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O Trabalho como Princípio Educativo em Atividades de Matemática na Educação Profissional e Tecnológica

Work as an Educational Principle in Mathematics Activities in Technical and Vocational Education and Training

Resumo

Este artigo busca refletir sobre como professores brasileiros que ensinam Matemática têm assumido o trabalho como princípio educativo na Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM). Para tanto, usamos como material empírico algumas experiências com estudantes de cursos da EPTNM publicadas em anais dos Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENEM), no período de 2010 a 2019. No plano teórico, dialogamos com os estudos a partir de uma perspectiva marxista e com pesquisas da Educação Profissional e Tecnológica brasileira. O desenho metodológico baseia-se em um protocolo para inclusão e exclusão de artigos no corpus de análise, considerando as ocorrências do termo “técnico”, “técnica” ou “profissional” no corpo do texto. Já a análise se deu numa perspectiva indutiva, inspirada em Lincoln e Guba (1985). A partir das unidades textuais encontradas, construímos categorias a partir das quais discutimos a ideia de trabalho como princípio educativo, destacando três possibilidades de efetivação à atividade docente. Mais que criar uma tipologia, visamos evidenciar as diferentes estratégias docentes para implementar as orientações curriculares da EPTNM em atividades matemáticas. Com isso, esperamos evidenciar as potencialidades e limitações de cada abordagem, na tentativa de estimular os docentes a variarem sua prática educativa e, assim, consolidar a formação integral de seus alunos.

Trabalho; Educação Profissional e Tecnológica; Currículo Integrado; Formação Integral

Abstract

This paper seeks to reflect on how Brazilian Mathematics teachers consider work as an educational principle in Technical and Vocational Education and Training (TVET) at Secondary School Level. To this aim, our empirical data consists of reports of experiences with students on TVET courses, published in the proceedings of the National Meetings on Mathematics Education, from 2010 to 2019. Our theoretical framework includes a Marxist perspective and Brazilian research on Professional and Technological Education. The study’s methodological design is based on a protocol for the inclusion and exclusion of paper in the corpus of analysis, considering the occurrences of the terms “technical”, “technician” or “professional” in the text body. The analysis followed an inductive perspective, inspired by Lincoln and Guba (1985). Based on the textual units found, we built up categories from which we discuss the idea of work as an educative principle, highlighting three possibilities of actual effects on teaching. Beyond creating a typology, we aim to shed light on different teaching strategies resorted to implement the curricular guidelines of TVET in mathematical activities. With this, we hope to stress the potentialities and limitations of each approach, to encourage teachers to transform their educational practice and, thus, consolidate the integral education of their students.

Work; Technical and Vocational Education and Training; Integrated Curriculum; Integral Education

1 Introdução

Nos dias atuais, temos observado diversas mudanças no mundo do trabalho, com reformas trabalhistas e previdenciárias, aumento do desemprego e crescimento da informalidade – mazelas que atravessam as vidas de milhões de brasileiros (IBGE, 2021). Nesse contexto, a formação de trabalhadores emerge como um importante campo de pesquisa, uma vez que, como educadores, assumimos o compromisso político-pedagógico com a formação humana como forma de resistência às formas de exploração e buscamos perspectivas educacionais capazes de formar trabalhadores críticos em relação a suas posições profissionais e conscientes das possibilidades de mobilidade social.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( BRASIL, 1996BRASIL. Casa Civil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1996. ), a formação de brasileiros para o trabalho acontece não só no Ensino Superior como também em nível de Educação Básica. Nesse caso, a qualificação profissional acontece no Ensino Médio, etapa responsável por preparar cidadãos capazes de “se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL, 1996, Art. 35º).

Ainda segundo a LDB, o Ensino Médio poderá preparar o indivíduo para o exercício de profissões técnicas por meio da Educação Profissional e Tecnológica, configurando uma área de interseção denominada Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM). Esta pode ser desenvolvida nas formas articulada ou subsequente ao Ensino Médio. No modo articulado da EPTNM, o estudante pode acessar a formação básica e a formação profissional na mesma instituição (oferta integrada) ou em instituições diferentes (oferta concomitante).

Este artigo, resultante de uma pesquisa de doutorado, procura ampliar o debate acerca da Educação Matemática de alunos da EPTNM. Buscamos refletir, a partir de experiências com estudantes de cursos da EPTNM publicadas em anais dos Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENEM), sobre como professores brasileiros que ensinam matemática têm assumido o trabalho como princípio educativo. Isto porque, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EPTNM (BRASIL, 2012, Art. 6º), entre os princípios dessa modalidade, temos o “trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento curricular”.

Optamos por desenvolver um estudo que revisita conceitos básicos da EPTNM e associa esses pressupostos a atividades1 1 Neste artigo, entenderemos atividades como situações de ensino propostas por professores e realizadas por alunos. Assim, assumiremos atividades e tarefas como sinônimos e alternaremos seus usos apenas para evitar repetições no texto. matemáticas de sala de aula. Tais tarefas foram validadas em diferentes instituições brasileiras e apresentadas pelos respectivos responsáveis nos ENEM, de 2010 a 2019, período delimitado pela primeira década da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Nas páginas a seguir, retomamos o conceito de trabalho como princípio educativo e, ao mesmo tempo, apresentamos as categorias emergentes da nossa análise, as quais se materializaram em três formas de efetivação em atividades de Matemática: no âmbito disciplinar, vinculada ao saber-fazer do curso técnico, e com vistas à emancipação dos sujeitos. Reconhecemos, ainda, uma quarta abordagem que apresenta a Matemática totalmente dissociada da formação profissional, mas optamos por não aborda-la nesse recorte em função do objetivo de refletir justamente sobre as formas de integração do currículo escolar.

2 Trabalho, Humanização e Educação (Matemática)

Para discutirmos o trabalho como princípio educativo nas aulas de Matemática da EPTNM, é importante retomarmos os eixos conceituais da Educação Profissional brasileira e nos questionarmos: Que trabalho é esse que devemos adotar como princípio educativo? Por que eleger o trabalho como princípio educativo? E, principalmente, como as produções brasileiras têm feito isso? Nas próximas páginas, abordaremos essas questões centrais sobre o trabalho, enfatizando seu potencial para humanização e Educação (Matemática) de homens e mulheres.

2.1 Que trabalho a ser adotado como princípio educativo?

Como boa parte dos vocábulos de língua portuguesa, o termo trabalho pode assumir diferentes significados dependendo do contexto em que é usado: em uma conversa informal, pode se traduzir em emprego ou profissão de alguém; no sentido escolar, pode ser sinônimo de lição ou exercício. Todos esses significados têm a ação como ideia subjacente, seja essa do trabalhador ou do estudante. Para a EPTNM brasileira, o conceito de trabalho se insere em premissas marxistas para designar justamente uma ação consciente do ser humano sobre a natureza ( CIAVATTA, 2014CIAVATTA, M. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 23, n. 1, p. 187-205, 2014. ; DELLA FONTE, 2018DELLA FONTE, S. Formação no e para o trabalho. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, Vitória, v. 2, n. 2, p. 06-19, 2018. ). Em O Capital , Marx define o trabalho como:

[...]um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural em uma forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1867/1985, p. 211, grifos nossos).

O trecho acima mostra o trabalho como a transformação consciente da natureza pelo ser humano. Em especial, a frase em destaque explicita o papel humanizador do trabalho: no processo consciente de apropriação de objetos da natureza para transformá-la, homens e mulheres já não são mais os mesmos.

O que diferencia a humanidade de outros animais é a capacidade de produzir seus meios de vida. “Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material” ( MARX; ENGELS, 2007MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. , p. 87). Tal processo é guiado pela consciência e se constitui, portanto, em trabalho: ação consciente do ser humano sobre a natureza. Marx (2011)MARX, K. O Capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011. Livro I. aponta que o que “distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera” ( MARX, 2011MARX, K. O Capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011. Livro I. , p. 188). Partindo da ideia do trabalho como ação consciente do ser humano sobre a natureza que se explicita “a categoria ontológica central do trabalho: através dele realiza-se, no âmbito do ser material, um pôr teleológico enquanto surgimento de uma nova objetividade” ( LUKÁCS, 2013LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013. , p. 45). O trabalho é “assim, uma condição de existência do homem” ( MARX, 2011MARX, K. O Capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011. Livro I. , p. 102), uma “condição fundamental de toda a vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem” ( ENGELS, 1979ENGELS, F. A Dialética da Natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. , p. 215).

2.2 Por que o trabalho como princípio educativo?

Retomando o conceito marxista, temos que o trabalho é entendido como atuação consciente do ser humano no mundo. Dessa compreensão, emergem os argumentos políticos e pedagógicos que sustentam o pressuposto do trabalho como princípio educativo na EPTNM. Temos argumentos históricos compreendendo a relação direta entre trabalho e educação, argumentos pedagógicos quando reconhecemos o conhecimento como produto do trabalho e temos argumentos políticos quando percebemos no trabalho a valorização do ser humano e a possibilidade de emancipação da classe trabalhadora. Tais argumentos são mais detalhados nos parágrafos seguintes.

Historicamente, Saviani (2007)SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, Belo Horizonte, v. 12, n. 34, p. 152–166, 2007. nos chama atenção para a essência da humanidade fundada no trabalho e, consequentemente, na Educação. Se o ser humano se constitui como tal pelo trabalho,

Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo ( SAVIANI, 2007SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, Belo Horizonte, v. 12, n. 34, p. 152–166, 2007. , p. 154).

Do ponto de vista pedagógico, a proposta de se adotar o trabalho como princípio educativo pode se traduzir na valorização do papel de homens e mulheres na sociedade, construindo instrumentos e formulando teorias. Assim, se é pelo trabalho que o ser humano produz conhecimento para modificar a natureza externa (e, consequentemente, modificar a sua própria natureza interna), por contraposição, faz sentido pensar que o trabalho pode se constituir como uma das formas de homens e mulheres se apropriarem do conhecimento gerado pelo próprio trabalho.

A justificativa política para o trabalho como princípio educativo está ancorada na historicidade da ação humana sobre o mundo ( DELLA FONTE, 2018DELLA FONTE, S. Formação no e para o trabalho. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, Vitória, v. 2, n. 2, p. 06-19, 2018. ). Realizando uma breve digressão, temos que, a partir das modificações conscientes na natureza, o ser humano foi reconhecendo seu trabalho e o de outros, o que lhe permitiu fazer escambos em sociedade, de acordo com suas necessidades. Tempos depois, com o advento da moeda, o trabalho foi monetizado e seu produto passou a ser visto como uma mercadoria com valor de uso e valor de troca. Surge, então, a expressão mercado de trabalho , ou seja, local onde se comercializa o resultado do trabalho. Com isso, o ser humano seguiu transformando a natureza externa e a si mesmo a partir de novas necessidades, no movimento de buscar algo que torne as tarefas mais fáceis, rápidas e práticas. Assim, buscou-se produzir cada vez mais mercadorias e, para isso, homens e mulheres passaram a realizar trabalhos cada vez mais especializados: se antes tínhamos o sapateiro que produzia todo o sapato para permutá-lo, agora passamos a ter um produtor da sola, um corista e um costureiro.

O aumento do nível de especialização do trabalho, combinado com o domínio dos meios de produção, separou o trabalho intelectual do trabalho manual e fez com que o ser humano perdesse a referência do produto gerado. Por consequência, também não conseguia mais atribuir um valor preciso para sua produção. Isso permitiu que o detentor das forças de trabalho pudesse definir uma diferença entre o valor vendido da força de trabalho e o trabalho incorporado na mercadoria. Dessa forma, demos origem à mais-valia, ou mais-valor, base do lucro no sistema capitalista (MARX, 1867/1985).

Nesse contexto de exploração capitalista por meio da mais-valia, a adoção do trabalho como princípio educativo se trata de uma estratégia de recuperação do valor do trabalho e dos homens e mulheres em sociedade:

a proposta marxista [de trabalho como princípio educativo] é talvez a alternativa mais avançada e sistematizada em nossa luta contra um projeto que se limita a preparar e qualificar o trabalhador a partir dos interesses patronais ( DELLA FONTE, 2018DELLA FONTE, S. Formação no e para o trabalho. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, Vitória, v. 2, n. 2, p. 06-19, 2018. , p. 7).

Portanto, ao adotarmos o trabalho como princípio educativo, combinamos as justificativas histórica, pedagógica e política e assumimos o compromisso político-pedagógico com a formação humana para superação de todas as formas de exploração e buscamos perspectivas educacionais capazes de formar trabalhadores críticos em relação a suas posições profissionais e conscientes das possibilidades de transformação da estrutura social baseada em classes.

2.3 Como as produções brasileiras têm assumido o trabalho como princípio educativo?

Para retomarmos a atuação consciente do ser humano em sociedade, é preciso lançar mão de prismas históricos, científicos e culturais de modo articulado. Nesse sentido, o trabalho como princípio se materializa na EPTNM por meio de um currículo integrado.

Do ponto de vista do conceito, formação integrada significa mais do que uma forma de articulação entre ensino médio e educação profissional. Ela busca recuperar, no atual contexto histórico e sob uma específica correlação de forças entre as classes, a concepção de educação politécnica, de educação omnilateral e de escola unitária [...]. Assim, essa expressão também se relaciona com a luta pela superação do dualismo estrutural da sociedade e da educação brasileira, a divisão de classes sociais, a divisão entre formação para o trabalho manual ou para o trabalho intelectual, e em defesa da democracia e da escola pública ( CIAVATTA, 2014CIAVATTA, M. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 23, n. 1, p. 187-205, 2014. , p. 197-198).

Apesar de haver um campo consolidado na pesquisa educacional, inclusive com um grupo temático sobre Trabalho e Educação na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), os educadores matemáticos Silva e Oliveira (2018)SILVA, E. S. da; OLIVEIRA, A. T. de C. C. O. Ensino Médio Integrado sob diferentes perspectivas para o ensino de Matemática. Zetetiké, Campinas, v. 26, n. 2, p. 423-438, 2018. apontam uma falta de clareza nos documentos oficiais acerca de como a EPNTM pode contemplar tanto a formação profissional quanto a formação de Ensino Médio na perspectiva integrada de Ciavatta (2014)CIAVATTA, M. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 23, n. 1, p. 187-205, 2014.:

Faz-se menção apenas à ampliação da carga horária (aspecto quantitativo), mas nada se manifesta acerca de como a articulação entre a formação humana e cultural, a formação propedêutica e a formação técnica específica deve acontecer, para garantir essa dupla função do Ensino Integrado (aspecto qualitativo), haja vista que a formação geral, que dará possibilidade de acesso à universidade, não pode ser desprestigiada ( SILVA; OLIVEIRA, 2018SILVA, E. S. da; OLIVEIRA, A. T. de C. C. O. Ensino Médio Integrado sob diferentes perspectivas para o ensino de Matemática. Zetetiké, Campinas, v. 26, n. 2, p. 423-438, 2018. , p. 427).

Em face da imprecisão curricular indicada por Silva e Oliveira (2018)SILVA, E. S. da; OLIVEIRA, A. T. de C. C. O. Ensino Médio Integrado sob diferentes perspectivas para o ensino de Matemática. Zetetiké, Campinas, v. 26, n. 2, p. 423-438, 2018. , percebemos que muitos professores da EPTNM atribuem significados divergentes para as orientações pedagógicas. Esse cenário pode levar os docentes de Matemática a se questionarem: Qual seria o papel da Matemática nesse contexto? Como assumir o trabalho como princípio educativo nessa disciplina? Na expectativa de indicar caminhos que respondam a essas perguntas, visitamos os anais do Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM), no período de 2010 a 2019. O evento é o mais importante no âmbito nacional, organizado a cada três anos pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Cabe ressaltar, ainda, que, no recorte temporal adotado, o ENEM percorreu quatro regiões do Brasil, com edições no Nordeste (Salvador, 2010), Sul (Curitiba, 2013), Sudeste (São Paulo, 2016) e Centro-Oeste (Cuiabá, 2019), oportunizando uma maior participação de professores de diferentes unidades federativas do país.

Para definir o conjunto de textos com os quais dialogamos, realizamos um protocolo específico, o qual pode ser consultado integralmente em Sá2 2 A referência da tese foi ocultada para preservar a versão cega do artigo. (2021). Em linhas gerais, esse protocolo se estrutura da seguinte forma: (1) fizemos download dos 6.094 artigos publicados nos anais dos ENEM de 2010 a 2019; (2) identificamos os arquivos que continham as palavras “técnico”, “técnica” ou “profissional” – não só no título e no resumo, como também no corpo do texto; (3) realizamos uma leitura situada em que esses descritores foram empregados; (4) selecionamos os artigos que apresentavam propostas ou experiências relativas à EPTNM – chegando no total de 96 publicações, quantidade que representa 1,58% dos arquivos iniciais.

Inspirados em Lincoln e Guba (1985)LINCOLN, Y. S.; GUBA, E. G. Naturalistic Inquiry. Newbury Park, Calif: Sage Publications, 1985. , desenvolvemos uma análise indutiva, partindo de unidades brutas de informação para as categorias agrupadas de informação, definidas durante a pesquisa, a partir da experiência dos pesquisadores e do material com o qual dialogamos. Desse movimento, apontamos três abordagens possíveis para a Educação Matemática de alunos de cursos técnicos com vistas ao mundo do trabalho.

Na imagem a seguir, a Matemática escolar é representada de modo poligonal, considerando sua estrutura na forma de currículos prescritos ou de documentos nacionais, apesar dos diferentes modos de ver e conceber o ensino de Matemática ao longo da história ( FIORENTINI, 1995FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino da matemática no Brasil. Zetetiké, Campinas, v. 3, n. 1, p. 01-37, jan./jun., 1995. ). Em oposição, o mundo do trabalho aparece irregular para nos lembrar que estamos em contínua mudança, com ganhos e perdas de direitos, avanços e retrocessos estruturais. Nesse cenário, identificamos três possibilidades de intervenção, situadas nas letras A, B e C da figura seguinte.

Na abordagem tipo (A), a Matemática é vista como pré-requisito para a EPTNM, o que significa que o professor reconhece a existência de um campo profissional do curso técnico, mas o ensino de conceitos ainda acontece no âmbito disciplinar, demarcado pelo retângulo vermelho. Em (B), os conteúdos matemáticos já são associados ao emprego, subconjunto do mundo do trabalho, o que implica em um avanço político-pedagógico de integração curricular, mas ainda limitado ao saber-fazer do curso técnico. Por fim, na abordagem situada em (C), a Matemática promove a emancipação dos sujeitos, que se tornam capazes não só de operar com o conhecimento científico sua prática laboral, como também de usá-lo como lente para enxergar as relações sociais subjacentes ao campo do trabalho. As três abordagens propostas neste estudo serão detalhadas, exemplificadas e problematizadas em cada uma das seções seguintes.

3 A Matemática como pré-requisito para a EPTNM

O primeiro estágio na busca por uma integração curricular acontece muitas vezes no âmbito da pedagogia do pré-requisito . Essa abordagem, talvez mais intuitiva para alguns professores, pode ser interpretada a partir de uma analogia com a ideia matemática de função composta: o professor de Matemática atua como uma 𝑓 (x) ensinando um conteúdo com vistas a uma disciplina profissionalizante, na expectativa de que o docente do componente curricular profissionalizante, por sua vez, possa levar esse conceito (ou sua versão ampliada) ao mundo do trabalho, em uma espécie de g ( 𝑓 (x)) . Para refletir sobre as potencialidades e limitações dessa abordagem, vamos considerar a experiência de Marques (2013)MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. .

A partir de seu estudo sobre apropriação de recursos tecnológicos na Educação, Marques (2013)MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. propôs uma investigação sobre a inserção da calculadora em sala de aula do Curso Técnico em Eletromecânica, ao observar as dificuldades dos alunos em realizar determinados cálculos matemáticos. O artigo inicia com uma revisão de literatura sobre a utilização desses equipamentos em diferentes níveis e etapas do ensino, considerando a adoção tanto da calculadora gráfica como da comum de bolso. Em seguida, o autor apresenta sua pesquisa, em andamento à época – sobre a qual debruçaremos a seguir.

Para analisar a utilização da calculadora, Marques (2013)MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. reuniu dezesseis estudantes e realizou diferentes atividades que envolviam tipos de cálculos matemáticos. O autor explicita sua motivação pelo “interesse em introduzir uma dinâmica de aula em que fosse possível resgatar a capacidade [de cálculos] para minimizar as dificuldades ” ( MARQUES, 2013MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. , p. 1, grifos nossos).

Embora o professor comente que “foram implementadas atividades que envolviam diferentes tipos de cálculos matemáticos, convergindo para a aplicação na disciplina de Tecnologia dos Materiais (específica do Curso Técnico de Eletromecânica)” ( MARQUES, 2013MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. , p. 10, grifos nossos), verificamos no recorte da proposta de integração, em desenvolvimento à época, que as atividades aparentemente eram desvinculadas do curso técnico ou da disciplina específica, conforme exemplo a seguir.

Figura 2
– Atividade “Entendendo a memória”

Na experiência de Marques (2013)MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. , que aqui representa diversas outras iniciativas semelhantes, percebemos que o ensino de Matemática como pré-requisito revela desejo do professor em associar as formações gerais e específicas do curso técnico integrado ao Ensino Médio. Além disso, muitas dessas propostas se justificam em políticas institucionais de permanência e êxito ( MARQUES, 2013MARQUES, W. Calculadoras em sala de aula: um recurso ainda a ser muito explorado. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 11, 2013, Curitiba. Anais [...] Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. ; NAVARRO; MENDONÇA; MENDES, 2019), no sentido de consolidar conhecimentos necessários em disciplinas futuras, comumente em “atividades de nivelamento”. Dito em outras palavras, é como se o objetivo de se ensinar determinados conteúdos matemáticos fosse apenas o de diminuir a reprovação em um componente curricular que demanda este conhecimento. Apesar de toda legitimidade, esse tipo de abordagem desvia dos objetivos do trabalho como princípio educativo e abdica de uma possibilidade de vinculação entre Matemática e sociedade, conforme observados por vários professores e pesquisadores:

É um ponto de concordância que ensinar a Matemática de forma isolada das demais áreas do conhecimento, sem trabalhar com ela de forma contextualizada ou apenas como pré-requisito para outros conteúdos matemáticos mais complexos, não tem contribuído para que os estudantes tenham uma formação integral. Ao ensinar a Matemática dessa forma, perde-se a oportunidade de mostrar ao aluno o quanto a Matemática é importante e essencial na nossa sociedade (TSUCHIYA et al. , 2019, p. 2).

Se analisarmos essa estratégia didática sob o prisma teórico da Educação Profissional, observaremos que, além de não promover a integração curricular, essa proposta diminui o papel da formação matemática, colocando a ciência em uma posição de serviço e indo de encontro ao que defende Ciavatta (2014CIAVATTA, M. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 23, n. 1, p. 187-205, 2014. , p. 197), quando afirma que “a formação geral que não pode ser substituída nem minimizada pela formação profissional”. Além disso, tal proposta se torna reducionista ao retomar antigas propostas de formação, como a do Decreto 2.208/97 ( BRASIL, 1997BRASIL. Casa Civil. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o §2º do art. 36 e os art. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1997. ), que regulamentou a forma fragmentada e aligeirada de Educação Profissional em função de alegadas necessidades do mercado (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005RAMOS, M. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. (org.). O ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. ).

É importante reiterar que a sobreposição de disciplinas consideradas de formação geral e de formação específica ao longo de um curso não é o mesmo que integração, assim como não o é a adição de um ano de estudos profissionais a três de ensino médio (a chamada estrutura 3+1). A integração exige que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura [...] ( RAMOS, 2005RAMOS, M. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. (org.). O ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. , p. 122).

Do ponto de vista da implementação, a ideia de composição g (𝑓(x)) , manifestada nas experiências dessa abordagem, esbarra na realidade que, em muitos casos, os professores da formação técnica também não possuem conhecimento sobre os pressupostos da EPTNM e, portanto, possuem dificuldades de abordar seus conteúdos em uma visão não utilitarista do trabalho ( BRASIL, 2007BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio: documento base. Brasília: MEC/SETEC, 2007. ). Esses professores, em geral, tendem a focalizar no ensino de uma técnica específica sem discutir os processos históricos, econômicos, éticos e sociais subjacentes a ela. Corroborando essa premissa, o Documento Base da EPTNM integrada ao Ensino Médio, denuncia, há mais de uma década, que:

Os professores das disciplinas específicas são formados, em geral, em bacharelados, não possuindo a formação desejada para o exercício da docência. O parecer do CNE/CEB nº 02/97 dispõe sobre os programas especiais de formação pedagógica de professores para a Educação Profissional, mas os mesmos precisam ser revistos, pois não atendem a necessidade de formação, principalmente dos sistemas estaduais de ensino ( BRASIL, 2007BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio: documento base. Brasília: MEC/SETEC, 2007. , p. 33).

Sobre esse aspecto, mais recentemente, a Resolução nº 6/2012 do Conselho Nacional de Educação, definiu as Diretrizes Nacionais para a EPTNM e, também, procurou solucionar esse problema, adotando como estratégia a formação continuada dos professores que já atuam na modalidade de ensino. Em seu Art. 40, a resolução determina que os professores graduados não licenciados deveriam, até o ano de 2020, participar de um curso de pós-graduação lato sensu de caráter pedagógico ou ter reconhecidos seus saberes profissionais em processos destinados à formação pedagógica. No entanto, observamos que ainda são tímidos os esforços das diferentes instituições no sentido de proporcionarem formação adequada a seus docentes.

A partir do discutido nos últimos parágrafos, verificamos que a pedagogia do pré-requisito , a partir do argumento da função composta, possui limitações no contexto da EPTNM. Isso, em nosso entendimento, não desmerece ou desqualifica essa perspectiva de trabalho. Pelo contrário, reconhece as potencialidades dessa ação consciente, enfatizando apenas que há limites que precisam ser compreendidos pelos professores que a praticam. Entendemos que, para potencializar esse tipo de abordagem, aproximando-a das orientações curriculares da EPTNM, é necessário que as instituições e sistemas de ensino deem condições para que os professores de Matemática convidem colegas de disciplinas específicas do curso técnico para ações coletivas e colaborativas. Com isso, partiremos da pedagogia do pré-requisito em direção à noção de emprego como princípio educativo , perspectiva sobre a qual discorreremos em seguida.

4 O emprego como princípio educativo nas aulas de Matemática

Para compreendermos como o emprego pode se constituir como princípio educativo, vamos considerar inicialmente a experiência de Navarro, Mendonça e Mendes (2019), que desenvolveram um jogo para relacionar conteúdos de Matemática e de disciplinas específicas do Curso Técnico em Florestas Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Rondônia. O recurso denominado “Trilha Florestal” abordou os conteúdos de operações com números racionais, regra de três e funções quadráticas, trazendo contextos do setor florestal. O texto foi dividido em três etapas: seleção dos conteúdos, confecção do jogo e validação do recurso. Já no primeiro momento de planejamento, os autores externam a preocupação com a aprendizagem discente a partir da ideia de pré-requisito, semelhante ao exemplo de abordagem A, discutida anteriormente:

Iniciamos a primeira etapa realizando reuniões entre as professoras, de modo a perceber quais as maiores dificuldades dos alunos nas disciplinas específicas do curso , e quais dessas dificuldades estavam vinculadas a ausência e/ou incompletude de conhecimentos matemáticos . Desse momento, constatamos que os conhecimentos matemáticos necessários para o bom desempenho dos alunos no núcleo de disciplinas técnicas , estavam relacionados a conteúdos básicos[...] (NAVARRO; MENDONÇA; MENDES, 2019, p. 4, grifos nossos).

Nos momentos seguintes, os pesquisadores realizaram um levantamento dos modelos e formatos de jogos que poderiam ser aplicados, reuniram a matéria prima necessária, produziram o jogo, realizaram novos estudos e ingressaram na sala de aula. O jogo “Trilha Florestal” era composto por um dado com três cores e uma trilha confeccionada em lona com o mesmo padrão de cores ( Figura 3 ) e quarenta e cinco questões, elaboradas pelas professoras das disciplinas de Matemática e de Sementes e Viveiros Florestais, com apoio de alguns alunos. Consideramos que esse é o ponto que difere essa tarefa daquela orientada exclusivamente pela pedagogia do pré-requisito:

Figura 3
– Momentos do jogo “Trilha Florestal”

O objetivo das questões era desenvolver habilidades nos alunos do curso técnico de florestas na aplicação dos conteúdos de matemáticas na resolução de problemas cotidianos na atuação enquanto técnico florestal . Um exemplo dessa atuação se dá quando o técnico precisa descrever a taxa de germinação de sementes florestais, demarcar uma área cujo croqui está em metros quadrados para formação de plantio de 3 hectares (NAVARRO; MENDONÇA; MENDES, 2019, p. 6, grifos nossos).

Para a atividade, a turma foi dividida em três grupos e o tabuleiro foi colocado no chão, de modo que cada representante do grupo atuasse como marcador ( Figura 3 ). Uma das professoras jogava o dado e a face que ficasse para cima indicava a cor da equipe que teria preferência em responder à questão. Nesse momento, todo o grupo ajudava na solução do problema, buscando resolver e responder corretamente a questão apresentada.

Ao final da experiência, Navarro, Mendonça e Mendes (2019) perceberam que o uso do jogo contribui com a aprendizagem dos conteúdos matemáticos necessários para o curso técnico em florestas. Nas palavras dos autores, “as atividades interdisciplinares baseadas em ações lúdicas motivaram os discentes, favorecendo a aprendizagem significativa e a socialização” ( idem , p. 1).

Sabemos que a fragmentação limita e “impede o devir humano, na medida em que a exclusão e a alienação fazem parte da lógica da sociedade capitalista” (FRIGOTTO, 1995 apudTHIESEN, 2008THIESEN, J. da S. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, p. 545-554, 2008. , p. 549). Com isso, entendemos que a interdisciplinaridade é a tentativa de reconstituição do conhecimento científico em oposição à alienação causada pela fragmentação do currículo ( THIESEN, 2008THIESEN, J. da S. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, p. 545-554, 2008. ). E, dessa definição, decorre a diferenciação entre o paradigma que orienta a pedagogia do pré-requisito e aquele que utiliza o emprego como princípio educativo: apesar de ambos aproximarem as áreas, na primeira abordagem as disciplinas ainda se apresentam fragmentadas e se relacionam a partir de um sequenciamento; já nesta segunda abordagem, já vislumbramos uma totalidade a partir da integração dos comentes curriculares.

Além do jogo, destacado por Navarro, Mendonça e Mendes (2019), entendemos que a interdisciplinaridade proposta também se caracteriza como uma potente estratégia para alcançar o currículo integrado e para caminhar em direção a formação integral do aluno, conforme também pontuam Gonçalves e Pires (2014GONÇALVES, H. J. L.; PIRES, C. M. C. Educação matemática na Educação Profissional de nível médio: análise sobre possibilidades de abordagens interdisciplinares. Bolema, Rio Claro, v. 28, n. 48, p. 230-254, 2014. , p. 246):

[...]defendemos que uma integralização efetiva da EPTNM com o Ensino Médio ocorrerá com a interdisciplinaridade como eixo central na organização do trabalho pedagógico. Para tanto, compreendemos, a partir das leituras e interpretações feitas até o momento, que o ensino de Matemática na EPTNM pode materializar-se a partir de uma prática pedagógica coletiva na escola que perpassa pela sua organização na dimensão macro e em nível curricular.

No âmbito curricular, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EPTNM também percebem a interdisciplinaridade como princípio pedagógico para a estruturação dos currículos escolares. No artigo 6º, as diretrizes fixam como princípio norteador para EPTNM a “interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática pedagógica, visando à superação da fragmentação de conhecimentos e de segmentação da organização curricular” ( BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB nº 06, de 20 de dezembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Brasília: CNE/CEB, 2012. , Art. 6º). No mesmo artigo, o documento recomenda “contextualização, flexibilidade e interdisciplinaridade na utilização de estratégias educacionais favoráveis à compreensão de significados e à integração entre a teoria e a vivência da prática profissional” ( ibidem ).

Conforme podemos observar, nesta experiência de Navarro, Mendonça e Mendes (2019), os conteúdos matemáticos foram associados ao emprego do Técnico em Florestas, subconjunto do mundo do trabalho, representando a ideia de emprego como princípio educativo (Ponto (B) da Figura 1 ). Isso implica em um avanço político-pedagógico em relação à ideia de pré-requisito, uma vez que a intervenção não mais se restringe ao âmbito disciplinar da Matemática, mas a um ambiente interdisciplinar em que atuam professores de diferentes componentes curriculares. Dessa forma, esta abordagem pressupõe uma ação colaborativa entre professores de Matemática e de disciplinas do núcleo profissionalizante do curso, no caso, pela docente de Sementes e Viveiros Florestais.

Figura 1
– Três abordagens possíveis para a Educação Matemática com vistas ao mundo do trabalho

Retomando nosso compromisso político-pedagógico de formação humana, concluímos que essa interdisciplinaridade se torna ainda mais oportuna à medida que ela propõe a reunificação dos conceitos que foram setorizados e disciplinarizados pela lógica capitalista (basta recordar a divisão do trabalho na produção do sapato, a qual permitiu o estabelecimento da mais-valia). Daí, percebemos esta estratégia de ensino como uma forma de resistência à precarização do trabalho, perspectiva que é fortalecida quando adotamos o trabalho como princípio educativo nas aulas de Matemática, conforme veremos a seguir.

5 O trabalho como princípio educativo nas aulas de Matemática

Essa abordagem é a mais próxima do que prescrevem as Diretrizes Curriculares para a EPTNM. Equivalente ao item (C) da Figura 1 , nessa dimensão, a Matemática promove a emancipação dos sujeitos, que se tornam capazes não só de operar com o conhecimento científico em suas práticas laborais, como também de usá-lo como lentes para enxergar as relações sociais subjacentes ao campo do trabalho.

A primeira experiência que compartilhamos é a de Campos e Roque (2016)CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. , que propuseram projetos de Modelagem Matemática com alunos do terceiro ano do Curso Técnico em Segurança do Trabalho Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Minas Gerais. Para o desenvolvimento dos projetos, além dos encontros realizados em sala de aula e no laboratório de informática, os grupos poderiam solicitar orientações em outros momentos. O grupo cujo projeto os autores escolheram discutir no artigo abordou a segurança dos trabalhadores de açougues e frigoríficos, comparando o custo da aquisição de Equipamentos de Proteção Individual com o custo de alguns acidentes (incluindo assistência ao funcionário acidentado, contratação e capacitação de um substituto). Em relação a escolha do tema, uma aluna apresentou o seguinte relato:

Essa área, ela é muito ..., os acidentes que acontecem nela são muito frequentes e os danos são muito graves. E, assim, a maioria perde braço, membro, perde dedo, fica incapacitado de trabalhar. E não é uma questão que é muito difundida, ela não é muito abordada, tanto é que na pesquisa a gente teve muita dificuldade de achar dados porque não tem nada assim ( CAMPOS; ROQUE, 2016CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. , p. 4).

Na apresentação do projeto de Modelagem para a turma, Campos e Roque (2016)CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. contam que o grupo utilizou uma charge para discutir a relação estabelecida pelos proprietários de açougues e frigoríficos:

Figura 4
– Charge utilizada pelo grupo.

Com o propósito de demonstrar a viabilidade do uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para a segurança do trabalhador em açougues e frigoríficos, o grupo pesquisou a legislação que regulamenta esse tipo de profissão e formulou o problema matemático a partir de duas relações: custo da segurança x custo da não segurança e custo do EPI x custo do acidente . Para argumentar matematicamente, o grupo pesquisou os preços dos EPI necessários para a segurança dos trabalhadores em açougues e frigoríficos e analisou o custo de acidentes nesses locais de trabalho. Ao comparar os dois resultados, respectivamente R$534,50 e R$8.063,72, o grupo apresentou os seguintes argumentos matemáticos para o problema:

  • a diferença entre os totais;

  • concluiu que os acidentes geram perda de 30% do lucro diário, visto que os trabalhadores ficam impossibilitados de exercer suas atividades e, em alguns casos, precisam ser substituídos por outros trabalhadores;

  • concluiu que o valor despendido por um único acidente é aproximadamente 15 vezes maior que o custo dos EPI que poderia evitar os danos causados pelo acidente ( CAMPOS; ROQUE, 2016CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. , p. 8-9).

A discussão sobre o uso de EPI por trabalhadores é comum nos Cursos Técnicos em Segurança do Trabalho. Ainda assim, podemos observar que a abordagem do projeto vai além dos simples cálculos matemáticos associados ao investimento em segurança, o que caracterizaria uma visão utilitarista da Matemática no curso. Conforme pontuam Campos e Roque (2016)CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. , o projeto avançou e conscientizou trabalhadores de açougues e frigoríficos acerca dos seus direitos e atentou empregadores sobre os benefícios financeiros da segurança no trabalho para o orçamento da empresa.

Em outra experiência compartilhada no ENEM, Costa e Schimiguel (2016)COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. apresentam um projeto que tratou do problema enfrentado por comunidades sujeitas a enchentes, desmoronamentos e quaisquer desastres, naturais ou não, e que encontra aplicação imediata em circunstâncias como as cidades mineiras de Mariana3 3 Em 2015, o rompimento da barragem do Fundão, da empresa Samarco, liberou aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração altamente contaminantes que varreram comunidades, contaminou rios e matou 19 pessoas. e Brumadinho4 4 O rompimento de barragem em Brumadinho, em 2019, foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século. Controlada pela Vale S.A., a barragem da Mina Córrego do Feijão se rompeu destruindo a região e matando de mais de 250 pessoas. . A proposta, realizada com estudantes do Curso Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de Minas Gerais, levou em conta a situação vivida pela comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana, quando o rompimento da barragem de rejeitos provocou, até então, o maior desastre ambiental do país.

A atividade aconteceu com cinco alunos da segunda série do curso e se deu em nove etapas: definição do tema, planejamento, acompanhamento, execução, depuração, apresentação, ajustes finais, avaliação e registro. O detalhamento dessas ações, destacando-se o papel do professor e do aluno em cada uma, pode ser consultado em Costa e Schimiguel (2016)COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. . Para evidenciar o protagonismo dos alunos e o alinhamento às diretrizes da EPTNM, retomaremos as etapas de detalhamento e execução.

Após a definição da temática do rompimento da barragem, os participantes analisaram as circunstâncias em que ocorreu. Isto porque o fato de o rompimento ter acontecido no período diurno foi preponderante para que alguns moradores avistassem o deslocamento da massa rumo à comunidade e, assim, para que muitas vidas tenham sido preservadas. Dessa forma, o detalhamento da atividade se deu a partir de três questionamentos:

  • Como um observador à distância poderia alertar uma comunidade (tomando como parâmetro que a comunidade de Bento Rodrigues estava a 25 km da barragem)?

  • Que sistemas de comunicação-gatilho-disparadores estariam disponíveis?

  • Quais as possibilidades de haver energia para alimentar um sistema de alerta? ( COSTA; SCHIMIGUEL, 2016COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. , p. 4-5).

Já na etapa de execução, e utilizando como parâmetros as três perguntas acima, o grupo projetou um dispositivo de alerta do tipo sirene, com autonomia energética e baixo consumo de energia, que pudesse ser disparado por qualquer indivíduo da comunidade. A arquitetura da rede permitia que qualquer módulo fosse disparado e, como uma reação em cadeia, acionasse qualquer outro que estivesse ao seu alcance. Nas palavras dos autores, isso garantiria “que a rede continue funcionando caso algum módulo apresente mau funcionamento, permitindo também que novos módulos sejam acrescentados à rede e passem a integrá-la automaticamente” ( COSTA; SCHIMIGUEL, 2016COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. , p. 6).

Figura 5
– Representação da topologia da rede

Em relação às duas etapas apresentadas nesse artigo, Costa e Schimiguel (2016)COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. comentam que a participação dos alunos cresceu a partir da formulação do projeto e que a discussão sobre a topologia da rede demandou cálculos necessários para delimitar a área de atuação de cada módulo. Segundo os autores, esse aspecto, somado à escolha do tema, movida pela atualidade, proximidade e impacto, apontou para novas formas de se conduzir as propostas educacionais, seja pelo seu aspecto interdisciplinar ou pela confluência com a aprendizagem significativa – tornando o aluno consciente de sua aprendizagem, suas responsabilidades e suas decisões.

Nesta seção, apresentamos duas experiências que adotaram o trabalho como princípio educativo em aulas de Matemática. Em Campos e Roque (2016)CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. , a Modelagem Matemática mostrou que investir em EPI e treinamento é mais viável (inclusive financeiramente) que permanecer sem ações de segurança. Nesse caso, “o desenvolvimento do projeto foi desencadeador de reflexões do grupo sobre a necessidade de conscientização dos empregadores e trabalhadores acerca da prevenção de acidentes nesses locais de trabalho” ( idem , p. 9).

Já no segundo exemplo, de Costa e Schimiguel (2016)COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. , observamos que mais que discutir a contribuição efetiva da Matemática para evitar tragédias, o que poderia ser entendido como uma visão mais relacionada ao emprego do Técnico em Automação Industrial, a atividade destacou a responsabilidade e o compromisso social da tecnologia frente a questões da sociedade:

A tragédia de Mariana, resultante do rompimento da barragem de rejeitos conhecida como Fundão, apresentou-se como laboratório vivo e real para o desenvolvimento de um projeto capaz de atenuar as consequências de um evento de grandes proporções ao alcance da comunidade escolar, por afetar a região em que vivem os alunos, permitindo soluções capazes de evitar que tragédias como essas se repitam , ao mesmo tempo em que provoca uma profunda reflexão sobre a responsabilidade que a pesquisa e o desenvolvimento exigem frente às questões da sociedade ( COSTA; SCHIMIGUEL, 2016COSTA, P. L. A. de O.; SCHIMIGUEL, J. Uma proposta de ensino-aprendizagem baseada em ABP e automação industrial, com foco no desastre de Mariana-MG. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-10. , p. 2, grifos nossos).

Conforme defendem os pressupostos teóricos da EPTNM, entendemos que atividades matemáticas que têm o trabalho como princípio educativo buscam criar condições para que os estudantes possam investigar e questionar o papel da disciplina em diferentes instâncias sociais. Mais ainda, favorecem “a compreensão da não neutralidade da Matemática nas práticas sociais e as possíveis demandas da utilização dessa em suas futuras atuações profissionais” ( CAMPOS; ROQUE, 2016CAMPOS, I. S.; ROQUE, A. C. C. A segurança de trabalhadores de açougues e frigoríficos: uma experiência com a modelagem matemática. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 12, 2016, São Paulo. Anais [...] São Paulo: SBEM, 2016. p. 01-11. , p. 3).

Para concluir, percebemos que essas experiências que superam o binômio Matemática-Emprego assumem o sentido político de superar a divisão social entre trabalho manual e trabalho intelectual, em uma perspectiva crítica e emancipatória ( CIAVATTA, 2014CIAVATTA, M. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 23, n. 1, p. 187-205, 2014. ).

6 Algumas considerações

Neste artigo, procuramos ampliar o debate acerca da Educação Matemática de alunos da EPTNM, refletindo sobre como o trabalho pode se constituir como princípio educativo em atividades de sala de aula. Ressaltamos que uma primeira leitura da máxima “ trabalho como princípio educativo ” pode equivocadamente traduzir a palavra princípio como começo ou início. Isto acaba por orientar práticas pedagógicas nas quais o mundo do trabalho se torna o contexto (ou pretexto) para se discutir conteúdos matemáticos. Para além dessa concepção, entendemos princípio no sentido de base ou valor. Ou seja, temos o trabalho como fundamento capaz de educar matematicamente os indivíduos, em uma perspectiva integral de formação.

A partir das experiências apresentadas nos Encontros Nacionais de Educação Matemática, apontamos três abordagens possíveis para a Educação Matemática de alunos de cursos técnicos com vistas ao mundo do trabalho. Na primeira, a Matemática é vista como pré-requisito para a EPTNM e seu ensino ainda acontece no âmbito disciplinar. Na segunda abordagem, os conteúdos matemáticos são associados ao saber-fazer do curso técnico, reduzindo o trabalho à ideia de emprego. Na terceira abordagem, que atende melhor a demanda das diretrizes da Educação Profissional, os alunos não só operaram com o conhecimento matemático em sua prática laboral, como também o utilizam para enxergar as relações sociais subjacentes ao campo do trabalho.

Mais que criar uma tipologia ou taxonomia para o papel do trabalho como princípio educativo, procuramos evidenciar as diferentes estratégias docentes para implementar as orientações curriculares da EPTNM. Entendemos que, nesse movimento pendular Matemática-Trabalho, as práticas podem tender mais para uma referência ou outra, o que não implica, em nossa reflexão, que alguma forma seja mais adequada. Pelo contrário, reconhecemos que os três modos enfatizam aspectos distintos e, por isso, promovem diferentes aprendizagens dos alunos. Com esse estudo, esperamos provocar nos professores uma atenção sobre as potencialidades e limitações de cada abordagem, na tentativa de estimulá-los a adotar determinada prática educativa de forma consciente e, assim, consolidar a formação integral de seus alunos.

Apesar de reconhecermos que a aprendizagem parte das relações mediadas entre o ser humano e a sociedade, reconhecemos que o sistema educacional brasileiro, muitas vezes, engessa a ação do professor de Matemática, obrigando-o a partir de conteúdos pertencentes ao currículo escolar – o que certamente dificulta a adoção do trabalho como princípio educativo. Além disso, concordamos que as tentativas de assumir o trabalho como princípio educativo por vezes esbarram também em lacunas na formação de professores de Matemática que atuam na EPTNM, como investigado em Jordane (2013)JORDANE, A. Constituição de comunidades locais de prática profissional: contribuições para a construção de um currículo integrado no curso técnico na modalidade de EJA. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação, Vitória, 2013. e Silva (2020)SILVA, E. O conhecimento do professor de matemática do Ensino Médio Integrado: perspectivas para a formação de professores. Tese (Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Matemática, Rio de Janeiro, 2020. .

Considerando o foco proposto para este texto, optamos por não apresentar neste artigo todas as experiências identificadas no levantamento. Por isso, recomendamos fortemente que os leitores busquem nos anais do ENEM outras propostas de ensino, ampliando as possibilidades de abordagem que apresentamos nesta produção.

Agradecimentos

Registramos nossos agradecimentos aos professores que compuseram a banca de avaliação da tese e aos participantes do EMEP – Grupo de Pesquisa em Educação Matemática e Educação Profissional pela parceria na realização da investigação e pela leitura crítica das diversas versões desse artigo. Também agradecemos ao Instituto Federal do Espírito Santo pelo financiamento da publicação, via edital PRPPG 08/2021.

Referências

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  • 1
    Neste artigo, entenderemos atividades como situações de ensino propostas por professores e realizadas por alunos. Assim, assumiremos atividades e tarefas como sinônimos e alternaremos seus usos apenas para evitar repetições no texto.
  • 2
    A referência da tese foi ocultada para preservar a versão cega do artigo.
  • 3
    Em 2015, o rompimento da barragem do Fundão, da empresa Samarco, liberou aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração altamente contaminantes que varreram comunidades, contaminou rios e matou 19 pessoas.
  • 4
    O rompimento de barragem em Brumadinho, em 2019, foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século. Controlada pela Vale S.A., a barragem da Mina Córrego do Feijão se rompeu destruindo a região e matando de mais de 250 pessoas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2020
  • Aceito
    08 Ago 2021
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