Open-access Análise matemática e afetividade: uma resenha de três trabalhos de Roberta D'Ângela Menduni Bortoloti

RESENHAS

Análise matemática e afetividade: uma resenha de três trabalhos de Roberta D'Ângela Menduni Bortoloti

Sílvio César Otero-GarciaI; Giovani CammarotaII

IMestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP, Brasil. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP, Brasil

IIMestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sílvio César Otero-Garcia Avenida 24A, 1515, Bairro Bela Vista CEP: 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil E-mail: silvioce@gmail.com

Análise Matemática e Afetividade: uma resenha de três trabalhos de Roberta D'Ângela Menduni Bortoloti (BORTOLOTI, 2003, 2006, 2009)

BORTOLOTI, R. D. M. Emoções que Emergem da Prática Avaliativa em Matemática. 2003. 142f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro Pedagógico, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2003. Orientadora: Circe Mary Silva da Silva Dynnikov.

BORTOLOTI, R. D. M. O Comportamento Emocional e a Avaliação da Disciplina Análise Real: Tecendo Algumas Considerações. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 3., 2006, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: SBEM, 2006. p. 1-14.

BORTOLOTI, R. D. M. Afeto e cognição no contexto da disciplina de Análise real no curso de matemática. In: FROTA, M. C. R.; NASSER, L. (Orgs.). Educação Matemática no Ensino Superior: pesquisas e debates. Recife: SBEM, 2009. p. 81-97, Cap. 5.

Roberta D'Ângela Menduni Bortoloti é licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e mestre em Educação pela mesma universidade. Atualmente, é professora assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Em Bortoloti (2003) a pesquisadora discute, num contexto de avaliação, como se configuram as emoções dos alunos de bacharelado e licenciatura em Matemática que cursam a disciplina de análise. A hipótese é que as emoções interferem de modo negativo no desenvolvimento acadêmico dos alunos, influenciando o seu desempenho nas avaliações. Além disso, Bortoloti partiu do pressuposto de que a prova é o único método de avaliação utilizado nas disciplinas de análise. O trabalho Emoções que Emergem da Prática Avaliativa em Matemática é uma dissertação de mestrado defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

A mesma pesquisa gerou mais dois trabalhos, Bortoloti (2006), O Comportamento Emocional e a Avaliação da Disciplina Análise Real: Tecendo Algumas Considerações, publicado dos Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM) e Bortoloti (2009), Afeto e Cognição no Contexto da Disciplina de Análise Real no Curso de Matemática, capítulo do livro Educação Matemática no Ensino Superior. Podemos dizer que tanto em Bortoloti (2006) quanto em Bortoloti (2009) encontramos um recorte da dissertação de mestrado dessa pesquisadora. No entanto, no primeiro deles, apenas alguns aspectos do seu trabalho de mestrado são vistos, já no segundo, novas reflexões são trazidas, bem como a análise dos resultados segue categorias melhor delimitadas. Por conta disso, o fio condutor dessa nossa resenha será Bortoloti (2003). Entretanto, traremos alguns apontamentos presentes nos trabalhos de 2006 e 2009.

Bortoloti define alguns termos aos quais faz referência no decorrer do seu estudo. A afetividade pode ser descrita em termos de crenças, atitudes e emoções. Devido ao seu interesse especial pelas emoções, Bortoloti delimita esse subdomínio da afetividade como sendo uma combinação de um processo avaliativo mental, com respostas dirigidas tanto ao corpo quanto ao cérebro, resultando num estado emocional do corpo e em alterações mentais adicionais. Uma vez que a ansiedade, que tem seu aspecto cognitivo e afetivo, é uma das emoções mais presentes em seu estudo, delimita-se também essa palavra: estado de agitação motivado por uma situação problemática.

A opção pela disciplina de análise foi feita por conta do alto índice de reprovação que a pesquisadora observou nessa disciplina onde realizou sua pesquisa, a UFES. Pesou em sua decisão, também, o fato dessa disciplina ser considerada pelos alunos como uma das mais difíceis do curso. Assim sendo, Bortoloti investigou as emoções dos alunos com relação à avaliação da disciplina de análise no curso de Matemática da UEFS, configurando o problema numa tríade: emoções, avaliação e disciplina de análise.

Na UEFS há duas disciplinas de análise na grade do curso de Matemática, sendo que uma é comum a ambas as modalidades e a outra é exclusiva do bacharelado. Bortoloti abordou em seu trabalho apenas a comum, Análise I, cuja ementa aborda desde conjuntos, construção dos racionais e reais até sequências e séries de funções e integrais, passando pelos conteúdos tradicionais como limites, continuidade e derivadas. O livro adotado foi Análise Real, de Elon Lages Lima (1987). Bortoloti destaca que, embora os conteúdos de integração estejam na disciplina comum, são vistos separadamente para cada modalidade.

O estudo de Bortoloti tem um caráter qualitativo e caracterizou-se como um estudo de caso. Oito estudantes de um curso de análise participaram da pesquisa, metade deles da modalidade bacharelado e metade da licenciatura. Os instrumentos utilizados para a coleta foram registros de observações em sala de aula, entrevistas semi-estruturadas e um questionário. O material foi analisado por meio da análise de conteúdo e pautou-se em três categorias que emergiram da sua própria análise: emoções (que sentimento caracterizava, para cada aluno, o comportamento da turma em dia de prova, quais emoções foram pronunciadas com maior frequência antes, durante e depois das provas, quais eram as possíveis justificativas para tais sentimentos), disciplina de análise (como essa disciplina era entendida, se apresentava alguma particularidade em relação às demais, como eram os hábitos de estudo, quais eram as maiores dificuldades) e avaliação (como se deu a preparação para a prova, quais as estratégias utilizadas e o significado da prova). Na análise feita em Bortoloti (2006), apenas as duas primeiras categorias foram apresentadas e, ainda assim, somente alguns aspectos delas. Já em Bortoloti (2009), os depoimentos dos alunos foram investigados em relação a duas categorias que abarcam as três de Bortoloti (2003).

Antes de caracterizar quais emoções surgiram, Bortoloti discute brevemente como elas surgiram. Para a pesquisadora, o chamado branco, ou interrupção do pensamento, foi o maior gerador de emoções e reações por parte dos alunos. Por outro lado, as emoções também desencadearam bloqueios que interromperam o pensamento dos alunos no momento da avaliação. Temos, assim, um ciclo. Bortoloti não se aprofunda nessa discussão, apenas lança questões que exibem que o como do surgimento das emoções não foi esclarecido: o que fez com que o bloqueio ou a interrupção do pensamento surgissem, ocasionando as emoções e reações? O que fez com que os alunos manifestassem essas emoções, ocasionando a interrupção do pensamento e os bloqueios?

O nervosismo e a ansiedade foram as emoções mais frequentemente citadas como presentes antes das provas. As seis razões relatadas foram: insegurança com relação ao domínio do conteúdo; preocupação com o tempo; cobrança pessoal com relação ao próprio desempenho; dificuldade da prova; medo de não corresponder às expectativas do professor; preparação inadequada. Sobre a última delas, Bortoloti cita um pesquisador segundo o qual hábitos de estudo incorretos ou estratégias para resolução de provas inadequadas muitas vezes explicam o baixo desempenho dos alunos. Quando a avaliação se deu por meio de um seminário, a única motivação relatada foi a preocupação com a transmissão, com a clareza da informação passada. Com base nessas respostas, a pesquisadora ressalta a importância do professor não ignorar que os aspectos afetivos interagem com os aspectos cognitivos. Em termos práticos, realizar provas com maior tempo de duração já poderia significar evitar uma das preocupações dos alunos. Sobre as emoções pronunciadas depois das provas, o sentimento mais relatado foi o de alívio. Os alunos disseram que se sentiram livres após a avaliação, como se tivessem cumprido uma tarefa, ainda que o resultado fosse negativo.

Ansiedade também foi a emoção mais citada no levantamento da pesquisadora sobre os sentimentos que cada aluno observou no comportamento da turma como um todo em dia de prova. Os depoentes citaram quatro causas de tal ansiedade por parte dos colegas: pressa para resolver a prova e livrar-se da obrigação, preparação inadequada, preocupação com o próprio desempenho e a disciplina de análise em si. Esse último aspecto merece destaque. É interessante notar que, independentemente de outros pontos, a própria disciplina já é causadora de ansiedade. Os alunos relataram que os depoimentos dos colegas sobre a disciplina, o histórico de reprovação que existe nela e até falas de professores é que causaram tal sentimento com relação à análise. Para Bortoloti, essas três situações delimitam um ciclo composto pelas emoções, atitudes e crenças. Os depoimentos dos colegas ou de professores fazem com que o aluno reaja emocionalmente a eles. As reações, conjuntamente com as próprias crenças do aluno, solidificam-se em atitudes negativas com relação à disciplina. No caso de alguns alunos, a ideia de que teriam um desempenho ruim na disciplina só passou após a primeira avaliação, outros, no entanto, desistiram antes mesmo desse momento, donde é possível que não tenham tido a oportunidade de desfazer suas ideias anteriores.

Por acreditar que a maneira como o aluno concebe uma disciplina influencia aspectos cognitivos e afetivos relacionados ao seu desenvolvimento, Bortoloti olhou para essa questão com relação à disciplina de análise. De uma maneira geral, os alunos entrevistados conceberam-na como um estudo dos conceitos relacionados ao cálculo. Em Bortoloti (2009), a pesquisadora destaca que em nenhum depoimento surgiu a concepção de uma disciplina que proporciona um aprofundamento dos conceitos da matemática escolar. Esse descompasso mostra que a sistematização dos conteúdos de análise não foi pensada de modo a orientá-la para o professor da educação básica, mesmo quando é ministrada a licenciandos.

Outro ponto frisado refere-se à dedicação que os alunos acreditam que seja necessária para o acompanhamento da disciplina. Sobre isso, Bortoloti aponta que o próprio livro de Elon Lages Lima, adotado na turma em questão, fala em seu prefácio que o acompanhamento dos conteúdos exige um sério esforço por parte do estudante.

Sobre as dificuldades relatadas pelos alunos com a disciplina, Bortoloti destaca a preocupação demonstrada com relação à redação de suas respostas. A pesquisadora acredita que o motivo de tal preocupação advém da falta de maturidade matemática que os alunos costumam ter quando cursam análise. Essa foi, inclusive, uma das razões apontadas pelos próprios alunos para a dificuldade que têm com a disciplina. Para eles, o não amadurecimento das ideias é ocasionado pela falta de tempo e pelo acúmulo de informações. O professor da disciplina, preocupado com essas questões, e ao constatar o fracasso dos alunos em sua primeira avaliação, propôs à turma que todos apresentassem no quadro suas ideias para que fossem discutidas pela turma como um todo a fim de entender os erros cometidos, redigir o texto e encontrar a solução mais viável.

Outras duas razões apresentadas pelos alunos como ocasionadoras das suas dificuldades com a disciplina, presentes em Bortoloti (2009), são: o próprio nível de dificuldade da disciplina e fato da leitura de exercícios resolvidos não ser sinônimo de aprendizagem construída. Esse último ponto remete ao modo como os estudantes de matemática normalmente estudam. Para a pesquisadora, isso revela que memorizar, decorar teoremas e saber definições não basta para o entendimento da disciplina. Na realidade, ela observa que os alunos tendem a adotar uma única estratégia de estudo, dentre as duas citadas por eles: fazer exercícios ou estudar a teoria.

Bortoloti faz, ainda, considerações sobre a avaliação em matemática, e em particular sobre a avaliação na disciplina de análise. A pesquisadora constata que a prova é considerada pela maioria dos alunos como a melhor forma de avaliar o desempenho, inclusive com relação à disciplina de análise. Entretanto, em ambos os casos, essa visão não foi consensual. Muitos alunos acreditam que, na prova, o aluno tanto pode apresentar um desempenho inferior ao real, quanto superior. Para o primeiro caso, relatou-se principalmente o nervosismo e a seleção de questões como causas dessa discrepância. Para o segundo, alguns alunos disseram que a chamada cola e também sorte podem contribuir para que o aluno consiga uma nota além do seu real aprendizado. De qualquer modo, os alunos defenderam uma avaliação que se paute em mais de um método, ainda que a prova seja o central.

O professor da disciplina observada avaliou seus alunos também por meio de seminários, mas relatou a pesquisadora que acredita que esse método é limitado, já que consegue avaliar apenas uma parte do conteúdo e ainda assim de modo superficial. Na mesma direção, acredita que a avaliação por meio de trabalhos em grupo também não é eficaz, já que o aluno pode contar com a ajuda tanto dos colegas como de outras pessoas. Para o professor, a avaliação por meio de prova é muito importante, pois requer do aluno o treinamento com a parte escrita da matemática, justamente um dos pontos onde os alunos mais têm dificuldade.

Destacamos, por fim, o apanhado geral de sua pesquisa e algumas considerações mais contundentes que são feitas no item final de Bortoloti (2009). Para a pesquisadora, seu trabalho destaca a influência dos aspectos afetivos sobre o desenvolvimento dos alunos na disciplina de análise. Ignorar tal fato pode acarretar na manutenção de crenças desfavoráveis do aluno com relação à disciplina (muito difícil, impossível passar) e ao seu próprio desempenho (não conseguirei, é necessário muito esforço). Bortoloti afirma que seu trabalho possui especificidade com relação à disciplina de análise uma vez que os alunos fizeram referência direta à sua estrutura, compararam-na com outras do curso e a diferenciaram das demais em sua abordagem. Dessa forma, os resultados de seu trabalho não necessariamente podem ser estendidos para outras disciplinas matemáticas.

Giovani Cammarota

Rua José Lourenço Kelmer, s/n, Bairro São Pedro

CEP: 36036-900, Juiz de Fora, MG, Brasil

E-mail: giovani.cammarota@ufjf.br

Referências bibliográficas

  • LIMA, E.L. Análise Real Rio de Janeiro: IMPA, 1987.
  • Endereço para correspondência:
    Sílvio César Otero-Garcia
    Avenida 24A, 1515, Bairro Bela Vista
    CEP: 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
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    UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Avenida 24-A, 1515, Caixa Postal 178, 13506-900 - Rio Claro - SP - Brazil
    E-mail: bolema.contato@gmail.com
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