Open-access Obstáculos e Resistências no Uso de Tendências Metodológicas na Educação Matemática

Obstacles and Resistances in the Use of Methodological Trends in Mathematics Education

Resumo

Este artigo é fruto de uma pesquisa que se propôs a investigar, descrever e analisar obstáculos e resistências apontados por professores que ensinam Matemática no Ensino Básico, ao utilizarem alguma tendência metodológica diversa do método tradicional. O corpus de análise da pesquisa foi composto por artigos extraídos de periódicos especializados na área de Educação Matemática e também de áreas afins. Ao todo, foram analisados artigos publicados em 49 periódicos, entre os anos de 1996 e 2016. Com esse recorte, sob a ótica da comunidade de pesquisadores, foi possível identificar dezesseis artigos que traziam evidências de obstáculos e resistências enfrentados por professores que ensinam Matemática. Ao analisar o que tais pesquisas relatam, buscou-se uma descrição dos fenômenos de diferentes naturezas que culminam nos obstáculos e, consequentemente, nas resistências. Para tal, os dados observados foram organizados em cinco categorias: o professor e suas relações com o trabalho; o professor e suas relações com a escola; o professor e suas relações com o currículo; o professor e sua relação com o saber; os alunos e suas relações com as tendências metodológicas. O trabalho de análise possibilitou inferir algumas pistas para entender a existência de obstáculos e resistências e, como resultado, apontaram-se estruturas que compreendem o emocional (sentimentos), os saberes (conhecimento) e as circunstâncias (condições) às quais os docentes estão submetidos. Por fim, o trabalho teve por ensejo provocar reflexões acerca dos motivos que levam alguns docentes a não mudarem antigas práticas que tendem a reproduzir o modelo formativo centrado na transmissão de conteúdo.

Tendências Metodológicas; Obstáculos e Resistências; Concepções dos Professores; Educação Matemática

Abstract

This article is the result of a research that aimed to investigate, describe, and analyze obstacles and resistances pointed out by teachers who teach Mathematics in Basic Education when using some methodological tendency different from the traditional method. The research corpus of analysis evidence was composed of articles extracted from specialized periodicals in ​​Mathematics Education and from related areas. In all, articles published in forty-nine journals from 1996 to 2016 were analyzed. With this cut, from the research community perspective, it was possible to identify sixteen articles that brought evidence of obstacles and resistance faced by teachers who teach Mathematics. By analyzing what such research report, we sought a description of phenomena of different natures that culminate in obstacles and, consequently, in resistance. To this end, the observed data were organized into five categories: the teacher and their relationship with work; the teacher and their relationship with the school; the teacher and their relationship with the curriculum; the teacher and their relationship with knowledge; students, and their relationship to methodological trends. The analysis work made it possible to infer some clues to understand the existence of obstacles and resistances and, as a result, structures were pointed out that comprise the emotional (feelings), knowledge (knowledge) and circumstances (conditions) to which the teachers are submitted. Finally, the work aimed to provoke reflections on the reasons that lead some teachers not to change old practices that tend to reproduce the training model centered on the transmission of content.

Methodological Trends; Obstacles and Resistances; Teacher’s conceptions; Mathematical education

1 Introdução

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que teve por objetivo investigar, descrever e analisar obstáculos e resistências apontados por professores que ensinam Matemática no Ensino Básico ao utilizarem alguma tendência metodológica diversa do método tradicional. Desse modo, o termo “tendências metodológicas” apresentado neste trabalho foi a expressão escolhida para abarcar todas as práticas desenvolvidas pelos professores ao ensinarem Matemática. Práticas essas que se distinguem do ensino tradicional da Matemática.

Anteriormente à pesquisa que deu origem a esse artigo, Silveira e Caldeira (2012) já apontavam obstáculos e resistências de professores e futuros professores no trabalho com a Modelagem Matemática. Tal trabalho impulsionou a pesquisa desenvolvida por Pires (2019) , que tomou como ponto de partida o seguinte questionamento: Será que essas dificuldades em desenvolver diferentes metodologias em sala de aula acontecem apenas no trabalho com a Modelagem Matemática, ou aparecem também em outras tendências metodológicas?

Antes de prosseguir, é preciso considerar que os termos obstáculos e resistências podem trazer diferentes sentidos conforme a abordagem e o contexto. Guy Brousseau (2007) e Gaston Bachelard (2008) difundem a ideia de obstáculo em seu sentido epistemológico. Ao pesquisar sobre “obstáculos em educação” é possível deparar-se com inúmeros textos que fazem referência ao trabalho desses dois pensadores. Todavia, considera-se que os conceitos por eles apresentados não sejam capazes de significar a palavra obstáculo tal qual se faz presente neste trabalho.

Diante do exposto, encontra-se em Houaiss (2017 , p. 542) a expressão que melhor exprime o sentido da palavra obstáculo no nexo deste estudo. Nessa obra, “obstáculo é algo que impede ou atrapalha o movimento, a progressão de alguém ou de alguma coisa”. Desse modo, essa definição se justifica uma vez que se buscou descrever e analisar obstáculos apontados por professores que ensinam Matemática, ou seja, tentou-se encontrar fenômenos que impedem ou atrapalham os professores de fazer uso de diferentes tendências metodológicas para o ensino e aprendizagem de Matemática.

Considera-se que a escolha das metodologias utilizadas em salas de aula pode contribuir para o sucesso ou o fracasso do processo de ensino e aprendizagem. Segundo Fiorentini (1995) , há diferentes modos de conceber e ver a questão da qualidade do ensino da Matemática. Para ele, “o conceito de qualidade de ensino é relativo e modifica-se historicamente sofrendo determinações socioculturais e políticas” ( FIORENTINI, 1995 , p. 2). Esse conceito varia de acordo com as concepções epistemológicas e didático-metodológicas dos que se propõem a produzir as inovações nesse campo.

O interesse em estudar os obstáculos e, consequentemente, as resistências deu-se pela constatação da forte tendência de práticas de ensino guiarem-se por abordagens tradicionais (LIBÂNIO, 1984; CARRERA, 1991 ; SKOVSMOSE, 2006 ), ou seja, aulas de Matemática que se pautam no paradigma do exercício. Como um bom exemplo, nessas aulas os exercícios são, geralmente, baseados nos livros didáticos e se referem à Matemática divorciada de qualquer relação com o mundo real, bem como de quaisquer outras áreas de conhecimento: uma Matemática estanque, posto que não se relaciona com outros conhecimentos da própria Matemática. Para Freudenthal (1973 , p. 132), no ensino tradicional, “a ‘matemática’ vem em primeiro lugar, enquanto o problema concreto vem depois como uma ‘aplicação’”. Skovsmose (2007) chama a atenção para a importância de termos consciência de que as funções políticas e sociais reais de uma Educação Matemática particular não dependem, diretamente, da parte do currículo, mas também do contexto social e político em que a escolaridade ocorre. Do mesmo modo, D’Ambrosio (1990) alerta para a necessidade de reconhecermos o importante papel social que a Matemática possui na inclusão das pessoas na sociedade.

Neste artigo, serão apresentados os resultados obtidos a partir da pesquisa desenvolvida por Pires (2019) , no intuito de compreender, pelo menos, alguns dos elementos que impedem mudanças de práticas e quebras de paradigmas e o que possa estar por trás da recusa de parte dos docentes em transformar suas práticas e buscar inovações.

2 Aspectos Metodológicos

Os dados aqui apresentados despontam de um trabalho de investigação realizado em artigos publicados em periódicos dentro de um período de 20 anos (1996-2016) e disponíveis no formato digital. Ao todo, foram investigados 49 periódicos que apontavam para, pelo menos, alguma das seguintes características:

  • Estar entre os principais periódicos nacionais que se constituem como espaço de divulgação científica da Área de Educação Matemática em âmbito internacional;

  • Disseminar temas contemporâneos – presentes em chamadas de trabalhos e agendas investigativas nacionais ou internacionais recentes;

  • Estar situado entre a área de Educação Matemática e as especializadas em Ensino de Ciências e Tecnologias, Educação, Ciência e Ensino;

  • Contemplar interessantes e relevantes questões para o desenvolvimento da Área de Educação Matemática e de áreas afins;

  • Ter como foco os relatos de trabalho realizado em sala de aula por professor que atue no Ensino Básico.

Posteriormente à escolha dos periódicos, fez-se a seleção dos trabalhos1 por meio de uma pesquisa que envolveu títulos, resumos e leitura dos textos na íntegra. Os procedimentos utilizados para realizar a seleção e a organização dos trabalhos obedeceram às seguintes etapas:

  1. Foi tomado o ano de publicação dos periódicos, iniciando pelas edições mais antigas, acessando os sumários. Esta etapa teve por objetivo identificar todas as publicações que abordaram aulas de Matemática com o uso de alguma tendência metodológica. Inicialmente, olhando para os títulos de cada trabalho, buscou-se aqueles que traziam relatos sobre trabalhos desenvolvidos por, com ou sobre professores. Os títulos que indicavam trabalhos cujos assuntos não convergiam para esse tema de interesse eram descartados. Os demais títulos, mesmo os que causavam dúvidas, foram para a segunda etapa de seleção. Nesta etapa, quarenta trabalhos foram selecionados.

  2. Na etapa seguinte, ocorreu a leitura dos resumos, selecionando os trabalhos que comporiam o corpus da pesquisa. Os resumos que deixavam dúvidas eram selecionados e mantidos no arquivo de armazenamento, numa pasta específica.

  3. A terceira etapa incluiu a leitura minuciosa dos trabalhos sobre os quais restava alguma dúvida. Só então foram feitos os descartes daqueles que não eram interessantes para a pesquisa. Os demais foram inseridos ao corpus .

  4. Na quarta etapa, ocorreu a leitura de todos os textos selecionados para compor o corpus e, simultaneamente, a codificação.

Por tratar-se de uma abordagem qualitativa, a metodologia de pesquisa escolhida para o desenvolvimento do presente trabalho foi a Grounded Theory ( GT ) – Teoria Fundamentada nos Dados, na tradução feita para o português. Nesta metodologia, a codificação ocorre simultaneamente ao processo de leitura dos textos (documentos), usando os recursos de destacar palavras ou frases que eram significativas dentro da perspectiva da pesquisa. Segundo a GT , a teoria gerada deve partir dos dados pesquisados, esses fornecerão subsídios sólidos para a construção de uma análise fundamentada. Em suma, a interpretação de Charmaz (2009 , p. 30) sobre a Grounded Theory balizou o desenvolvimento da metodologia quando ela afirma que “os dados relevantes são detalhados, focados e completos. Eles revelam as opiniões, os sentimentos, as intenções e as ações dos participantes, bem como os contextos e as estruturas de suas vidas”.

Como resultado, em nove periódicos (dentre os 49 pesquisados) encontrou-se dezesseis trabalhos (conforme Quadro 1 ) que versam sobre as dificuldades enfrentadas pelos professores ao ensinarem Matemática no Ensino Básico com o uso de alguma tendência metodológica diferente do ensino tradicional2 . Portanto as informações coletadas para esse trabalho encontram-se nos seguintes periódicos: Bolema – Boletim de Educação Matemática; Zetetiké – Revista de Educação Matemática; EMP – Revista Educação Matemática Pesquisa; Revista Perspectiva da Educação Matemática; Revista EMR – Educação Matemática em Revista; Revemat – Revista Eletrônica de Educação Matemática; Reveduc – Revista Eletrônica de Educação; Revista ACTA Scientiae; Jornal JIEEM – Jornal Internacional de Estudos em Educação Matemática.

Quadro 1
Trabalhos publicados em Periódicos Nacionais

No quadro a seguir, os trabalhos encontram-se organizados por autor/ano, título, tendência metodológica abordada, bem como o periódico de publicação.

3 Descrição dos trabalhos que compunham o corpus

Do total do corpus analisado (dezesseis trabalhos), foram identificadas seis Tendências Metodológicas assim distribuídas: quatro trabalhos que relatam as dificuldades enfrentadas nas experiências de trabalho com a Modelagem Matemática ( BARBOSA, 2001 ; LEITE, 2008 ; CEOLIM; CALDEIRA, 2015; KLUBER, 2013 ), um trabalho que aponta os desafios com a Etnomatemática ( PEIXOTO FILHO; MARTINS, 2009 ), seis outros que trazem as dificuldades enfrentadas no uso de TIC ( MIRANDA; LAUDARES, 2007 ; CARNEIRO; PASSOS, 2009 , 2010 ; COAN et al. , 2013; COSTA; PRADO, 2015 ; TENÓRIO et al. , 2016), um trabalho sobre as dificuldades com o uso de Sequências Didáticas ( ROSSINI, 2007 ), três que abordam as dificuldades ao trabalhar com a Resolução de Problemas ( SANTOS; PEREIRA, 2010 ; ROMANATO, 2012; SILVA; COSTA, 2013 ) e um dos trabalhos referindo-se às dificuldades com o uso da História da Matemática ( BRITO; BAYER, 2007 ).

Muito embora esses trabalhos investigados abordem diferentes tendências metodológicas, foi possível observar fatores muito comuns entre eles. A partir da leitura cuidadosa deste corpus e tomando por referência o trabalho de classificação feito por Silveira e Caldeira (2012) , buscou-se classificar as relações que se encontram presentes nas diferentes tendências metodológicas. Essas relações ou categorias, como iremos chamá-las, foram nomeadas da seguinte forma:

  1. O professor e suas relações com o trabalho. Nesta categoria, buscou-se olhar as dificuldades enfrentadas pelo professor tanto no planejar quanto no executar as atividades que lhe competem;

  2. O professor e suas relações com a escola. Aqui, encontram-se as dificuldades enfrentadas pelo professor no espaço físico da escola (condições materiais, recursos, tempo) e na relação com os outros sujeitos que fazem parte deste contexto (direção, colegas de docência, estudantes, família dos estudantes);

  3. O professor e suas relações com o currículo3 . Esta categoria mostra as preocupações e/ou cobranças que existem em torno do cumprimento do programa curricular, gerando inseguranças e desafios nos docentes ao escolher fazer uso de alguma tendência metodológica diferenciada;

  4. O professor e sua relação com o saber. Com essa categoria destacam-se as dificuldades apontadas pelos docentes que evidenciam suas limitações, seja no planejamento, seja na prática de sala de aula e que estão relacionadas com a sua formação;

  5. Os alunos e suas relações com as tendências. Essa categoria emerge de relatos em que os docentes apontam para a falta de envolvimento dos estudantes com a metodologia a ser desenvolvida.

3.1 Obstáculos e Resistências

O Quadro 2 apresenta fragmentos extraídos dos textos analisados que evidenciam, para cada categoria, obstáculos e resistências. É importante destacar que o fato de as palavras “obstáculos” e “resistências” aparecerem sempre juntas não implica na ausência do reconhecimento das diferenças entre elas, mas significa que, no trabalho referenciado, elas encontram-se amplamente relacionadas.

Quadro 2
Obstáculos e resistências

No quadro a seguir, os trabalhos encontram-se organizados por autor/ano, título, tendência metodológica abordada, bem como o periódico de publicação.

4 Análises

4.1 O professor e sua relação com o trabalho

Ao analisar as relações dos professores com o trabalho, encontra-se em Barbosa (2001) , Carneiro e Passos (2010) , Rossini (2007) , Peixoto Filho e Martins (2009) , Kluber (2013) , Silva e Costa (2013) , Romanatto (2012) e Santos e Pereira (2010)4 considerações de que as concepções que cada professor tem em relação ao uso de diferentes metodologias dizem muito a respeito de sua prática. Nos trabalhos destacados, é possível encontrar inferências sobre a relação das práticas dos professores e as suas crenças, chamando à atenção o professor que acredita que a Matemática é uma ciência exata e infalível e que, por consequência, exercerá uma prática distinta daquele que acredita que a Matemática é uma ciência em construção. Nos trabalhos, também há a constatação de que as concepções são formadas no conjunto das experiências, ou seja, por meio das experiências cotidianas com o ensino, o professor gera conhecimentos naquilo que ocorre no desenvolvimento da sua prática docente. Esses autores apontam as concepções como sendo um dos obstáculos que acabam por impedir que se efetive um trabalho com práticas diferentes das tradicionais.

Cury (1999) , em uma pesquisa, corrobora com essas afirmações de que concepções e crenças influenciam sobre as práticas dos professores e, também, o desempenho dos alunos em Matemática. Segundo a autora:

Os professores de Matemática formam ideias sobre a natureza da Matemática, ou seja, concebem a Matemática a partir das experiências que tiveram como alunos e professores, do conhecimento que construíram, das opiniões de seus mestres, enfim, das influências socioculturais que sofreram durante suas vidas, influências essas que vêm se formando ao longo dos séculos, passando de geração a geração, a partir das ideias de filósofos que refletiram sobre a Matemática ( CURY, 1999 , p. 11).

Neste trabalho, tratou-se o conceito de concepção e de crença de professores na perspectiva apontada por Cury (1994) que, em sua tese, dedicou-se a estudar sobre tais conceitos. A autora observou que os termos concepções e crenças não têm aceitação unânime e, por vezes, suas definições são conflitantes. Contudo, Cury (1994 , p. 37) apresenta “concepção” como sendo um termo capaz de englobar “toda a filosofia particular de um professor, quando ele concebe ideias e interpreta o mundo a partir dessas ideias”.

Ainda a respeito da relação do professor com o trabalho, o estudo apontou que alguns sentimentos vivenciados e relatados pelos professores podem culminar na escolha do método tradicional de ensino, tais como: cautela, tensão ( BARBOSA, 2001 ), despreparo ( BARBOSA, 2001 ; CARNEIRO; PASSOS, 2010 ), insegurança ( BARBOSA, 2001 ; TENÓRIO et al. , 2016; COSTA; PRADO, 2015 ; COAN et al. , 2013) e o emocional ( COSTA; PRADO, 2015 ). Exemplos dessa causa e efeito podem ser vistos nos textos que sinalizam abalos no estado emocional do docente ao ser submetido a uma elevada carga horária semanal, dedicando-se à regência de turmas e com uma rotina que não oportuniza tempo para o aperfeiçoamento. A combinação desses fatores causaria insegurança, tensão e sensação de despreparo. Portanto, por não ter tempo disponível para buscar inovações, ler e estudar ou participar de cursos de formação, o professor estaria sujeito a ter mais dificuldades na mudança de prática didática.

Nessa direção, os estudos de Tardif e Lessard (2014 , p. 159) mostram que os professores investem muito, emocionalmente falando, em seu trabalho, “trata-se de um trabalho emocional ‘consumidor’ de uma boa dose de energia afetiva”. O trabalho do professor rege-se por muitas normas. Possui uma carga horária, na qual algumas tarefas têm duração legal bem determinadas, mas outras tarefas tais como: atendimento aos pais, reuniões pedagógicas, preparação de aulas, eventos na escola, correções de atividades, podem variar quanto à duração e à frequência.

Essas tarefas, embora flexíveis, são regidas por certas normas. De acordo com Tardif e Lessard (2014 , p. 113) há outras tarefas que o professor faz e que estão fora do limite dessa carga horária: “pensar em seus alunos de noite, ver um filme para adolescentes para assimilar a cultura ‘jovem’”. Esses fatores não se assomam simplesmente, “eles também atuam em sinergia para criar uma carga de trabalho complexa, variada e portadora de tensões diversas” ( TARDIF; LESSARD, 2014 , p. 114).

4.2 O professor e a sua relação com a escola

Três fatores apresentaram-se imbricados no trabalho de análise desta pesquisa, fornecendo-nos um melhor panorama das situações que podem tornar-se obstáculos para os professores no uso das diferentes metodologias: Os alunos (número elevado de alunos, relação professor e aluno); a estrutura (falta de estrutura, o contexto escolar, dificuldade de implementação, a dinâmica da sala de aula) e outros atores (pais, pessoal de apoio, direção, os pares).

Dos trabalhos analisados ( CARNEIRO; PASSOS, 2009 , 2010 ; TENÓRIO et al. , 2016; MIRANDA; LAUDARES, 2007 ; CARNEIRO; PASSOS, 2009 ; COAN et al. , 2013; COSTA; PRADO, 2015 ), TIC foi a tendência metodológica que mais apontou para obstáculos e resistências advindos, principalmente, do não oferecimento de uma estrutura adequada por parte da escola. Equipamentos em número insuficiente ou mesmo a falta de professores auxiliares para atender certas demandas são algumas das dificuldades apontadas nos trabalhos investigados. De acordo com Tenório et al. (2016), mesmo quando há o laboratório de informática, muitas vezes a falta de estrutura (equipamentos e pessoal de apoio) contribui para a não utilização desse espaço e para que os professores sintam-se desestimulados e impotentes.

A falta de estrutura foi denunciada também no trabalho com a Modelagem Matemática (CEOLIM; CALDEIRA, 2015) e com a História da Matemática ( BRITO; BAYER, 2007 ). Na Modelagem, destaca-se o número excessivo de estudantes por sala de aula e, no trabalho com a História da Matemática, as dificuldades decorrem da ausência de material didático.

Sátyro e Soares (2007) investigaram as condições de infraestrutura das escolas brasileiras com base em censos escolares e chamam a atenção para a influência significativa que a infraestrutura exerce sobre a qualidade da educação. Segundo os autores,

Prédios e instalações adequadas, existência de biblioteca escolar, espaços esportivos e laboratórios, acesso a livros didáticos, materiais de leitura e pedagógicos, relação adequada entre o número de alunos e o professor na sala de aula e maior tempo efetivo de aula, por exemplo, possivelmente melhorem o desempenho dos alunos ( SÁTYRO; SOARES, 2007 , p. 7).

Outro aspecto, para além da estrutura física da escola, são as relações que se estabelecem entre os diferentes atores (sujeitos) da escola. Nos trabalhos pesquisados encontram-se relatos de que estudantes e seus familiares não se sentiam confiantes diante de uma nova tendência metodológica. Toma-se, por exemplo, o trabalho com Etnomatemática, no qual Peixoto Filho e Martins (2009) sinalizam a preocupação, por parte dos estudantes, com os resultados das avaliações numa expectativa de que os bons resultados possam garantir uma ascensão social. Essa preocupação com o sucesso futuro está presente também no discurso dos pais.

Os trabalhos de Ceolim e Caldeira (2015); Carneiro e Passos (2010) apontam um outro fator que muitas vezes impede o professor de inovar e se arriscar por uma metodologia diferenciada: a postura tradicional e conservadora das escolas. Essa postura, que impossibilita a abertura para um trabalho diferenciado, também pode gerar dificuldades ao docente que busca envolver os estudantes em um ambiente distinto do qual estão habituados. Por exemplo, não há possibilidade de trabalhar com Modelagem Matemática se há regras na escola que persistem em manter as cadeiras enfileiradas e os estudantes silenciados. Assim sendo, poder-se-ia refletir sobre a postura tradicional assumida por muitos professores como decorrentes de uma imposição da própria escola, e não apenas de sua concepção.

Recorreu-se a Giroux (1997) para refletir sobre essa postura tradicional e conservadora que as escolas assumem. Para esse estudioso, o conservadorismo da escola está fundamentado nos discursos positivistas dos teóricos educacionais tradicionalistas, cujas preocupações estão voltadas para “o domínio das técnicas pedagógicas e a transmissão de conhecimento instrumental para a sociedade existente. Na visão do mundo tradicional, as escolas são simplesmente locais de instrução” ( GIROUX, 1997 , p. 148).

Há, também, obstáculos impostos pela concepção dos próprios colegas de profissão (KLÜBER, 2013) que, ao contrário de apoiar e se envolver, acabam por resistir e até mesmo tecer críticas a respeito da proposição de uma metodologia diferenciada.

Isto posto, compreende-se o solitário papel do professor ao planejar e executar o seu trabalho e encontra-se em Nóvoa (2001) a defesa de que as mudanças no modo de ensinar não ocorrem tranquilamente de forma isolada. O autor aponta a necessidade da regulação do trabalho escolar, de pesquisa, de avaliação conjunta e de formação continuada de modo a partilhar tarefas e responsabilidades. As equipes de trabalho seriam fundamentais para estimular o debate e a reflexão.

Também foi sublinhada a postura dos estudantes como um dificultador do trabalho docente ( CARNEIRO; PASSOS, 2010 ; LEITE; 2008 ), ora seja pela indisciplina (muitas vezes decorrente do número excessivo de estudantes por sala de aula), ora seja pela falta de atitude dos estudantes que estão a esperar que alguém faça e que alguém decida o que deve ser feito, apresentando, assim, uma atitude passiva.

Apesar das diferentes nuances da relação de professores e alunos, ela é, antes de tudo, afetiva.5 São as condições a que estão submetidos (elevada carga horária, elevado número de alunos por sala, falta de estrutura.) que tornam o trabalho docente mais extenuante e mais difícil, sobretudo no plano emocional (alunos mais indisciplinados, empobrecimento das famílias) e cognitivo (heterogeneidade das clientelas com necessidade de uma diversificação das estratégias pedagógicas, multiplicação das fontes de conhecimento e de informação.), conforme apontado em Tardif e Lessard (2014) .

4.3 O professor e sua relação com o currículo

Nos trabalhos investigados, o currículo6 apresenta-se como um grande desafio imposto aos professores no exercício de sua profissão. Independentemente da metodologia utilizada, o professor sente-se cobrado a atingir os objetivos predeterminados pelos documentos que regulam o que deve ser ensinado nas escolas em cada ciclo, ou ano de ensino. Porém, ao fazer uso de diferentes metodologias, essa preocupação fica mais evidenciada ( PEIXOTO FILHO; MARTINS, 2009 ; TENÓRIO et al. , 2016; MIRANDA; LAUDARES, 2007 ; CARNEIRO; PASSOS, 2009 ; CEOLIM; CALDEIRA, 2015; COAN et al. , 2013; SANTOS; PEREIRA, 2010 ; BRITO; BAYER, 2007 ).

Como exemplo, ao aplicar a Etnomatemática ( PEIXOTO FILHO; MARTINS, 2009 ) em determinados conteúdos curriculares do Ensino Fundamental, faz-se necessária a passagem do movimento social para a sala de aula, o que para muitos docentes não é tão simples.

Coan et al. (2013) e Santos e Pereira (2010) mostram que essa preocupação com o currículo pode estar alinhada à “obrigação” na qual o professor se vê tendo de abordar um certo conteúdo dentro de um determinado tempo. Extrapolar esse tempo pode comprometer seu planejamento gerando inseguranças e pressão.

Desse modo, o não saber lidar com o “currículo”, tendo que administrar o tempo e o domínio das metodologias, pode implicar na escolha do docente, levando-o a optar pelas aulas convencionais (tradicionais), principalmente os que estão em início de carreira, conforme apontam Carneiro e Passos (2009) .

Para Giroux (1988 , p. 20), “muitos dos problemas associados à preparação de professores de hoje apontam a falta de ênfase dos currículos na questão do poder e sua distribuição hierárquica e no estudo da teoria social crítica”7 . A teoria educacional tem sido construída em torno de um discurso e conjunto de práticas que enfatizam aspectos metodológicos imediatos e mensuráveis da aprendizagem. Para Giroux (1997 , p.148), “na visão do mundo tradicional, as escolas são simplesmente locais de instrução”. Em Libâneo (1984) , vemos que as transformações das práticas docentes só se efetivarão se o professor ampliar sua consciência sobre a própria prática, ou seja, que tenha um conhecimento teórico e crítico da realidade.

A preocupação com o currículo, de acordo com os trabalhos pesquisados, evidenciou que o ensino da Matemática, na maioria das instituições de Educação Básica, está estruturado de modo a defender um ensino da Matemática pouco útil para o aluno e com um valor exagerado de si mesma. Trata-se de uma visão romantizada de que a matemática está em tudo ; uma ciência rigorosa e absoluta. Assim,

A Matemática tem sido utilizada como uma barreira ao acesso social, reforçando a estrutura de poder que prevalece nas sociedades (do ‘Terceiro Mundo’). Nenhuma outra disciplina escolar serve tão bem a este objetivo de reforçar a estrutura do poder, como a Matemática. E o principal instrumento para este aspecto negativo da educação matemática é a avaliação ( D’AMBROSIO, 1983 , p. 363, tradução livre).

Desse modo, qualquer proposta de trabalhar com a realidade em que os estudantes estão imersos abala os alicerces dos programas curriculares vigentes. A opção encontrada por muitos docentes para poder cumprir com os conteúdos e, ao mesmo tempo, trabalhar numa perspectiva diferenciada implica numa “adaptação”.

Essa adaptação traz algumas características do programa escolhido, mas o modo como executam carrega consigo as mesmas atitudes e crenças utilizadas com o método tradicional de ensinar. Ficam de fora a filosofia, as concepções epistemológicas e todo entendimento que envolve o novo programa. Em síntese, o professor acaba transferindo o que ele habitualmente (e tradicionalmente) faz para uma aula com um programa diferente.

4.4 Os alunos e suas relações com as tendências metodológicas

A partir dos trabalhos desenvolvidos por Carneiro e Passos (2009 ; 2010), Peixoto Filho e Martins (2009) , Leite (2008) e Tenório et al. (2016), foi possível inferir a existência de obstáculos decorrentes do modo como os estudantes percebem as diferentes tendências metodológicas. Compreende-se que, para promover um ensino que não seja pautado no método tradicional, o estudante precisa ser visto como o sujeito principal desse processo8 . Nesse sentido, inserir novas práticas em sala de aula exige a dialogicidade, as negociações e as trocas entre os sujeitos envolvidos. No entanto, se essa relação não for construída, podem ocorrer obstáculos no trabalho com as diferentes metodologias.

Para ilustrar, há o exemplo apresentado por Carneiro e Passos (2010) , no uso das TIC, em que professores relatam que os estudantes da Educação Básica, por vezes, relacionam a sala de informática a entretenimento e diversão, descaracterizando a verdadeira função das tecnologias no ensino. Disso decorre, na visão desses profissionais, que a sala de informática deixa de cumprir o seu papel de promover um ambiente inovador, capaz de proporcionar novas maneiras de abordar os conteúdos que seriam difíceis sem o uso das TIC.

Do mesmo modo, Leite (2008) , Ceolim e Caldeira (2015), apresentam relatos de professores nos quais estão evidenciadas as dificuldades em envolver os estudantes num ambiente de Modelagem. Para esses professores, o desinteresse dos estudantes pode estar associado ao fato de estes estarem acostumados às práticas tradicionais, mas também por não estarem habituados a participar das atividades extraclasse (a exemplo, realizar uma pesquisa sobre um determinado tema) ou cumprir as atitudes que o trabalho com a Modelagem exige, como ter autonomia e estar no centro da ação pedagógica.

Os estudos de Tardif e Lessard (2014 , p. 199) inferem que os fins da escola atual não são “claros” e “evidentes”, mas que se trata, ao contrário, “de verdadeiros problemas hermenêuticos que abrem espaço, por exemplo, às reformas escolares”. A escola atual encontra-se inserida em uma sociedade que é marcada pela técnica, informação e conhecimento. Neste contexto, como organização que privilegia as relações sociais educativas, delega ao professor ser o principal (senão único) responsável pelo funcionamento da classe; vê nos estudantes meros cumpridores das regras da organização, trazendo um modelo que se distancia, em muito, de um espaço democrático.

Quando o trabalho requer iniciativa e autonomia dos alunos, importa pensar o quanto a escola, como organização social, privilegia a formação de sujeitos autônomos e quais currículos são trabalhados para que essa escola seja uma escola de sujeitos emancipados. A perspectiva freireana mostra que, para “alcançar uma educação autenticamente libertadora9 , é necessária uma ação consciente a fim de transformar a realidade em que nos encontramos” ( FREIRE, 1994 , p. 4).

As condições indispensáveis, essa ação consciente para o exercício da liberdade, derivam de duas diferentes abordagens, dentro da perspectiva freireana. Elas têm como ponto de partida a problematização e o diálogo. Por problematização, compreende-se o processo em que estudantes e professores fazem perguntas críticas acerca do mundo em que vivem, refletindo sobre quais ações podem realizar para mudar essas condições materiais. Por diálogo, o autor compreende como sendo a parte da história do desenvolvimento da consciência humana. É no diálogo que os seres humanos se encontram para refletir sobre a realidade.

Encontram-se, em Freire (1994) , possibilidades para uma escola que vá além de meramente ensinar conteúdos e não se atenha apenas a levar os alunos a descreverem as coisas, mas que, acima de tudo, possam compreendê-las. E, ao compreender, possam desenvolver a consciência crítica desafiando, assim, a ideologia da classe dominante que espera que sejamos treinados numa vigorosa dicotomia entre o mundo das palavras e o mundo real.

4.5 O professor e a relação com o saber

Os dados apontam a necessidade de um maior investimento na formação docente, uma vez que os trabalhos investigados revelam a formação inicial ou continuada como insuficientes. Para Peixoto Filho e Martins (2009) , as entidades formadoras de professores ainda abordam as tendências metodológicas muito superficialmente. Há uma grande preocupação por parte dos formadores com os conteúdos matemáticos e, por isso, é dada menor importância às práticas diferenciadas.

Para Barbosa (2001) , no Brasil existem poucos registros de estudos sobre a formação de professores em relação à Modelagem. “Especula-se que, na formação inicial, quando esta temática é abordada, ocorre de maneira mais informativa do que formativa, através de leituras pontuais de textos” ( BARBOSA, 2001 , p. 3).

Ceolim e Caldeira (2015) trazem as falas de professores (por meio de uma entrevista) nas quais é possível observar que estes consideram sua formação insuficiente em relação a Modelagem Matemática. Em Carneiro e Passos (2009 , p.118), encontra-se o depoimento de um docente que, tendo as TIC como tendência metodológica, sentiu um pouco de medo de “não conseguir explicar certo para o aluno, ou chegar em um determinado ponto do programa e não saber o que aconteceu”. Para os autores, uma reflexão possível refere-se ao fato de que, provavelmente, os professores (formadores de professores) também não tiveram, em seus cursos, disciplinas que discutissem e refletissem a tendência metodológica específica que estão abordando. Desse modo, “formam os alunos (professores em formação) sem eles próprios terem sido formados” ( CARNEIRO; PASSOS, 2009 , p. 789) e, assim, esses professores vão aperfeiçoando o modo como ministram essas disciplinas, baseando suas experiências na literatura da área.

Essa reflexão alude à pesquisa desenvolvida por Tardif (2014), na qual esse autor afirma que o conhecimento do professor é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional e, por isso, é plural e temporal. Por ser temporal, ensinar supõe aprender a ensinar e isso inclui todos os aprendizados que o professor vivenciou até mesmo antes se tornar um professor. Ou seja, o tempo em que o docente foi aluno é um período formador, uma vez que ajudou o professor a adquirir crenças, representações e certeza sobre a prática do ofício docente, bem como do que é ser aluno.

No trabalho de Peixoto Filho e Martins (2009) , uma professora em início de carreira percebe o quanto suas próprias práticas eram tradicionais. Segundo a docente, além de não fazer uso, ela desconhecia o que era metodologia.

Algumas pesquisas vão denunciar esse ponto nevrálgico da formação do professor. A exemplo, Nóvoa (2017) apresenta um diagnóstico mais recente a respeito da formação de professores no Brasil, com base em relatórios oficiais, nomeadamente, do INEP e do Conselho Nacional de Educação. Os dados apresentam de forma clara as fragilidades da formação de professores que explicam, em parte, as dificuldades da educação básica e da escola pública.

No âmbito das universidades públicas, Nóvoa (2017) não põe em dúvida a qualidade do trabalho realizado em muitos programas de Educação, nomeadamente, na pós-graduação. Tece, contudo, críticas no que tange ao compromisso concreto do conjunto da universidade com a formação docente.

Salvo exceção, as universidades revelam-se indiferentes perante o quadro de degradação da escola, da profissão e da formação de professores. As práticas de menosprezo às licenciaturas e de fragmentação dos cursos revelam sinais da desvalorização e do desprestígio da formação de professores. Essas práticas manifestam-se através do “afastamento deste campo de muitos pesquisadores e professores, por vezes, na tentativa de convencer os estudantes a optarem por ‘cursos melhores’” ( NÓVOA, 2017 , p. 7).

5 Conclusão

Este trabalho teve por objetivo descrever e analisar os obstáculos e resistências apontados por professores que ensinam matemática no Ensino Básico ao utilizarem alguma Tendência Metodológica divergente dos métodos tradicionais de ensino, tendo como locus, periódicos especializados em publicações na área de Educação Matemática e afins.

Anteriormente a esse trabalho, Silveira e Caldeira (2012) já traziam discussões em torno da existência de obstáculos e resistência de professores e futuros professores no desenvolvimento de atividades relacionadas à Modelagem Matemática. Tomando esses autores como ponto de partida, esse trabalho buscou refletir acerca da existência dos obstáculos e resistências nas demais tendências metodológicas, ou seja, compreender se essas dificuldades em desenvolver diferentes metodologias em sala de aula acontecem apenas no trabalho com a Modelagem Matemática, ou aparecem também em outras tendências metodológicas.

Essa investigação contou com um corpus composto por dezesseis trabalhos envolvendo: Modelagem Matemática; Etnomatemática; Mídias e Tecnologias; Sequências Didáticas; Resolução de Problemas e História da Matemática.

Além dos trabalhos que se encontram descritos no quadro 1 compondo o corpus desta pesquisa, foram tomados outros autores no intuito de corroborar com os dados apresentados de modo a permitir conhecer e divulgar, entre a comunidade científica, quais os possíveis obstáculos e resistências. Percebeu-se que a natureza dos obstáculos é variada, mas foi possível estabelecer relações deles com o conhecimento/saber do professor e com as diferentes condições a que se encontram expostos os docentes: o tempo, o programa curricular e o contexto escolar.

As expressões mais comuns diziam respeito à qualidade dos cursos de formação – o distanciamento entre o mundo da academia e a realidade da sala de aula. Em relação ao tempo, viu-se expressões como medo, angústia, ansiedade, frustração, cobranças , apontando tais sentimentos como motivo para a não mudança de práticas pois, em condições de tempo limitantes, o estudo mostrou que os docentes preferem não se arriscar e optar, assim, por técnicas e procedimentos mais tradicionais.

Em relação aos estudantes, esses, por vezes, resistem às mudanças por temerem não alcançar bons resultados em avaliações classificatórias, uma vez que os programas curriculares voltam-se ao preparo para as avaliações e introdução para o mundo do trabalho. E isso é definido por um grupo social que determina quais os conhecimentos que devem ser ensinados nas escolas de Educação Básica. Desse modo, os sujeitos são modelados de acordo com o pensamento lógico dominante.

Os dados observados levaram-nos a caracterizar os obstáculos e resistências em cinco grupos: o professor e suas relações com o trabalho ; o professor e suas relações com a escola ; o professor e suas relações com o currículo ; o professor e sua relação com o saber e os alunos e suas relações com as tendências . O trabalho de análise possibilitou inferir algumas pistas para entender a existência de obstáculos e resistências, conforme descrito a seguir.

  • A formação docente deixa a desejar por não privilegiar os saberes dos professores e a realidade específica de seu trabalho cotidiano. Há necessidade de uma formação que seja um contínuo com partilha de tarefas e responsabilidades, com equipes de trabalho que estimulem o debate e a reflexão. Desse modo, a formação dar-se-ia não em momentos isolados, nos quais o professor apreende novas técnicas, métodos, ou até mesmo conceitos e depois, isoladamente, põe em prática;

  • Há o privilégio de um currículo formal que se distancia da realidade das escolas, um trabalho que prima pelo burocrático e que gera uma incapacidade de captar as contradições de educar e compreender práticas sociais;

  • Também há a ausência de uma formação como espaço político para o fortalecimento da luta dos professores. Atualmente, a formação vem sendo um espaço que geralmente serve para reproduzir as ideologias tecnocráticas e coorporativas que caracterizam as sociedades dominantes. Os programas de formação parecem estar a serviço dos interesses do Estado, conforme aponta Giroux (1997) ;

  • Faz-se necessário que o trabalho do professor seja visto como “o trabalho sobre o outro”, ou seja, sobre e com os outros seres humanos, de acordo com Tardif (2014). Isso requer muito cuidado, pois carrega todas as sutilezas que caracterizam as relações humanas, e é, principalmente, por isso, que não pode haver uma generalização nem padronização do trabalho docente.

Por fim, este estudo teve por intento provocar reflexões acerca dos motivos que levam os docentes a não mudarem antigas práticas que tendem a reproduzir as demandas impostas por uma sociedade marcada pela desigualdade. Os resultados apontam que as dificuldades estão presentes nas diferentes tendências metodológicas.

Algumas tendências trazem especificidades que tornam os obstáculos, particularmente, diferentes uns dos outros. Ao identificarmos quais são os obstáculos e quais são as resistências, observamos que, independentemente dessas especificidades, eles estão presentes na visão macro das relações de ensino e aprendizagem. Eles se dão de muitas formas e possuem diferentes matrizes. Portanto, reconhecer os fenômenos que originam os obstáculos e culminam nas resistências podem trazer importantes contribuições no sentido de sustentar a emergência de políticas para a formação inicial e continuada de professores que ensinam matemática.

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  • 1
    A partir desse momento, os artigos investigados serão chamados de “trabalho”.
  • 2
    Como garantia de verificação, ao final de todo processo, fez-se uma busca por palavras-chave, rastreando cada periódico para identificar se havia algum artigo despercebido.
  • 3
    Currículo é o termo que a maioria dos trabalhos investigados utiliza para definir o programa curricular. Optou-se por manter essa palavra e, em dado momento, explicar o que realmente esse termo quer significar.
  • 4
    Artigos que trazem as concepções dos professores, seja explícita ou implicitamente.
  • 5
    Tardif (2014) explica que a afetividade não é somente da ordem das coisas sentidas subjetivamente. Constitui-se também num dos recursos utilizados por professores e alunos para chegar ao seu fim durante as diversas interações. Não existe educação possível sem o envolvimento efetivo ou emocional no desenvolvimento da tarefa.
  • 6
    Os documentos pesquisados referem-se ao termo “currículo” no sentido de “programa curricular”, algo como uma listagem de conteúdos mínimos, que normalmente são ditados pelos livros didáticos ou, ainda, pelos Documentos Base. Em nosso trabalho, optamos por manter essa referência.
  • 7
    Em Giroux (1983 , p. 21-22): “A teoria crítica refere-se à natureza de crítica autoconsciente e à necessidade de se desenvolver um discurso de transformação social e de emancipação; Exige uma crítica contínua, uma crítica na qual as reivindicações de qualquer teoria devem ser confrontadas com a distinção entre o mundo que ela examina e descreve e o mundo como realmente existe”.
  • 8
    No ensino tradicional os papéis são bastante delimitados: professor é o sujeito que ensina, que avalia, e o aluno é o sujeito que aprende e que é avaliado.
  • 9
    Em Freire (1994) , uma Educação Libertadora, ou Pedagogia Libertadora, propõe uma educação crítica a serviço da transformação social. Nesta perspectiva, a educação tem um papel fundamental na transformação da sociedade e tem por princípio a certeza de que a educação é um ato político, de construção do conhecimento e de criação de outra sociedade - mais ética, mais justa, mais humana, mais solidária. A educação deve ser uma busca permanente em favor das classes oprimidas, luta pela liberdade e igualdade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2021
  • Aceito
    08 Set 2021
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