas experiências com os estudantes Eshal e Henry em suas respectivas comunidades, Muizenberg e o bairro vizinho, Vrygrond, respectivamente.
Eshal, à época com sete anos, mora com a mãe (47 anos) e a irmã de quatro num apartamento pequeno com um quarto em Muizenberg. Inúmeras marcas advém desses encontros (na casa de Eshal e na biblioteca do bairro, que ela frequenta), mas aqui optamos por destacar aquele que advém do corte gênero. Rihana, apesar de inúmeros obstáculos ao longo da vida, sempre foi determinada a completar o equivalente ao Ensino Médio e o fez. Reconhecendo nos estudos a construção de possibilidades para outra vida, frequentou grupos de tutoria aos vinte e poucos anos e tempos depois conseguiu ingressar na Universidade, completando o primeiro ano do curso Library Information Science com tamanho êxito que conseguiu uma bolsa de estudos para o segundo ano da faculdade. Essa conquista, Rihanna não pôde usufruir. Os termos de Rihanna foram unable to accept porque no final daquele primeiro ano de estudo ela se casou com Mahir (69 anos). Muçulmanos, Rihanna assumiu o cuidado e educação integral das filhas, uma vez que Mahir tem outra família com quem mora. Rihanna se voluntariou na escola de Eshal, ajudando na limpeza, enquanto em casa foca nos estudos de suas filhas.
Rihanna antecipa a alfabetização das filhas e todos os móveis da casa são etiquetados, tal como o termo wall na parede. Transferindo para as filhas as possibilidades de mudanças que credita aos estudos, Rihanna transformou Eshal em uma leitora precoce e voraz que frequenta assiduamente a biblioteca pública do bairro em que mora.
Com Henry, talvez tenhamos vivido os cortes mais profundos. São tantas as experiências que é difícil escolher o que tematizar neste texto. Optamos por um dia, em sua casa, em que no meio de uma das entrevistas, ele nos diz que sua brincadeira favorita é jogar futebol, mas que ele não tinha uma bola. Estávamos, naquele momento, acompanhadas pela professora de Henry, sua professora, e por uma pesquisadora vinculada ao Grupo DECD- Decolonising Early Childhood Discourse, Joanne Peers. A primeira coisa que nos ocorreu, a nós brasileiras, foi comprar uma bola e a levar no próximo encontro que teríamos com Henry, ideia de que fomos dissuadidas. Foi Joanne quem nos chamou a atenção para o fato de que não estávamos, efetivamente, olhando para Henry: não se via bolas comerciais nas ruas de Vrygrond, nem na escola frequentada por Henry. Esse modo nosso de lidar com aquela falta (a compra) não se apresentava como uma solução ao problema apresentado. Pelo contrário, parecia uma ação que poderia tornar Henry vítima de violência. Joanne, ao ouvir sua fala, questionou:
Joanne: se você gosta de bola e não possui uma bola, esse é um problema. Como podemos te ajudar a resolver esse problema?
Henry: se vocês me trouxerem jornais, sacolas e fita adesiva, eu sei como fazer uma bola! [E assim foi feito. Sacolas para a câmara de ar, jornais que a envolviam junto à fita adesiva e foi construída uma bola que acompanhou Henry nas ruas do bairro e na escola nos dias que seguiam] (Diálogo entre a professora Joanne e Henry, 2019).
A metodologia de Barad é afirmativa, não crítica, mas para colocar diferentes práticas transdisciplinares em diálogo entre si, prestando atenção aos pequenos detalhes e às exclusões que esta ação produz, investigando como os 'objetos' e os 'sujeitos' e outras diferenças são importantes, e para quem eles são importantes (Murris, 2017, tradução nossa, p.128).
Com a filosofia pós-humanista crítica vemos um interesse em buscar pensar diferente do que se pensa e em perturbar binarismos e identidades dicotomizadas a partir do estranhamento e questionamento das lógicas com que temos operado. Mas como operarmos isso? De que modo um deslocamento das representações linguísticas para as práticas material-discursivas pode permitir práticas (de educação matemática) que sejam mais plurais, inclusivas, decoloniais e implicadas na habilidade de produzir respostas responsáveis — response-ability — diante do mundo, como chama a nossa atenção a filósofa, feminista e pós-humanista Donna Haraway? (Haraway, 2016). Fundamental é compreender que respostas não são o único objetivo da produção de questões, algumas questões são fabricadas com o intuito de nos livrarmos delas, outras são do tipo questão-afirmação e a estas é preciso enfrentamento para responder contra, nos alerta Viveiros de Castro (2006). Há questões que, por lhe serem atribuídas uma resposta óbvia imediata, precisam ser legitimadas como questões – como no exercício por nós realizado com licenciandas da Universidade da Cidade do Cabo a partir da provocação – a areia é viva? – conforme Murris et al. (2022).
Nesse processo somos como que contaminadas. A criação de necessidade de enfrentamento, deslocamento, estranhamento ocorre num contexto de contaminação, segundo Tsing (2015). Para esta autora, a contaminação é aquilo que transforma um encontro em um acontecimento que é sempre maior que a junção das partes.
Somos contaminados por nossos encontros; eles mudam quem somos à medida que abrimos caminho para os outros. À medida que a contaminação altera os projetos de criação do mundo, outros mundos mútuos vão surgindo, assim como novas direções. Todo mundo carrega um histórico de contaminação; pureza não é uma possibilidade.
Um valor de manter a precariedade em mente é que isso nos faz lembrar que mudar de acordo com as circunstâncias é o cerne da sobrevivência. Mas o que é sobrevivência? Nas fantasias populares americanas, a sobrevivência consiste em salvar-se lutando contra os outros. A “sobrevivência” apresentada em programas de televisão dos EUA ou em histórias de planetas alienígenas é sinônimo de conquista e expansão. Não usarei o termo dessa forma. Por favor, abra-se para outro uso. Este livro argumenta que permanecer vivo – para todas as espécies – requer colaborações habitáveis. Colaboração significa trabalhar através das diferenças, o que leva à contaminação. Sem colaborações, todos nós morremos (Tsing, 2015, tradução nossa, p. 27-28).
Interessada nesses processos de contaminação, Tsing (2015) afirma o ouvir e contar inúmeras histórias como um método. Para esta autora, as histórias podem ser vistas como objetos contendo uma diversidade contaminada e cuja unidade de análise é o encontro indeterminado. Por este motivo, essas histórias não podem ser sumarizadas de forma clara ou justapostas como no alinhamento de escamas. É preciso sair da expectativa de não alterar as questões de pesquisa para aplicar os objetos de estudo em uma escala pré-determinada, colocando-os no máximo em uma escala maior, “é hora de voltar a atenção para o não escalável, não apenas como objetos para descrição, mas também como incitamentos à teoria” (Tsing, 2015, p. 38).
No encontro com a escrita e o pensamento deste texto, buscamos manter-nos abertas para como estávamos sendo mudadas por ele. Isso exigiu uma escuta e leitura atentas do que a escrita ou o pensamento estava tentando fazer. Como disse Manning (2020), essa forma de engajamento, que é coletiva, fornece diferentes encontros contínuos com os mesmos textos, imagens e ideias. Para essa autora, nada disso é trabalho de um indivíduo - escrita, pensamento, sociabilidade dão expressão aos conceitos. “O conceito é orientado pelo caminho que traça, o conceito é menos nosso para reivindicar, do que nosso para seguir” (Manning, 2020, p. 11).
Nesse processo, tomado como um ato de imediação, “o trabalho de criar novos modos de existência nunca será possível se nos situamos na posição do crítico, observando o mundo a partir de uma distância mediadora” (Manning, 2020, p. 50), é preciso difratar no processo de leitura, de escrita. Queremos, com/nesse processo de escrever na opacidade do ser em relação (Manning, 2020), ao invés mediar o arquivo da história, escrever o fabuloso meio (ou entre), descobrindo vozes que são nossas e também de um coletivo silenciado, clamando por novos modos de escrita, novas sensibilidades e novas práticas de vida.
Os movimentos difrativos que temos nos permitido viver, incluindo o da escrita desse texto, nos coloca em estado de alerta para como diferentes formas de vida e situações de injustiça epistêmica vazam sempre, mesmo quando nos deslocamos desse estado e nos colocamos em posturas rígidas de tentativa de captura de posicionamentos seja em entrevistas fechadas, questionários verbalizados, seja quando em situações de formação com (futuros) professores.
Criar condições de possibilidades para compreender essas formas e situações é, pois, uma opção política engendrada não pela busca por respostas às questões dos/das pesquisadores/as [e formadores], mas pela tentativa de compreensão de como a comunidade estabelecida como interlocutora interroga/experimenta o mundo. (Silva e Souza, 2023, p. 46 e 47).
Experienciar o mundo atentas aos cortes que este ato fabrica em nossos corpos e fazer pesquisa atentas às marcas que (em outros corpos) falam, têm sido alguns dos cuidados para compreender o papel da investigação em Educação Matemática na luta contra uma organização binária de um mundo que demanda ser lido em interseccionalidade (Lugones, 2008).
São muitas as lutas que atravessam as práticas de pesquisa, estejam pesquisadores conscientes delas ou não. É preciso identificar quais aquelas que lutamos de propósito, assumir a responsabilidade (habilidade de responder) de lutadores.
Referências
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Karin Murris é Professora Titular de Educação Infantil na Universidade de Oulu (Finlândia) e Professora Emérita de Pedagogia e Filosofia na Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul). Ela é formadora de professores e fundamenta-se na filosofia acadêmica em um paradigma de pesquisa pós-qualitativa. Seus principais interesses estão em estudos da infância, pedagogias democráticas pós-desenvolvimentistas e ética escolar.
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Para informações sobre o grupo acessar: https://www2.fc.unesp.br/ghoem/index2.html
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Para informações sobre o grupo acessar: Decolonising Early Childhood Discourse: Critical Posthumanism in Higher Ed | Facebook
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Para saber mais sobre o movimento dos saberes decoloniais, sugerimos a leitura de Baliana (2020), Sobre saberes decoloniais. Com Ciência – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Dossiê Colonizações, 2020. Disponível em 17/04/2024 em: https://www.comciencia.br/sobre-saberes-decoloniais/
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De acordo com Jansen (2001, p, p. 18), em seu texto The race for education policy after apartheid, foram preocupações do governo naquele momento: “estabelecer um quadro de valores dentro do qual uma educação pós-apartheid pudesse ser concebida, ou seja, o pilar do não-racismo, do não-sexismo, da equidade, da democracia e da reparação; a sinalização dos parâmetros dentro dos quais uma política educativa mais refinada pudesse ser desenvolvida futuramente, por exemplo, o estabelecimento do Educare and Adult Basic Education and Training (ABET) como áreas cruciais para moldar políticas futuras”.
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O programa era dedicado a profissionais formados em diferentes áreas que os habilita para ensinar do 5o ao 9o anos da Fundation Fase da Educação Básica na África do Sul, o que corresponde ao Ensino Fundamental II no Brasil.
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Editor-chefe responsável:
Prof. Dr. Roger Miarka
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Editor associado responsável:
Prof. Dr. Roger Miarka
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
23 Set 2024 -
Aceito
25 Out 2024

















Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qyFnYNVlhFo
Fonte: Acervo pessoal (2020)
Fonte: Acervo pessoal (2019)
Fonte: Acervo pessoal (2019)
Fonte: Acervo pessoal (2019)
Fonte: Google Earth (2024)
Fonte:
Fonte: Frith (2013) citado em
Fonte: acervo pessoal (2020)
Fonte: acervo pessoal (2020)
Fonte: Arquivo Pessoal (2019)

Fonte:
Fonte: acervo pessoal (2019)
Fonte: acervo pessoal (2020)
Fonte: acervo pessoal (2020)