Resumo
O objetivo deste artigo é discutir um papel possível para uso de Tecnologias Digitais (TD) em ambientes educacionais (de matemática): o de questionar. Pretendo argumentar, por exemplo, que quando questiono se ou como as Tecnologias Digitais podem provocar ansiedade, abre-se espaço para se pensar em usos que acolham sentimentos e emoções em relação à Matemática. Quando questiono se ou como a universidade pode desempenhar papel de colonizador epistêmico em relação à escola no que tange usos educacionais de Tecnologias Digitais, há a possibilidade de abertura de espaços contracolonialistas (Nego Bispo) para se pensar em ambientes formativos contínuos de uso pedagógico de TD que caminhem na direção da justiça epistêmica (Miranda Fricker). O artigo será um ensaio teórico sobre problematizações, como as indicadas anteriormente, a partir da discussão de algumas pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto Matemática Digital Humanizada (MaDHu) e envolverá, nestas problematizações, um exercício de questionamento inspirado na música “Construção”, de Chico Buarque de Holanda.
Humanizado; Humanização; Educação Matemática; Acolhimento; Sentimentos
Abstract
The goal of this article is to discuss a possible role for the use of Digital Technologies (DT) in educational settings (in mathematics): that of questioning. I intend to argue, for instance, that when I question whether Digital Technologies can induce anxiety, it opens up space to consider uses that embrace feelings and emotions in relation to Mathematics. When I question whether the university can play the role of an epistemic colonizer (Nego Bispo) concerning educational uses of Digital Technologies concerning schools, there is the possibility of opening spaces for counter-colonialist (Nego Bispo) thinking about continuous formative environments for the pedagogical use of DT that move towards epistemic justice (Miranda Fricker). The article will be a theoretical essay on problematizations like those indicated previously, based on the discussion of some research projects that are in progress within the scope of the Humanized Digital Mathematics (MaDHu, in Portuguese) project and will involve, in these problematizations, an exercise of questioning inspired by the song 'Construction (Construção, in Portuguese)' by Chico Buarque de Holanda.
Humanized; Humanization; Mathematics Education; Welcoming; Feeling
1 Construção
A citação anterior refere-se à letra na íntegra da música intitulada Construção, de Chico Buarque de Holanda, lançada em 1971. Ela pode ser acessada pelo QR Code ou pelo link disponíveis ao lado da letra. Esta música foi composta em períodos entre o exílio do cantor Chico Buarque na Itália e seu posterior retorno ao Brasil. Ela é conhecida por sua complexidade lírica, profundidade e com frequência é interpretada como uma crítica à opressão política, social e econômica da época.
Descrevendo o dia de um trabalhador da construção civil, desde o início até o momento de sua morte, Chico Buarque constrói uma narrativa a partir do uso de muitas palavras proparoxítonas e uma métrica de 12 sílabas em seus versos. As frases que compõem a letra retornam em outros momentos, com algumas palavras trocadas, alterando significativamente o sentido, como indicado nos trechos destacados em nas cores1 amarelo, ciano, vermelho, verde, laranja e azul.
Amou daquela vez como se fosse a última, (amou daquela vez) como se fosse o último, amou daquela vez como se fosse máquina: as frases com palavras finais alteradas indicam a transição entre os quatro diferentes atos da música – despedida, trabalho, descanso e desenlace (Jorgewich, 2019). A estratégia poética de Chico Buarque na letra da música “Construção” inspirou o exercício reflexivo/inventivo presente neste texto, a partir de um olhar político-econômico-cultural com (e não sobre) tecnologias digitais.
Intencionalmente provocando uma brusca transição no encadeamento de ideias deste artigo, em Chiari (2018) sintetizei reflexões desde o desenvolvimento de meu doutorado, realizado de 2012 a 2015, até o momento de escrita daquele artigo, focando na identificação e discussão do uso de Tecnologias Digitais (TD) em Educação Matemática associadas a três processos educativos: o da comunicação, o da produção de material didático e o da produção de conhecimento.
A partir disso, discuti uma perspectiva de uso de TD que, a meu ver, integra e relaciona esses três processos: a perspectiva de o estudante ocupar uma posição autoral de produção de conteúdo digital que expresse sua aprendizagem. As raízes dessa perspectiva encontram-se em minha tese (Chiari, 2015), mas em Chiari (2018) há uma sistematização e um aprofundamento teórico da discussão.
De lá para cá, seis anos se passaram e entendo ser esse um momento oportuno para realizar uma nova síntese de reflexões teóricas e empíricas que venho desenvolvendo na linha de Tecnologias Digitais e Educação Matemática junto ao meu grupo de pesquisa e meus orientandos. Parte expressiva dessas reflexões pode ser disparada a partir da discussão de mais um tipo de uso de Tecnologias Digitais em ambientes educacionais (de matemática), este não discutido em Chiari (2018): o papel de questionar! O presente artigo, portanto, representa a continuação das reflexões e da travessia de uma pesquisadora a partir das quais pretendo indicar algumas considerações sobre pesquisas em/com tecnologias digitais.
Dado o exposto, neste artigo tenho como objetivo discutir o papel de questionar como um possível e potente uso de Tecnologias Digitais (TD) em ambientes educacionais (de matemática). Para tal, o artigo abordará pesquisas em andamento dentro do escopo do projeto Matemática Digital Humanizada (MaDHu), coordenado por mim.
Dentro desse contexto, será realizado um exercício de problematização ancorado na música "Construção", de Chico Buarque de Holanda, cuja letra foi apresentada logo no início desta introdução. Este exercício parte da questão: como desenvolver práticas humanizadas de uso de tecnologias digitais ao se ensinar a matemática?O que você, leitora, leitor, pensa sobre esta questão? Convido-a/o a observar como esta pergunta foi construída. Que palavras e expressões foram utilizadas? Que perspectivas estão implícitas em sua redação? Seguirei com a construção do artigo e voltarei a abordar essa questão ao final.
2 Uso de tecnologias digitais em ambientes educacionais
Não é difícil encontrar um texto na área de Tecnologias Digitais e Educação Matemática que tenha em seu início uma argumentação ancorando a justificativa de se usar Tecnologias Digitais em ambientes educacionais porque elas são amplamente utilizadas na vida, em diversos setores da sociedade. Logo, também devem ser usadas nos espaços educativos.
Talvez este seja um argumento legítimo, mas, se o for, ele seria suficiente? Será que é desejável que tudo que acontece em grande frequência fora da escola aconteça, também, na escola? Violência e abusos acontecem muito fora dela. Diante disso, queremos escolas violentas e com espaço para práticas abusivas?
Minha intenção nesta seção não é a de fazer uma revisão sistemática de reflexões, práticas e/ou pesquisas sobre o uso de Tecnologias Digitais em Educação (Matemática), mas observo que tal discussão requer bastante reflexão, pois trata-se de um problema complexo, multifacetado, muitas vezes instável e bastante situado ao contexto.
Para tentar abrir espaço para uma discussão possível sobre isso, trago na sequência alguns exemplos de usos de Tecnologias Digitais em ambientes educacionais ou em espaços que podem se associar em algum sentido com discussões no âmbito educacional.
2.1 Exemplos: parte 1
Exemplo 1: Nudes e inteligência artificial2
A imagem anterior é de uma reportagem exibida no Fantástico (Marques, 2023) em 05/11/2023 sobre uso de inteligência artificial para criação e compartilhamento de falsos nudes de alunas de uma escola pública brasileira. Segundo a reportagem, no Colégio Santo Agostinho, na Barra da Tijuca, alunos do 7º ao 9º ano são suspeitos de usar inteligência artificial para criar montagens de colegas nuas, compartilhando as imagens alteradas em grupos de WhatsApp. A Polícia Civil abriu um inquérito após pais denunciarem o ocorrido e a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) estava conduzindo a investigação. Pelo menos 20 jovens foram expostas.
Na sequência, seguem dois recortes da legenda da fala de uma das alunas que foram vítimas desse crime.
Ainda durante a reportagem, a mãe de uma das meninas, nas imagens a seguir, comenta o crime e explica que as fotos foram extraídas de suas redes sociais e modificadas com o auxílio de um aplicativo que faz uso de inteligência artificial para que suas roupas, nas imagens, fossem retiradas.
*Que construções com crimes virtuais?*
Exemplo 2: Crise de ansiedade coletiva
A imagem anterior é de uma reportagem publicada em abril de 2022 (Yoneshigue, 2022) que discute uma crise de ansiedade coletiva enfrentada por estudantes de uma escola pública de Recife, em Pernambuco. A crise afetou diversos estudantes, resultando em sintomas físicos e emocionais intensos. Ela começou após um evento escolar estressante e se espalhou rapidamente entre os alunos. Psicólogos foram chamados para ajudar e a escola implementou medidas de apoio para lidar com a situação.
Ao longo da reportagem, explica-se que ansiedade é uma emoção presente em todas as pessoas em maior ou menor grau. A persistência intensa dessa emoção pode caracterizar um transtorno e uma crise de ansiedade consiste em um episódio de ansiedade muito intenso.
O especialista entrevistado pela equipe de reportagem sugere que a faixa etária em que o problema ocorreu, que é a dos jovens, corresponde a uma fase do desenvolvimento que o indivíduo vive basicamente em grupo e, portanto, fica mais suscetível às ações e comportamentos de outras pessoas. Somado a esta questão está o fato de que a pandemia agravou esse quadro, levando uma a cada cinco crianças e adolescentes do mundo a possuírem sintomas clínicos de ansiedade.
A crise ocorreu em abril de 2022, pouco tempo depois que boa parte das escolas retomaram suas atividades presenciais após o período de Ensino Remoto Emergencial (ERE). Durante o ERE, um número muito expressivo de pessoas manifestou exaustão pelo uso excessivo de telas (para estudo, trabalho, comunicação) e há diversos estudos que associam uso excessivo de telas a quadros de ansiedade.
*Que construções com saúde mental e telas?*
Exemplo 3: Cardápios digitais x Filme “Eu, Daniel Blake”
As duas imagens anteriores são bastante antagônicas. À esquerda, apresento uma lei (Mato Grosso do Sul, 2023), publicada em setembro de 2023 em Mato Grosso do Sul proibindo que estabelecimentos que comercializam bebidas, refeições ou lanches utilizem apenas cardápio digital em contraponto à imagem da direita, que traz uma cena icônica do filme Eu, Daniel Blake (Pichonelli, 2016), em que um idoso que tem relação quase nula com tecnologias digitais tenta se aposentar, precisando lidar com um sistema em que diversas das ações necessárias para isso envolvem conhecimentos digitais, como possuir e-mail, preencher cadastros virtuais, entre outros.
Na imagem destacada aqui neste artigo, ao ir até uma Lan House e ser orientado a levantar o mouse mais para cima (da tela), o idoso entende que deveria levantar fisicamente este periférico, evidenciando a ausência de letramento digital e suas consequências diante de uma sociedade excessivamente informatizada. A comparação entre as duas imagens ilustra a crescente dicotomia entre o avanço tecnológico e a acessibilidade para todos os segmentos da população. Enquanto a lei em Mato Grosso do Sul reflete uma tentativa de equilibrar o acesso à informação para pessoas que podem não ter familiaridade com tecnologias digitais, o filme Eu, Daniel Blake retrata as dificuldades enfrentadas por indivíduos mais vulneráveis no contexto de uma sociedade que cada vez mais depende do digital.
*Que construções com exclusão digital?*
Exemplo 4: Tecnologias digitais racistas
No quarto exemplo, compartilho uma reportagem (Naísa, 2021) na qual estudos que afirmam que a inteligência artificial presente em aplicativos e em redes sociais pode ser racista, machista e discriminar pessoas por sua religião ou orientação sexual são citados, uma vez que os algoritmos acabam reproduzindo falhas do comportamento social vigente à época em que foram desenvolvidos. Nesse sentido, a inteligência artificial em aplicativos e redes sociais pode replicar e amplificar preconceitos existentes na sociedade.
Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, mencionado no texto, esses sistemas são alimentados por dados que frequentemente contêm vieses históricos e sociais, o que resulta na reprodução de desigualdades, perpetuando falhas e preconceitos presentes nos dados de treinamento. Como exemplo, a publicação cita que, em geral, 90% das pessoas presas por reconhecimento facial são negras, já que os algoritmos são “modelos de aprendizagem que usam estatística e dependem da estrutura de dados que foi levantada para que eles aprendam os padrões” (Naísa, 2021, p. 1).
*Que construções com tecnologias digitais racistas?*
Exemplo 5: Vamos vigiar os professores?
No último exemplo deste bloco, compartilho reportagem (KAPA, 2015) com reflexão sobre o uso de filmagens de atuação de professores em sala de aula para, supostamente, melhorar o ensino. No Brasil, várias escolas têm adotado a prática de filmar as aulas dos professores como (supostamente) uma estratégia para aprimorar a qualidade do ensino. A gravação das aulas permitiria que os educadores revisassem seu desempenho e recebessem feedback detalhado sobre sua prática pedagógica. Além disso, essa abordagem ofereceria uma oportunidade para que os gestores escolares e os próprios professores identificassem áreas com necessidade de melhoria e ajustassem suas estratégias de ensino.
A iniciativa tem gerado debates sobre a privacidade e o impacto psicológico das filmagens sobre os professores. Enquanto alguns educadores veem a prática como uma ferramenta para o desenvolvimento profissional, argumentando que a troca de experiências entre profissionais melhora a atuação destes, outros expressam preocupações sobre a possível vigilância constante e a pressão para se adequar a padrões específicos, o que se alinha a um discurso de culpabilização dos professores.
*Que construções com filmagens e vigilância?*
2.2 Pausa
Proponho uma pausa na apresentação destas situações para afirmar que são crianças, jovens e adultos expostos a esses usos educacionais (ou que podem se associar a discussões educacionais de uso) de tecnologias digitais que estamos recebendo e atendendo nas escolas e universidades.
Em geral, quando afirmamos sermos favoráveis ao uso educacional de Tecnologias Digitais, certamente o uso pensado está associado a práticas pedagógicas que promovam aprendizagens, que favoreçam a produção, edição e compartilhamento de conteúdos que expressem aprendizagens, que afirmem as vidas performadas nesses espaços, que ressoem as vozes de seus atores.
Portanto, é importante e urgente que olhemos para os seres-humanos com que temos trabalhado nas universidades e escolas. Precisamos olhá-los não apenas em seus papéis como estudantes e professores, mas como seres-humanos que possuem suas histórias de vida, suas crenças, suas experiências e suas concepções. Além disso, como dito no parágrafo anterior, é preciso considerar a exposição que todos temos sofrido e abrir espaço para reflexões sobre o uso de Tecnologias Digitais e experiências que envolvem crimes virtuais, impactos na saúde mental, exclusão digital, racismo, vigilância, entre muitos outros.
Concluída esta pausa, caminhemos para a apresentação de mais alguns exemplos.
*Que construções com pausas?*
2.3 Exemplos: parte 2
Exemplo 6: Operação Serenata de Amor
Na imagem anterior compartilho mais uma reportagem (Perongini, 2016) que apresenta o resultado da união entre engenheiros e cientistas brasileiros envolvendo análise de grandes volumes de dados, os Big Data e a inteligência artificial. Em uma ação chamada Operação Serenata de Amor, uma tecnologia desenvolvida por esse grupo teve como objetivo defender a transparência de gastos públicos com a maior precisão e confiabilidade possível, buscando combater a corrupção.
A tecnologia permite identificar possíveis discrepâncias que possam sugerir desvio de verba pública realizado por funcionários federais e políticos eleitos. O sistema também aprende sozinho, já que as informações levantadas e validadas ao longo do tempo contribuem para que as regras de distribuição de resultados sejam refinadas.
*Que construções com robôs e análise de gastos públicos?*
Exemplo 7: Outdoors e representatividade negra
No penúltimo exemplo citado nesta parte do artigo, compartilho o trabalho de Faustino, Santino e Lopes (2019), que investigou as contribuições dos cenários para investigação na formação inicial de professores que ensinam matemática no início da escolarização. Na pesquisa, os autores se apoiam no conceito de cenário para investigação proposto por Skovsmose (2000), que trata-se de um ambiente que “pode dar suporte para um trabalho investigativo nas aulas de matemática” (Faustino; Santino; Lopes, 2019, p. 85).
O trabalho envolveu uso de fotografias digitais, do aplicativo Google Maps, de apresentações com slides compartilhando gráficos e análises de dados para investigar questões de raça e representatividade em outdoors na cidade de Naviraí, localizada no interior de Mato Grosso do Sul.
Após fotografarem durante um mês 26 outdoors na cidade e registrar sua localização para evitar duplicidade na contagem, os estudantes verificaram que havia, ao todo, 40 pessoas representadas nestes espaços, 35 das quais representavam pessoas identificadas como brancas. As cinco pessoas identificadas como negras apareciam sempre em grupos e nunca estavam dispostas na imagem como figuras centrais.
A partir disso, os acadêmicos tiveram a oportunidade de relacionar matemática com situações concretas imbuídas de questões sociais, culturais, de raça e de representatividade. Além disso, o desenvolvimento do cenário teve o potencial de favorecer o desenvolvimento de perspectivas dos alunos em relação ao ensino de matemática, equipando-os com recursos que lhes permitem navegar em vários contextos enquanto formulam cenários para investigação diversos.
*Que construções com outdoors, planilhas, fotografias e representatividade?*
Exemplo 8: Letramentos digitais e diversidade
Por fim, ao citar o artigo Buzato (2014), destaco um estudo que acompanhou a trajetória de letramento digital de uma estudante universitária autodeclarada negra, heterossexual e de classe média baixa, estudante de Letras em uma universidade pública do estado de São Paulo, trabalhadora em período integral como inspetora de alunos em uma escola pública de uma cidade vizinha.
O trabalho resgata, com um enfoque pós-social ancorado na Teoria Ator-Rede, proposta por Latour (2012), parte da história de vida dessa acadêmica, que teve uma criação bastante forte vinculada à igreja, algo que influenciava sua relação com o próprio corpo, como o fato de poder ou não cortar o cabelo, poder usar ou não determinados tipos de roupa, entre outros.
A partir de práticas de letramento digital envolvendo interações virtuais em um blog com outras pessoas que se identificavam com parte de sua história de vida, essa acadêmica aos poucos foi ressignificando essas questões. O estudo propõe uma abordagem para entender a participação, emancipação e inclusão digital. Essa perspectiva enfatiza a necessidade de as iniciativas educacionais serem informadas pelas complexidades da alfabetização digital e pelas oportunidades socioeconômicas que elas criam.
*Que construções com letramento e inclusão digitais?*
2.4 Pausa
O que os últimos três exemplos têm em comum?
Entendo que nos últimos três exemplos - 1) de desenvolvimento de inteligência artificial para acompanhar gastos de verbas públicas, 2) de uso de tecnologias em um curso de Pedagogia para discutir questões de raça e representatividade em outdoors e 3) de um olhar pós-social para práticas de letramento digital associadas à ressignificação de questões envolvendo vivência na igreja e as relações com o próprio corpo - as Tecnologias Digitais mobilizadas foram utilizadas, entre outras possíveis finalidades, para questionar!
bell hooks3 (hooks, 2013), ativista e teórica feminista, aborda o questionamento como uma ferramenta essencial para o pensamento crítico e para desafiar estruturas de poder. A autora argumenta que o questionamento é fundamental para a transformação social, capacitando as pessoas a desafiarem as injustiças e a imaginarem novas formas de ser e de viver em um mundo mais justo e inclusivo.
Que debates podem ser realizados com esta postura? Que espaços se abrem? Que vozes ecoam e ressoam? Como podemos, de modo geral, utilizar tecnologias digitais para questionar o mundo, inclusive a própria tecnologia (neste último caso, fazendo referência ao exemplo de tecnologias racistas, citado neste texto)?
Entendo que, entre diversos tipos de uso possíveis, como os apresentados ao longo de todo esse artigo, como os debatidos por Chiari (2018), ou outros, quando questiono que as tecnologias digitais podem ser excludentes, abro espaço para se pensar em usos que promovam equidade. Quando questiono a universidade como lugar de colonização epistêmica4, abro espaços contra colonialistas5 (Santos, 2020) para se pensar em ambientes formativos contínuos que promovam justiça epistêmica (Fricker, 2007), envolvendo uso pedagógico de Tecnologias Digitais ou não.
Quando questiono que as tecnologias digitais podem provocar ansiedade, abro espaço para se pensar em usos que acolham sentimentos e emoções em relação à Matemática. De modo geral, é importante que a gente discuta casos de uso de tecnologias digitais como os cinco primeiros exemplos que citei neste artigo para que possamos pensar em possibilidades de abertura de espaços para discussões de modos e usos que caminhem confrontando e transgredindo esses movimentos.
O termo “colonização epistêmica”, proposto por Nêgo Bispo (Silva, 2023), utilizado em parágrafo anterior, refere-se à prática universitária que muitas vezes se apropria de conhecimentos de determinados grupos ou povos, batiza-os com novos nomes e depois desenvolvem uma movimentação de colonização em relação a esse saber, com linguagem acadêmica. Por exemplo, podemos citar práticas de professores universitários que se dirigem a escolas para desenvolver formações continuadas (sobre uso de Tecnologias Digitais, por exemplo, dado o escopo deste artigo), colocando-se na figura de quem tem algo a ensinar a alguém, sendo esse alguém o professor da escola básica, mas discutindo conhecimentos e práticas que já estão presentes em ambiente escolar com esse profissional.
Em uma direção diversa, a justiça epistêmica refere-se ao reconhecimento e à valorização dos diferentes sistemas de conhecimento, perspectivas e formas de saber. Envolve garantir que todas as vozes e experiências sejam consideradas legítimas e respeitadas no processo de produção, validação e disseminação do conhecimento.
*Que construções com questionamentos?*
3 Matemática digital humanizada (MaDHu)
Nesta seção busco discutir algumas pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto MaDHu de modo a articular estes trabalhos à discussão anterior.
O projeto MaDHu foi desenvolvido a partir do entendimento da necessidade e da importância de se discutir e promover abordagens de aprendizagem, avaliação e formação de professores conduzidas com acolhimento dos profissionais e estudantes. Nesse contexto, o projeto tem como objetivo promover e analisar processos educativos humanizados envolvendo matemática com uso de TD em diversos níveis de ensino. A proposta está alicerçada em processos de escuta ativa (Alrø; Skovsmose, 2006), autoria (Lobão, 2007) e colaboração (Fiorentini, 2004).
O projeto MaDHu tem como objetivo discutir possibilidades empíricas e teóricas de se trabalhar com usos de Tecnologias Digitais em Educação Matemática indicados como humanizados, envolvendo processos de escuta, autoria, colaboração, entre outros. A pesquisa busca investigar, com Tecnologias Digitais, posturas para falar, pensar, sentir e pesquisar com atores educacionais e não sobre esses atores.
Busca-se, também, um acolhimento holístico do ser humano e não apenas (o que já não seria pouco) de seu papel como estudante ou como professor, a partir da abertura de espaços para escuta ativa por meio de expressões com tecnologias digitais, envolvendo produções autorais e trocas de experiências. Nesse contexto, intenciona-se, ainda, abrir espaços para acolhimento das emoções, sentimentos e afetos em processos educativos de matemática com tecnologias digitais. No projeto, estão sendo desenvolvidas ações de intervenção pedagógica e de formação de professores. A pesquisa caminha em parceria de liderança com a professora Débora da Silva Soares, da UFRGS, junto com nossos respectivos grupos de pesquisa (TeDiMEM6 e GEPEMMTec 7)
A investigação busca, ainda, caminhos de distanciamento da colonização epistêmica universitária, valorizando e buscando abrir espaços para vozes ecoarem e ressoarem (de crianças, estudantes, professores, licenciandos…), legitimando suas diferenças e considerando o sentir na construção e no desenvolvimento da pesquisa, desde sua problematização até sua sustentação teórico-metodológica. Duas das pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto estão apresentadas a seguir
3.1 MaDHu: Ansiedade matemática e cartoons
Mourad (2024), em pesquisa orientada por mim, desenvolveu um estudo sobre Ansiedade Matemática (AM) com alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental. A ansiedade matemática (AM) vem sendo entendida como “padrões desadaptativos diante de situações que envolvem a matemática, levando o indivíduo a apresentar comportamentos que são enquadrados dentro dos transtornos de ansiedade” (Curilla; Carmo, 2023, p. 47).
Mourad (2024) buscou investigar expressões de alunos dos anos finais do Ensino Fundamental sobre ansiedade matemática, envolvendo a produção de cartoons. De forma específica, ela analisou produções de estudantes acerca da imagem da matemática; investigou riscos para ansiedade matemática nos estudantes; e investigou um uso de Tecnologias Digitais envolvendo externalizações sobre a matemática, a partir da produção de cartoons. A seguir compartilho um cartoon desenvolvido pela própria pesquisadora para falar sobre o conceito de AM:
Do ponto de vista empírico, Mourad (2024) aplicou instrumentos da Psicologia que permitem identificar riscos para ansiedade matemática (MENDES, 2016). Ao identificar estudantes com alta pontuação nesses instrumentos, ela realizou convite para que eles se expressassem em relação ao que sentem sobre Matemática produzindo cartoons, que são animações digitais com movimentos, imagens e sons.
Entre seus principais resultados, Mourad (2024) indica que muitos estudantes expressaram sentir medo e nervosismo em avaliações (de matemática) e apontaram influências de contextos passados e relações entre o que sentem diante desta disciplina e experiências que tiveram com professores, pais e outros alunos.
*Que construções com ansiedade matemática e cartoons?*
3.2 MaDHu: Prova em vídeo de Cálculo I
Sandim (2024), também em pesquisa orientada por mim, investigou processos avaliativos com produções de vídeos matemáticos desenvolvidos por estudantes de uma disciplina de Cálculo I. Mais especificamente, ela analisou perspectivas dos sujeitos da pesquisa em relação à temática e analisou os vídeos produzidos por eles. A partir dessas análises, buscou discutir critérios avaliativos para auxiliar professores na avaliação por meio de vídeos.
A prática investigada por ela vem sendo desenvolvida em minhas aulas de Cálculo I há alguns anos. Durante a pandemia, o desenvolvimento da prova em vídeo foi uma estratégia que se mostrou possível para o momento de realização de atividades durante o ERE. Assim, esta prática que eu mobilizava apenas de modo complementar a provas escritas antes do ERE, tornou-se o instrumento central de avaliação de minhas disciplinas após o início da pandemia de covid-19.
Com a retomada das atividades presenciais na universidade em 2022, mantive a prática por entender que ela estava abrindo um espaço importante de produção de conhecimento por parte dos estudantes e também estava me trazendo informações relevantes sobre seus percursos de aprendizagem, contribuindo para que minha mediação pudesse ser mais personalizada.
A impressão era a de que os estudantes se sentiam à vontade para participarem de um processo avaliativo que podia ser desenvolvido em momentos fora da sala de aula, com duração de alguns dias, diálogo com colegas e comigo e com a possibilidade de mobilização de diferentes recursos para expressão de suas aprendizagens, já que o vídeo permite o uso de som, imagens, gestos, animações, entre outros.
Sandin (2024) se mostrou interessada em investigar essa prática comigo em seu mestrado, pois vivenciou esse processo comigo em 2018 como aluna de Cálculo I enquanto cursava sua graduação. Para este artigo, trago um exemplo junto a uma turma que atendi após a conclusão da produção de dados desenvolvida para a pesquisa de Sandim (2024).
Aqui, compartilho imagens de vídeos produzidos por estudantes da turma de 2023 para destacar alguns aspectos. O primeiro, indicado na Figura 2, representa a correção da fração indicada na resolução em fase inicial e, depois, corrigida para a fração . Este fato indica que, ao gravarem seu vídeo, os estudantes tiveram a oportunidade e tempo suficiente para identificarem e ajustarem o cálculo, colocando o vídeo como uma produção que acolhe a historicidade do desenvolvimento de um raciocínio ou de uma produção matemática, o que implica considerar o erro como algo natural e que faz parte do processo de aprendizagem.
Na Figura 3, busco destacar o aspecto multimodal que pode estar presente em uma produção em vídeo. A multimodalidade aqui é entendida no sentido proposto por Rowsell e Walsh (2011), que a apontam como um campo que leva em conta a forma como indivíduos produzem significados com diferentes modos. Nas duas cenas que compõem a Figura 3, um estudante segura um smartphone e tem nele o aplicativo GeoGebra aberto com a construção que foi posteriormente inserida no vídeo como uma nova camada: enquanto ele movimenta a tela do seu celular com a construção dinâmica no GeoGebra, ele simula com as mãos e braços a característica da reta tangente ao gráfico, fala, aponta o quadro, que tem parte da resolução escrita, ou seja, mobiliza diversos modos de se expressar.
Entendo, portanto, que o vídeo, sendo uma produção autoral dos estudantes (Chiari, 2018), tem como potenciais: abrir espaço para que o erro faça parte do processo de aprendizagem como algo natural (Figura 2), acolher preferências dos estudantes em relação a como preferem se manifestar (Figura 3) e isso parece estar relacionado ao modo como se sentem ao serem avaliados e ao mobilizarem conhecimentos matemáticos, impactando diretamente em seus percursos de aprendizagem.
Ao serem questionamos como se sentiram durante o processo de produção dos vídeos para a disciplina de Cálculo I, frases como
Então quando você vai gravar o vídeo você está bem confortável.
[...] na nossa cabeça está muito claro, mas precisamos compreender e saber escolher as palavras [...] Eu aprendi muito.
[...] isso tira totalmente a pressão que a palavra prova traz (Frases de alunos, 2023).
parecem abrir espaço para as interpretações sugeridas.
*Que construções com produções de vídeos e avaliação?*
4 Questionar o questionamento?
Caminhando para o fechamento deste texto8, inicio esta seção retomando o que foi discutido até aqui: parti de uma música de Chico Buarque que tem, em sua letra, diversas frases com estruturas parecidas, mas com algumas palavras ou ordem de apresentação alteradas de modo que o significado do que está sendo comunicado vai se alterando significativamente. Parti, também, da questão “como desenvolver práticas humanizadas de uso de tecnologias digitais ao se ensinar a matemática?”.
Na sequência, apresentei alguns exemplos de usos de tecnologias digitais em ambientes educacionais ou em situações que podem se associar, em algum sentido, a discussões educacionais. Os exemplos buscaram evidenciar as Tecnologias Digitais desempenhando outros papéis além dos apresentados em Chiari (2018): se, naquele momento, destaquei as tecnologias digitais participando de três processos educativos (o de comunicação, o de produção de material didático e o de produção de conhecimento) - argumentando sobre a importância de aberturas de espaços para que os estudantes assumam posições autorais - aqui indiquei mais alguns papéis.
Em um primeiro bloco de exemplos, destaquei a participação das tecnologias digitais em processos envolvendo crimes virtuais em escolas, impactos na saúde mental de estudantes, exclusão digital, racismo e vigilância de professores, com a intenção de destacar que a discussão sobre este tema precisa ser feita de modo crítico, sem posicionar as Tecnologias Digitais como algo que, apenas por sua presença, é capaz de trazer algum tipo de melhoria em contextos educacionais. É preciso bastante cautela, reflexão, estudos e pesquisas para que seu uso educacional, especialmente em Educação Matemática, produza efeitos que não caminhem na direção desse primeiro bloco de exemplos.
Considero que as pesquisas e práticas envolvendo tecnologias digitais em contextos educacionais não ocorrem em um vácuo. Há atravessamentos políticos, econômicos, culturais significativos que influenciam como essas tecnologias são implementadas e avaliadas, frequentemente em contextos que são tidos como neutros ou puramente didático-pedagógicos. Esses atravessamentos podem impactar as decisões sobre quais tecnologias são adotadas e como são mobilizadas, muitas vezes refletindo interesses e agendas que não se restringem ao escopo educacional.
No segundo bloco, apresentei três situações que, em comum e em meu entendimento, evidenciam um papel a ser discutido para as Tecnologias Digitais em ambientes educacionais: o papel de questionar! Nesse sentido, destaco a importância dessa prática indicando a potência de usar as Tecnologias Digitais para promover questionamentos de conceitos, de práticas, de ações, de agendas, de mundo, como evidenciado nos últimos três exemplos, em particular ao olharmos para a Tecnologia como integrante do processo de questionar a própria Tecnologia (no caso dos algoritmos racistas citados no primeiro bloco).
Ressalto que o questionamento gera possibilidades de se inventar perguntas e cenários nas produções de projetos de pesquisa e no desenvolvimento de práticas pedagógicas e formativas, considerando seus impactos políticos, culturais e econômicos. A formulação de questões abre espaço para uma análise das tecnologias e de suas interações com estruturas de poder e interesses econômicos. Esse enfoque crítico pode provocar fissuras em narrativas dominantes e promover soluções mais justas e culturalmente sensíveis.
Revisito, aqui, o posicionamento de bell hooks (hooks, 2013) ao indicar o questionamento como uma ferramenta de transformação social, capacitando as pessoas a imaginarem outras formas de ser e de viver em um mundo mais justo e inclusivo. Assim, com a ideia desta autora e retomando a música Contrução, de Chico Buarque, apresentada no início do texto, reafirmo o trabalho que ele faz com as trocas de palavras.
Esta música aborda a desumanização nas condições sociais e políticas da época, o que abre espaço, em meu entendimento, para discussões sobre humanização. A ideia desse ensaio abriu espaço, também, para o exercício de se utilizar uma música como parte da inspiração para a discussão desenvolvida, caminhando na direção do já indicado na seção 3 em relação ao projeto MaDHu, no que concerne à postura de provocar emoções e sensações. Nesse caso, busquei mobilizar uma música potente do ponto de vista poético, lírico e político para, em conjunto com a ideia da importância do questionamento, questionar o próprio questionamento que apresentei para produzir este texto e olhar para esta escolha como uma possibilidade exequível.
Portanto, abrindo esta possibilidade de se questionar o próprio questionamento, retomo a pergunta indicada na introdução do artigo, qual seja: como caracterizar práticas de uso de tecnologias digitais que são humanizadas e que emergem ao se ensinar a matemática? Inspirada no trabalho de Chico Buarque com as palavras na música Construção e com suas trocas de lugares, busquei fazer um exercício de questionar meu próprio questionamento e, diante disso, um novo questionamento emergiu: Como discutir matemáticas que emergem a partir de práticas consideradas humanizadas para aprender com tecnologias digitais?
A troca de palavras busca evidenciar algumas posturas e entendimentos que buscamos desenvolver no projeto MaDHu e que pretendem, por sua vez, acolher a discussão construída nesse ensaio. Por exemplo, ao trocar caracterizar por discutir, intenciono abrir espaço para que a pesquisa sobre o uso de tecnologias digitais em Educação Matemática não seja uma atividade de propriedade dos pesquisadores, mas de todos os envolvidos no processo, já que discutir pressupõe interação e diálogo entre pessoas.
Ao indicar a palavra matemática no plural e não mais no singular, busco abrir espaço para os diferentes modos de produção de conhecimento e significado que ocorrem quando alunos e professores, por exemplo, exercem papéis autorais e desenvolvem seus próprios materiais ou produtos de expressão de suas aprendizagens e práticas.
Ao trocar a expressão são humanizadas por consideradas humanizadas, destaco a importância de não se afirmar previamente que uma determinada prática é, ou não, humanizada. Quem pode fazer esta indicação são os próprios atores envolvidos no processo, já que cada indivíduo tem um modo de sentir-se diante de ações e experiências e só ele pode indicar como se sente acolhido. Portanto, é importante que trabalhos que busquem ter uma postura humanizada abram espaço para a escuta ativa e que, a partir dessa escuta sobre os modos de sentir e aprender de cada um, busquem, em processos colaborativos com esses atores, propor e problematizar práticas educacionais com tecnologias digitais possíveis.
A partir de tais práticas e considerando aberturas para o exercício de posições autorais por estudantes e professores, entendo ser possível, também em colaboração com esses atores, olhar matemáticas que podem emergir desses cenários, pensar que natureza elas possuem e como elas se relacionam com as histórias de vida dos envolvidos.
Por fim, a troca de ensinar para aprender com sugere a importância de se considerar os modos particulares de aprendizagens como orientadores das práticas possíveis mencionadas no parágrafo anterior, o que também se relaciona ao processo de escuta ativa. As cores foram utilizadas para destacar as movimentações provocadas neste exercício de questionar o questionamento, inspirado na música Construção.
Entendo haver potência no uso de Tecnologias Digitais na articulação de forças, na ideia da formação de coletivos, na construção de um projeto social de educação, confrontando e transgredindo movimentos de controle a que somos submetidos constantemente. Entendo que uma abordagem holística, de acolhimento e sensível às complexidades do uso das tecnologias digitais na educação seja importante para abrir a possibilidade de se ter experiências educacionais equitativas e consideradas humanizadas.
Entendo, ainda, haver potência no questionamento. Que podem medo e nervosismos em avaliações de matemática na produção de violências (sistêmicas e invisibilizadas) em aulas de matemáticas? Como isso opera de maneira escamoteada em pesquisas com tecnologias digitais que centram discussões em eixos didático-pedagógicos? Produzir ansiedades (um afeto, um sofrimento individualizado) pode ser uma política central de neoliberalismos educacionais em curso em nossas escolas? De que modo ansiedade (sempre individualizada) não é uma constituinte de salas de aulas de Matemática (no singular)? Por que ensinar a matemática? (em atenção ao artigo definido a). Será que com essa problematização (principalmente tomando como fio condutor um enredamento com uma música) ainda precisamos estar capturados pela Matemática? Tomada como única, neutra, descorporificada, sob a gramática da definição, ela ainda opera como um bastão da modernidade/colonialidade e todas suas políticas de produção de violências? Como uma prática produzir vídeos como instrumentos avaliativos pode modificar toda uma dinâmica de uma sala de aula? Outra aula? Outra ideia de ser avaliado? Outra ideia de aprender para ser avaliado por um professor? Que dinâmicas outras essa prática profissional político-econômico-pedagógica pode em uma sala de aula de Matemática? Que outros questionamentos? Que construções com uma música em um artigo acadêmico? Que construções com um artigo que se inventa em símbolos e materialidades urbanas? Que construções com Tecnologias Digitais? Que construções com questionamentos?
*Que construções?
Que cons...
Que...?
q...?*
Agradecimentos
À Fundect, pelo apoio financeiro vinculado à Chamada Fundect 10/2022 – Mulheres na Ciência Sul-Mato-grossense, sob Termo de Outorga 899/2022, SIAFEM 32435.
Referências
- ALRØ, H.; SKOVSMOSE, O. Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática. Tradução: Orlando de A. Figueiredo. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
-
BUARQUE, C. Construção. São Paulo: Universal Music, 1971. Disponível em: https://open.spotify.com/intl-pt/track/3FIuBxOxuQ6kYy8JO0gq2a Acesso em 05 mar. 2025. Suporte (6 min).
» https://open.spotify.com/intl-pt/track/3FIuBxOxuQ6kYy8JO0gq2a - BUZATO, M. E. K. Por um enfoque pós-social fundamentado na Teoria Ator-Rede para os novos letramentos e para a inclusão digital. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 17, n. 1, p. 25-60, 2014.
- CHIARI, A. S. S. O papel das tecnologias digitais em disciplinas de Álgebra Linear a distância: possibilidades, limites e desafios. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Rio Claro: Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", 2015.
- CHIARI, A. S. S. Tecnologias Digitais e Educação Matemática: relações possíveis, possibilidades futuras. Perspectivas da Educação Matemática, v. 11, n. 26, p. 351-364, 2018.
- CURILLA, R. A. T.; CARMO, J. DOS S. Efetividade de intervenções para redução da ansiedade matemática. Revista Psicopedagogia, São Paulo, v. 40, n. 121, p. 46-65, 2023.
-
FAUSTINO, A. C.; SANTINO, F. S. S.; LOPES, B. G. Cenários para investigação na formação de professores que ensinam matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. In: SEMINÁRIO SUL-MATO-GROSSENSE DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 13., 2019, Campo Grande. Anais... Campo Grande: UFMS, 2019. p. 83-92. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/sesemat/article/view/8330/6124 Acesso em: 9 jan. 2025.
» https://periodicos.ufms.br/index.php/sesemat/article/view/8330/6124 - FIORENTINI, D. Pesquisar práticas colaborativas ou pesquisar colaborativamente? Em: BORBA, M. C.; ARAÚJO, J. L. (eds.). Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
- FRICKER, M. Epistemic injustice: power and the ethics of knowing. New York: Oxford University Press, 2007.
- HOOKS, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF; Martins Fontes, 2013.
-
JORGEWICH, C. Clara Mostra Língua. Análise de "Construção", de Chico Buarque. YouTube, 8 de julho de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=I8T9TCKPN3M Acesso em: 9 jan. 2025.
» https://www.youtube.com/watch?v=I8T9TCKPN3M -
KAPA, R. Escolas filmam atuação de professores em sala de aula para melhorar ensino. O Globo, Rio de Janeiro, 27 de abril de 2015. Educação. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/escolas-filmam-atuacao-de-professores-em-sala-de-aula-para-melhorar-ensino-15982632 Acesso em: 05 mar. 2025.
» https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/escolas-filmam-atuacao-de-professores-em-sala-de-aula-para-melhorar-ensino-15982632 - LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria Ator-Rede. Tradução: Gilson César Cardoso Sousa. Salvador: Edufb; Edusc, 2012.
- LOBÃO, A. A. A. Crianças e escola em três atos: um estudo sobre infância, cidadania e autoria nas séries iniciais no ensino fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação) -Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
-
MARQUES, M. Alunos de uma escola no Rio de Janeiro criam e compartilham falsos nudes com a ajuda de inteligência artificial. Fantástico, 5 de novembro de 2023. Disponível em https://globoplay.globo.com/v/12089018/ Acesso em 05 mar. 2025.
» https://globoplay.globo.com/v/12089018/ -
MATO GROSSO DO SUL. Estado. Lei 6.107, de 20 de setembro de 2023. Proíbe a disponibilização de cardápio ou menu exclusivamente digital, no âmbito do Estado do Mato Grosso do Sul, e dá outras providências. Campo Grande: Assembleia Legislativa, 2023. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=449828 Acesso em; 9 jan. 2025.
» https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=449828 - MENDES, A. C. Ansiedade Matemática: evidências de validade de ferramentas de avaliação e intervenção. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016.
- MOURAD, A. A. A. Ansiedade Matemática em alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental: uma investigação com Tecnologias Digitais. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) -Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2024.
-
NAÍSA, L. Reconhecimento facial: lado bom não compensa efeito perverso, diz sociólogo. Uol, São Paulo, 30 de agosto de 2021. Tilt. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/08/30/entrevista-sociologo-sergio-amadeu-da-silveira.htm Acesso em: 9 jan. 2025.
» https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/08/30/entrevista-sociologo-sergio-amadeu-da-silveira.htm -
PERONGINI, M. M. O robô, com nome de bombom, que promete recuperar R$ 1 bilhão por mês da corrupção no Brasil. Linkedin, São Paulo, 14 de dezembro de 2016. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/o-rob%C3%B4-com-nome-de-bombom-que-promete-recuperar-r-1-bilh%C3%A3o-perongini Acesso em: 25 fev. 2024.
» https://pt.linkedin.com/pulse/o-rob%C3%B4-com-nome-de-bombom-que-promete-recuperar-r-1-bilh%C3%A3o-perongini - PICHONELLI, M. Eu, Daniel Blake: o grito de Ken Loach não previu o Brexit. London: Sixteen Films, 2016. Suporte (140 min).
-
ROWSELL, J.; WALSH, M. Rethinking Literacy Education in New Times. Multimodality, Multiliteracies & New Literacies. Brock Education Journal, St. Catharines, v. 21, n. 1, p. 53-62, 2011. Disponível em: https://journals.library.brocku.ca/brocked/index.php/home/article/view/236/174 Acesso em: 9 jan. 20-25.
» https://journals.library.brocku.ca/brocked/index.php/home/article/view/236/174 - SANDIM, G. N. Produções de vídeo matemáticos e a avaliação da aprendizagem: aberturas possíveis. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática)-Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2024.
- SANTOS, A. B. Colonização, quilombos: modos e significados. Brasília: INCTI; UnB, 2015.
- SANTOS, A. B. D. Início, meio, início: Conversa com Antônio Bispo dos Santos. Indisciplinar, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 52-69, 2020.
-
SILVA, É. L. S. Antônio Bispo dos Santos - A terra dá, a terra quer - Literatura Afro-Brasileira. Belo Horizonte: UFMG, 2023. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/resenhas/ensaio/1841-a-terra-da-a-terra-quer-antonio-bispo-dos-santos> Acesso em: 25 fev. 2024.
» http://www.letras.ufmg.br/literafro/resenhas/ensaio/1841-a-terra-da-a-terra-quer-antonio-bispo-dos-santos> - SKOVSMOSE, O. Cenários para Investigação. Bolema, Rio Claro, v. 13, n. 14, p. 66-91, 2000.
-
YONESHIGUE, B. Entenda a crise de ansiedade coletiva sofrida por estudantes em escola de Recife. O Globo, Rio de Janeiro, 12 de abril de 2022. Seção Medicina e Saúde. Disponível em: https://oglobo.globo.com/saude/medicina/entenda-crise-de-ansiedade-coletiva-sofrida-por-estudantes-em-escola-de-recife-1-25470881 Acesso em: 9 jan. 2025.
» https://oglobo.globo.com/saude/medicina/entenda-crise-de-ansiedade-coletiva-sofrida-por-estudantes-em-escola-de-recife-1-25470881
-
1
Caso o leitor tenha deficiência visual ou apresente dificuldades para reconhecer as cores, observo que realcei frases com estrutura parecida com a mesma cor, para destacar o jogo de palavras realizado pelo compositor. Por exemplo, destaquei em amarelo as frases “Amou daquela vez como se fosse a última”, “(Amou daquela vez) como se fosse o último” e “Amou daquela vez como se fosse máquina” (Buarque, 1971).
-
2
Este artigo terá recortes de várias imagens e, intencionalmente, não serão feitas referências de acordo com as normas da ABNT para cada uma delas, porque elas compõem o texto e o excesso de legendas e indicações de fontes poderia atrapalhar a leitura. No entanto, todas as reportagens ou referências citadas que sejam relacionadas a essas imagens estão indicadas nas referências bibliográficas ao final do texto, com os respectivos links de acesso para consulta na íntegra.
-
3
bell hooks é o pseudônimo escolhido por Gloria Jean Watkins em homenagem à sua avó e é grafado em letras minúsculas como um posicionamento político da autora no sentido de recursa ao ego intelectual, buscando valorizar suas ideias e não sua pessoa.
-
4
Nêgo Bispo nasceu no Vale do Rio Berlengas, no Piauí. Foi um intelectual e importante líder quilombola, defendendo “comunidades rurais, seus territórios, símbolos e modos de vida” (Silva, 2023, p. 1). O termo “colonização epistêmica”, em referência a aspectos colonizadores e contra colonizadores, foi proposto por ele.
-
5
Nêgo Bispo usa os termos contra colonização e colonização para “conceituar os processos de enfrentamento entre povos, raças e etnias em confronto direto no mesmo espaço físico geográfico” (Santos, 2015, p. 20).
-
6
Grupo de Pesquisa Tecnologias Digitais, Mobilidade e Educação Matemática, coordenado por mim e com sede na UFMS.
-
7
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática, Modelagem e Tecnologia, coordenado pela professora Débora da Silva Soares e com sede na UFRGS.
-
8
Durante a avaliação deste artigo, um(a) dos(as) pareceristas levantou algumas questões, que, segundo suas palavras, foram feitas 'em uma tentativa de estar próximo à autora(or),' operando também com uma abordagem de questionamento. Essas questões, juntamente com outras que desenvolvi, foram incorporadas ao texto, refletindo o entendimento de que elas contribuíram para a composição das ideias compartilhadas na versão final e publicada, com a intenção de que essas reflexões possam se multiplicar a partir daqui.
-
Editor-chefe responsável:
Prof. Dr. Roger Miarka
-
Editor associado responsável:
Profa. Dra. Carolina Tamayo-Osorio
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
25 Fev 2024 -
Aceito
28 Out 2024






















Fonte: arquivo pessoal (2023)
Fonte: arquivo pessoal, com uso autorizado pelo estudante (2023)
Fonte: https://link.ufms.br/kGrRg (2023)