Open-access Conhecimentos de professores: as articulações da geometria com as artes e culturas visuais por meio de simetrias

Teachers' knowledge: the articulations of geometry with visual arts and cultures through symmetries

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar conhecimentos mobilizados por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental ao articular a geometria com as artes e culturas visuais por meio da simetria. Fundamenta-se nas pesquisas de Shulman (1986, 1987) e Ball, Thames e Phelps (2008), que centram suas investigações nos conhecimentos dos professores sobre os conteúdos de ensino e no modo como se transformam em sua prática docente, bem como na teoria da Abordagem Triangular de Barbosa (1998; 2008), que defende e oportuniza ao indivíduo o acesso à arte como linguagem expressiva e forma de conhecimento. O percurso metodológico estruturou-se em quatro etapas: oficinas para discutir a articulação da geometria com as artes e culturas visuais; elaboração de planejamentos de aulas pelos professores participantes das oficinas; observação das vivências das aulas planejadas; entrevista de explicitação. Participou da pesquisa um grupo de dezoito professores de redes municipais de ensino da Região Metropolitana do Recife. O estudo identificou que os professores mobilizaram um conhecimento que chamaremos de conhecimento de interseção ao identificarem elementos conceituais e metodológicos comuns ao campo da geometria e das artes e culturas visuais. Esse conhecimento perpassa por todos os tipos de conhecimentos de professores caracterizados por Shulman (1986, 1987) e por Ball e colaboradores(Ball; Thames; Phelps, 2008; Ball; Goffney; Bass, 2005, Ball; Bass, 2003). Pretende-se, portanto, apontar contribuições para discussões sobre o conhecimento profissional de professores, tal como reflexões sobre a articulação de conhecimentos na formação inicial e continuada de docentes e para ampliação das investigações dessa formação no âmbito da pesquisa em Educação Matemática e Arte-Educação.

Palavras-chave:
Conhecimento; Professor; Geometria; Artes; Simetria

Abstract

This article aims to analyze the knowledge mobilized by elementary school teachers when articulating geometry with visual arts and cultures through symmetry. It is based on the research of Shulman (1986, 1987) and Ball, Thames, Phelps (2008), which focuses their investigations on teachers' knowledge about teaching content and how this is transformed in their teaching practice, as well as on Barbosa's theory of the Triangular Approach (1998, 2002), which defends and provides individuals with access to art as an expressive language and form of knowledge. The methodological approach was structured in four stages: workshops to discuss the articulation of geometry with visual arts and cultures; preparation of lesson plans by the teachers participating in the workshops; observation of the experiences of the planned lessons; and an explanatory interview. A group of eighteen teachers from municipal school systems in the Metropolitan Region of Recife participated in the research. The study identified that teachers mobilized knowledge that we will call intersectional knowledge when they identified conceptual and methodological elements common to the fields of geometry and visual arts and cultures. This knowledge permeates all types of teacher knowledge characterized by Shulman (1986, 1987) and Ball and collaborators (Ball; Thames; Phelps, 2008; Ball; Goffney; Bass, 2005, Ball; Bass, 2003). Therefore, the aim is to point out contributions to discussions on teachers' professional knowledge, as well as reflections on the articulation of knowledge in initial and continuing teacher training and to expand investigations of this training within the scope of research in Mathematics Education and Art/Education.

Keywords:
Knowledge; Teacher; Geometry; Arts; Symmetry

1 Problemática

Diversos estudiosos, pedagogos e pesquisadores da área educacional vêm se dedicando ao tema dos saberes e conhecimentos docentes. No Brasil, Freire (1997), com o livro Pedagogia da Autonomia, discute os saberes da docência como essenciais à práxis docente, consciente e crítica. No Canadá, Tardif (2002) foi o autor que inaugurou uma discussão mais sistemática acerca dos saberes profissionais da docência. Já nos Estados Unidos, Lee Shulman (1986, 1987) aborda a base do conhecimento profissional de professores e Deborah Ball; Thames; Phelps (2008), o conhecimento necessário aos professores para ensinar matemática.

Os dois últimos autores constituem as principais referências do nosso trabalho e defendem que o conhecimento de professores apresenta uma natureza crítica, criativa e multifacetada, sendo composto por uma trama que envolve conhecimentos do conteúdo, conhecimentos do currículo, conhecimentos pedagógicos, conhecimentos didáticos e conhecimentos sobre o aluno, tudo isso formando um cenário complexo.

No entanto, Shulman (1986) e Ball; Thames; Phelps (2008) não aprofundam a discussão sobre os conhecimentos que os professores mobilizam ao articularem conteúdos de campos de conhecimentos diferentes. Embora Shulman (1987), ao discutir o conhecimento pedagógico do conteúdo aponte a importância de o professor articular conteúdos da sua disciplina com outras áreas de conhecimento, o pesquisador não explicita como se caracteriza o conhecimento de professores quando articulam conteúdos de campos de disciplinares diferentes.

Vários estudiosos têm investigado a relação entre artes e matemática, entre eles, Santos e Gonçalves (2020), que, ao realizarem uma revisão sistemática da literatura sobre a interface entre arte e matemática, na qual analisaram dissertações e teses defendidas entre 1998 e 2017, apontaram que, na maioria dos trabalhos selecionados para compor o corpus da pesquisa, a arte visual é utilizada como meio de contextualização, manipulação e identificação de conceitos em geometria.

Outro estudo (Flores, 2016), ao discutir algumas potencialidades da arte com a educação matemática, afasta-se dos modos tradicionais de pesquisa sobre essa temática para analisar outras formas possíveis de intervenção no ensino da matemática por meio da arte. A autora aponta, por exemplo, que a arte pode ser um lugar para se exercitar diferentes modos de pensar. Flores (2016) também observa que, sob a máscara da interdisciplinaridade, algumas das “verdades” comumente presentes nas pesquisas sobre arte e educação matemática acabam por reforçar categorias disciplinares e dicotomias entre conhecimento e realidade, o que frequentemente resulta em um ensino que, embora pretenda ser significativo e contextualizado, termina por se mostrar desprovido de sentido e de vitalidade.

Dado o cenário, surge a questão: que conhecimentos os professores mobilizam quando lidam com atividades nas quais são exploradas articulações da geometria com as artes e culturas visuais por meio da simetria nos anos iniciais do Ensino Fundamental?

Nesse sentido, este artigo centra sua atenção no conhecimento mobilizado pelo professor ao articular a geometria com as artes culturais visuais por meio da simetria. Partimos da suposição de que o professor mobiliza um tipo de conhecimento que congrega aspectos comuns dos dois campos de conhecimento e que intervêm juntos na ação requisitada dos professores, seja em relação ao conteúdo da simetria, seja em relação aos aspectos didáticos e pedagógicos.

Nosso objetivo de pesquisa foi analisar os conhecimentos mobilizados pelos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental ao articular geometria com as artes e culturas visuais por meio da simetria. Entender como o professor mobiliza conhecimento de interseção é fundamental para pensarmos processos de formação continuada que considerem os professores como sujeitos multifacetados, que podem ter um olhar mais profundo e criativo sobre o conhecimento. Além disso, acena para algo que está além das representações puramente conceituais e axiomáticas, estéreis de significados, que pouco ou nenhum sentido fazem para as crianças dos anos iniciais.

2 Modelos teóricos de conhecimento do professor

As pesquisas acerca do knowledge base foram produzidas e serviram de referência para as reformas do ensino básico norte-americano e no mundo durante toda a década de 1990. Destacamos como autores que utilizam o termo conhecimento do professor as obras de Shulman (1986) sobre a base de conhecimentos da docência e de Ball e colaboradores (Ball; Thames; Phelps, 2008; Ball; Goffney; Bass, 2005, Ball; Bass, 2003) sobre o conhecimento matemático de professores.

Neste artigo, apresentamos os dois modelos teóricos de Lee Shulmam (1986, 1987) e Deborah Ball, Mark Hoover Thames e Geoffrey Charles Phelps (2008) que buscam categorizar e sistematizar o conhecimento docente. O primeiro modelo teórico, knowledge base, apresenta três categorias de conhecimento do professor: subject knowledge matter (conhecimento do conteúdo da matéria ensinada); pedagogical knowledge matter (conhecimento pedagógico da matéria) e curricular knowledge (conhecimento curricular). Em trabalhos posteriores, Shulman realiza uma revisão das categorias, propondo novas categorias, mantendo as propostas originais de 1986. São elas:

  • Conhecimento Específico do Conteúdo – refere-se à compreensão de fatos, conceitos, processos e procedimentos de uma área específica de conhecimento.

  • Conhecimento Pedagógico Geral – refere-se aos princípios e estratégias de gestão e organização da sala de aula. Envolve conhecimentos dos alunos, das teorias, dos contextos educacionais, outras disciplinas do currículo e das políticas educacionais oficiais.

  • Conhecimento dos Contextos Educacionais – abrangem desde o funcionamento do grupo, da aula, a gestão e financiamento dos distritos escolares até o caráter das comunidades e culturas.

  • Conhecimento dos Fins, Propósitos e Valores Educacionais – inclui o conhecimento dos valores educacionais e seus fundamentos filosóficos e históricos que compõem a educação.

  • Conhecimento dos alunos e suas características – refere-se às particularidades sociais, culturais e psicológicas dos alunos.

  • Conhecimento do Currículo – engloba a compreensão do programa, mas também o conhecimento de materiais que o professor seleciona para ensinar sua disciplina, a capacidade de fazer articulações horizontais e verticais do conteúdo e a história da evolução curricular do conteúdo a ser ensinado.

  • Conhecimento Pedagógico do Conteúdo – é aquele que o professor utiliza ao realizar a adaptação, a transformação e a implementação do conhecimento do conteúdo a ser ensinado, de modo a torná-lo compreensível e ensinável aos alunos. Shulman (2005) compreende o desempenho observável na diversidade de atos de ensino. Esse conhecimento representa também um amálgama entre o conteúdo estudado e a didática que envolve o ensino dele, admitindo, assim, uma compreensão maior sobre os temas e problemas que se organizam e vão adaptar-se aos interesses e capacidades de seus alunos. É nessa categoria de conhecimento que ele aponta as possibilidades de articulação entre tópicos de uma mesma disciplina, e de articulação entre disciplinas diferentes.

Percebemos que, para Shulman (1986), a base de conhecimento do professor envolve conhecimentos de diferentes naturezas, todos necessários para o desenvolvimento profissional. Contudo, é importante destacar que os conhecimentos do professor são:

Mais limitados em cursos de formação inicial, e tornam-se mais profundos, diversificados e flexíveis a partir da experiência profissional refletida e objetivada. Não são fixos e imutáveis. Implicam numa construção contínua, já que muito ainda está para ser descoberto, inventado e criado (Mizukami, 2004, p. 38).

Ball, Thames e Phelps (2008) desenvolveram o segundo modelo teórico, Mathematical Knowledge for Teaching (MKT), a partir do modelo teórico de Lee Shulman (1986, 1987), mas, diferentemente do autor, a pesquisadora e seu grupo (Ball; Thames; Phelps, 2008; Ball; Goffney; Bass, 2005, Ball; Bass, 2003) classificam o conhecimento matemático em seis domínios:

  • Domínio comum do conteúdo – é definido como o conhecimento que qualquer pessoa que aprendeu um conteúdo pode apresentar. É uma habilidade usada pelo professor para ensinar, porém esse não é um tipo de conhecimento utilizado exclusivamente para o ensino.

  • Domínio especializado do conteúdo – é considerado como o conhecimento do conteúdo que o professor deverá possuir de modo compreenda o que faz e não o execute meramente como um conjunto de procedimentos.

  • Domínio do horizonte matemático – relaciona-se às conexões entre os vários tópicos do currículo. É definido também como a conscientização, por parte do professor, de que existe uma relação entre os conteúdos matemáticos e sua abrangência matemática apresentada nos currículos.

  • Domínio do conteúdo e dos alunos – é a combinação de um conhecimento dos alunos com um conhecimento sobre matemática. Os professores precisam antecipar o que provavelmente os alunos pensam e circunstâncias nas quais eles podem se confundir. Além disso, os professores precisam escutar e interpretar as ideias incompletas dos alunos; e promover interações entre compreensões matemáticas específicas e a forma de pensar dos alunos.

  • Domínio do conteúdo e do currículo – é caracterizado como o conhecimento dos objetivos educacionais, dos padrões, das avaliações ou dos níveis de ensino onde determinados temas são habitualmente ensinados.

  • Domínio do conteúdo e do ensino – diz respeito à capacidade de combinar os conhecimentos sobre ensino e conhecimentos sobre a matemática. De acordo com Ball, Thames e Phelps (2008), as tarefas matemáticas exigirão do professor um conhecimento matemático sobre o papel das instruções que ele está utilizando. Desse modo, cabem ao professor, portanto, a habilidade de organização da instrução e a avaliação das vantagens de utilizar determinadas representações e exemplos, bem como a decisão de encaminhamentos para a abordagem de um conteúdo.

Fernandes e Curi (2012) observam entrecruzamentos entre os modelos teóricos de Shulman e Ball. A categoria do conhecimento pedagógico do conteúdo proposta por Shulman (1986) pode ser compreendida por Ball, Thames e Phelps (2008) como conhecimento do conteúdo e dos estudantes, uma vez que o professor, ao analisar um erro cometido por um aluno, sabe o que aconteceu, porque já viu esse mesmo tipo de erro ocorrer outras vezes.

Com relação ao conhecimento do currículo, identificamos que os dois modelos abarcam a compreensão de que os professores devem ter uma visão completa sobre diversidade e variedade de materiais didáticos disponíveis e de programas. Contudo, para Shulman (1986), o conhecimento do currículo compreende também a capacidade de fazer conexões horizontais e verticais entre o conteúdo a ser ensinado e a história da evolução curricular do conteúdo a ser ensinado. Já Ball; Thames; Phelps (2008) compreendem a capacidade de realizar conexões entre os vários tópicos do currículo, nomeadamente com temas a lecionar futuramente, como um domínio de conhecimento que nomeiam como conhecimento do horizonte.

Em sua revisão, Ball, Thames e Phelps (2008) não atribuem relevância às categorias de Shulman que discutem o conhecimento do professor pedagógico geral. Em vez disso, buscam discutir os conhecimentos dos objetivos, as finalidades e os valores educativos e seus fundamentos filosóficos e históricos, assim como o conhecimento do contexto que abarca desde o funcionamento do grupo ou da aula, a gestão e financiamento dos distritos escolares até o caráter das comunidades e culturas.

3 A simetria como elemento de articulação da geometria e artes e culturas visuais

Basta um conciso olhar sobre a história para identificarmos, em imagens, interlocuções entre a geometria e as artes e culturas visuais por meio da simetria. As artes primevas da nossa pré-história são exemplos, cujos registros geométricos confirmam a hipótese de que a geometria nasceu antes da civilização egípcia (Boyer, 1974, p. 4-5). E não se restringiram às civilizações antigas, posto que diversas culturas nas diferentes partes do mundo têm registros de uma arte com características abstratas e geométricas.

Os povos indígenas contemporâneos apresentam, na pintura corporal e nos artefatos, elementos geométricos semelhantes aos dos povos indígenas que os antecederam. Por exemplo, os Assurinis têm como característica da pintura corporal os motivos geométricos que se repetem criando simetrias ortogonais, translações e rotações. “A maioria dos desenhos, inclusive as estilizações de elementos da natureza, seguem um padrão chamado tayngava, nome ligado ao domínio cosmológico”1 (Müller, 1987, p. 140). Os desenhos com motivos geométricos, apesar de abstratos, são reconhecidos dentro da tribo com significados específicos relacionados a elementos da natureza. A seguir, é possível identificar a pintura corporal feminina assurini inspirada num peixe.

Figura 1
– Pintura corporal dos Assurinis

Nas artes e culturas visuais andinas, também encontramos elementos de simetria. A cultura chancay pré-colombiana, mais tarde parte do Império Inca que reinou na América Latina em meados do século XV, antes da invasão espanhola, deixou como legado ornamentos repletos de simetrias, como podemos observar no tapete a seguir:

Figura 2
– Tapins Kelin Chancay, 900-1400 d.C.

O interessante é que padrões semelhantes são identificados em culturas mais antigas e bem distantes sob o ponto de vista histórico-cultural e geográfico. Por que nossos antepassados tinham tanto fascínio pelas simetrias, pela ordem, pela seriação? Gombrich (1988) atribui esse fascínio humano pela ordem à herança biológica e psicológica do homem. O impulso humano é pela ordem e ritmo no espaço e no tempo como uma forma de mitigar o caos em que vive, e isso é expresso na imensa variedade de atividades e conhecimentos humanos, seja nas artes, seja na matemática. Por exemplo, as artes decorativas de inúmeras culturas são manifestações de nossa tendência de criar e procurar um sentido de ordem.

No século XX, inspirado na arte islâmica, o artista plástico Maurit Cornelios Escher produziu uma obra inspirada nos ladrilhamentos, na qual substituiu as formas geométricas nuas, tais como paralelogramos, por imagens realísticas; depois, ele se mostrou capaz de transformar essas imagens, fazendo-as evoluir, em vez de se repetirem num padrão estático.

Figura 3
– M. C. Escher, Divisão regular.

Notamos, na imagem acima, formas fundamentais de divisão do plano, nas quais identificamos cinco exemplos de sistemas baseados no retângulo, cujas três principais características são: translação, eixos (rotação) e deslizamento de reflexão. Pode-se notar isso em um trecho de sua conferência sobre a divisão do plano, citada em La Magia de Escher:

Às vezes a gente muda e usa um pouco mais a imaginação, como se demonstra nos desenhos de azulejos mouriscos antes mencionados, que apresentam algumas vezes linhas marginais interrompidas, também, e ângulos côncavos. Se compreende que estas formas, repetidas ritmicamente, podem tornar-se ainda mais complicadas quanto se desejar e pode alcançar o ponto em que envolve a sugestão de algo conhecido, a silhueta de certo animal, por exemplo. Esta busca de novas possibilidades, este descobrimento de peças novas de um quebra-cabeça, que surpreende e assombra o próprio desenhista em primeiro lugar, é um jogo que sempre me fascina e embeleza uma e outra vez ao longo dos anos. (Tjabbes, 2011, p. 58).

Além disso, Escher utilizou o dispositivo de contracâmbio – a correspondência entre as formas positiva e negativa – criando imagens que deslumbram os olhos e nossas mentes com sua assombrosa complexidade. Podemos observar isso na imagem a seguir.

Figura 4
– M. C. Escher, Pássaro/peixe nº 34b, 1942, tinta e aquarela.

Escher é considerado um artista estupendo em seus trabalhos por conseguir harmonizar as formas e conceitos complexos de simetrias como: translações, rotações e reflexões, tornando-as mais simples aos nossos olhos.

São inúmeras obras de artes que comprovam que a geometria e as artes e culturas visuais são enlaçadas ao longo da história por razões estéticas e visuais, conceituais, sociais e culturais, abrindo espaço para outros territórios, provocando novas zonas de contágio e reflexão.

O que há de comum entre os matemáticos e os artistas? Quando perguntamos isso, o matemático Ian Stewart (2012) responde que, por estranho que pareça, eles buscam expressar a beleza naquilo que fazem. No caso dos artistas, a beleza está na perfeição ou nas imperfeições e envolve equilíbrio ou desequilíbrio, harmonia ou desarmonia. Em determinadas circunstâncias, pode-se dar ao equilíbrio o nome de simetria. E é aí que entra a matemática.

Para Stewart (2012, p. 9), “a simetria não é um número nem um formato, é um tipo especial de transformação – uma maneira de mover objetos. Se o objeto parece o mesmo depois de movido, a transformação aí presente é simetria”. Ele considera que existem três palavras-chaves que são fundamentais para definição e construção de simetrias: transformação, estrutura e preservação. Ele exemplifica essas palavras-chaves através de um triângulo equilátero.

Transformações. Podemos fazer algumas coisas no nosso triângulo. Em princípio, existem muitas coisas que podem ser feitas: torcê-lo, girar em torno de algum ângulo, amassá-lo, esticar com um elástico, pintar de cor-de-rosa. Mas nossa escolha é mais limitada, por causa da segunda palavra. Estrutura. A estrutura do nosso triângulo consiste em seus aspectos matemáticos considerados significativos. A estrutura de triângulos inclui coisas como “três lados”, “os lados são retos”, “um lado tem 18,36 cm”, “está situado em determinada localização no plano”, e assim por diante. [...] Preservação. A estrutura do objeto matemático deve se conformar com a original. O triângulo transformado também deve ter três lados, por isso, não podemos entortá-lo. Um dos lados deve ter 18,36 cm, por isso, também é proibido esticar o triângulo. A localização deve ser a mesma, por isso não podemos deslocá-lo três metros para o lado (Stewart, 2012, p. 145).

Assim, compreende-se que a simetria de um objeto matemático é uma transformação que preserva a sua estrutura. Neste artigo, enfocamos as simetrias do tipo isométrico, que são baseadas nos movimentos de objetos (figuras ou formas), de tal modo que a distância entre quaisquer dois pontos, antes ou depois do movimento, permaneça a mesma. Foram estudados três tipos de simetrias (reflexão, rotação e translação). Com isso, a simetria deixa de ser apenas uma vaga impressão de regularidade, sensação artística de elegância e beleza construída ao longo da história da arte, e torna-se também uma concepção matemática com uma rigorosa definição lógica.

Com relação ao ensino da simetria, Vieira, Paula e Allevato (2013) defendem que, em um estágio inicial, ele deve ser realizado enfatizando-se as tarefas de exploração, reconhecimento e descrição do espaço pela intuição e visualização. Segundo Pais (2006), a intuição é uma forma de conhecimento espontâneo, que pode ser entendida como a apreensão imediata de um objeto e estar relacionada às experiências pessoais e a um esforço consciente da pessoa em conhecer o procurado. Já a visualização é a capacidade de criar imagens mentais, favorecer diversas transformações com um objeto, e reter as mudanças que são feitas nesse objeto, o desenvolvimento de capacidades ligadas à inteligência espacial, produzir representações gráficas de informações espaciais e perceber uma forma ou um objeto sob diferentes pontos de vista.

Corroboramos essa ideia por compreendermos que a intuição e a visualização são essenciais para a articulação entre a geometria e as artes e culturas visuais por meio da simetria. Fainguelernt e Nunes (2006) apontam que a arte mobiliza e desenvolve no humano sentimentos estéticos e capacidades como a criatividade, a visualização, a imaginação, a observação e a intuição. As autoras também destacam que a experimentação está presente na criação de uma obra de arte e na resolução de um problema matemático. Isso porque “as criações de grandes artistas/cientistas não brotam completamente formadas na mente de seus criadores, mas são frutos de trabalho árduo e experimentação contínua” (Fainguelernt; Nunes, 2006, p. 34).

A Abordagem Triangular de ensino de artes e culturas visuais estabelece relação com a geometria através das ações de ler imagens e fazer artístico atravessadas pela contextualização para que haja produção de sentido. Barbosa (2008) ressalta que a teoria, por ser um sistema aberto, não estabelece hierarquia entre as ações e está aberta para o diálogo e experimentação com diversas áreas de conhecimento. De acordo com Azevedo (2016, p. 80), a Abordagem Triangular para o ensino de artes “compõe um sistema complexo e por isso pode ser compreendida como teoria”. Em outro trecho, Azevedo (2016, p. 80) afirma que, “é uma teoria aberta por seu caráter dialógico, isto é, cada arte/educador tem a autonomia de reinventá-la ao seu modo”.

Considerando o encadeamento entre as ações de contextualização, fazer artístico e leitura de imagem, Barbosa e Cunha (2009) utilizam a metáfora do zigue-zague para ilustrar a importância da contextualização e o modo como arte-educadores têm utilizado de forma autônoma a Abordagem Triangular. “[…] o contexto se torna mediador e propositor, dependendo da natureza da obra, do momento e do tempo de aproximação do criador” (Barbosa apudAzevedo, 2016, p. 103).

Sendo assim, a Abordagem Triangular através de ações educativas que envolvem leitura de imagens, contextualização e fazer artístico trouxe um caminho teórico-metodológico que nos guiou na elaboração da metodologia e análise e interpretação dos dados da pesquisa.

A ação de ensino leitura de imagem supõe a decodificação dos signos das linguagens da arte e o estudo de seus elementos, composição, técnica, organização formal, qualidades, etc. Contudo, Barbosa (2008a, p. 18) ressalta que:

A leitura do discurso visual, que não se resume à análise da forma, linha, volume, equilíbrio, movimento, ritmo, mas principalmente é centrada na significação que esses atributos, em diferentes contextos, conferem à imagem, é um imperativo da contemporaneidade. Os modos de recepção da obra de Arte e da imagem ao ampliarem o significado da própria obra a ela se incorporam.

A leitura de imagens é o próprio ato de perceber, ler, analisar, interpretar, criticar e refletir sobre um texto pictórico e visual. É um diálogo entre o leitor e a obra, em que estão presentes também a intuição, a imaginação e a percepção. Sendo assim, caberá ao professor proporcionar a seus alunos a leitura das mais diversas obras de arte e produtos artísticos, de todas as épocas, povos, países, culturas, gêneros, estilos, movimentos, técnicas, autores, artistas, assim como as produções da própria classe envolvida.

Por isso, é necessária a contextualização como apropriação de todo o panorama social, político, histórico e cultural em que a imagem foi produzida; como ela se insere no momento de sua produção e como esse momento se reflete nela. Isso significa ir além do conhecimento da história das artes: obras, artistas, movimentos artísticos, estilos, gêneros etc. A contextualização de uma imagem inclui também o conhecimento específico de seus elementos, regras de composição, estilos, técnicas, materiais e instrumentos. Para Barbosa (2002), é através da contextualização de produtos e valores estéticos que a atitude multiculturalista é desenvolvida. A autora acrescenta que “sem o exercício da contextualização, corremos o risco de que, do ponto de vista da Arte, a pluralidade cultural se limite a uma abordagem meramente aditiva2” (Barbosa, 2002, p. 3).

No que diz respeito ao fazer artístico, ele é o próprio ato de criar, construir, produzir. Trata-se do momento em que os artistas desenham, pintam, esculpem, modelam, recortam, colam, representam, constroem imagens e simbolizam. Esse processo de pensar/construir/fazer é lúdico, é estético, mas também inclui conhecimentos geométricos sobre a simetria e suas propriedades implicadas nos atos técnicos e inventivos de transformar, de produzir formas novas, a partir da matéria oferecida pelo mundo da natureza e da cultura onde vive o aluno.

Acreditamos que, nessa articulação da geometria com as artes e as culturas visuais, essas disciplinas podem alimentar-se mutuamente, ora se complementando, ora se tensionando, ao produzirem novas significações. As artes e culturas visuais, ao abordar e abraçar-se com conhecimentos matemáticos presentes na geometria, permitem a criação de outras formas de apropria-se de conhecimentos e diferentes caminhos, assim como a geometria, ao deixar-se contaminar pela arte, permite-se experimentar outros contextos e significações.

4 Procedimentos metodológicos

Os caminhos que tentamos trilhar na construção da metodologia ancoram-se, sobretudo, em posturas teóricas que compreendem a pesquisa como experiência criadora, nutrida pelo modelo teórico de conhecimento do professor de Shulman (1986) e Ball; Thames; Phelps (2008), assim como nas discussões sobre a teoria da Abordagem Triangular como teoria de interpretação do universo das artes e culturas visuais de Barbosa e Cunha (2009). A partir desse embasamento teórico, desenvolvemos nossos instrumentos de coleta de dados, que, do ponto de vista operacional, estão divididos em quatro etapas distintas, porém correlacionadas:

  • 1ª etapa: oficina de 12 horas organizada em três encontros para 18 professores dos anos iniciais de redes municipais localizadas na Região Metropolitana do Recife.

  • 2ª etapa: elaboração de planejamentos de aulas pelos professores participantes das oficinas.

  • 3ª etapa: observação das vivências das aulas planejadas (de três professores voluntários).

  • 4ª etapa: entrevista de explicitação.

Para analisarmos os dados coletados – nas oficinas, no planejamento e na observação da aula e entrevista –, utilizaremos a Análise de Conteúdo, sistematizada a partir dos estudos de Bardin (2011). A escolha da Análise de Conteúdo justifica-se pelo fato de ela possibilitar a organização, categorização e interpretação sobre a abordagem quantitativa e qualitativa. Devido à especificidade do nosso objeto de pesquisa, optamos pela análise temática, por ser técnica que permite descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, através da frequência, presença ou ausência das unidades de significação.

A partir da análise temática, realizamos a categorização, estruturada de forma mista a priori, a partir do nosso modelo teórico desenvolvido por Shulman (1986; 1987) e do modelo de Ball; Thames; Phelps (2008); e a posteriori a partir dos dados empíricos organizados em subcategorias. Elaboramos o seguinte Quadro 1 com o objetivo de apresentar as relações existentes entre as unidades de contexto e unidades de registro que emergiram dos dados empíricos.

Quadro 1
– Categorias analíticas

Uma vez estruturadas as categorias de análise e indicados os resultados obtidos, podemos realizar inferências que podem servir de base a “outra análise disposta em torno de novas dimensões teóricas, ou praticada graças a técnicas diferentes” (Bardin, 2011, p. 12). De acordo com Triviños (2006), na fase de interpretação, o pesquisador não deve restringir sua análise ao conteúdo manifesto dos documentos, mas adentrar o conteúdo latente, que revela as tendências e características dos fenômenos sociais que se analisam.

5 Discussão dos resultados

Neste tópico, tratamos das questões que nos ajudaram a compreender os conhecimentos do conteúdo mobilizados por professores na articulação entre a geometria e as artes e culturas visuais por meio da simetria. Para tanto, discutimos a temática, a partir dos dados obtidos na realização da oficina, planejamento e na observação de aulas das professoras voluntárias. Estabelecemos diálogos entre os dados obtidos no contexto escolar brasileiro com as categorias analíticas de conhecimento de professores elaboradas por Shulman (1986, 1987), Ball e colaboradores (Ball; Thames; Phelps, 2008; Ball; Goffney; Bass, 2005, Ball; Bass, 2003). Também dialogamos com a Abordagem Triangular de Barbosa; Cunha (2009) a partir das categorias analíticas já estabelecidas nos procedimentos metodológicos.

O conhecimento comum do conteúdo do professor é compreendido por Ball, Thames e Phelps (2008) como um conhecimento que qualquer pessoa que aprendeu um conteúdo pode apresentar. Observamos em nosso estudo que os professores, ao mobilizarem conhecimentos sobre o conteúdo geométrico, mobilizam conhecimentos sobre o conteúdo da arte através das ações de ensino da arte (leitura, contextualização e fazer artístico).

Na oficina que envolvia a discussão sobre a simetria de translação, propusemos para os professores escolherem duas técnicas: traçados regulares e irregulares em papel colorido, e criação de padrão em malhas. Eram técnicas que possibilitariam a criação de imagens que remetessem às imagens lidas. Podemos observar a seguir o uso de traçados regulares com papel colorido (5 e 6):

Figura 5
– Produção da professora P(1)

Figura 6
– Produção da professora P(2)

Pq – O que tem de simetria nessa atividade de trançado?

P(1) – Olha tem aquela de translação, a repetição da forma que são os quadradinhos de mesmo comprimento, mesma distância.

Pq – Como assim? Mesma distância de quê?

P(3) – De um quadradinho para o outro. Né, P1?

P(1) – De uma figura para outra.

P(3) – Também tem a composição das cores, que é muito bonita. É uma arte mais abstrata, porque as formas são geométricas.

P(2) – Tem que pensar nas cores que combinam, o amarelo que combina com o verde, o vermelho que combina com o laranja. É interessante fazer a composição das cores, ver o que combina. Assim, a gente não sabe como vai ficar, mas, quando combina, fica bonito. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Percebemos que a professora P(1) destaca as propriedades da simetria relativas à conservação característica das isometrias: conservação do comprimento do segmento, da forma, ou seja, das medidas angulares. Nas artes visuais, o padrão pode ser repetição de unidades de forma ou figura, de linhas, de pontos e de cores. Observamos que as professoras P(3) e P(2) também destacam a combinação de cores e relacionam a atividade às artes abstratas por apresentar formas geométricas. Assim os professores, ao mesmo tempo que identificavam propriedades geométricas, refletiam sobre as cores e a qualidade estética das imagens que produziam.

Identificamos nessas atividades que os conhecimentos geométricos se entrecruzam com o prazer de fazer arte, de fazer uma experiência estética. Segundo Losada (2011), há na atualidade um fecundo jogo de trocas entre metodologias de ensino de artes e ciências (matemática). De um lado, o fazer criativo e os aspectos estéticos e éticos da realidade, que sempre caracterizaram o ensino da arte, também passaram a ser exigidos no ensino das ciências (matemática). Por outro lado, os conteúdos sistematizados característicos do ensino das ciências (matemática) passaram a ser solicitados no ensino da arte. Tal aspecto revela que as articulações entre artes visuais e geometria acontecem por um viés não apenas conceitual, mas também metodológico.

O conhecimento especializado do conteúdo de professores é caracterizado por se referir às habilidades e especificidades do trabalho do professor, ou seja, características de sua prática pedagógica (Ball; Thames; Phelps, 2008). No caso do conhecimento especializado em articulação das artes e culturas visuais com a geometria por meio da simetria, é necessário ao professor pensar sobre as especificidades dos dois campos de conhecimento de forma articulada.

Identificamos que os professores mobilizavam esse conhecimento ao refletirem sobre as escolhas de imagens, temas e artistas visuais mais adequados para trabalhar determinado tipo de simetria. Observamos a seguir que a professora afirma ter escolhido a imagem por acreditar que seria mais adequada para trabalhar com a sua turma:

Figura 7
– Pinturas e Platibandas, Caracatá (BA).

P(6) – Eu olhei a realidade da minha sala de aula. Estou no momento com o quinto ano. Acho essa imagem mais adequada para trabalhar com eles. Trabalhei há pouco tempo esse assunto. E estabelecendo uma escala de hierarquia, coloquei para trabalhar primeiro a apresentação das figuras geométricas, o formato das casas e da pintura, as portas, né? Os adornos são triângulos, ou seja, seria a interpretação. Aproveitava para trabalhar as paralelas e perpendiculares, né? Os ângulos formados nos triângulos e retângulos. Os eixos de simetria presentes na figura, né? O retângulo tem dois e triângulos um, mas também aproveitaria para trabalhar as cores primárias, a mistura dela formando as secundárias, no caso esse verde. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Percebemos no trecho acima que a professora P(6) escolhe fazer a descrição de uma imagem por considerar as características da própria turma, assim, aponta possibilidades de ensino ao hierarquizar os conteúdos a serem abordados. Ela mobiliza conhecimento especializado ao escolher a imagem mais adequada, ao pensar nas formas como os elementos visuais se agrupam e como podem ser explicados e interpretados, ao pensar na exploração dos eixos de simetria e das cores primárias e secundárias. Segundo Ball, Thames e Phelps (2008), reconhecer o que está envolvido no uso de uma representação particular é uma característica do conhecimento especializado do conteúdo. Contudo, a professora mobiliza esse conhecimento considerando e articulando as características específicas da geometria com as artes e culturas visuais.

Noutro momento, as professoras também utilizam o conhecimento especializado para identificar aspectos em relação aos artistas e temas mais adequados para se trabalhar determinado tipo de simetria com os alunos. O trecho a seguir exemplifica essa percepção:

Pq – Quais temáticas ou artistas visuais vocês utilizariam para trabalhar simetria na sala de aula de vocês?

P(2) – Usaria imagens da obra de arte, aquelas de Milton Dacosta.

P(3) – Esse é bom. Mas poderia usar o Samico e o Milton Dacosta para ver a diferença e história. Um é de Recife e o outro é do Rio de Janeiro. A simetria está na obra dos dois de forma diferente.

Pq – Como assim?

P(3) – É diferente.

Pq – Explica por que é diferente.

P(3) – Milton Dacosta é mais abstrato e geométrico… Já Samico é mais figurativo e a simetria não é tão exata.

[…]

Pq – O que têm em comum?

P(3) – A simetria de reflexão e… só… só vejo diferenças.

P(1) – A arte indígena é mais próxima da realidade dos meninos e tem muita simetria nas pinturas, de reflexão e translação. A gente tem que trabalhar a temática indígena, aí aproveitava, trabalhava história do povo, a geometria que tem na arte. Dá pra pedir pra identificar as simetrias na pintura corporal, fazer atividade de completar as pinturas. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Observamos nos diálogos acima que a professora P(3) busca utilizar dois artistas por serem diferentes sob o ponto de vista local, cultural e histórico, mas também porque a simetria é apresentada nas obras dos artistas de formas diferentes. Em Milton Dacosta, a simetria é mais próxima do rigor geométrico, enquanto que, na obra de Gilvan Samico, a simetria não tem tanto rigor. Além disso, na fala da professora, é possível identificar as ações de ensino de arte, a leitura de imagens – comparando as obras de dois artistas –, e a contextualização por meio da história dos artistas visuais.

De forma implícita, a professora busca possibilitar que os alunos identifiquem elementos da linguagem visual que se encontram em diferentes artistas. A professora P(1) propõe um trabalho com a temática indígena, pois acredita que está mais próxima da criança. Observa-se também de forma implícita uma menção ao currículo e legislação que recomenda o estudo da cultura indígena. Além disso, sugere trabalhar dois tipos de simetria (reflexão e translação), assim como explicita que é possível trabalhar com situações de completar figuras e identificar simetrias por meio da pintura corporal.

Percebemos que ambas, ancoradas na Abordagem Triangular de Ensino de Arte, mobilizam conhecimentos especializados. As propostas estavam relacionadas à leitura de obras de arte de diferentes artistas; e à contextualização histórica da arte, que enfatiza o conhecimento da produção artística e de outras culturas, no caso a indígena. Segundo Azevedo (2016), a Abordagem Triangular no ensino da arte é como uma teoria de interpretação do universo das artes e culturas visuais, abrindo espaço para contribuições da filosofia, da sociologia e da antropologia, pois a arte é considerada como produto e construção sociocultural.

O conhecimento do horizonte do conteúdo de professores é caracterizado por se referir às conexões que o professor pode estabelecer entre tópicos da matemática e conceitos de outras áreas de conhecimento (Ball; Thames; Phelps, 2008). É o domínio apontado como aquele que os professores se fundamentam para compreender o ensino nos diferentes anos de escolaridade, entendendo como a simetria se desenvolve e se relaciona com os demais conteúdos ao longo dos anos.

No trecho a seguir, percebemos que, ao discutir a possibilidade de traçar eixos de simetria na obra de Júlio Le Parc, os professores mobilizam conhecimentos visuais, verbais, lógicos e aplicados, articulando o conteúdo da simetria com outros conteúdos da geometria. Ressaltamos que solicitamos que os professores considerassem apenas o círculo.

Figura 8
– Julio Le Parc, Série 23 14, 1970

P(6) – Qual a diferença de falar círculo ou circunferência? Não lembro.

P(7) – Se eu desenho aqui o contorno desse copo, é a circunferência, mas, quando eu corto, eu tenho um círculo, a superfície é o círculo. É o que lembro do livro de matemática.

(Desenha com o copo a circunferência e corta)

P(6) – Aqui temos várias circunferências que, juntas, formam o círculo.

P(7) – É difícil definir, mas concordo com PC. Se bem… Elas têm diâmetros diferentes. Posso cortar a imagem de Júlio Le Parc?

Pq – Pode.

(A professora corta e dobra várias vezes)

P(7) – A lógica é a mesma. Pelo que estou percebendo, o círculo ou as circunferências, onde dobrar, vai acontecer a sobreposição. Seguindo essa lógica, as circunferências das obras de arte, mesmo tendo diâmetros diferentes, podem se sobrepor. Mesmo aqueles com diâmetro pequeno que parece um ponto podem traçar diferentes traços que irão se sobrepor.

Pq – O ponto no centro da obra é um círculo?

P(6) – É, seguindo a definição, apenas o ponto seria o círculo que P7 deu anteriormente.

P(7) – Eu acho que é um círculo composto por várias circunferências.

P(6) – Também… as circunferências preenchem a superfície e formam o círculo.

Pq – Então quantos eixos podemos traçar?

P(7) – Eu penso que são diversos.

P(6) – Pela dobradura, percebemos que dá para traçar vários... que vai ser simétrico… Agora essa obra é interessante, porque essas circunferências passam a ideia de algo que gira e vai afunilando, entrando.

P(7) – É o círculo, parece o fim.

P(6) – Além disso, é bem colorida. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Percebemos que as professoras mobilizam, ao mesmo tempo, conhecimentos de ordem conceitual ao definirem o que é círculo e circunferência, mas também procedimentais ao cortarem e dobrarem as imagens para resolverem a situação-problema, que consistia em traçar eixos num círculo. E condicionais, ao identificarem que a situação-problema possibilitava mobilizar tais estratégias para resolver a situação. Destacamos o papel da obra de arte de Júlio Le Parc em promover uma problematização, afinal sua complexidade permitiu que os conhecimentos mobilizados fossem abordados à medida que os diálogos aconteciam de uma maneira sinuosa, não linear, composta por ações e retroações.

As professoras mobilizam, ao mesmo tempo, conhecimentos geométricos relacionados às habilidades visuais ao perceber circunferências que formam um círculo; habilidades verbais e lógicas ao definir e descrever objetos geométricos em questão, buscando um vocabulário geométrico; e também identificamos habilidades aplicadas ao observar, apreciar e reconhecer a geometria na obra de arte de Júlio Le Parc. Tais aspectos demonstram o quanto é fecundo propor ao professor atividades que coloquem em jogo conhecimentos que articulam artes e culturas visuais com a geometria. É possível identificar em torno da simetria uma rede de objetos matemáticos, didáticos e socioculturais, que podem servir de alimentos para ela, ou que se alimenta dela. Assim, a mobilização de conhecimento do conteúdo do horizonte pelos professores aconteceu, porque epistemologicamente a simetria estabeleceu essa rede de articulações com outros conteúdos matemáticos e áreas de conhecimento.

Para utilizar o conhecimento do conteúdo do aluno, segundo Ball, Themes e Phelps (2008) e Hill e Ball (2009), os professores precisam antecipar o que os alunos pensam e as possíveis dificuldades ao realizarem determinada atividade. Além disso, é necessário que sejam capazes de escutar e interpretar as ideias incompletas dos alunos, conhecendo as concepções, possíveis erros e alternativas mais frequentes dos alunos sobre determinados conteúdos. Identificamos que os professores mobilizaram conhecimento do conteúdo do aluno ao analisarem três protocolos de estudantes do 5º ano que trabalharam com a obra de Alfredo Volpi. A atividade apresentava uma breve biografia do artista e depois a produção dos estudantes, que consistia numa atividade de construção de bandeirinha nos três eixos, nas posições vertical, horizontal e oblíqua. Verificamos que os professores consideraram a resposta do estudante B como a correta. Contudo, os docentes atribuíram os erros cometidos pelos estudantes ao fato de serem crianças. Identificamos que a atividade mobilizou conhecimentos significativos sobre as propriedades da simetria de reflexão, como podemos ver ilustrado no trecho a seguir.

Figura 9
– Imagens analisadas pelos professores

P(5) – Como é um desenho de criança, é difícil fazer com precisão. Se for focar na construção do eixo, ele conseguiu, porque até a gente tem dificuldade de desenhar a reflexão e não sai perfeito, então eu analiso dessa forma. Apesar de não estar perfeito, mas ele fez. (refere-se ao aluno B).

P(4) – Ele compreende que é simétrico e não. Agora o visual para você acertar no golpe do olho é complicado.

P(5) – Tem que se olhar o erro de outra forma, dependendo da forma como olha o erro, deixa de ser errado.

P(1) – Pra mim, a mais correta é a B.

P(3) – Pra mim, a B está correta, e na A uma bandeirinha está mais próxima do eixo e a outra mais distante.

P(1) – Todas elas têm um errinho.

P(3) – É, mas na A, o erro principal é a distância. Na C, ele fez a bandeirinha a partir do eixo. Mas não que o eixo dividisse a figura ao meio, que era o objetivo. Na B, ele fez a figura tomando o eixo como referência.

P(2) – Eu faria como a B. Essa atividade foi feita por criança?

Pq – Sim.

P(2) – Criança não tem coordenação motora para fazer reto, então eu considero como certo.

P(3) – Também.

P(1) – Eu, no lugar do menino, faria igual ao B. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Observamos nos diálogos que as professoras, além de reconhecerem os erros cometidos pelas crianças, também apontam as possíveis fontes do erro, como: falta de coordenação motora, a criança não tomar o eixo como referência para construir a figura; e erros cometidos na distância da figura em relação ao eixo de simetria. Em relação aos erros cometidos pelos alunos, Ball, Thames e Phelps (2008) destacam que os professores precisam ser capazes de escutar e interpretar as ideias incompletas dos alunos, conhecendo as concepções e alternativas mais frequentes dos estudantes sobre determinados conteúdos. No entanto, o olhar dos professores sobre os erros dos discentes poderia ser mais apurado se tivessem acesso a estudos da didática da matemática.

O conhecimento do conteúdo currículo foi observado. Questões relativas à articulação das artes visuais e geometria por meio da simetria vêm sendo abordadas nos livros didáticos, nas orientações curriculares e outros documentos oficiais. Identificamos que os professores conseguiram mobilizar conhecimentos acerca das ações de ensino das artes e culturas visuais articuladas à geometria por meio da simetria nas atividades propostas em relato de experiência. Principalmente, no que diz respeito às artes visuais, ao destacar a importância da história da arte (contextualização) e ampliação do conceito de artes e culturas visuais. O trecho a seguir ilustra esse aspecto.

P(3) – A partir do momento que ela diz que vai usar os casarões de Olinda. Ela não usou um desenho qualquer sem significado. Como os alunos são de Olinda, ela aproveitou…

P(1) – Da vivência deles.

P(3) – Nunca olharam!

P(1) – Nunca viram por esse lado.

P(3) – Viam casas com formato diferente.

P(1) – Casa velha, casa antiga.

P(3) – E a partir do momento que diz que é uma casa histórica, assim do passado, tal coisa combina com isso. É feita dessa forma ou de outra, já tem uma visão diferente, detalhada. Com PD analisou de um jeito, mas não tinha visto o ponto. Porque não tem olhar treinado para olhar os detalhes. Traz a interdisciplinaridade, por uma questão histórica, aliada à matemática.

P(2) – Ela trabalha com a arquitetura, assim sai da ideia de que arte é só pintura e está no quadro. A arquitetura também passa a ser arte.

P(3) – Sob o ponto de vista da matemática, as formas semelhantes.

P(1) – As figuras geométricas estão bem presentes na arquitetura de Olinda, né? As janelas, as portas, por exemplo. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Verificamos nas falas das professoras P(3) e P(1) que suas análises sobre o relato lido consideram a importância de utilizar imagens dos casarões de Olinda para construção de significado, porque estão próximos dos alunos. Contudo, ambas destacam que as crianças não têm um olhar treinado para os detalhes, ou seja, a leitura de imagem torna-se um aspecto essencial para a construção dos nexos sócio-históricos, para a construção de significados. Além disso, as professoras P(3) e P(1) destacam elos com a geometria, estabelecidos por meio dos conteúdos semelhança e formas geométricas. A professora P(2) destaca o fato de ampliar o olhar sobre as artes e culturas visuais e de fazer perceber a arquitetura como integrante dessa linguagem. Percebemos que as professoras destacam os principais nexos entre história, arte e matemática, correlacionando ou mesmo subsidiando de modo instrumental o aprendizado de outras áreas curriculares.

Observamos que o conhecimento curricular de professores requer que o olhar ultrapasse as fronteiras das disciplinas e invada outras disciplinas da arte, buscando, em seu conteúdo, temas, eixos e possibilidades de estabelecer enredos de significação entre eles. Assim como Shulman (2005), compreendemos que as articulações devem acontecer sob o ponto de vista vertical – considerando os conteúdos sugeridos para o ano escolar –, mas também lateral, olhando as possibilidades de articulação entre temas e conteúdos dos anos anteriores e posteriores, tendo, assim, uma visão mais global e complexa das possíveis articulações da geometria e artes visuais por meio da simetria.

O Conhecimento pedagógico do conteúdo é uma categoria de conhecimento compreendida por Shulman (1987) como desempenho observável na diversidade de atos de ensino. Ball, Thames e Phelps (2008), por sua vez, acreditam ser o domínio que combina os conhecimentos a respeito do ensino e conhecimentos sobre a matemática. Dessa forma, muitas das tarefas matemáticas exigirão do professor um conhecimento matemático sobre o papel das instruções que ele está utilizando. Portanto, cabe ao professor avaliar as vantagens e desvantagens das instruções e das representações usadas para ensinar um conteúdo específico e do uso de métodos e técnicas diferentes. Assim, analisaremos as ações didáticas realizadas pela professora P(7) e P(3) e observadas após a realização das oficinas.

Identificamos que as professoras utilizam ações de ensino da arte para introduzir conteúdo e representar visualmente conceitos abstratos. A atividade de leitura de imagens de máscaras africanas presentes no livro didático de matemática foi utilizada para iniciar e introduzir a discussão sobre simetria de reflexão pela professora P(7). No trecho a seguir, podemos identificar como a atividade foi conduzida pela professora e os elementos de compreensão da docente sobre a arte e sua relação com a geometria por meio da simetria dentro da cultura nigeriana.

Figura 10
– Atividade do livro didático

P(7) – […] Agora abram o livro na página 97. Nesta página, estamos falando de cultura negra. Quem tiver o livro pode ver que tem figuras de máscaras nigerianas. Se passar uma linha no meio, irá ver que os dois lados das máscaras são iguais. Se fizer um tracinho, um lado é igual ao outro. E aqui também tem uma máscara tradicional e tecidos africanos que mostram a arte geométrica. Os artesãos de alguma forma utilizam a geometria, embora não tenham ido para escola estudar geometria; isso é natural da cultura deles. Na cultura deles, desenvolveram esse gosto pelas formas geométricas e simétricas fazendo linhas, retas, composições simétricas, mas se formos olhar em outras culturas têm mais as linhas sinuosas, têm outros tipos de adereços. Então, cada cultura tem sua maneira de se expressar através da arte. Então o que vamos trabalhar aqui é justamente a simetria na arte africana. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Observamos que os conhecimentos mobilizados na leitura das imagens por P(7) destacam os eixos de simetria presentes em uma das máscaras, mas principalmente apontam para a relação entre geometria e arte visuais presentes naquela cultura ao ressaltar os elementos visuais (linhas, formas, retas, composições simétricas) através dos quais os conceitos são representados. Percebemos que, na leitura de imagem, a professora realiza a decodificação dos signos dessa linguagem da arte, o estudo de seus elementos, sua composição, técnica, organização formal, qualidades, etc. Mas, além disso, ela ressalta que cada cultura tem sua maneira de se expressar através da arte, sendo a simetria uma característica da arte africana. Esse aspecto é muito positivo, pois assim ela aponta para a diversidade cultural presente no mundo da arte e da cultura. Com relação a isso, Barbosa (2008, p.18) afirma que “a leitura do discurso visual, que não se resume à análise da forma, linha, volume, equilíbrio, movimento, ritmo, mas principalmente é centrada na significação que esses atributos, em diferentes contextos, conferem à imagem, é um imperativo da contemporaneidade”. Assim, compreendemos que analisar linhas, formas e simetria dentro do contexto da arte africana pode ser mais significativo para o campo das artes visuais do que para o campo da geometria. Contudo, não conseguimos identificar as interpretações das crianças diante das imagens, posto que a leitura da imagem foi muito breve.

Como fazer artístico para construir conhecimentos sobre o eixo de simetria, através da dobradura (kirigami), a professora P3 possibilita a representação de conceitos da simetria e eixo de simetria. O trecho a seguir ilustra a professora instruindo as crianças a realizarem a atividade.

P(3) – Eu vou pegar um pedacinho de papel... E vou dobrar no meio pra ficar marcado o meio do papel, dobrei, ó! Igualzinho, quando abri o papel ficou a marca do que dobrei?

As: Sim…

P(3) – Ficou, não ficou? Todo mundo está vendo? Tá dando pra ver bem? Vou fazer num papel maior.

(A professora pega um pedaço, dobra com cuidado e em seguida mostra aos alunos)

P(3) – Papel grande… dobrar ao meio, aqui a folha ficou marcada ao meio?

As: Sim!

P(3) – Aí eu agora vou pegar minha tesoura e daqui onde eu dobrei… Eu vou fazer isso aqui, ó. Estou recortando e deixando o meio sem cortar aqui, ó. Vou fazer um coração, porque eu gosto de coração.

(Corta a figura e mostra aos alunos)

P(3) – Viram? O meio está aqui.

As: Viiiii.

P(3) – Quando eu abrir…

(Mostra a imagem para as crianças)

As: ficou um coração.

P(3) – Ficou um coração, não foi? Mas o que é que está marcado aqui no meio?

A(2) – Uma linha.

P(3) – Essa linha que está marcada, que está dividindo o meu coração em duas partes iguais, idênticas. Como é que eu sei que elas são iguais? Se eu dobrar onde está a linha, esse ladinho, ele é exatamente igual ao outro lado. Oh! Não tem nenhum pedacinho sobrando, nenhum cabelinho de fora, nenhuma pontinha de diferente. E no meio, bem centralizado, está a linha que eu marquei. Essa linha aqui que eu marquei é o que eu chamo de eixo de si - me - tria. (Diálogos entre professores e pesquisador, 2019).

Durante a realização da atividade, a professora mobiliza conhecimentos acerca do conteúdo da simetria ao destacar que o eixo divide a figura em partes iguais, ficando uma ideia de que esse é o elemento de referência. Ao referir-se às partes “iguais, idênticas”, a professora quer destacar a sobreposição das figuras. Também mobiliza as propriedades de conservação dos comprimentos dos segmentos em relação ao eixo e medidas angulares. A linguagem utilizada pela professora não é geométrica, mas é uma adequação realizada ao público, afinal eram crianças do 3º ano do Ensino Fundamental que nunca haviam estudado simetria. Conceitos como equidistância, conservação de medidas dos segmentos e conservação de medidas angulares seriam demasiadamente abstratos para as crianças. Com relação a esse aspecto, Ball e Bass (2003) afirmam que a formalidade e a abstração das ideias matemáticas são extremamente úteis, entretanto inadequadas para o trabalho do professor de matemática dos anos iniciais. Outro aspecto do conhecimento matemático para o ensino é sua conectividade com o domínio matemático no nível estudado, bem como com as ideias matemáticas desenvolvidas e estendidas ao longo do tempo.

A análise de erros e das respostas dos estudantes esteve presente nas ações dos professores P(3), P(6) e P(9). Como descrevemos anteriormente, a análise da professora P(9) sobre os desenhos dos alunos, apontando os erros e correções necessárias, possibilitou que na tarefa seguinte os estudantes mobilizassem conhecimentos mais adequados à situação proposta. No trecho a seguir, podemos observar um momento de análise do professor sobre um dos desenhos.

Figura 11
– Produção do aluno A(9), simetria de translação

P(9)- Então, prestou atenção quando eu disse que na translação os motivos podiam ir para direções diferentes, mantendo a mesma forma. Só faço observação em alguns detalhes como a forma dos ratos, a distância entre um rato e o outro, que deve ser a mesma. Assim eu vejo que você entendeu o que é um movimento de translação. Mas precisa prestar atenção na forma das figuras e na distância entre as figuras. (Diálogos entre professora e alunos, 2019).

A análise dos erros que a professora realiza durante a aula faz com que ela mobilize diversos conhecimentos sobre as propriedades da simetria de translação. Tal aspecto confirma que os conhecimentos do conteúdo e as instruções estão imbricados. Embora a instrução envolva o desempenho observável do professor na implementação de diferentes estratégias de ensino, incluindo aspectos pedagógicos cruciais (Shulman, 1987, p. 17), percebemos que essa estratégia não funcionaria se o professor não tivesse o conhecimento das propriedades dos tipos de simetria. No trecho a seguir, observamos a análise realizada pela professora após a produção do desenho no papel quadriculado.

Figura 12
– Produção do aluno A(9), 5º ano

P(9) – Agora a forma dos ratinhos está mais parecida, estão com a mesma cor, a distância entre os ratinhos está mais ou menos a mesma. Está bem melhor. É mais fácil ou mais difícil fazer com o quadriculado?

A(9) – Eu achei mais difícil para fazer a curva no quadriculado. Com os pontinhos é melhor. (Diálogos entre professora e alunos, 2019).

Observamos que, na figura acima, o aluno produziu um desenho em que os ratos estavam numa direção diferente do desenho anterior, mas apresentavam a mesma distância entre um e outro e as formas conservavam as medidas. Atribuímos esse resultado às intervenções da professora, que ressaltou, na análise dos desenhos, as propriedades necessárias.

Em síntese, as professoras observadas mobilizaram conhecimentos pedagógicos do conteúdo que dizem respeito à capacidade de organização da instrução e à avaliação das vantagens de utilizar determinadas representações e exemplos. Identificamos que fizeram boas escolhas de encaminhamentos para a abordagem de um conteúdo sob o ponto de vista geométrico. No entanto, as articulações da geometria com as artes e culturas visuais foram relacionadas ao fazer artístico. Sentimos falta de mais leitura de imagens, mais contextualização. As análises sobre os desenhos desenvolvidos pelas crianças estavam mais atreladas ao conhecimento geométrico do que ao estético e às artes e culturas visuais, que ficaram em segundo plano. Esse aspecto nos fez pensar: será que nossas oficinas evidenciam mais a geometria do que as artes? Ainda assim, as poucas atividades vivenciadas pelas professoras apontam para as interseções dos dois campos de conhecimento.

6 Considerações finais

Na busca por responder à indagação inicial – que conhecimentos os professores mobilizam quando lidam com atividades nas quais são exploradas articulações da geometria com as artes e culturas visuais por meio da simetria nos anos iniciais do Ensino Fundamental? –, identificamos que os professores mobilizam um tipo de conhecimento que congrega aspectos comuns dos dois campos de conhecimento e que intervêm juntos na ação requisitada pelos professores, seja em relação ao conteúdo da simetria, seja em relação aos aspectos didáticos e pedagógicos. Denominamos esse conhecimento de interseção.

O conhecimento do conteúdo comum mobilizado pelos professores apresentava as seguintes características: acontece por meio de um conteúdo específico, que neste estudo é a simetria; é conceitual; a representação visual possibilita a visualização de conceitos e propriedades como ponto, linha, conservação de forma, medida dos segmentos, ângulo, equidistância etc.; e é metodológica, posto que estratégias de ensino da geometria (resolução de problemas) e ensino das artes e culturas visuais (ler, fazer e contextualizar) se cruzam, possibilitando a identificação e análise das imagens.

O conhecimento especializado do conteúdo mobilizado na oficina foi essencial para que os professores refletissem sobre a relevância da articulação da geometria com as artes visuais; para pensar questões estruturais do ensino da simetria atreladas às imagens da arte e seu contexto; para refletir sobre o papel e o lugar das artes visuais na geometria e como elas se alimentam mutuamente; e para observar a natureza de valiosas atividades que articulam geometria com as artes e culturas visuais por meio da simetria para os aprendizes.

O conhecimento do horizonte do conteúdo foi mobilizado pelos professores em três aspectos. O primeiro diz respeito ao conteúdo da simetria que apresenta a capilaridade necessária para estabelecer articulações com outros conteúdos e temas da geometria, da própria matemática e outras áreas de conhecimento. É possível identificar em torno da simetria uma rede de objetos matemáticos, didáticos e socioculturais que podem servir de alimentos para ela, ou alimentar-se dela.

Os professores mobilizaram conhecimentos sobre o conteúdo e o aluno no sentido de apontar e descrever as dificuldades apresentadas pelos alunos na resolução de diferentes situações de simetria, no fazer artístico e na leitura de imagens. Mostraram familiaridade com erros comuns cometidos pelos alunos apresentados nos desenhos e resoluções. Também mobilizaram conhecimentos pedagógicos do conteúdo que dizem respeito à capacidade de organização da instrução e à avaliação das vantagens de utilizar determinadas representações e exemplos. Identificamos que fizeram boas escolhas de encaminhamentos para a abordagem de um conteúdo sob o ponto de vista geométrico. No entanto, as articulações da geometria com as artes e culturas visuais foram relacionadas ao fazer artístico.

Percebemos que os professores mobilizam conhecimentos diversificados e múltiplos que se entrecruzam, se encontram, se confrontam e consequentemente não são previsíveis. Os conhecimentos podem ser, quase sempre, surpreendentes, sugerem, projetam possibilidades de atitudes que têm como base o princípio da liberdade e da autonomia, elementos que contribuem para a independência de julgamentos e avaliações negociadas através de diálogos.

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  • Disponibilidade de dados:
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  • 1
    Cosmologias nesse texto são interpretadas como teorias do mundo. As cosmologias definem o lugar que os humanos ocupam no cenário total e expressam concepções que revelam a interdependência permanente e a reciprocidade constante nas trocas de energias e forças vitais, de conhecimentos, habilidades e capacidades que dão aos personagens a fonte de sua renovação, perpetuação e criatividade (Lallemand, 1978).
  • 2
    Barbosa (2002) entende como abordagem aditiva a atitude de apenas adicionar à cultura dominante alguns tópicos relativos a outras culturas.
  • Editor-chefe responsável:
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2024
  • Aceito
    21 Jul 2025
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