Resumo
A divisão é uma operação complexa no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que os alunos evidenciam dificuldades na atribuição de significado a essa operação. O uso de representações matemáticas pode assumir um papel central na aprendizagem, ao facilitar a compreensão de conceitos, o suporte a discussões matemáticas significativas e a criação de conexões entre diferentes formas de resolver problemas. Este estudo centrou-se na análise das diferentes estratégias e representações matemáticas usadas por alunos na resolução de tarefas que envolvem a compreensão dos sentidos da divisão. O estudo foi desenvolvido com uma turma de vinte e três alunos do 3.º ano, através da aplicação de uma sequência de três tarefas, seguindo uma metodologia de ensino exploratório. Os resultados revelaram que os alunos diversificaram as suas representações, usando representações simbólicas e icónicas, com predomínio das primeiras, e que têm tendência a preferir procedimentos aditivos, não sendo visível uma relação entre os procedimentos usados pelos alunos e os sentidos da divisão, por medida ou por partilha.
Palavras-chave
Sentido de Número; Divisão; Resolução de problemas; Estratégias; Representações matemáticas
Abstract
Division is a complex operation in the teaching and learning process, since students show difficulties in attributing meaning to this operation. The use of mathematical representations can play a central role in learning by facilitating the understanding of concepts, supporting meaningful mathematical discussions, and creating connections between different ways of solving problems. This study focused on analyzing the different strategies and mathematical representations used by students when solving tasks involving understanding the meanings of division. The study was carried out with a class of twenty-three 3rd-year students, through the application of a sequence of three tasks, following an exploratory teaching methodology. The results showed that the students diversified their representations, using symbolic and iconic representations, with a predominance of the former, and that they tended to favor additive procedures, with no visible relationship between the procedures used by the students and the meanings of division by measure, or by sharing.
Keywords
Number sense; Division; Problem solving; Strategies; Mathematical representations
1 Introdução
As orientações curriculares em vigor em Portugal (Canavarro et al., 2021) destacam as representações matemáticas como uma das seis capacidades matemáticas a desenvolver no ensino básico. Este documento orientador sublinha a importância das representações na construção de conceitos matemáticos sólidos e no desenvolvimento de habilidades no que à resolução de problemas diz respeito. De acordo com o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM, 2017), o uso de representações matemáticas assume um papel central no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que facilita a compreensão de conceitos, suporta discussões matemáticas significativas e permite a criação de conexões entre diferentes formas de resolver problemas. Adicionalmente, as orientações curriculares destacam a centralidade que a metodologia de ensino exploratório deve assumir no trabalho do professor de matemática. Esta metodologia valoriza o envolvimento ativo dos alunos em discussões matemáticas significativas, criando um ambiente que promove a partilha dos raciocínios associados a diferentes representações, num ambiente de aprendizagem colaborativa e reflexiva, o que incentiva os alunos a verem os problemas de diferentes perspetivas (Canavarro, 2011; Oliveira; Menezes; Canavarro, 2013).
Estudos como os de Lautert, Spinillo e Correa (2012) e Cruz e Serrazina (2019) mostram que a divisão é uma operação complexa no ensino e aprendizagem da matemática, uma vez que os alunos evidenciavam dificuldades na atribuição de significado a essa operação, na compreensão dos diferentes papéis que o resto pode assumir nos contextos dos problemas matemáticos e na identificação da relação entre diferentes sentidos da operação (partilha e medida). As práticas de sala de aula centradas na mecanização do algoritmo, sem que os alunos possam atribuir-lhe sentido e sem que a operação surja a partir de contextos reais, na resolução de problemas, parecem condicionar aprendizagens com compreensão no âmbito do estudo desta operação (Rocha; Rodrigues; Menino, 2007; Menino, 2023).
O presente estudo centra-se na análise das diferentes representações matemáticas dos alunos na resolução de tarefas que envolvem a compreensão dos sentidos da divisão e do significado do resto. Do ponto de vista da investigação, pretende-se, não só contribuir para uma maior compreensão do papel que as representações matemáticas desempenham no processo de compreensão da divisão, mas também analisar as diferentes estratégias dos alunos na resolução de problemas que envolvem a divisão, tendo em vista o desenvolvimento de competências matemáticas significativas. Assim, no contexto da implementação de uma sequência de tarefas, foram definidos os seguintes objetivos: 1) descrever e analisar as estratégias dos alunos na resolução de problemas que envolvem a divisão; e 2) analisar as representações matemáticas usadas pelos alunos na resolução dos problemas.
2 A resolução de problemas na aprendizagem da matemática
A resolução de problemas ocupa um lugar central no ensino da matemática sendo amplamente reconhecida como uma capacidade transversal a todos os temas que compõe o currículo. A resolução de problemas deve ser entendida como uma prática central na aula de matemática, uma vez que possibilita que os alunos compreendam os conceitos e procedimentos matemáticos que estão a aprender e que apenas ganham significado quando usados de forma consciente na resolução de problemas (NCTM, 2008, 2017). O desenvolvimento desta capacidade matemática é essencial para que os alunos, por um lado, atribuam significado aos conceitos matemáticos e, por outro, desenvolvam estratégias, curiosidade, confiança e persistência para lidar com situações novas, aspetos igualmente essenciais para o cidadão competente e crítico (NCTM, 2008, 2017; Canavarro et al., 2021; Santos; Santiago; Cruz, 2024). A construção de conhecimento matemático com sentido para as crianças assenta num pressuposto de descoberta e exploração de situações desafiantes, que permitem o desenvolvimento de capacidades cognitivas fundamentais e de ordem superior e põe à prova a sua curiosidade e criatividade (Menino; Rodrigues, 2019). Segundo Polya,
[…] o problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver pelos seus próprios meios experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta. Experiências tais, numa idade susceptível, poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e deixar, para toda a vida, a sua marca na mente e no caráter (Polya, 1977, p. 5)
A resolução de problemas vai para além da aplicação de conhecimentos adquiridos, constituindo também uma oportunidade para a construção de novas ideias (Ponte; Serrazina, 2000; Boavida et al., 2008). A resolução de problemas pode ser encarada de duas formas: como ponto de partida e como ponto de chegada, ou seja, pode funcionar como o motor para a realização de novas aprendizagens (quando confrontados com situações desafiadoras, os alunos são incentivados a explorar, descobrir e sistematizar novas aprendizagens matemáticas) ou ser vista como aplicação de conhecimentos (onde após terem sido realizadas determinadas aprendizagens matemáticas, os alunos mobilizam-nas para resolver outros problemas). Apesar de poder ser encarado como o ponto de partida para a realização de novas aprendizagens, frequentemente, os alunos manifestam dificuldades na aplicação de conhecimentos que comprometem a resolução dos problemas. Proença et al. (2022) concluíram no seu estudo que as dificuldades na mobilização de conceitos e procedimentos matemáticos fundamentais no processo de resolução são, essencialmente, semânticas, estratégicas e procedimentais.
Segundo Ponte (2005), existem quatro tipo de tarefas matemáticas (Figura 1): os exercícios, que são tarefas fechadas de desafio reduzido; os problemas, que embora sejam tarefas tendencialmente fechadas, têm um grau de desafio elevado; as explorações e as investigações que são tarefas abertas e que possuem um grau de desafio reduzido e elevado, respetivamente.
Relativamente aos problemas enquanto tarefas matemáticas, Polya (1977) identificou quatro etapas fundamentais na resolução de problemas: (1) a compreensão do problema; (2) a definição de um plano; (3) a execução do plano; e, (4) a verificação do resultado. Mais recentemente, Boavida et al. (2008), tendo como referência estudos relativos às aprendizagens matemáticas nos anos iniciais, apresentaram uma versão do modelo de Polya em que duas destas etapas aparecem juntas: a elaboração e a execução do plano.
O papel do professor na seleção de problemas desafiantes, na promoção de discussões significativas e no incentivo ao uso de representações múltiplas é determinante para a construção de significados matemáticos com sentido, promovendo, em simultâneo, a autonomia e a confiança dos alunos na resolução de problemas (Mukhlis et al., 2024). O modo como o professor seleciona e conduz as tarefas propostas, bem como o envolvimento que os alunos depositam na resolução da tarefa, são fatores cruciais para o processo de ensino e aprendizagem da matemática (Stein; Smith, 1998), sendo que quanto mais desafiadoras forem, maior será o desenvolvimento das capacidades matemáticas. A resolução de problemas deve ser entendida como uma atividade fundamental em matemática, na medida em que permite também desenvolver outras capacidades matemáticas como o raciocínio, a comunicação e as representações matemáticas, associadas a atitudes como a persistência e a criatividade (Varela, 2020). Neste sentido, o aluno não ser apenas desafiado a seguir um conjunto de passos para resolver problemas, mas deve ser encorajado a formulá-los, assim como, ser envolvido, ativamente, na definição e experimentação de estratégias de resolução de problemas, desenvolvendo o seu pensamento matemático (Lozada; Fuentes, 2018).
3 Representações matemáticas
As representações matemáticas são uma componente essencial do processo de ensino e aprendizagem da matemática (NCTM, 2008, 2017; Velez, 2020), sendo uma ferramenta imprescindível na resolução de problemas, pois auxiliam os alunos a comunicar as suas ideias, facilitam a compreensão de conceitos matemáticos, promovem a clarificação do seu raciocínio através do estabelecimento de conexões e permitem a aplicação de conceitos matemáticos em contextos reais (Barbosa; Vale, 2022).
Existem várias definições para o conceito de representação matemática. Goldin (2008) refere que as representações matemáticas são todas as produções visíveis ou tangíveis dos alunos que mostram ou incorporam ideias matemáticas, e exemplifica que podem ser diagramas, linhas numéricas, gráficos, arranjos de objetos manipuláveis, modelos físicos, palavras, expressões matemáticas. Velez (2020) ilustra a definição de Goldin (2008) com um exemplo: 5 – numeral indo-árabe, V – numeral romano, cinco - palavra da língua portuguesa, ||||| são diferentes representações do número natural cinco. Tripathi (2008) define as representações como construções, físicas ou mentais, que descrevem aspetos estruturais de um conceito ou de conexões entre o conceito e outra ideia. As representações referem-se tanto ao processo como ao resultado, tal como explicitado por Boavida et al. (2008, p. 71), quando mencionam que o conceito de representação se refere “quer ao ato de capturar um conceito ou relação – processo -, quer à sua forma propriamente dita – produto”. Goldin (2008) argumenta que todas as representações estão inseridas num sistema de representações, pelo que não podem interpretadas de forma isolada, defendendo que os sistemas de representação estão sempre em evolução, sendo que para a construção de uma nova representação é necessário que se estabeleçam conexões com as representações já conhecidas com o intuito de a compreender e conseguir utilizá-la em futuras situações.
Atentando na necessidade de encarar as representações como constituintes de um sistema de aprendizagem importa também abordar a dicotomia representação externa / representação interna. As representações externas, também conhecidas como semióticas, são diretamente observáveis, podendo ser expressas oralmente ou por escrito, usando uma folha de papel ou um suporte tecnológico, por movimentos corporais, entre outros (Goldin; Stheingold, 2001). Algumas formas de representações externas são, por exemplo, a notação formal e simbólica (como os símbolos que representam os números e as suas operações), figuras, desenhos, esquemas, diagramas, reta numérica, gráficos num sistema de coordenadas cartesiano, linguagem oral e escrita, manipulação de objetos e materiais manipulativos e representações dinâmicas com recurso à tecnologia. As representações internas não são observáveis diretamente e quando muito podem ser inferidas através dos comportamentos observáveis dos indivíduos ou através das suas interações com as representações externas (Goldin, 2008). Estas representações são construídas internamente pelo próprio aluno quando, por exemplo, procura dar sentido a um conceito ou quando tenta resolver uma tarefa que lhe é proposta, e que se manifestam na forma como descreve uma ideia, expressa o seu raciocínio, constrói um diagrama, entre outros. Apesar desta dicotomia, a interação entre representações internas e externas é essencial para o processo de ensino e aprendizagem, uma vez que estas representações são construídas pelo aluno quando pretende dar sentido a um conceito e descreve as suas ideias (Ferreira; Martinho, 2015).
Bruner (1999) classificou as representações em três tipos: as representações ativas, as representações icónicas e as representações simbólicas. As representações ativas envolvem ações/simulações e/ou materiais manipuláveis, estruturados ou não (geoplanos, figuras ou sólidos, cubos ou cubos de encaixe, espelhos, cordas). As representações icónicas fazem uso de imagens mais ou menos estruturadas (desenho, esquema, diagrama – representação visual que apresenta informações num formato espacial). As representações simbólicas recorrem a símbolos que envolvem códigos (numerais, sinais, fórmulas, expressões e escrita simbólica matemática). Barbosa e Vale (2022) propõem uma nova categorização incorporando e ampliando modelos teóricos anteriores e definem cinco categorias de representações: ativas, verbais, visuais, numéricas e simbólicas, mas também as duais que implicam a utilização, pelos alunos, em simultâneo, de duas das tipologias enunciadas acima (Figura 2).
Ao longo do processo de ensino e aprendizagem, o aluno deverá conseguir criar e usar representações para organizar, registar e comunicar ideias matemáticas, assim como selecionar, aplicar e traduzir representações matemáticas para resolver problemas (NCTM, 2017). No entanto, é necessário ter em consideração que o trabalho em sala de aula não se deve restringir ao uso de representações de forma isolada, pois a compreensão de um conceito matemático só surge depois de analisado sob diferentes perspetivas e as representações são fontes de comunicação e aprendizagem (Goldin; Stheingold, 2001).
4 Sentidos da divisão, significados do resto e estratégias
A divisão é uma das operações básicas no ensino da matemática sendo essencial que os alunos a compreendam na sua plenitude. No entanto, Vergnaud (2009) destaca que a complexidade desta operação constitui um desafio para os alunos, afirmando que
[…] enquanto a adição, a subtração e a multiplicação são sempre exatas, no sentido de que o resultado resulta efetivamente da aplicação do operador ao operando, a divisão, por sua vez, não é sempre exata e o quociente não é, por si só, o resultado da aplicação do operador ao operando. O verdadeiro resultado é o par (quociente, resto), podendo o resto ser nulo. (Vergnaud, 2009, p.190).
Também, Ripoll, Rangel e Giraldi (2015, p. 104) referem que
[…] a divisão é, entre as operações básicas, a mais complexa e a que determina maiores desafios para o ensino e para a aprendizagem. (..) Enquanto na adição, na subtração e na multiplicação temos dois valores de entrada e obtemos apenas um terceiro valor de saída, que é o resultado da operação, a divisão com naturais envolve dois valores como resultado: o quociente e o resto.
A divisão, no âmbito da resolução de problemas, encontra-se associada a três sentidos: a divisão como partilha, a divisão como medida e a divisão como razão (Vergnaud, 2009; Menino, 2023). O sentido de partilha envolve a distribuição equitativa de um certo número de elementos por um determinado número de recetores (Menino, 2023). Neste sentido, os alunos tendem a utilizar a estratégias de distribuição um a um, o que se mostra ineficaz para números grandes. Fosnot e Dolk (2001) referem que a necessidade de os alunos compreenderem a relação parte-todo associa a este sentido da divisão algumas dificuldades. No sentido de medida, já se sabe a quantidade de cada grupo e pretende-se saber quantos grupos vão ser formados (Menino, 2023). A resolução de problemas de divisão com sentido de medida favorece a utilização da adição ou da subtração ou da multiplicação como estratégia de resolução (Rocha; Rodrigues; Menino, 2007). O sentido de razão envolve a comparação entre duas quantidades, ou seja, implica determinar a relação entre duas grandezas (Menino, 2023).
Adicionalmente, é importante que os alunos conheçam os significados de todos os conceitos envolvidos na divisão: dividendo, divisor, quociente e resto, e a forma como estes se relacionam (Sobrinho et al. (2021). O resto é muitas vezes esquecido, uma vez que, na maioria das vezes, os problemas que envolvem a divisão de números naturais dão especial ênfase ao quociente, fazendo com que os alunos não prestem atenção aos outros conceitos envolvidos na operação e, consequentemente, que não os compreendam. Geralmente, os alunos encaram o resto como algo de pouca relevância e os professores, se não discutirem o papel deste conceito matemático, explorando a sua importância e compreensão com os alunos, acentuam essa ideia. Independentemente do sentido associado à divisão e da estratégia de cálculo utilizada, é essencial que os alunos reconheçam que há casos em que o resto precisa de ser interpretado, especialmente quando se está perante uma divisão não exata. Em muitos problemas, o resto tem um papel secundário e é ignorado, mas noutros pode ser fundamental para a solução ou até ser a resposta ao problema (Rocha; Rodrigues; Menino, 2007). É importante que os alunos se deparem com situações em que surge um resto e que compreendam o seu significado e saibam interpretá-lo em diversos contextos (Incikabi; Ayanoğlu; Uysal, 2020). Menino (2023) define que o resto pode assumir quatro papéis diferentes: (a) o resto não sendo a resposta ao problema, tem de ser considerado para responder corretamente; (b) para responder corretamente o resto não deve ser considerado; (c) o resto é a resposta ao problema; e, (d) não pode haver resto uma vez que a resposta inclui uma parte fracionária. O ensino e a aprendizagem da divisão deve incluir uma variedade de contextos e problemas para que os alunos possam explorar os diferentes significados da divisão, assim como os diferentes papéis do resto e, por consequência, construam uma compreensão mais sólida e completa da operação, sendo capazes de resolver problemas associados a diferentes contextos (Bağdat; Bağdat, 2023). É essencial que se aborde a utilização de diferentes estratégias para a resolução de problemas matemáticos como um ponto central da aprendizagem, especialmente no contexto de operações aritméticas como a divisão. Uma ação pedagógica que inclua metodologias ativas pode contribuir significativamente para a compreensão da divisão, pois a implementação de metodologias ativas implica a comparação e análise, a capacidade de avaliar, monitorizar e gerir procedimentos diversos de resolução dos problemas, que podem levar os alunos a reajustar as suas ideias iniciais (Bessa; Costa, 2019).
No âmbito das tarefas que envolvem a divisão, os alunos utilizam diferentes estratégias que muitas vezes se relacionam com as outras operações aritméticas (Ching; Wu, 2021). Para além disso, é recorrente que, numa fase inicial, recorram a materiais manipuláveis ou desenhos que os auxiliam na concretização da operação, facilitando a compreensão da divisão. O trabalho de Mendes (2012) sistematiza e amplia os contributos de outros estudos relativamente ao ensino e aprendizagem da multiplicação e divisão, apresentando um modelo teórico para a análise das estratégias utilizadas pelos alunos. O modelo de análise proposto por Mendes (2012) foi construído com base na evidência da investigação que mostra que, apesar das estratégias dos alunos poderem ser influenciados pelo contexto de ensino e aprendizagem, existe um conjunto de padrões nessas estratégias, sendo possível identificar categorias semelhantes, em diferentes estudos, apesar das denominações diferentes. O Quadro 1 sistematiza as quatro categorias de estratégias propostas por Mendes (2012), organizadas em catorze subcategorias de análise específica: contagem; aditivas; subtrativas e multiplicativas.
À medida que os alunos identificam e compreendem a relação entre a multiplicação e a divisão, as estratégias aditivas e subtrativas vão sendo substituídas por estratégias multiplicativas (Rocha; Rodrigues; Menino, 2007; Mendes, 2012; Bağdat; Bağdat, 2023). Assim, é essencial que os alunos tenham a oportunidade de explorar e discutir diversas estratégias, pois, a discussão em grupo sobre as diferentes abordagens para resolver problemas matemáticos não só fortalece a compreensão coletiva da turma, mas também permite aos alunos aperfeiçoar as suas próprias estratégias ao escutar o raciocínio dos colegas (Oliveira; Menezes; Canavarro, 2013). Desta forma os alunos compreendem que não há uma única forma de resolver problemas matemáticos, o que promove um ambiente de aprendizagem aberto e inclusivo, com o desenvolvimento de espírito crítico e reflexivo (Canavarro et al., 2021).
5 Aspectos metodológicos
O presente estudo centrou-se na análise das diferentes estratégias e representações matemáticas usadas por alunos do 3º ano na resolução de tarefas que envolvem a divisão. Assumiu características de estudo de caso, explorando uma situação em profundidade e no seu contexto natural. Adotou-se um paradigma interpretativo, numa abordagem essencialmente qualitativa, na medida em que a investigação se centrou na interpretação das experiências dos participantes e do modo como os sujeitos atribuíram significados às experiências vividas (Coutinho, 2018; Vilelas, 2009). Neste contexto, pretendeu-se compreender de que modo os participantes (alunos) resolveram os problemas propostos, analisando as diferentes estratégias e representações matemáticas a que recorreram.
O estudo foi desenvolvido numa turma de 3.º ano de um Centro Escolar da região centro de Portugal em 2023. A turma era composta por vinte e três alunos, treze do sexo feminino e dez do sexo masculino, com idades compreendidas entre os oito e os nove anos, encontrando-se, por isso, segundo a teoria do desenvolvimento de Piaget, no estádio das operações concretas, onde “a criança começa a organizar-se em estruturas de conjunto e o seu raciocínio torna-se reversível, flexível e consideravelmente mais complexo” (Tavares et al., 2007, p. 59).
A recolha de dados deu-se durante a implementação de uma sequência de três tarefas, através uma metodologia de ensino exploratório. A opção pelo ensino exploratório visou promover um ambiente de aprendizagem ativo, onde os alunos assumissem um papel central na construção do seu conhecimento, e, desta forma, a aplicação de cada tarefa foi marcada por três momentos distintos: apresentação da tarefa, trabalho autónomo dos alunos e discussão e síntese (Stein et al., 2008). Para a implementação das tarefas, a turma foi organizada em seis grupos, constituídos por três a quatro elementos, e as resoluções dos grupos foram realizadas numa folha A3.
As tarefas que compunham esta sequência inseriam-se no tema Números, tópico Operações e subtópico Significados e usos das operações, visando que os alunos decidissem sobre a estratégia mais adequada para produzir o resultado de uma operação e explicassem as suas ideias. Cumpre ressalvar que os alunos já tinham trabalhado a divisão associada à multiplicação, com a interpretação e modelação de situações problemáticas. Com esta sequência de tarefas pretendeu-se também promover quatro capacidades matemáticas: resolução de problemas, representações matemáticas, comunicação matemática e raciocínio.
Tendo em conta os objetivos definidos para o estudo, selecionaram-se como técnicas de recolha de dados a observação participante e a análise documental, a partir da recolha das produções dos alunos e das gravações de áudio e de fotografia de momentos chave da implementação das tarefas, para compreender o raciocínio dos participantes. Após a recolha dos dados, procedeu-se à análise das produções dos alunos (resoluções de tarefas, registo áudio e registo fotográfico) cruzando os dados recolhidos com as observações registadas em sala de aula.
6 Resultados
6.1 Análise das resoluções da tarefa 1
A tarefa 1 era constituída por duas questões. A primeira tinha como objetivo que os alunos dessem sentido à divisão como medida, descobrindo o número de oleões que era possível encher, tendo em conta que sabiam a quantidade de óleo recolhida (350 litros) e a capacidade de cada oleão (15 litros). Já a segunda questão procurava perceber se os alunos compreendiam o que significava o resto no contexto do problema, visto que lhes era pedido que determinassem a quantidade de óleo restante.
O grupo 1 recorreu, inicialmente, a adições sucessivas. No entanto, reconheceu que não fazia sentido adicionar continuamente até obter a resposta e, ao chegarem a um número que lhes pareceu fácil adicionar, registaram que 10 oleões comportariam 150 litros, logo 20 oleões comportariam 300 litros, revelando compreender a noção de dobro e sua aplicabilidade no contexto do problema. Como se pretendia distribuir 350 litros, os alunos, a partir dos 300 litros, voltaram a adicionar e notaram que ao fim de adicionar quatro vezes 15 obtinham um resultado superior a 350. Registaram como resposta 23 oleões e escreveram que sobrariam 5 litros, dando uma resposta imediata à segunda questão da tarefa.
Os grupos 2 e 3 recorreram a subtrações sucessivas, até não conseguirem subtrair mais, isto é, até encontrarem um resultado inferior ao subtrativo (15). Assim, como fizeram 23 subtrações sucessivas, responderam que ficariam cheios 23 oleões.
O grupo 4 efetuou adições sucessivas, de 15 em 15. Com recurso a um esquema, foram agrupando somas (30 e 60) até concluírem que poderiam efetuar 23 somas de 15 para perfazer 350, não parecendo dar significado ao resto (Figura 3). O grupo 6 usou uma estratégia semelhante, recorrendo a adições sucessivas de forma esquemática, agrupando inicialmente dois oleões de 15 litros, o que significava que dois oleões armazenariam 30 litros, e mantendo este raciocínio determinaram que 20 oleões comportariam 300 litros. Posteriormente, indicam que 15+15+15=45, o que corresponde a 3 oleões, determinando serem necessários 23 oleões e que sobrariam 5 litros (Figura 4).
O grupo 5 desenhou dois oleões grandes, cada um equivalente a 10 oleões, ou seja, 150 litros. De seguida, registou que com os oleões pequenos, onde cabem apenas 15 litros, 3 ficarão cheios e 1 deles comportará apenas 5 litros (Figura 5).
Na realização desta tarefa os alunos demonstraram uma clara preferência por procedimentos aditivos ou procedimentos subtrativos como estratégia para resolução do problema proposto, que tinha por base a operação da divisão no sentido de medida. Um grupo recorreu a múltiplos conhecidos do divisor (procedimentos multiplicativos). Aliadas a estas estratégias, usaram maioritariamente representações simbólicas, sendo que alguns grupos combinam representações simbólicas com representações icónicas e verbais. As representações icónicas usadas pelos grupos permitiram-lhes visualizar de forma esquemática o número de oleões necessários. Além disso, auxiliaram-nos no raciocínio de agrupamento dos litros de óleo, permitindo que atribuíssem significado ao enunciado e estabelecessem relações matemáticas entre o número total de litros e o número de litros que cada oleão comportava.
6.2 Análise das resoluções da tarefa 2
A tarefa 2 era constituída por três questões. Na primeira questão, pretendia-se que os alunos determinassem quantos garrafões de 20 litros seriam precisos para enviar para reciclagem o óleo usado na escola em 4 meses, sabendo que em cada mês eram usados 24 litros de óleo. Nesta situação, os alunos teriam que ter em conta o resto, embora este não fosse a resposta ao problema. Na segunda questão pretendia-se a interpretação do significado do termo um quarto, ao fornecer a informação de que apenas a quarta parte do óleo reciclado é transformado em biocombustível. Era questionado quantos meses seriam necessários para produzir 60 litros de biocombustível, o que implicava também o sentido de medida. Por fim, na terceira questão, pedia-se uma ampliação do pedido na alínea anterior, para 150 litros de biocombustível.
O grupo 1 explicou oralmente a sua estratégia para a resolução da primeira questão:
Todos os meses eles enchiam um garrafão de 20 litros e iam guardando sempre os outros 4 litros que sobravam noutro garrafão, assim encheram 4 garrafões mais 1 que ficou pouco cheio (registo áudio dos autores, 2023).
Na segunda questão reconheceram que a quarta parte de 24 litros eram 6 litros e recorrem a adições sucessivas até atingirem os 60 litros pretendidos (Figura 6). Na terceira questão consideraram que, se em 10 meses se produzem 60 litros de biocombustível, então se produzirem 60 litros três vezes serão capazes de produzir 180 litros, concluindo que precisavam de 30 meses. No entanto, referiram ter excesso uma vez que só pretendiam 150 litros:
Se em 10 meses produzimos 60 litros, em metade do tempo produzimos metade do biocombustível, e assim em 5 meses produzem-se 30 litros que é o que temos a mais, portanto só temos de subtrair 5 meses aos 30 meses (registo áudio dos autores, 2023).
O grupo 2 usou adições sucessivas para a resposta à primeira questão. Já na segunda questão explicaram que
Fomos descobrir quantos litros se aproveitavam em cada mês (6) e depois dividimos o número de litros (60) pela quantidade em cada mês (registo áudio dos autores, 2023).
Ou seja, descobriram o sentido de medida da divisão. Na terceira questão, também usaram uma estratégia de proporcionalidade:
Se em 10 meses produzem 60 litros então em 20 meses produzem 120 litros. Como em 10 meses produzem 60 litros em 5, que é metade, produzem 30 litros, e 120 + 30 =150 litros. Então como 10 + 10 + 5 = 25 meses, 12 meses é um ano, e sobram 13 meses que é um ano e um mês (registo áudio dos autores, 2023).
O grupo 3, na primeira questão, explicou que
96 a dividir por 20 que deu 4 garrafões e 1 garrafão meio (10 litros) e mais 6 litros (registo áudio dos autores, 2023).
Na segunda questão descobriram qual é a quarta parte de 24 e como sabiam de antemão que 6x10=60, indicaram que seriam 10 meses (Figura 7). Já na segunda questão, através de subtrações sucessivas, explicaram que
Nós já sabíamos que 60 litros eram 10 meses, e 150 litros menos 60 litros eram 90, e 90 menos 60 litros (10 meses) é igual a 30 litros, e como 30 litros demoram 5 meses a ser produzidos, são 25 meses que são 2 anos e 1 mês (registo áudio dos autores, 2023).
O grupo 4, na primeira questão, representou diversas formas de obter o resultado 96, no entanto, não respondeu à questão colocada. Durante a discussão, em grande grupo, conseguiram identificar o erro, compreendendo não ter dado resposta à pergunta, e quando confrontados sobre qual seria a solução, responderam:
Precisávamos de 4… Não, precisávamos de 5. Porque este garrafão levava 16 litros, só não o íamos encher ao máximo, mas eram 5 porque 4 não ia dar para guardar tudo! (registo áudio dos autores, 2023).
Na segunda questão utilizaram adições sucessivas e explicaram que
Uma quarta parte é um quarto, e um quarto é uma parte de quatro partes iguais. Assim, em cada mês utilizam 6 litros. Depois nós somamos 6 até chegar aos 60 litros, e depois chegámos à conclusão de que eram 10 meses porque somamos o número 6, 10 vezes (registo áudio dos autores, 2023).
Na terceira questão compreenderam que 12 meses não seria suficiente e perceberam que se em 12 meses eram produzidos 72 litros, em 24 meses eram produzidos 144 litros, explicando que:
Mas ainda precisávamos de mais e estamos no 144, para o 150 faltam 6, para produzir 6 litros demoramos 1 mês, então 2 anos e 1 mês (registo áudio dos autores, 2023).
Os grupos 5 e 6, na primeira questão, também usaram adições sucessivas. O grupo 5, na segunda questão, determinou corretamente que um quarto de 24 era 6, recorrendo ao conhecimento da tabuada do 4, e depois usaram a divisão para explicar a solução do problema (Figura 8). Na terceira questão, com os dados da questão anterior, determinaram que se em 10 meses se produzem 60 litros, logo em 20 se produzem 120 litros, e perceberam que em 5 meses se produz metade do que se produz em 10 meses. O grupo 6 para a segunda questão representou, através de representações icónicas, cada litro de óleo numa bolinha e distribuíram em caixas, alcançando 6 em cada caixa, e definindo que 6 é a quarta parte de 24 (Figura 9). A partir daqui surgiu a dificuldade de interpretar o significado deste quociente no contexto do problema. Com algum apoio da professora conseguiram concluir que num mês a escola contribuía para 6 litros de biocombustível. Na terceira questão, sabendo que por mês se produziam 6 litros, definiram que num ano se produziam 72 litros, logo em dois anos se produziam 144 litros. Depois pensaram que a diferença entre 150 e 144 é de 6 litros, e respondem acertadamente que seriam necessários 2 anos e 1 mês.
A tarefa 2 ficou, assim, marcada pela clara preferência por parte dos alunos por representações simbólicas.
6.3 Análise das resoluções da tarefa 3
A tarefa 3 simulava uma situação do quotidiano, a preparação de uma festa de aniversário, e era constituída por três questões. Na primeira questão era perguntado quantas sobremesas se poderiam fazer com 40 ovos, sabendo que cada sobremesa levava 6 ovos. Era abordado o sentido de medida da divisão e o resto não tinha significado para dar resposta à questão. Na segunda questão, uma menina precisava de arrumar 26 pulseiras igualmente em 4 caixas e perguntava-se quantas pulseiras ficariam por arrumar. Nesta situação era privilegiado o sentido de partilha da divisão e onde o resto era a resposta ao problema. Na terceira questão pretendia-se dividir 9 pizzas por 5 amigos, pressupondo-se o sentido de partilha e sem a possibilidade de haver resto.
O grupo 1, na primeira questão, recorreu à tabuada para encontrar o múltiplo de 6 mais próximo de 40, selecionando o 36 uma vez que o múltiplo seguinte era superior a 40, e determinaram que não teriam ovos para um sétimo bolo. Na segunda questão, representaram as 26 pulseiras e distribuíram-nas, uma a uma, pelas 4 caixas(Figura 10), explicando
Desenha-se 26 pulseiras, e liga-se às 4 caixas, e divides tudo uma a uma (registo áudio dos autores, 2023).
Na terceira questão, só consideraram 1 pizza, dividindo a mesma em 5 fatias, representadas por um quinto e, não considerando que seriam 9 pizzas acabaram por não conseguir responder corretamente.
O grupo 2, na primeira questão, usou adições sucessivas até chegar ao múltiplo de 6 imediatamente antes do 40 (Figura 11). Na segunda questão demonstraram compreender que sobravam 2 pulseiras, recorrendo à tabuada do 6. Na terceira questão, representaram 9 pizzas e dividiram cada uma em 5 fatias, dando 4 fatias a cada convidado, concluíram acertadamente que cada convidado comerá 9/5, sendo capazes de referir que essa quantidade corresponde a uma pizza mais quatro quintos.
O grupo 3 recorreu a representações simbólicas e a subtrações sucessivas, e explicaram o seu raciocínio
Se fossem 5 ovos, já sabíamos, era 8 porque na tabuada do 8, 5x8=40, mas na do 6 não dá 40. Vamos fazer sempre contas de menos até não dar para tirar mais (registo áudio dos autores, 2023).
Na segunda questão distribuíram as pulseiras pelas caixas, representando uma pulseira de cada vez em cada caixa, até distribuírem as 26 pulseiras. Como o enunciado referia que cada caixa devia conter o mesmo número de pulseiras e duas das caixas tinham uma pulseira a mais, eliminaram-nas, concluindo que sobrariam 2 pulseiras, uma de cada caixa. Na terceira questão, representaram 9 pizzas que dividiram em 5 fatias, e dando fatias a cada convidado concluíram, acertadamente, que cada convidado comeria 1 pizza mais quatro quintos.
Na primeira questão, os alunos do grupo 4 desenharam 40 ovos e depois foram rodeando grupos de 6 ovos (Figura 12). Na segunda questão, representaram as 4 caixas e as 26 pulseiras e distribuíram-nas, concluindo acertadamente que ficavam 2 pulseiras por arrumar. Na terceira questão, representaram 9 pizzas e dividiram-nas em 8 fatias iguais, totalizando corretamente 72 fatias que dividiram por 5 amigos. Com recurso a produtos conhecidos referem ser igual a 14 (5x14=70) não considerando o resto, algo que neste contexto tinha de ser verificado, e por isso respondendo de forma incorreta.
O grupo 5, na primeira questão, recorreu à tabuada e, numa estratégia de tentativa e erro, reconheceram que como 42 é maior que 40 só era possível fazer 6 sobremesas. Na segunda questão compreenderam que o múltiplo de 4 mais próximo é o 24 e concluíram que cada caixa comporta 6 pulseiras e sobram 2 (26-24=2). Na terceira questão, representaram 9 pizzas, 5 das quais atribuíram cada uma a 1 convidado. As restantes dividiram em 5 fatias, dando 4 fatias a cada convidado e concluindo que cada convidado comeria 1 pizza mais quatro quintos de uma pizza.
No grupo 6, na primeira questão, os alunos distribuíram os ovos em grupos de 6, conseguindo completar 6 grupos de 6 e deixando um grupo com apenas 4 ovos. Desta forma concluíram que só poderiam ser feitas 6 sobremesas. Na segunda questão, representaram 4 caixas pelas quais distribuíram as pulseiras, representando uma pulseira de cada vez em cada caixa até distribuírem as 24, referindo que ficariam por arrumar 2 pulseiras. Na terceira questão, representaram 9 pizzas divididas em 5 fatias, e apesar de concluírem acertadamente que cada convidado comeria 9 fatias, indicaram de forma errada que 9:5=9, revelando não compreender o conceito associado ao quociente.
Nesta última tarefa, os alunos evidenciaram uma clara preferência por representações icónicas, utilizando desenhos e esquemas que lhes permitiram abordar a situação problemática de uma forma mais concreta e visual, também justificado pelo contexto apresentado e pela familiaridade dos números.
6.4 Síntese das estratégias e representações utilizadas nas 3 tarefas
O Quadro 2 apresenta uma síntese das estratégias usadas pelos grupos de alunos na resolução das tarefas, de acordo com a categorização de Mendes (2012), bem como as representações usadas para apoiar os seus raciocínios. Quanto às estratégias mais utilizadas pelos alunos, é visível que os alunos demonstram, em várias tarefas, a preferência por procedimentos aditivos, ainda que seja notória uma grande diversidade de procedimentos utilizados pelos alunos. Tal como no estudo de Mendes (2012), embora os alunos utilizem expressões e relações multiplicativas, manifestam bastante confiança no uso de adições por ser uma operação com a qual têm um elevado grau de familiaridade.
Na análise das diferentes representações matemáticas dos alunos na resolução das tarefas propostas, verificou-se que os alunos diversificaram as suas representações, sendo visível que nas tarefas 1 e 2 existiu uma preferência por representações simbólicas, usadas exclusivamente ou em conjunto com representações icónicas. Na tarefa 3, destaca-se o aumento do número de grupos que recorreram a representações icónicas, o que pode estar ligado ao contexto da tarefa e à grandeza dos números, que facilitava a utilização de desenhos por parte dos alunos. Não é possível afirmar que os alunos tenham evoluído ao nível das representações, considerando-se que foram obtidos resultados semelhantes aos do estudo de Araújo (2014, p. 72), que concluiu a este propósito que “parece que as representações utilizadas (…) estão relacionadas com a forma individual de compreensão do enunciado, bem como com a familiaridade que cada um tem com os números envolvidos e não apenas com as características matemáticas dos problemas”.
7 Conclusões
Neste estudo, os alunos demonstraram a preferência por procedimentos aditivos, embora tenha sido visível uma grande diversidade de procedimentos, incluindo os subtrativos e os multiplicativos. Tal como referem Torbeyns et al. (2009), os alunos tendem, espontaneamente, a utilizar um leque de procedimentos variados quando são encorajados a utilizar as estratégias que mais lhe convierem. É importante referir que no âmbito desta diversidade, o uso de estratégias aditivas e subtrativas, consideradas menos sofisticadas (Mendes, 2012; Bağdat; Bağdat, 2023), não impediu a generalidade dos grupos de apresentar soluções corretas e que respondem aos problemas colocados, revelando o sentido de número dos alunos (Fosnot; Dolk, 2001; Ching; Wu, 2021; Menino, 2023). Esta diversidade parece não ter sido só alentada pelas tarefas propostas (contextos e números) mas, também, pelo ambiente colaborativo construído em sala de aula, em que os alunos eram estimulados a partilhar os seus raciocínios, as suas resoluções e as representações que decidiam utilizar, debatendo-as com os colegas, tal como defendido por Mukhlis et al. (2024).
Adicionalmente, embora neste estudo tenham sido usadas tarefas com problemas de divisão envolvendo diferentes sentidos, não é possível afirmar que tenha sido visível uma relação entre os procedimentos usados pelos alunos e os sentidos da divisão, por medida ou por partilha, uma vez que esta diversidade de estratégias foi visível quer nos problemas com o sentido de medida, quer nos problemas com o sentido de partilha, o que é coenrente com o defendido por Ambrose, Baek e Carpenter (2003). Este estudo reforça a importância de respeitar, nas práticas letivas, esta diversidade (Mendes, 2012), dando tempo aos alunos para que, à medida que vão realizando tarefas de divisão, possam progredir, ao seu ritmo, na compreensão da divisão e da sua relação com as outras operações, dando sentido ao seu trabalho matemático.
Relativamente ao tipo de representações utilizadas, verificou-se que, tal como no estudo de Pinto e Canavarro (2012), os alunos diversificaram as suas representações, usando representações simbólicas e icónicas, com predomínio das primeiras. Este resultado pode ser explicado pelo facto de os alunos já terem trabalhado a multiplicação através da interpretação e modelação de situações problemáticas, em contextos significativos, em que foi também valorizado o uso de linguagem simbólica. É importante destacar que, muitas das vezes, os grupos utilizaram desenhos para darem significado aos conceitos e ideias matemáticas subjacentes (Pinto; Canavarro, 2012; Menino, 2023).
Para estudos futuros recomenda-se que, com a mesma tipologia de tarefas, mas com números sucessivamente maiores, se procure compreender se a familiaridade com os números e com as operações influencia as representações e os procedimentos selecionados. Para além disso, poderá ser relevante investir na compreensão da forma como o trabalho colaborativo potencia a resolução de problemas de divisão.
Agradecimentos
Estudo apoiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia (ID = 50110000187), no âmbito do projeto UIDB/04106/2025 CIDMA - Centro de Investigação e Desenvolvimento em Matemática e Aplicações, e no âmbito do projeto UIDB/05507/2020 através do Ci&DEI - Centro de Estudos em Educação e Inovação.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
19 Dez 2024 -
Aceito
23 Abr 2025














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