Resumo
Este texto apresenta parte dos resultados de nossa pesquisa de doutorado em andamento. Objetiva identificar as razões de ser do saber área de superfícies planas, proposto na BNCC para o ensino fundamental, assim como candidatos a tipos de tarefas e o sistema de variáveis a eles associado presentes nas habilidades prescritas. A partir de um procedimento técnico do tipo documental, recorremos à contribuição teórica-metodológica da Teoria Antropológica do Didático, em especial, às abordagens ecológica e praxeológica, atendo-nos à noção de gerador de tipo de tarefas proposta por Chaachoua e Bessot para detalhamento dos tipos de tarefas repertoriados. As análises evidenciaram o saber em dois habitats principais: Grandezas e Medidas e Geometria, cujas razões de ser estão ancoradas nos usos sociais, na articulação com outros objetos da matemática e nas conexões com outras áreas do conhecimento. Verificamos que o saber se estrutura em torno de cinco diferentes tipos de tarefas, dos quais se destaca aquele cuja ênfase está nos aspectos numéricos e algébricos. Isso revela a necessidade da retomada de tarefas que ajudem o estudante na articulação e distinção dos diferentes objetos que entram em cena na abordagem da grandeza área no ensino fundamental, seja pelo professor ou livro didático.
Palavras-chave
Área de superfícies planas; BNCC; Teoria Antropológica do Didático
Abstract
This text presents part of the results of our ongoing doctoral research. Aims to identify the reasons for being of the knowledge on the area of flat surfaces proposed at BNCC for elementary school, as well as candidates for types of tasks and the system of variables associated with them, present in the prescribed skills. From a technical procedure of the documentary type, we used the theoretical-methodological contribution of the Anthropological Theory of Didactics, in particular the ecological and praxeological approaches, sticking to the notion of task type generator proposed by Chaachoua and Bessot to detail the types of scheduled tasks. The analyses highlighted knowledge in two main habitats: Quantities and Measures and Geometry, whose reasons for being are anchored in social uses, in articulation with other objects of mathematics, and connections with other areas of knowledge. It was found that knowledge is structured around five different types of tasks, of which the one whose emphasis is on numerical and algebraic aspects stands out. This reveals the need to resume tasks that help the student in articulating and distinguishing the different objects that come into play when approaching the area in elementary school, whether by the teacher or the textbook.
Keywords
Area of flat surfaces; BNCC; Anthropological Theory of Didactics
1 Introdução
O saber área de superfícies planas, devido ao seu caráter prático utilitário, está presente nas mais diversas práticas sociais, inclusive, nos diversos âmbitos da atuação profissional. O uso da noção do saber área alcança diferentes aspectos. Exemplos práticos desse uso estão no fato de o pedreiro estimar o quanto de cerâmica será necessário para cobrir o piso de uma casa; a costureira estimar a quantidade de tecido necessária para fazer uma blusa, e o pintor estimar a área de uma parede para calcular a quantidade de tinta necessária para pintá-la.
No decorrer da escolaridade os estudantes deparam-se com situações as quais demandam o estudo e a aplicação de conhecimentos relativos à área, seja diante do estudo das frações como indicador da relação parte-todo mediante a representação geométrica, no domínio dos números; seja diante do estudo dos produtos notáveis, no domínio da álgebra, cuja área é levada em consideração para expressar as suas regras; seja diante do estudo de semelhança de figuras, em que se observa entre outros aspectos, a relação entre as áreas de figuras semelhantes, no domínio da geometria; ou ainda, diante da leitura, interpretação e produção de gráficos que se apoiam, muitas vezes, na área de figuras, no domínio da estatística.
Ademais, é possível estabelecer conexões com outros componentes curriculares, como acontece com a Geografia, ao estudar densidade demográfica; com a Física, ao estudar a função horária da posição de um objeto em movimento uniformemente variado; com a Química no estudo dos gases quando da discussão do conceito de pressão, entre outras.
Considerando a relevância desse saber para a formação do estudante apontada nos parágrafos anteriores, defendemos que sua abordagem precisa ser realizada de maneira sólida para que possa assumir tais funções. Nesse sentido, várias pesquisas, a exemplo de Douady e Perrin-Glorian (1989), Baltar (1996), Bellemain (2000), Bellemain, Bronner e Larguier (2017), Santos (2015), Ferreira (2010, 2018), Araújo (2018), Moura (2019), entre outras, sinalizam que a consideração do saber área enquanto grandeza contribui para os estudantes estabelecerem as relações necessárias entre as superfícies (objeto da geometria) e os números utilizados para designar a medida da área dessas superfícies (objeto dos números). Essa consideração coloca a necessidade de distinção e articulação de três objetos: a área, o número usado para indicar sua medida e a superfície.
A distinção dos objetos implica no entendimento do que é cada um: área, um atributo associado ao objeto geométrico superfície, passível de medição e comparação; a medida de área – um número fruto de um processo de medição realizado a partir da comparação entre o atributo e a unidade de medida escolhida; e a superfície, um objeto geométrico delimitado por uma figura (Douady; Perrin-Glorian, 1989).
A articulação decorre de um movimento capaz de estabelecer relações entre os objetos superfície, número e área, afinal, quando lidamos com a medição da área, recorremos aos conhecimentos geométricos (reconhecimento do objeto superfície ao qual está associado o atributo a ser medido, a área), ao das grandezas (escolha adequada da unidade de medida de área), e dos números (indicação das medidas obtidas pelo processo de medição).
Em relação aos documentos curriculares, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), atualmente, é um documento normativo “que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento” (Brasil, 2018, p.7). Esse documento, produto de um processo transpositivo, que indica o mínimo que deve ser ensinado na escola, constitui-se como ponto de apoio à construção dos currículos escolares dos estados, municípios e distrito federal brasileiros.
Considerando o status ao qual esse documento apresenta para a escolarização, urge a necessidade de estudos sobre sua proposta. Nesse sentido, surge a presente pesquisa que traz resultados da tese de doutorado em andamento do primeiro autor sob a orientação da segunda autora, com o objetivo de identificar as razões de ser do saber área de superfícies planas proposto na BNCC, assim como, candidatos a tipos de tarefas presentes nas habilidades prescritas e o sistema de variáveis a eles associado.
Para esse empreendimento, lançamos mão das contribuições da Teoria Antropológica do Didático, desenvolvida por Yves Chevallard (1999) e colaboradores, a qual considera o saber matemático como sendo fruto da atividade humana institucional. Assim, em conformidade com o que preconiza essa teoria, um movimento a ser realizado quando se pretende lançar o olhar sobre um saber em uma instituição consiste em observar o que existe ou não em relação a ele, quais razões e condições de existência e inexistência estão presentes, assim como o que poderia existir e sob quais condições, e não menos importante, deve-se questionar os objetos que são forçados a viver e, ao contrário, são impedidos e sob quais condições. No caso deste trabalho, consiste em lançar esses questionamentos sobre o que está prescrito para a abordagem da área de superfícies planas na BNCC.
O lugar que a BNCC ocupa neste trabalho não é o de instituição tal como institui Chevallard (1999), mas sim como um produto institucional capaz de dar visibilidade às práticas matemáticas esperadas pelo ensino fundamental brasileiro tomado como a instituição em foco.
Na perspectiva da TAD, todo saber é passível de estruturação a partir da noção de praxeologia, ou seja, mediante a identificação de tipo de tarefas usados para seu estudo, das técnicas utilizadas para o cumprimento das tarefas, assim como dos argumentos que justificam, fundamentam e explicitam o fazer de tal forma, coerente do ponto de vista da comunidade de estudo. Neste texto, em particular, recorremos à estruturação da abordagem praxeológica para a identificação dos tipos de tarefas apoiando-se na noção de gerador de tipo de tarefas propostas por Chaachoua e Bessot (2019) para seus detalhamentos. Além disso, buscamos identificar as razões de ser do saber área de superfícies planas proposto na BNCC.
Do ponto de vista da TAD, uma praxeologia é uma ferramenta teórico-metodológica que permite descrever as formas de agir e pensar de uma instituição. Já, o gerador de tipo de tarefas constitui-se como uma máquina de gerar tipos de tarefas mediante a incorporação de um sistema de variáveis e valores a eles associado. Na seção que segue, aprofundamos esses pressupostos teóricos que são considerados no empreendimento desta pesquisa.
2 A abordagem praxeológica na perspectiva do T4TEL
O T4TEL é um quadro desenvolvido a partir dos pressupostos da Teoria Antropológica do Didático que representa uma formalização da abordagem praxeológica. Ele integra o emprego do quarteto praxeológico (T4: tipo de tarefas, técnica, tecnologia e teoria) à Aprendizagem Aprimorada pela Tecnologia (TEL: Technology Enhanced Learning). Além disso, ele também incorpora duas extensões: a praxeologia pessoal (Crosset; Chaachoua, 2016) e a noção de variável (Chaachoua; Bessot, 2019), a qual, entre suas funções, estrutura e formaliza o tipo de tarefas.
Segundo Chaachoua (2022), o que um pesquisador observa em uma instituição são as tarefas, entendidas como objetos bem definidos em uma disciplina ou domínio de estudo. Geralmente, em uma instituição, para certo objeto, é possível encontrar diferentes tarefas que apresentam características comuns e podem ser tratadas, dentro do ambiente institucional, como pertencentes a um mesmo tipo. Quais elementos devem ser considerados para reunir diferentes tarefas em um mesmo tipo?
Um tipo de tarefas é estruturado por um verbo de ação, que constitui o seu gênero, seguido de um complemento. Para Chaachoua (2022), associar as tarefas a partir do gênero não se mostrou suficiente para definir um tipo de tarefas, assim, o autor supracitado coloca que é necessário “discriminá-los em relação aos objetos comuns sobre a ação e em relação aos meios comuns de realizar as tarefas” (Chaachoua, 2020, p. 30), nesse sentido, instaura-se uma dialética entre tipo de tarefas e técnicas tratada no T4TEL.
Na perspectiva do T4TEL, um tipo de tarefa T é um exemplo de tarefa que atende às seguintes condições:
1. Toda tarefa é descrita por um verbo de ação e seus complementos fixos tomados dos objetos de uma disciplina;
2. Existe uma técnica (τ) que realiza pelo menos uma tarefa de T;
3. Se (τ) é uma técnica que executa uma tarefa t de T, então o escopo da técnica, denotado por P (τ) é um subconjunto de T, ou T é um subconjunto de P (τ). (Chaachoua; Bessot, 2019, p. 237).
Para os autores, a condição 3 permite introduzir uma relação entre os tipos de tarefas T e T’, de modo que T é mais genérico que T’ e, consequentemente, T’ é mais específico que T. Nessa direção, TDA: Determinar a área de uma superfície plana constitui-se um tipo de tarefas mais genérico que TDA’: Determinar a área de uma superfície plana desenhada em malha. Portanto, a relação entre esses tipos de tarefas, leva-nos a considerar que T’ constitui um subconjunto de tarefas do tipo T.
Na perspectiva do T4TEL, um subtipo de tarefas é munido dos seguintes aspectos: (a) T’ é subconjunto de T; b) T’ é um tipo de tarefas (Chaachoua; Bessot, 2019).
Na estruturação do tipo de tarefas pelo T4TEL, o verbo de ação caracteriza seu gênero, por exemplo, determinar, produzir, comparar, já o complemento pode ser definido por diferentes níveis de granularidades1 que vão do mais específico ao mais genérico, ou reciprocamente, do mais genérico ao mais específico. Por exemplo, os tipos de tarefas TPS: Produzir superfícies planas de mesma área, TPS’: Produzir superfícies poligonais de mesma área e, TPS’’: Produzir superfícies retangulares de mesma área, representam respectivamente três tipos de tarefas cuja granularidade vai do mais genérico ao mais específico.
O complemento superfícies de mesma área presente em TPS representa um nível de granularidade mais genérico por incluir as superfícies delimitadas por linhas curvas e as poligonais – aspectos que representam a granularidade do tipo de tarefas TPS’ e, que inclui os retângulos, os quais definem o nível de granularidade do TPS’’–.
O exemplo declarado no parágrafo anterior associado ao gênero de tarefas produzir revela que o tipo de superfícies constitui uma variável que permite perpassar por vários níveis de granularidade. Em busca de repostas para a relação entre o específico e o genérico na organização dos tipos de tarefas, Chaachoua e Bessot (2019) apoiam-se sobre o escopo das técnicas enquanto alternativa para organizar e estruturar as praxeologias de uma disciplina ou de seu domínio. Dessa forma, os autores postulam:
Sendo T um tipo de tarefas e τ uma técnica de T cujo escopo é P (τ). Uma análise do saber permite situar P (τ) em relação à T:
- Se T está incluído em P (τ), então pode existir um tipo de tarefas T’ mais genérico que T para o qual τ é uma técnica.
- Se P (τ) está incluído em T, então pode existir um tipo de tarefas T” mais específico que T para o qual τ é uma técnica (Chaachoua; Bessot, 2019, p. 238).
Levando em consideração as relações entre tipo de tarefas T, técnica (τ) e escopo da técnica P (τ) tornando-as calculáveis, os autores introduzem a noção de gerador de tipo de tarefas (GT).
O GT é um dispositivo didático do qual o pesquisador pode lançar mão para a construção de tipos de tarefas levando em consideração um sistema de variáveis responsável em designar uma lista de variáveis e os valores que cada uma delas podem assumir nesse sistema.
Segundo Chaachoua (2020), esse dispositivo permite gerar tipos de tarefas obedecendo uma estruturação hierárquica de modo que a instanciação das variáveis determina o nível dos tipos de tarefas. A estruturação colocada inicialmente por Bosch e Chevallard (1999), para o tipo de tarefas - verbo mais complemento fixo - não apresenta instanciação, portanto, constitui-se o nível mais genérico do tipo de tarefas. À medida que são adicionadas instanciações geram-se tipos de tarefas mais específicos. Nesse sentido,
Nós definimos um gerador de tipos de tarefas por: GT= [verbo de ação, complemento fixo; sistema de variáveis] em que o par (verbo de ação, complemento fixo) é um tipo de tarefas (...) e o sistema de variáveis designa uma lista de variáveis com os valores que podem assumir (Chaachoua, 2020, p. 107).
O esquema a seguir (Figura 1) ilustra os elementos constituintes do gerador de tipo de tarefas e suas respectivas funções.
Podemos assim, ao tipo de tarefas TDA- Determinar a área de uma superfície plana, associar um gerador de tipo de tarefas GTDA= [Determinar a área de uma superfície plana; V1, V2, V3], em que o sistema de variáveis é constituído de três variáveis, a saber, V1: é o ambiente em que a superfície está posta – papel banco, malha quadriculada, tecnológico; V2: tipo de superfície – poligonal ou de contorno arredondado; V2: natureza da unidade de medida – convencional ou não convencional.
Neste texto, em particular, esse dispositivo didático foi utilizado para o detalhamento dos tipos de tarefas identificados a partir das leituras das habilidades preconizadas na BNCC.
3 A problemática ecológica proposta pela TAD
A problemática ecológica proposta pela TAD alarga o campo de análise e permite abordar as condições e restrições2 criadas entre os diferentes objetos do saber a ensinar (Bosch; Chevallard, 1999). Ela ajuda a questionar as condições de vida dos objetos de saberes nas instituições, no caso desta pesquisa, a área de superfícies planas preconizadas na BNCC. Assim, o olhar para o nosso objeto de estudo à luz dessa problemática, significa, em primeira instância, observar o que existe ou não em relação a ele, quais razões e condições de existência e inexistência estão presentes, assim como o que poderia existir e sobre quais condições. Deve-se questionar também os objetos que são forçados a viver e, ao contrário, são impedidos e sob quais condições.
Chaachoua e Comiti (2010) postulam que a análise ecológica de um objeto de saber se organiza em torno de duas noções: habitat e nicho. Para eles, o habitat designa os lugares de vida e o ambiente conceitual do objeto do saber, já o nicho, designa a função desse objeto no sistema de objetos com os quais ele interage. Neste estudo, lançamos mão dessas noções para obtermos respostas às razões de ser do saber área de superfícies planas preconizado na BNCC.
4 Elementos a serem integrados na abordagem do saber área de superfícies planas no ensino fundamental brasileiro
A consideração da área enquanto objeto das grandezas geométricas decorre das discussões tecidas nas pesquisas em didática e, com o tempo, foi incorporada nas propostas curriculares de vários países, inclusive no Brasil. Essa consideração traz para a discussão a necessidade de distinguir e articular objetos pertencentes aos três domínios (geometria, números e grandezas).
O trabalho pioneiro do qual repercutiu essa discussão foi o de Douady e Perrin-Glorian (1989) em que foi desenvolvida uma engenharia didática na perspectiva do jogo de quadros3 para a consideração da área enquanto grandeza. Nesse trabalho, as autoras partiram da hipótese que o tratamento da área enquanto grandeza contribui para os estudantes estabelecerem as relações entre os quadros geométrico e numérico. Assim, estabelecer as relações necessárias, significa distinguir e articular os objetos que constituem cada quadro como também aqueles que permitem fazer a passagem de um quadro a outro. Bellemain e Lima (2002), elaboraram um esquema conceitual no qual apresenta esses objetos, como apresentado a seguir (Figura 2).
Esse esquema evidencia alguns dos principais objetos que estão em jogo no tratamento do saber área, são eles:
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· As superfícies planas são os objetos que constituem o quadro geométrico. Chamamos de superfície plana a uma porção do plano limitada por uma linha poligonal ou por contornos arredondados. Entretanto, utilizamos essa palavra, frequentemente, para designar elementos de objetos concretos, por exemplo, a superfície de uma mesa, que é distinto da referência aos objetos abstratos (triângulo, quadrado, círculo, etc.) que lidamos na matemática.
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· As áreas são os objetos do quadro das grandezas - trata-se de um atributo associado à superfície, invariante para algumas operações, que se relaciona com outras grandezas geométricas: comprimento, volume e abertura de ângulos e que pode ser medido e comparado.
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· As medidas são designadas pelos números reais não negativos, portanto, designam os objetos que pertencem ao quadro numérico. Elas resultam da comparação entre a superfície unitária tomada como unidade de medida e a superfície da qual se deseja fazer a medição da área.
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· A relação de equivalência é o objeto que permite fazer a passagem do quadro geométrico para o das grandezas. No caso da área, a relação de equivalência corresponde a “ter mesma área”. Portanto, esse objeto permite associar diferentes superfícies a uma mesma área.
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· A Unidade de medida de área é o objeto que permite a passagem do quadro das grandezas ao numérico. A escolha da unidade de medida determina a medida da área. Assim, ao escolher diferentes unidades de medidas para determinar a área de uma mesma superfície, obtêm-se diferentes números que designam diferentes medidas de área, entretanto, a área da superfície permanece invariante.
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· A Função-medida é o objeto que permite a passagem do quadro geométrico ao quadro numérico. “As funções-medida são aplicações aditivas do conjunto das áreas no conjunto dos números reais não negativos” (Bellemain; Bronner; Larguier, 2017, p. 45). Elas permitem associar uma superfície a diferentes números reais positivos em decorrência da escolha da unidade de medida, assim, cada unidade de área representa uma função medida diferente. Essa função goza das seguintes propriedades:
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Positividade– toda superfície que possui interior não vazio terá uma área positiva.
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Aditividade– Sejam S1 e S2 duas superfícies quase disjuntas, a união das áreas dessas superfícies corresponde às somas de suas áreas, ou seja, ;
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Invariância por isometria– Se uma superfície S1 for transformada em uma superfície S2 de tal modo que a distância entre dois pontos quaisquer de S1, seja a mesma em S2, então as duas superfícies possuem a mesma área,
Adotadas as três propriedades acima, normatiza-se a função a partir da escolha de um quadrado Q como superfície unitária, de modo que . Nesse sentido, essa função possibilita determinar a medida da área associada ao conjunto de superfícies planas mensuráveis em decorrência da associação de uma mesma área a diferentes superfícies que pertencem à classe de equivalência ter mesma medida de área.
Para que esses objetos sejam tratados no momento do ensino é necessário um conjunto de tarefas pertencente aos diferentes tipos, de modo que sejam valorizadas a distinção entre esses objetos, mas sobretudo, permita articulá-los.
Neste trabalho, tomamos como pontos de apoio para a formulação de tipos de tarefas as categorizações realizadas pelas pesquisas de Silva (2011), Santos (2015), Bellemain, Bronner, Larguier (2017) e Moura (2019). Nessa direção, consideramos os tipos de tarefas, elencados a seguir, como ponto de referência à identificação de candidatos a tipos de tarefas presentes nas habilidades prescritas na BNCC.
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TCA: Comparar áreas de superfícies planas;
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TDA: Determinar a área de uma superfície plana;
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TEM: Estudar efeitos de modificações das superfícies sobre sua área e sobre seu perímetro;
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TET: Estudar os efeitos de deformação e transformação geométricas e numéricas sobre a área de uma família de superfícies;
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TPS: Produzir superfícies levando em consideração a área;
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TCU: Converter unidades de área;
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TDG: Determinar o valor de uma espécie de grandeza diferente da área, em problema cujo enunciado comporta dados relativos à área.
5 Delineamento Metodológico
Do ponto de vista da caracterização da pesquisa em relação aos procedimentos técnicos apontados por Gil (2002), esta assume uma perspectiva documental, uma vez que visa um tratamento analítico do saber área de superfícies planas prescrito no documento curricular, BNCC.
A BNCC é um documento normativo, produto de um processo transpositivo, que sinaliza o conjunto de aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas pelos estudantes ao longo das etapas e modalidades da educação básica no intuito de garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento (Brasil, 2018). Ela está estruturada em três etapas de ensino: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Neste artigo, debruçamo-nos sobre os pressupostos que são destinados à etapa do ensino fundamental.
A perspectiva do trabalho transpositivo presente nesse documento é voltada ao ensino baseado nas competências e habilidades. Dessa forma, as aprendizagens essenciais definidas por ele, ao longo da escolaridade, devem assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais (Brasil, 2018). A concepção de competência trazida pela BNCC, está associada a:
[...] mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (Brasil, 2018, p. 8).
Dessa forma, as competências elencadas nesse documento, substanciam no trabalho pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes da educação básica brasileira (Brasil, 2018). Nesse sentido,
[...] as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho) (Brasil, 2018, p.13).
Para cada componente curricular são designadas competências específicas cuja garantia de desenvolvimento decorre de um conjunto de habilidades. Essas habilidades “expressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos escolares” (Brasil, 2028, p. 27) e são denotadas por um código alfanumérico formado por oito dígitos com funções específicas, como ilustra a figura abaixo.
As habilidades são estruturadas por verbos seguidos de complementos e de modificadores do verbo ou do complemento. Os verbos explicitam os processos cognitivos envolvidos, os complementos explicitam os objetos de conhecimentos mobilizados e os modificadores explicitam o contexto e/ou uma maior especificação da aprendizagem esperada (Brasil, 2018).
Na Figura 4, a seguir, apresentamos a estruturação da habilidade denotada por EF03MA21.
A leitura das habilidades prescritas na BNCC permite a identificação de possíveis tipos de tarefas na perspectiva da TAD. Assim, à luz do marco teórico adotado nesta pesquisa, realizamos uma leitura cuidadosa dos pressupostos colocados para o tratamento do saber e, em seguida, buscamos, a partir das habilidades contempladas, a identificação de candidatos a tipos de tarefas, bem como a presença de um sistema de variáveis e valores que está presente nos tipos de tarefas rastreados.
Salientamos que a identificação dos tipos de tarefas, variáveis e valores a eles associados, são fruto das inferências dos pesquisadores. Realizamos a observação dos pressupostos da BNCC indicados para o Ensino Fundamental visto que é fruto de um objetivo específico da proposta de tese elaborada pelo primeiro autor sob a orientação da segunda autora, o qual consiste no delineamento do modelo praxeológico dominante em relação à área de superfícies planas no ensino fundamental.
Os questionamentos que guiaram nossas análises emergiram do marco teórico adotado e estão sintetizados no Quadro 1, a seguir.
As ferramentas teóricas utilizadas para fornecerem as respostas aos questionamentos, pontuados no quadro anterior, decorrem da abordagem praxeológica proposta pela TAD, em especial, a noção de gerador de tipo de tarefas e as noções de habitat e nicho, da abordagem ecológica.
Nossa análise voltou-se às duas unidades temáticas, a geometria e as grandezas e medidas, pelo fato do saber área de superfícies planas está contemplado nas habilidades citadas.
6 Área de superfícies planas na BNCC
Como descrito na seção anterior, a análise realizada sobre esse documento de normatização curricular restringiu a etapa do ensino fundamental e foi guiada a partir de três categorias: expectativa institucional; razão de ser e estruturação do saber. Nesse sentido, por questões didáticas, escolhemos apresentá-las nessa organização.
O ensino fundamental é a etapa de escolarização mais longa da educação básica, com 9 anos, a qual atente crianças de 6 a 14 anos. Essa etapa é dividida em duas fases: anos iniciais e anos finais. A primeira é marcada pela “consolidação das aprendizagens anteriores e pela ampliação das práticas de linguagem e da experiência estética e intercultural das crianças, considerando tanto seus interesses e suas expectativas quanto o que ainda precisam aprender” (Brasil, 2018, p. 59). A segunda configura como sendo de maior complexidade em virtude da necessidade de “retomar e ressignificar as aprendizagens do ensino fundamental – anos iniciais no contexto das diferentes áreas, visando o aprofundamento e a ampliação de repertórios dos estudantes (Brasil, 2018, p. 60).
Em relação ao saber área de superfícies planas é esperado que os estudantes, nos anos iniciais, reconheçam que o ato de medir demanda a comparação da grandeza com uma unidade de mesma natureza e expressem essa comparação através de um número. Espera-se ainda, que eles sejam capazes resolver problemas oriundos de situações cotidianas envolvendo a área de triângulos e retângulos priorizando, a princípio, as unidades não convencionais, evitando os procedimentos de transformações de unidades.
Para os anos finais, a expectativa é que os estudantes reconheçam a área enquanto uma grandeza associada a uma superfície, consigam resolver problemas fazendo o uso de unidades medidas padronizadas usuais e determinem expressões de cálculos de áreas de quadriláteros, triângulos e círculos. Espera-se ainda que sejam feitas relações entre a área e outras grandezas não geométricas para estudar as grandezas compostas, a exemplo da densidade demográfica.
O saber área de superfícies planas é prescrito do 3º ao 9º ano do ensino fundamental em dois habitats: do 3º ao 8º o habitat principal é a unidade temática Grandezas e medidas e, no 9º ano, da mesma etapa escolar, seu habitat é a unidade temática Geometria. A razão de ser de seu ensino, não está explicitamente descrita, mas pode ser inferida a partir da razão de ser das grandezas e medidas. Essa, em contrapartida, está ancorada na compreensão da realidade dos usos sociais, na integração da matemática com outras áreas do conhecimento, na consolidação e ampliação da noção de números, na aplicação de noções geométricas e construção do pensamento algébrico.
Não foi possível constatar na leitura das habilidades preconizadas da BNCC com quais objetos a área de superfícies planas se relaciona, no entanto, a seção que apresenta a expectativa quanto ao ensino dos objetos da geometria, o documento faz a seguinte menção:
A equivalência de áreas, por exemplo, já praticada há milhares de anos pelos mesopotâmios e gregos antigos sem utilizar fórmulas, permite transformar qualquer região poligonal plana em um quadrado com mesma área os gregos chamavam “fazer a quadratura de uma figura”). Isso permite, inclusive, resolver geometricamente problemas que podem ser traduzidos por uma equação do 2º grau (Brasil, 2018, p 272-273).
O recorte acima, sugere, a nosso ver, a indicação de uma possível relação entre os objetos área de superfícies planas e equação do segundo grau.
Partindo para a estruturação do saber mediante as análises das habilidades previstas no documento, constatamos que não é possível identificar todos os elementos da praxeologia matemática, esse fato corrobora para o que Chevallard (2007) chama de incompletude das praxeologias. Ao assumir que toda atividade humana pode ser descrita através de uma praxeologia, como postula a TAD, não implica dizer que todos os elementos que a compõe são facilmente identificados na instituição investigada. Diante disso, buscamos identificar nessas habilidades, candidatos aos tipos de tarefas bem como variáveis e valores a eles associados e, ao fazer isso, verificamos um fenômeno que denominamos de indeterminação de tipos de tarefas4 em decorrência do alcance ao qual a habilidade atinge.
No Quadro 2 apresentamos as habilidades referentes à área de superfícies planas preconizados na BNCC e, em seguida estabelecemos uma possível correlação com tipos de tarefas na perspectiva teórica adotada neste texto.
Habilidades referentes à área de superfícies planas prescritas na BNCC para o ensino fundamental
As informações, descritas no Quadro 1, revelam a presença de 11 habilidades prescritas na BNCC para o tratamento do saber área de superfícies planas no ensino fundamental brasileiro. Olhando para essas habilidades com o par de óculos da TAD, percebemos candidatos aos tipos de tarefas, os quais descrevemos na sequência.
Nas habilidades (EF03MA21) e (EF04MA21), referentes aos 3º e 4º anos, respectivamente, verifica-se a prescrição explicitamente do tipo de tarefas TCA: Comparar áreas de superfícies planas, de modo que no 3º ano recomendam-se as técnicas de visualização ou superposição de superfícies de objetos, figuras planas ou desenhos, e no 4º ano, recorra-se à ordenação das medidas a partir da contagem de quadradinhos que constituem as figuras desenhadas em malha. Percebe-se, aqui, a indicação da exploração dos aspectos geométricos para o tratamento da área a partir da técnica superposição de superfícies no 3º ano e a valorização dos aspectos numéricos a partir da contagem de quadradinhos no 4º ano.
Utilizando a noção de gerador de tarefas para o detalhamento do tipo de tarefas TCA Comparar áreas de superfícies planas prescrito na BNCC, temos: GTCA: [Comparar áreas de superfícies planas; V1, V2, V3], em que V1 corresponde à variável ambiente em que a superfície é posta para a qual os valores indicarão a natureza desses ambientes: dinâmico ou estático. V2 corresponde à variável tipo de superfície cujos valores podem ser poligonais ou de contornos arredondados e V3 corresponde à variável domínio da técnica de comparação a qual assume valores do tipo: geométrico, numérico.
Ainda na habilidade (EF04MA21), percebe-se o uso dos verbos medir e estimar como indicadores de ações a serem feitas com o saber em tela. Do ponto de vista da TAD, esses verbos constituem gêneros de tarefas diferentes, no entanto, o complemento dado a eles na descrição da habilidade – pela contagem dos quadradinhos ou de metades de quadradinho – sinaliza a mesma natureza, afinal estimar é uma prática que envolve “medições e comparações mentais” (Lima; Bellemain, 2010, p.181). Então, por uma questão didática, é conveniente reunir esses dois no gênero determinar, tendo em vista que este último envolve ações dos dois primeiros. Dito isso, identificamos nessa habilidade um candidato ao tipo de tarefas TDA: Determinar a área de uma superfície plana.
Esse tipo de tarefas também está prescrito nas habilidades (EF07MA32), (EF08MA19) e (EF09MA16), previstas, respectivamente, para os 7º, 8º e 9º anos. O tratamento deve ser conduzido pelo uso de superfícies que podem ser decompostas em quadrados, retângulos e/ou triângulos recorrendo à noção de equivalência de figuras no 7º ano, estendendo-se aos quadriláteros e círculos no 8º ano e direcionado para o cálculo da área de figuras delimitadas por pontos localizados no plano cartesiano, no 9º ano.
Diante disso, podemos escrever o detalhamento desse tipo de tarefas pelo seguinte gerador: GTDA: [Determinar a área de uma superfície plana; V1, V2, V3, V4, V5], com V1 sendo tipo da superfície (poligonal ou de contornos arredondados); V2: ambiente ao qual a superfície está posta (malha quadriculada, papel em branco, plano cartesiano); V3: domínio do conjunto que representa a medida da área (natural, racional positivo, irracional positivo); V4: quantidade de superfícies que podem ser decompostas ( duas, três ou mais), V5: tipo das superfícies que são decompostas (triângulos, retângulos, círculos).
As habilidades (EF05MA19), (EF06MA24) e (EF07MA29) prescritas para o 5º, 6º e 7º anos, respectivamente, apresentam-se de uma forma muito genérica de modo a não contribuir para a percepção de tipos de tarefas que estão incluídos nelas, dessa forma, fica a cargo do professor e/ou do autor de livro texto a escolha de tarefas de diferentes tipos para que essas habilidades sejam contempladas. O que pode inferir ao tratamento do saber área nessas habilidades é a exploração dos aspectos numérico e algébrico, uma vez que há um destaque no aspecto da medida. Assim, essas habilidades podem integrar tarefas dos tipos: determinar a área de uma superfície, comparar áreas de superfícies planas, converter unidades de áreas, dentre outras. No entanto, como sinalizado anteriormente, essa escolha fica a critério do professor ou do autor do livro texto.
Na habilidade (EF05MA19) prescrita para o 5º ano, percebe-se a presença do tipo de tarefas TCU: Converter unidades de área, direcionado ao tratamento das unidades de medidas convencionais mais usuais em contextos socioculturais. Podemos inferir que sejam o quilômetro quadrado, o metro quadrado, o centímetro quadrado e as unidades de medidas agrárias, já que essas últimas estão inseridas nos contextos socioculturais. O detalhamento desse tipo de tarefas pode ser modelizado pelo seguinte gerador: GTCU: [Converter unidades de área; V1, V2], onde V1 diz respeito à natureza da medida a qual pode assumir dois valores: convencional e não convencional e V2 diz respeito a relação entre as unidades a serem feitas a conversão, cujos valores podem ser entre múltiplos, e/ou submúltiplos do metro ou entre essas e as medidas agrárias.
Ainda no quinto ano é prescrita a habilidade (EF05MA20), que sugere o trabalho com investigações sobre a invariância da área de superfícies e da variação de seus perímetros, ou vice-versa, na qual se identifica a presença do tipo de tarefas TEM: Estudar efeitos de modificações das superfícies sobre sua área e sobre seu perímetro. Pela perspectiva de noção de gerador de tipo de tarefas, o detalhamento desse tipo pode ser assim delineado: GTEM: [Estudar efeitos de modificações das superfícies sobre sua área e sobre seu perímetro; V1, V2, V3], em que V1 é relativa à escolha da grandeza invariante (perímetro ou área), V2 refere-se à escolha da grandeza variante (perímetro ou área) e, V3, diz respeito ao tipo de superfície (poligonal ou de contorno arredondado).
Na habilidade (EF06MA29) prescrita para o 6º ano, constata-se a presença do tipo de tarefas TED: Estudar os efeitos de deformações e transformação geométricas e numéricas sobre a área de uma família de superfícies a ser tratado mediante o estudo do comportamento dos atributos (área e perímetro) do quadrado quando a figura é submetida a um processo de ampliação e redução. O detalhamento desse tipo de tarefas pode ser modelizado pelo GTED: [Estudar os efeitos de deformações e transformação geométricas e numéricas sobre a área de uma família de superfícies; V1, V2, V3, V4, V5], em que V1 é o tipo de transformação (ampliação, redução e reprodução); V2 é referente à presença da figura que sofrerá a transformação cujos valores são designados por sim ou não; V3 corresponde à presença da figura transformada, também apresentando valores sim e não; V4 consiste no ambiente que a figura transformada será construída (malha quadriculada, papel branco); V5 é a razão de semelhança (maior que 1, igual a 1, menor que 1).
A habilidade (EF07MA31) prescrita para o 7º ano direciona para a obtenção das fórmulas da área de triângulos e quadriláteros, recorrendo à decomposição e recomposição de figuras justificada pela equivalência de figuras. Entendemos que essa habilidade reúne elementos do bloco tecnológico-teórico que repousa sobre a natureza bidimensional do saber.
Considerando as análises pontuadas até aqui, podemos sintetizar os tipos de tarefas identificáveis nas habilidades propostas na BNCC, bem como as variáveis e valores associados a esses tipos da seguinte forma (Quadro 3):
6 Considerações Finais
Neste texto, contamos com as contribuições da TAD para analisar as razões de ser e a estruturação do saber área de superfície planas preconizadas na BNCC para o ensino fundamental. A abordagem praxeológica foi utilizada para identificar, nas habilidades prescritas da BNCC, candidatos aos tipos de tarefas. Esses, por sua vez, foram detalhados a partir da noção de gerador de tipo de tarefas proposta por Chaachoua e Bessot (2019), apontando as possíveis variáveis e valores que estão presentes no texto do documento analisado.
As análises ecológicas apontam para dois habitats principais, as grandezas e medidas e a geometria. Não identificamos, explicitamente, a quais razões de ser o saber está ancorado, no entanto, não podemos dizer que estão ausentes, uma vez que é possível inferir a partir das razões de ser das grandezas e medidas – domínio ao qual a área pertence. Nesse sentido, a compreensão da realidade, a integração da matemática com outras áreas do conhecimento, a consolidação e ampliação da noção de números, a aplicação de noções geométricas, a construção do pensamento algébrico e os usos sociais, são elementos que visibilizam as razões de ser do ensino da área de superfícies planas no ensino fundamental.
As análises sob a visão praxeológica revelam a presença de cinco tipos de tarefas prescritos nas habilidades do documento, dos quais TDA: Determinar a área de uma superfície plana aparece com mais ênfase em virtude de estar contemplado nos 4º, 7º, 8º e 9º anos. Esse tipo, em particular, envolve um conjunto de tarefas nas quais a ênfase está nos aspectos numéricos e algébricos, isso pode provocar a marginalização dos elementos colocados como necessários à apropriação da área enquanto grandeza na abordagem do saber, seja ela realizada pelo professor e/ou pelos livros didáticos.
Percebemos também que os tipos de tarefas cujo cumprimento contribui para a apropriação da área enquanto grandeza, proposta por Doaudy e Perrin-Glorian (1989), a exemplo de TCA: Comparar áreas de superfícies planas e TEM: Estudar efeitos de modificações das superfícies sobre sua área e sobre seu perímetro ganham relevo apenas nos anos iniciais. Diversos estudos realizados desde a década de 1980 até os dias atuais evidenciam que a introdução precoce da associação da área ao número no momento do ensino contribui para os estudantes apresentarem dificuldades na distinção entre a área, as superfícies e os números que indicam a medida da área. Diante disso, faz-se necessário uma atenção especial a esses aspectos nos anos iniciais para serem apropriados em sua totalidade, no entanto, nos anos finais esses aspectos precisam ser retomados para sua consolidação.
Constatamos a ausência de habilidades que indiquem a presença do tipo de tarefas TPS: Produzir superfícies levando em consideração a área.Defendemos, conforme Bellemain (2000), que as tarefas desse tipo favorecem a compreensão da grandeza área, uma vez que estão situadas no quadro geométrico, mas seu cumprimento coloca em cena os quadros numéricos e das grandezas. Por exemplo, diante de uma tarefa de produção de diferentes retângulos com mesma área, em uma malha quadriculada, o estudante pode recorrer à quantidade de quadradinhos do interior da superfície como requisito para o cumprimento da tarefa. Podendo, ainda, recorrer às fórmulas da área do retângulo e atribuir valores para os comprimentos adjacentes e construí-los recorrendo às medidas obtidas.
Os resultados discorridos neste artigo nutrem reflexões a respeito da abordagem do saber em tela pelo documento curricular e abre perguntas para novas investigações, a saber: como os livros didáticos propõem a abordagem do saber área de superfícies planas em observância aos preceitos da BNCC? Como os currículos estaduais, municipais e distrital abordam o saber área de superfícies planas? Há elementos adicionais para o ensino da área, se sim, quais e por quais razões?
Referências
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Disponibilidade de dados:
Os dados gerados ou analisados durante este estudo estão incluídos neste artigo publicado.
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1
A granularidade das tarefas é indicada pelas variáveis que são manipuladas na geração dos tipos de tarefas. Assim, quando queremos obter um tipo de tarefas mais específico recorremos a um conjunto maior de variáveis.
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2
No âmbito da TAD, uma restrição é uma condição observada, de uma certa posição institucional a um certo instante, como não modificável, imutável (relativamente e provisoriamente; da mesma forma, uma condição é uma restrição modificável neste mesmo sentido. (Chevallard, 2018, p. 35).
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3
Os jogos de quadros são as mudanças de quadros, provocadas por iniciativa do professor, nas situações – problema, para fazer avançar as fases da resolução, notadamente para elaborar uma filiação de questões pertinentes ao problema exposto, que tem lugar num certo contexto de aprendizagem (Douady; Perrin-Glorian, 1989, p. 38).
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4
Utilizamos esse termo diante da habilidade que apresenta em um nível genérico do qual não se pode inferir para qual tipo de tarefas ele se refere, podendo, sobretudo, contemplar mais de um tipo de tarefas.
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Editor-chefe responsável:
Prof. Dr. Marcus Vinicius Maltempi.
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Editor associado responsável:
Profa. Dra. Ana Paula Jahn.
Disponibilidade de dados
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
08 Abr 2024 -
Aceito
28 Abr 2025





Fonte:
Fonte: adaptação de
Fonte: adaptada da BNCC (2018)
Fonte: elaborada pelos autores baseada na BNCC (2024)