Resumo
O objetivo desta pesquisa, de cunho qualitativo, foi conhecer o ponto de vista de alunos do Ensino Básico sobre a possibilidade de estabelecerem conexões matemáticas e de adquirirem conhecimentos matemáticos durante a resolução de uma tarefa STEM. Assim, foi proposta aos alunos de quatro turmas do 9.º ano (14-15 anos) uma tarefa STEM, com ênfase em S, T e M, que permitia o estabelecimento de conexões matemáticas. O tema foi aterosclerose, cujo desenvolvimento teve o intuito de elaborar um modelo matemático, traduzido por uma função quadrática que descrevesse a redução da quantidade de sangue com o aumento da espessura da placa de gordura, observada por meio de uma simulação. A aula em que foi desenvolvida a tarefa envolveu os seguintes momentos: i) apresentação da tarefa, simulação e resolução da situação, elaboração de um relatório; ii) identificação de conexões realizadas; iii) reflexão sobre a tarefa. Neste artigo, analisamos, por meio do método indutivo, os dados do segundo e terceiro momentos. Os resultados mostram que os alunos conseguiram estabelecer conexões intramatemáticas, extramatemáticas e as que definimos sem conexão com a matemática. Entretanto, houve dificuldades para justificá-las, em particular as primeiras. Em relação às aprendizagens, os alunos destacaram ter adquirido conhecimentos relativos à doença, deixando os matemáticos em segundo plano. Diante deste estudo, entendemos ser relevante pesquisas sobre como a matemática deve ser incluída em tarefas STEM, que os estudantes percebam a importância da matemática e que ela não fique em segundo plano em relação aos conhecimentos adquiridos.
Matemática; Conexões matemáticas; STEM; Simulação; Conhecimentos
Abstract
The objective of this qualitative research was to understand the point of view of middle school students on the possibility of establishing mathematical connections and acquiring mathematical knowledge while solving a STEM task. A STEM task was proposed for students from four 9th-grade classes (14-15 years old), emphasizing the S, T, and M components, allowing for the establishment of various mathematical connections. The theme was atherosclerosis, intending to develop a mathematical model that described the reduction in the amount of blood with the increase in the thickness of the fatty plaque, observed through a simulation. The class in which the task was developed, involved the following moments: i) task presentation, situation simulation and resolution, preparation of a report; ii) identification of connections made; iii) reflection on the task. In this article, we analyzed the data from the second and third phases using an inductive method. The results show that both intra-mathematical and extra mathematical connections were established, as well as those considered “unrelated to mathematics.” Regarding learning outcomes, students emphasized knowledge related to the disease, placing mathematical aspects “in the background”. Given this study, it is understood that research on how mathematics should be included in STEM tasks is relevant, so that students realize the importance of mathematics and that it does not remain “in the background” in relation to the knowledge acquired.
Mathematics; Mathematical connections; STEM; Simulation; Knowledge
1 Introdução
Pesquisadores, como Businskas (2008), Garcia-Garcia e Dolores-Flores (2018), afirmam que o estabelecimento de conexões é produtivo no processo de ensino e de aprendizagem da Matemática. Segundo eles, por um lado, o reconhecimento de conexões dentro da própria disciplina - temas, conteúdos, representações - contribui para uma sólida construção do conhecimento matemático; por outro, o estabelecimento de conexões entre os conceitos matemáticos e outras áreas, ou a realidade, permite que os alunos identifiquem e valorizem a aplicabilidade da Matemática.
É importante destacar que as conexões matemáticas podem emergir de atividades que envolvem diferentes abordagens, tais como: modelagem matemática, resolução de problemas, tarefas integradas de STEM (Science, Technology, Engineering, Mathematics). Em particular, as tarefas integradas STEM favorecem a aprendizagem da Matemática, pois atribuem significado aos seus conceitos mobilizados por meio de um ensino integrado, baseado na interdisciplinaridade e aplicabilidade de conhecimentos. Apesar desse reconhecimento, pesquisas de English (2016) e Maass et al. (2019) mostram que, em tarefas STEM, muitas vezes, a aprendizagem matemática se tornando invisível. Nesse contexto, foram formuladas as seguintes questões: onde fica o M em uma tarefa integrada de STEM? E qual será a resposta a essa questão se considerado o ponto de vista de alunos do Ensino Básico sobre ela?
Nessa conjuntura, o objetivo da pesquisa foi conhecer o ponto de vista de alunos do Ensino Básico sobre a possibilidade de estabelecerem conexões matemáticas e de adquirirem conhecimentos matemáticos durante a resolução de uma tarefa integradora de STEM com ênfase em Ciências, Matemática e Tecnologia. Para tal, formulamos as seguintes questões: Que conexões os alunos reconhecem ser possíveis estabelecer após a realização da tarefa? Que conhecimentos os alunos pensam ter adquirido com a tarefa?
Elaboramos uma tarefa STEM (com ênfase no S, T e M) que tem a potencialidade de permitir estabelecer diferentes conexões matemáticas. A tarefa realizada por 83 alunos, de quatro turmas do 9.º ano (alunos entre os 14 e 15 anos), de uma escola do Sul de Portugal. O tema foi a aterosclerose; o objetivo, elaborar, por meio de uma simulação, um modelo matemático para descrever a redução na quantidade do sangue com o aumento da espessura da placa de gordura. Portanto, era esperado que os alunos estabelecessem uma relação de covariação entre as duas variáveis, por meio de um modelo matemático de função quadrática relacionando o volume do cilindro e o comprimento do raio da base.
Após a realização da tarefa, os alunos foram desafiados a estabelecer um conjunto de ligações entre pares de elementos envolvidos na tarefa, além de serem questionados sobre os conhecimentos adquiridos e as dificuldades encontradas. Neste artigo, são apresentados e analisados esses dados, imbricando-os com o referencial teórico, discutido na próxima seção. No final, analisamos algumas inferências e reflexões acerca dos achados da pesquisa, contribuindo para as da área da Educação Matemática.
2 Referencial Teórico
Nesta seção, apresentamos e discutimos algumas definições de conexões matemáticas existentes na literatura, bem como explicitamos o que se entende por conexões intramatemáticas e extramatemáticas. Aliado a isso, destacamos a importância do recurso às conexões no processo de ensino e de aprendizagem da Matemática. A segunda seção é dedicada à Educação STEM, em particular, ao papel atribuído à Matemática nesse processo.
2.1 Conexões Matemáticas
De acordo com o NCTM (2000, p. 65), o estabelecimento de relações possibilita “uma visão da matemática como um todo conectado e integrado, pois eles [os alunos] têm menos tendência a visualizar habilidades e conceitos matemáticos separadamente”. As aprendizagens essenciais de Matemática para o 3.º ciclo do Ensino Básico (Canavarro et al., 2021), apresentam como um dos objetivos do ensino desta disciplina, o desenvolvimento da capacidade de estabelecer conexões matemáticas, internas e externas. É assumido que as conexões internas ampliam a compreensão das ideias e dos conceitos matemáticos que nelas estão envolvidos e estabelecem relações entre os diversos temas da Matemática. As conexões externas com distintas áreas do conhecimento ou com situações diversas possibilitam que os conhecimentos matemáticos sejam usados para compreender, modelar e atuar em várias áreas ou disciplinas.
Policastro (2021, p. 78) define “conexões matemáticas” como “produtos das relações que se estabelecem entre diferentes construtos, conceitos, propriedades ou fundamentos dentro de um mesmo tópico e/ou entre diferentes tópicos, a fim de desenvolver o conhecimento dos alunos associado a um entendimento estrutural da Matemática”. Por sua vez, Businskas (2008) as define a partir de três ideias: a) uma propriedade da própria Matemática, b) uma construção do aluno e c) um processo de fazer associações matemáticas. Para a autora, as conexões existem de forma independente de quem as estabelece e, pensá-las como um processo, leva-nos a considerá-las “artefactos do próprio processo de aprendizagem” (Businskas, 2008, p. 12). Neste sentido, cabe ao professor criar as condições para que os alunos identifiquem e estabeleçam conexões matemáticas.
Segundo Canavarro (2017), a literatura apresenta duas ideias transversais acerca das conexões matemáticas. A primeira se refere à diversidade, que pode ocorrer entre a Matemática e o cotidiano, como, por exemplo, nas atividades do dia-a-dia e com outras disciplinas nomeadamente, Biologia, Química, Artes, ou seja, entre diversos conteúdos e procedimentos. A segunda ideia destaca o propósito das conexões, que é ligar, relacionar, ancorar. Com efeito,
O grande propósito das conexões é que ampliem a compreensão das ideias e dos conceitos que nelas estão envolvidos e, consequentemente, permitam aos alunos dar sentido à Matemática e entender esta disciplina como coerente, articulada e poderosa — em vez de ser perspectivada, como recorrentemente acontece, como uma coleção de regras ad-hoc a aplicar em situações particulares pré-determinadas e sem outra utilidade para além da de passar nos testes (Canavarro, 2017, p. 38).
Por sua vez, García-García e Dolores-Flores (2018, p. 229) entendem as conexões matemáticas como “um processo cognitivo através do qual uma pessoa relaciona duas ou mais ideias, conceitos, definições, teoremas, procedimentos, representações e significados entre eles, com outras disciplinas ou com a vida real”. Nesta pesquisa, adotamos a ideia de conexão matemática como o processo por meio do qual são estabelecidas relações entre diferentes conceitos matemáticos – intramatemáticas – e da Matemática com outras áreas do conhecimento ou com a realidade – extramatemáticas.
No que concerne às conexões intramatemáticas, estas são relações estabelecidas entre diferentes conceitos matemáticos ou entre procedimentos e diferentes representações de um mesmo conceito matemático. Para Perez e Piquet (2022, p. 392), tais relações são instituídas a partir das “representações que se utilizam, das definições que se constroem, das operações que se definem, das propriedades que se explicitam, dos procedimentos que se utilizam ou dos problemas em que se aplicam os princípios”. Por exemplo, neste artigo, após a simulação da situação proposta na tarefa, os alunos foram desafiados a criar múltiplas representações matemáticas envolvendo diagramas, tabelas, objetos, imagens e gráficos.
Por sua vez, as conexões extramatemáticas, de acordo com Gamboa et al. (2021), são estabelecidas entre conhecimentos da Matemática e do mundo exterior; dito de outra forma, permitem compreendê-la como um conhecimento aplicável a outros campos, como, por exemplo, ao mundo físico e ao ambiente social. Walkerdine (1988) enfatiza que as conexões são caracterizadas por vincularem a Matemática com situações que têm objetivos diferentes dos da Matemática Escolar; usam um discurso distinto do que é utilizado na aula de Matemática; requerem uma simbologia e uma linguagem que diferem da terminologia usada na Matemática. A autora acrescenta que essas conexões possibilitam que o estudante atribua sentido à Matemática, o que é fundamental para o entendimento dos conceitos matemáticos. Siregara e Surya (2017), descrevem que as habilidades de estabelecer conexões matemáticas podem ser percebidas de acordo com os seguintes indicadores: procurar e compreender a relação das várias representações de conceitos e procedimentos; utilizar a Matemática em outras áreas de estudo ou no cotidiano; compreender a representação equivalente de um mesmo conceito ou procedimento; procurar conexão de um procedimento a outro em representação equivalente; estabelecer conexões entre tópicos matemáticos e outros.
No que tange à importância do estabelecimento de conexões, Canavarro (2017, p. 41- 42), ao sintetizar resultados da pesquisa sobre a aprendizagem da Matemática, destaca que os alunos aprendem com maior “aprofundamento da compreensão” quando diversas representações são conectadas; concebem a Matemática como uma atividade que faz sentido; desenvolvem capacidades transversais, tais como “interrogar e interpretar no contexto das conexões abordadas”. Além disso, contribuem para uma atitude favorável em relação à Matemática, “apreciando o seu valor como explicação das situações extramatemáticas e possibilidade de predição/intervenção sobre essas situações”; aprendem conteúdos matemáticos como também assuntos extramatemáticos.
Businskas (2008) e García-García e Dolores-Flores (2018) destacam que a produção de conexões matemáticas pode ser um indicador de compreensão, pois consideram que elas são construídas quando há um entendimento da situação. Sendo assim, podemos afirmar que a aprendizagem da Matemática está diretamente ligada à compreensão e ao significado das ideias matemáticas envolvidas. Os autores acrescentam que compreender pressupõe saber relacionar e fazer ligações entre ideias, conceitos, procedimentos, representações e significados.
Perez e Piquet (2022, p. 393) sublinham que a construção de um conhecimento matemático com significado requer que o professor o conecte com os adquiridos anteriormente pelos alunos, bem como aos futuros conhecimentos, pois isso permite conectar conceitos ou sequenciar atividades de forma coerente. Nessa perspectiva, conforme Bortoli e Bisognin (2023), os docentes precisam conhecer não só a Matemática que os alunos estudaram nos anos anteriores, mas também os conteúdos que eles estudarão futuramente.
Diante do exposto, podemos inferir que as conexões intramatemáticas ou extramatemáticas proporcionam melhorias nos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática. Aliado a isso, entendemos que tarefas com foco na Educação STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática) são produtivas para que os estudantes consigam estabelecer tais conexões.
2.2 Algumas ideias sobre Educação STEM
O estabelecimento de conexões entre a Matemática e outras áreas do conhecimento envolve, naturalmente, o desenvolvimento de tarefas interdisciplinares nos processos de ensino e de aprendizagem. A Educação STEM integrada viabiliza o envolvimento conjunto de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Stohlmann, Moore e Roehring (2012) sublinham que a Educação STEM proporciona experiências importantes aos estudantes, aproxima-os de situações da realidade, permitindo-lhes estabelecer conexões entre diferentes tópicos curriculares para desenvolverem aprendizagens mais profundas nessas áreas.
Segundo Toma e Garcia-Carmona (2021), o termo STEM explodiu no cenário internacional de Educação Científico-Tecnológica e está monopolizando diversas pesquisas. Surgido nos Estados Unidos, nos anos noventa do século passado, a partir de então, foram desenvolvidas políticas educacionais em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Essas políticas procuram inverter a crise que afeta vários países, tais como Portugal e Brasil onde os estudantes revelam pouco interesse em prosseguir estudos superiores nessas áreas. Os autores complementam que STEM é apresentado com três significados diferentes: (i) como slogan político, ou seja, bandeira para exigir maior atenção administrativa ou governamental às disciplinas que compõem a sigla; (ii) como um acrônimo para se referir aos aspectos relacionados à Ciência, Matemática, Tecnologia e Engenharia; (iii) como um movimento pedagógico ou interdisciplinar voltado à integração das áreas que constituem o STEM.
Rosa e Orey (2021, p. 844) defendem que essa abordagem “incentiva uma compreensão mais profunda da ciência, tecnologia, engenharia e matemática como formas de conhecimento humano relacionadas à sua comunidade glocal”. Estes pesquisadores consideram que ela permite que os estudantes “desenvolvam habilidades analíticas poderosas, abordando uma diversidade de maneiras que lhes permitem ver, perceber e experimentar seu próprio mundo” (Rosa; Orey, 2021, p. 843).
Do ponto de vista educacional, Just e Siller (2022) destacam que identificar conexões entre as áreas do STEM é importante porque auxilia na compreensão dos conceitos disciplinares e possibilita usar o conhecimento de um contexto para outro. Na mesma linha argumentativa, Baioa e Carreira (2019, p. 74) pontuam que a educação interdisciplinar, na conjuntura STEM, representa um “esforço para combinar ciência, tecnologia, engenharia e matemática numa só aula ou espaço de aprendizagem”, estabelecendo relações que podem ser geradas entre conteúdos e problemas da vida real, “onde as quatro áreas do conhecimento poderão ser relevantes, ainda que não tenham de estar obrigatoriamente envolvidas ao mesmo tempo”.
English (2016), em suas pesquisas, observou que, embora o conceito de STEM esteja subjacente à multi/transdisciplinaridade, a integração entre as áreas pode ficar restrita a um plano superficial ou fictício, em particular no que se refere à Matemática. O aprendizado desta, segundo ela, beneficia-se menos em relação a outras disciplinas em programas que se concentram na integração STEM.
Em uma revisão sistemática de estudos envolvendo STEM, Just e Siller (2022) apontam a existência de lacunas no ensino de Matemática, fato que corrobora os resultados de English (2016). O objetivo dos autores foi identificar o papel da Matemática nas aulas do Ensino Médio e, segundo eles, a função superficial ou a fraca visibilidade do M na Educação STEM pode ocorrer porque a Matemática é vista como um meio de comunicação ou de linguagem das disciplinas envolvidas. Ademais, suas aplicações na Ciência, Tecnologia e Engenharia, geralmente, são baseadas em modelos matemáticos complexos, o que dificulta a compreensão.
Gamboa et al. (2021) ratificam o pensamento de Just e Siller (2022) ao sublinharem que a pesquisa educacional sobre STEM foca principalmente a perspectiva da Ciência enquanto a Matemática desempenha um papel superficial nas atividades de sala de aula, permanecendo, frequentemente, em segundo plano, como serva nas experiências de aprendizagem associadas à Ciência. Hurley (2010) segue a mesma linha argumentativa ao comentar que, apesar da integração na educação STEM ser produtiva para o aprendizado das disciplinas envolvidas, o efeito parece ser mais relevante na aprendizagem das restantes Ciências do que na aprendizagem da Matemática. Tal fato pode estar relacionado à visão de que ela é um conjunto de ferramentas que auxilia a Ciência e a Engenharia (English, 2016; Gamboa et al., 2021).
3 Metodologia
Essa pesquisa se caracteriza como qualitativa, que, de acordo com Gil (2021, p. 3), tem o intuito de “[...] compreender como as pessoas interpretam suas experiências, constroem seus mundos e atribuem significado a suas experiências. A principal preocupação do pesquisador deve ser, portanto, a de compreender o fenômeno segundo a perspectiva dos participantes e não a sua”. Aliado a isso, o autor destaca que esse tipo de abordagem possibilita aos participantes “expressarem livremente suas crenças, sentimentos e experiências, sem limitações ou constrangimentos” (Gil, 2021, p. 3).
O propósito desta pesquisa, em particular, foi conhecer o ponto de vista de alunos do Ensino Básico sobre a possibilidade de estabelecerem conexões matemáticas e de adquirirem conhecimentos matemáticos durante a resolução de uma tarefa integradora de STEM, com ênfase em Ciências, Matemática e Tecnologia. Assim, exploramos a referida tarefa em quatro turmas de 9.º ano, com a participação de um total de 83 alunos, cuja faixa etária era de 14 a 15 anos, em uma escola no Sul de Portugal. Os alunos integraram os grupos habituais da aula de matemática, tendo sido constituídos 24 grupos, compostos por três ou quatro alunos. Na sala de aula, além da professora titular de matemática, estiveram presentes duas pesquisadoras (professoras de matemática), que entregaram a tarefa e os respectivos materiais; acompanharam a resolução da tarefa, esclarecendo dúvidas e instigando os alunos de modo que cada grupo concluísse a tarefa com êxito. O tema da tarefa – aterosclerose – faz parte do currículo da disciplina de Ciências Naturais no 9.º ano de escolaridade, e tinha sido estudado pelos alunos na respectiva disciplina. Além disso, é importante salientar que estas turmas não tinham tido experiência com atividades envolvendo STEM.
O que se pretendia na aula de matemática era que os alunos elaborassem um modelo matemático que descrevesse a redução na quantidade do sangue com o aumento da espessura da placa de gordura na artéria. Assim, as turmas o produziram, por meio de um experimento, usando materiais físicos, simulando o que ocorre com a quantidade do sangue no organismo com o aumento da espessura da placa de gordura. Nessa simulação, o modelo matemático que relaciona a quantidade de placas e o volume do sangue pode ser traduzido por uma função quadrática. Salientamos que os alunos já tinham tido um contato inicial com esta função, centrado na expressão e com a respectiva representação gráfica.
Na tarefa desenvolvida estavam implícitas a possibilidade de estabelecer conexões intramatemáticas e extramatemáticas. A aula em que foi desenvolvida a tarefa envolveu os seguintes momentos: i) apresentação da tarefa, simulação e resolução da situação, elaboração de um relatório; ii) identificação de conexões realizadas; iii) reflexão sobre a tarefa.
A entrega da tarefa aos alunos foi precedida da apresentação de um trabalho, em vídeo, realizado por um grupo de alunos, em cada turma, sobre a doença da aterosclerose sob a orientação da professora de Ciências Naturais (esta orientação ocorreu na aula de Ciências Naturais, na semana anterior à aula em que foi desenvolvida a tarefa aqui discutida). No vídeo, dentre outros aspectos, destacaram-se alguns sintomas e efeitos desta doença.
O enunciado da tarefa continha explicação resumida desta doença e alguns dos seus efeitos, bem como um desenho representativo das artérias em diferentes situações da aterosclerose, conforme visualizamos na Figura 1, à esquerda. E, a tarefa a ser realizada está descrita na Figura 1 à direita.
Cada grupo recebeu também um kit com um conjunto de materiais para a realização da experiência: um pequeno copo de forma cilíndrica (representando uma artéria); placas de EVA de formato retangular e com diferentes tamanhos (representando placas de gordura); água com corante vermelho (representando sangue) uma seringa (realização da medição do líquido). Previamente, solicitamos que cada grupo tivesse um notebook para apoiar o trabalho de resolução da tarefa.
Após a entrega da tarefa e dos materiais, os componentes dos grupos fizeram a leitura do enunciado da tarefa, seguida da experiência, desenvolvida envolvendo a simulação da quantidade de sangue nas veias. O trabalho foi organizado desta forma: um integrante de grupo ficou responsável pelo registro dos dados numa folha de papel; outro, pelas anotações visando à produção do relatório; os restantes, pela manipulação dos materiais. Ademais, foram informados de que o relatório deveria conter título, introdução, descrição dos procedimentos realizados e resultados obtidos com a respectiva interpretação e conclusões.
Findo o relatório, solicitou-se o estabelecimento de conexões. Cada grupo recebeu uma folha (Figura 2) contendo imagens ou palavras envolvidas na tarefa. O objetivo era que identificassem as conexões que tinham estabelecido no decorrer da realização da tarefa.
O terceiro momento foi dedicado à autoavaliação do trabalho realizado. Para tal, receberam, individualmente, um questionário composto de sete frases que deveriam completar. Neste artigo, apresentamos apenas a análise das respostas às questões 1, 2, 3 e 7:
1. Eu observei ideias matemáticas envolvidas na tarefa, tais como ___________________
2. Eu observei que na tarefa estavam envolvidos temas fora da matemática, tais como ___
3. Com esta tarefa, eu consegui adquirir conhecimentos, tais como ___________________
7. Eu tive dificuldades em ____________________________________________________
(Questões respondidas pelos alunos, 2023).
Além das quatro questões anteriores, para este artigo, examinamos as respostas dos grupos de alunos1 na identificação de conexões (Figura 2).
Quanto à análise dos dados, foi usado o método indutivo. De acordo com Creswell e Creswell (2021), na análise indutiva, o pesquisador não disporá de categorias prévias; ele examinará os dados, identificando trechos importantes para responder ao problema de pesquisa. Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 205) a análise “envolve o trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta dos aspectos importantes e do que deve ser aprendido e a decisão sobre o que vai ser transmitido aos outros”. Assim, realizamos transcrições das respostas dos dois instrumentos, organizamos os dados, procuramos semelhanças e aspectos que pudessem responder às questões de pesquisa e confrontamos os resultados com o referencial teórico.
4 Análise dos Dados
Nesta seção, apresentamos e analisamos os dados emergentes dos dois instrumentos descritos anteriormente. Para isso, decidimos organizar a escrita em duas unidades: a) conexões estabelecidas pelos alunos; b) ponto de vista dos alunos sobre conhecimentos adquiridos.
a) Conexões estabelecidas pelos alunos
Essa unidade surgiu dos dados obtidos pelo preenchimento da folha apresentada na Figura 2, em que os grupos estabeleceram ligações entre pares de elementos com a respectiva justificativa. Para perceber as conexões identificadas, organizamos o Quadro 1, que foi construído por meio da contagem das ligações entre os 16 elementos que constam na Figura 2. Assim, por exemplo, o número 4, na primeira linha e segunda coluna do Quadro 1, significa que quatro dos vinte e quatro grupos ligaram a imagem do cilindro2 à palavra “Volume”.
No Quadro 1 estão dispostos, na cor azul, os elementos da Figura 2 que definimos como matemáticos; na amarela, os não matemáticos; os retângulos - cor verde - representam ligações entre os próprios elementos (razão pela qual não existe valor nesses retângulos), mas neles há simetria; em vista disso, a parte abaixo desses retângulos, para a contagem do número de conexões estabelecidas pelos grupos é cinza. Na última coluna, apresentamos o número total de ligações em cada elemento, ou seja, o 33 (segunda linha) denota que a imagem do cilindro foi ligada 33 vezes. Esse número excede o dos 24 grupos, porque um mesmo grupo ligou a imagem do cilindro a mais de um elemento (o que foi permitido).
Diante dos dados do Quadro 1, podemos tecer algumas considerações: foram estabelecidas 98 conexões intramatemáticas, isto é, as ligações entre os elementos pintados de azul. Alguns exemplos de conexões são: “Volume” e a fórmula V = πr2h; palavra “Função” e Tabela y); “Função quadrática” e a parábola; “Geometria” e cilindro; entre outros. A análise dessas conexões e as respectivas justificativas confirmam que os alunos as estabeleceram entre conceitos e representações matemáticas de uma mesma área da Matemática, o que confirma a perspectiva de Gamboa e Figueiras (2014). Como exemplos, citamos: conexões entre volume, cilindro, fórmula de calcular o volume vinculados a área da geometria; ligações entre função, gráfico, Tabela , parábola, função quadrática que fazem parte da álgebra.
Quanto às extramatemáticas, surgiram 33 conexões, ocorridas entre os elementos pintados de amarelo e azul. Alguns exemplos: artéria e cilindro; placa de EVA e cilindro; seringa e a palavra “Volume”. Já entre os elementos amarelos, que podem ser nomeados não matemáticos, tais como placa de EVA e “Placa de gordura”; sistema circulatório e a palavra “Sangue”, foram realizadas 74 ligações.
A palavra “Placa de gordura” foi ligada a apenas dois elementos: à placa de EVA e à artéria. A imagem da Tabela ( foi ligada a três elementos distintos: “Variação”, “Função”, “Função quadrática”. A imagem do cilindro foi ligada ao maior número de elementos diferentes, ou seja, 10 elementos: “Volume”, “Geometria”, “Variação”, V = πr2h, “Função quadrática”, parábola, placa de EVA, copinho, “Sangue”, artéria. Cumpre destacar que esse elemento teve um total de 33 ligações, sendo que nove grupos ligaram cilindro com “Geometria”, justificando que ele é uma forma geométrica.
O “Volume” teve um total de 34 ligações, mas ele foi ligado a apenas seis elementos diferentes. Entretanto, 19 grupos ligaram “Volume” a V = πr2h, justificando que era a fórmula do volume do cilindro, o que pode indicar que os alunos conheciam a fórmula de calcular o volume. Destacamos que cinco grupos ligaram a fórmula a imagem do cilindro.
A imagem da placa de EVA foi ligada por 21 grupos a palavra “Placa de gordura” com estas justificativas:
G8: Porque o EVA significava a placa de gordura.
G12: Pois é o objeto que utilizamos como placa.
G18:Placa de gordura que se acumula nas artérias (Considerações dos grupos acerca da tarefa, 2023).
Dezoito grupos associaram a parábola a palavra “Função quadrática”, justificando que:
G10: é o gráfico com os resultados da experiência feita.
G20: Gráfico da função quadrática (Considerações dos grupos acerca da tarefa, 2023).
Quatro grupos a ligaram a palavra “Função”, pois, segundo eles:
G3: essa imagem representa uma função (Considerações dos grupos acerca da tarefa, 2023).
Em efeito, percebemos que os grupos identificaram o traçado de uma função quadrática, que resultou como modelo matemático do experimento realizado.
A palavra “Função” foi ligada aos seguintes elementos: V = πr2h “Função quadrática”, Tabela , parábola, seringa, sistema circulatório, “Sangue”, artéria. Quanto à ligação com a imagem do sistema circulatório (sete grupos), a justificativa foi a função circulatória. Notamos que nem um grupo ligou a palavra “Função” ao da “Variação”, algo que nós estávamos esperando. Ocorreram interpretações diferentes para a palavra “Função”, ou seja, os grupos atribuíram significados distintos a esse termo. Esse é um aspecto que deve ser observado pelo professor, pois, de acordo com Walkerdine (1988, p. 37), apesar das vantagens de se realizarem conexões matemáticas, “fazer tais conexões pode ser problemático para muitos alunos, uma vez que as práticas que devem ser conectadas e o registro simbólico e os padrões discursivos podem diferir”.
Salientamos que várias ligações efetuadas pelos grupos não foram justificadas, pois seus integrantes declararam não saber como escrever a ideia que tinham em mente. Essa afirmativa pode ser um indicativo de que os alunos estabeleceram relações intuitivamente, sem a capacidade de revelar conhecimentos mais aprofundados sobre alguns temas. Tal resultado corroboram as ideias de Menanti, Sinaga e Hasratuddin (2018, p. 30):
A falta de capacidade de conexão matemática ao aprender matemática é causada por muitas coisas, uma das quais é porque os alunos não são capazes de conectar as ideias matemáticas que foram ensinadas e as ideias matemáticas recém-ensinadas. Isso acontece porque os alunos muitas vezes podem memorizar ideias matemáticas sem tentar interpretar a ideia.
Neste sentido, enfatizamos a importância de o aluno justificar as suas conjecturas, pois é por meio dessa forma de comunicação que o professor pode perceber se ele conectou e compreendeu as ideias matemáticas inter-relacionadas ao tema em estudo ou apenas o memorizou. Em adição, Garcia-Garcia e Dolores-Flores (2018) argumentam que estabelecer conexões matemáticas é um processo complexo que os estudantes nem sempre conseguem realizar, pois isso depende de conhecimentos novos e anteriores. Ademais, os autores defendem a necessidade de entender as conexões matemáticas e a relação entre ela a fim de usá-las nos processos de ensino e de aprendizagem para diminuir as dificuldades dos alunos e promover o desenvolvimento da compreensão matemática.
b) Ponto de vista dos alunos sobre conhecimentos adquiridos
Em relação aos conhecimentos matemáticos, os alunos reconheceram ter adquirido na resolução da tarefa os seguintes: função polinomial de segundo grau, cálculo de volume, equação de uma função representada graficamente, geometria, construção de gráficos:
A1: Função de segundo grau observada no gráfico feito, volumes e medidas.
A23: Volume do copo e as medições de volume.
A29: Função x e y, os gráficos e os cálculos de volume.
A53: Os volumes do sangue obtidos e a equação do gráfico.
A59: Elaboração de um gráfico, volume, contar na seringa.
A66: Calcular o volume e a área do círculo. Elaboramos um gráfico.
A67:Volumes, funções e geometria (Respostas dos alunos, 2023)
Enfatizamos que a questão solicitava que se referissem às ideias matemáticas envolvidas na tarefa. No entanto, alguns alunos citaram apenas os aspectos da doença e não os temas matemáticos, como evidenciam algumas respostas:
A7: Quanto mais camadas de gordura, menor volume de sangue.
A8: Mudança de volume da artéria com alteração no número de placas de gordura.
A12: Quanto maior área ocupada pelo papel ou gordura, menor quantidade de líquido ou gordura (Respostas dos alunos, 2023)
Essas respostas podem ser um indicador de que os alunos relacionaram volume e área com a doença. O volume e a área são conteúdos matemáticos já estudados por esses alunos, os quais foram usados no contexto desta situação, que envolve um conteúdo da disciplina de Ciências. Os alunos foram capazes de usar tais conteúdos matemáticos para resolver um problema de Ciências, mas não os reconheceram explicitamente, dando ênfase à doença que estava envolvida na referida situação.
Quando perguntados sobre os temas fora da Matemática envolvidos na tarefa (questão 2), a maioria dos alunos escreveu somente a palavra ciência enquanto outros:
A15: Ciências envolvendo sangue, artérias e gorduras (Resposta de aluno, 2023).
Outros temas citados foram: doença aterosclerose, doenças no corpo humano, anatomia, como se forma a gordura, experiência. Nessa questão, percebemos que os alunos enfatizaram temas relacionados à área das Ciências em suas respostas, pois focaram as causas e os efeitos da aterosclerose no organismo humano, um conteúdo que estava sendo estudado na disciplina de Ciência.
Ao serem indagados sobre os conhecimentos adquiridos (questão 3), os alunos ressaltaram o que aprenderam sobre a aterosclerose (o que é, causas, consequências no organismo, prevenção).
A1: O funcionamento e o que é aterosclerose.
A13: Quanto mais gordura nas artérias, menos sangue passa.
A17: Conseguir compreender mais sobre o corpo humano e também a aterosclerose com as consequências.
A31: O efeito da doença no nosso corpo.
A42: Quanto mais camada de gordura, menor o volume de sangue.
A58: O comportamento das artérias e do sangue em relação à gordura acumulada (Respostas dos alunos, 2023).
Dos 83 alunos envolvidos na resolução dessa tarefa, apenas três responderam algo vinculado à Matemática:
A4: explicar como funciona a aterosclerose e fazer um gráfico de forma correta, também como fazer um relatório correspondente pode indicar uma “conexão simples” em relação à Matemática (fazer o gráfico de forma correta).
A15: [se referiu ao] calcular o volume.
A47: calcular volume do cilindro (Respostas dos alunos, 2023).
Na visão deles, os conhecimentos adquiridos estavam vinculados à doença (discutida na disciplina de Ciências), os conceitos matemáticos mobilizados não foram explicitados, uma vez que os alunos consideraram a doença, o foco principal. Esses resultados estão alinhados com o que foi discutido por English (2016) e Maass et al. (2019).
Na sequência, procuramos conhecer as dificuldades dos alunos na realização da tarefa. A maioria declarou que não as sentiu. No entanto, a parte que as enfrentou comentou situações relacionadas com a Matemática:
A3: Entender o gráfico.
A20: Fazer os gráficos e analisar os dados.
A45: Descobrir como fazer a fórmula (Respostas dos alunos, 2023).
Destacamos que um número reduzido de alunos enfrentou dificuldades no início da simulação, na elaboração do gráfico no Excel e na escrita do relatório. É interessante notar que não foi citado qualquer problema relacionado com o tema das Ciências Naturais envolvido na tarefa implementada.
5 Discussão
A análise dos dados provenientes da exploração da tarefa da arterosclorose por alunos do 9.º ano mostra que eles estabeleceram várias ligações intramatemáticas, extramatemáticas e não matemáticas. No entanto, as duas últimas envolveram justificativas mais detalhadas e fortemente relacionadas com a doença em estudo. No que concerne às conexões intramatemáticas, estas não foram justificadas pelas turmas, o que pode evidenciar um conhecimento insuficiente de alguns conceitos matemáticos, como, por exemplo, o da variação. Tal como em outras pesquisas (Menanti, Sinaga, Hasratuddin, 2018), as dificuldades reveladas nos permitem defender que a capacidade de justificar o estabelecimento de conexões matemáticas precisa ser desenvolvida na aula de Matemática.
Em relação à aprendizagem, os resultados revelam que os conhecimentos relacionados com o tema das Ciências Naturais ficaram mais explícitos do que os de Matemática, o que também foi constatado por English (2016) na sua pesquisa, em que os alunos deram menos relevância às aprendizagens de Matemática num contexto STEM. Destacamos, no entanto, que, ao longo da realização da tarefa, os alunos mobilizaram diversos conhecimentos matemáticos, conforme se pode ver na Figura 3. Contudo, no momento de destacar os conhecimentos adquiridos na realização desta tarefa (questão 3 do questionário de autoavaliação) apenas 3 alunos explicitaram claramente os conhecimentos matemáticos mobilizados.
Na Figura 3, observamos que tanto o Grupo G1 como o Grupo G9 aplicam e desenvolvem conhecimentos matemáticos, mas no momento da resposta a questão 3 de autoavaliação, estes não foram salientados. No entanto, evidenciaram as causas e os e/feitos da doença da aterosclerose (relacionados à disciplina de Ciências Naturais), sendo que a maioria dos alunos entendeu e escreveu que aprendeu:
[...] quanto mais camada de gordura menor a quantidade de sangue [circula nas veias] (Resposta prevalente entre os alunos, 2023).
Da realização deste estudo, resultaram alguns questionamentos, tais como: numa tarefa realizada na aula de Matemática e com potencial de emergirem diversos conhecimentos (volume do cilindro, função quadrática, modelo matemático), por que sobressaíram os vinculados à Ciência (efeitos, causas e consequências da aterosclerose no organismo)? Será que a pergunta da tarefa estava demasiada aberta? Deveriam as questões terem sido mais orientadas para os conhecimentos matemáticos?
Embora os alunos afirmassem ter sentido poucas dificuldades na resolução da tarefa (questão 7 do formulário de autoavaliação), estas foram exclusivamente relacionadas com a Matemática (interpretação e construção do gráfico, análise de dados, construção do modelo matemático). Os obstáculos indicados pelos pesquisados referentes aos conteúdos matemáticos, levou-nos a formular conjecturas que estão em sintonia com os resultados dos estudos de English (2016) e Just e Siller (2022). Tais autores apontam que a Matemática ainda é considerada uma disciplina difícil pelos alunos, sendo o nível de abstração exigido na Matemática geralmente maior do que na área de Ciências.
Podemos inferir que os resultados deste estudo mostram que o M acabou tendo, na visão dos alunos, um papel difuso no desenvolvimento da tarefa STEM, em particular no que se refere às suas aprendizagens da Matemática. Além disso, denota que é necessário elaborar condições para que o conhecimento matemático proporcionado na realização de tarefas integradora de STEM conquiste a devida relevância como é defendido por Shaughnessy (2013, p. 324): “o “M” no ensino STEM interdisciplinar deve ser mais transparente e explícito”. Neste sentido, podemos sugerir uma justificativa para que os alunos não tenham reconhecido diferentes aprendizagens matemáticas. Consideramos ter havido a falta de uma discussão, no final da tarefa, retomando com os alunos os conteúdos matemáticos que foram explorados no decorrer da mesma. Tal reflexão detalhada em relação à matemática acabou não ocorrendo na aula em curso, sobretudo porque os alunos se alongaram no desenvolvimento da experiência, já que esta foi a primeira tarefa que realizaram numa abordagem STEM na aula de matemática.
Aliado a isso, consideramos ser importante realizar estudos sobre como desenvolver condições para que os alunos estabeleçam conexões entre as diferentes áreas de conhecimento, bem como nos distintos níveis de ensino. Ademais, é imprescindível identificar que tipo de apoio é necessário proporcionar aos professores para que as conexões interdisciplinares, em tarefas envolvendo STEM, sejam mais transparentes e significativas nas várias disciplinas envolvidas, em particular o M.
6 Considerações Finais
Os alunos participantes da pesquisa conseguiram estabelecer conexões intramatemáticas (98 ligações), extramatemáticas (32 ligações) e as que definimos sem conexão com a matemática (76 ligações). Entretanto, demonstraram dificuldades no momento de justificá-las, em particular as primeiras, talvez por não terem o hábito de se comunicarem por escrito na área da Matemática ou pelo não entendimento de seus conteúdos.
Após a implementação e a análise da tarefa, podemos concluir que tarefas envolvendo educação STEM possibilitam a emergência de conexões tanto intramatemáticas como extramatemáticas. Além disso, cabe ao professor, por meio de sua prática pedagógica, conduzir os alunos a estabelecerem conexões e justificá-las e, dessa forma, promover a compreensão e, consequentemente, a aprendizagem de Matemática. Para Canavarro (2017, p. 39), “não basta enunciar a sua existência ou apresentar exemplos esporádicos. As conexões precisam integrar a experiência matemática dos alunos, de forma intencional e continuada”.
Em suma, podemos inferir que os participantes desta pesquisa utilizaram conteúdos matemáticos na tarefa proposta tanto nas respostas da questão 1 (terceiro momento da tarefa) como no número de ligações intramatemáticas (Figura 2); porém, no momento de especificar o que aprenderam, destacaram conteúdos envolvendo a doença aterosclerose. Assim, entendemos ser relevante continuar pesquisando sobre como a Matemática pode e deve ser incluída nas tarefas numa abordagem STEM integrada. É importante o professor discutir com os alunos de forma que a Matemática deixe de ser encarada como apenas uma ferramenta utilitária para as outras ciências, levando-os a reconhecerem também a sua relevância, viabilizando os conhecimentos matemáticos adquiridos.
Diante desse contexto, questionamo-nos: o que leva os alunos a considerarem a Matemática apenas uma ferramenta utilitária que auxilia na resolução da tarefa STEM? Como tornar a Matemática mais evidente em tarefas envolvendo a educação STEM? Como potencializar a possibilidade da emergência de conexões intramatemáticas e extramatemáticas em tarefas STEM? Essas e outras questões nos permitem corroborar a importância de desenvolver novos estudos na educação STEM que possibilitem compreender as aprendizagens de cada uma das áreas envolvidas e entender de que modo os alunos as reconhecem como mais ou menos efetivas e consistentes.
Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro oriundo do Edital CNPq no. 26/2021 à Pesquisa Científica, Tecnológica e de Inovação: bolsas no exterior.
Referências
-
BAIOA, A. M.; CARREIRA, S. Tarefas de modelação matemática com recurso a simulações em contexto STEM: ciclo de modelação e competências no 9.º ano. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - EIEM, 7º, 2019. Alté. Atas... Lisboa: SPIEM, 2019. p. 73-90. Disponível em: http://spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/atas_EIEM_2019.pdf Acesso em: 8 jan. 2025.
» http://spiem.pt/DOCS/ATAS_ENCONTROS/atas_EIEM_2019.pdf - BOGDAN, R., BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação - uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
- BORTOLI, M. DE F.; BISOGNIN, V. Conexões Matemáticas no Ensino de Progressões Aritméticas de Ordem Superior. Bolema, Rio Claro, v. 37, n. 75, p. 250-270, 2023.
- BUSINSKAS, A. Conversations about Connections: how secondary mathematics teachers conceptualize and contend mathematical connections. 2008. 194 f. Thesis (PhD Education) - Faculty of Education, Simon Fraser University, Burnaby, 2008.
-
CANAVARRO, A. P. O que a investigação nos diz acerca da aprendizagem da matemática com conexões - ideias da teoria ilustradas com exemplos. Educação e Matemática, Évora, [s.v], n. 144-145, p. 38-42, 2017. Disponível em: https://em.apm.pt/index.php/em/article/view/2453/2497 Acesso em: 8 jan. 2025.
» https://em.apm.pt/index.php/em/article/view/2453/2497 -
CANAVARRO, A. P.; MESTRE, C.; GOMES, D.; SANTOS, E.; SANTOS, L.; BRUNHEIRA, L.; VICENTE, M.; GOUVEIA, M. J.; CORREIA, P.; MARQUES, P.; ESPADEIRO, G.. Aprendizagens Essenciais de Matemática no Ensino Básico. Lisboa: DGE, 2021. Disponível em https://www.dge.mec.pt/noticias/aprendizagens-essenciais-de-matematica Acesso em 27 jan. 2024.
» https://www.dge.mec.pt/noticias/aprendizagens-essenciais-de-matematica - CRESWELL, J. W.; CRESWELL, J. D. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. 5. ed. Porto Alegre: Penso, 2021.
-
ENGLISH, L. D. STEM education K-12: Perspectives on integration. International Journal of STEM Education, Londres, v. 3, n. 1, p. 1-8, 2016. https://doi.org/10.1186/s40594-016-0036-1 Disponível em: https://stemeducationjournal.springeropen.com/counter/pdf/10.1186/s40594-016-0036-1.pdf Acesso em: 8 jan. 2025.
» https://doi.org/10.1186/s40594-016-0036-1» https://stemeducationjournal.springeropen.com/counter/pdf/10.1186/s40594-016-0036-1.pdf -
GAMBOA, G. D.; BADILLO, E.; COUSO, D.; MÁRQUEZ, C. Connecting Mathematics and Science in Primary School STEM Education: Modeling the Population Growth of Species. Mathematics, Basileia - Suíça, v. 9, n. 19, p. 1-22, 2021. https://doi.org/10.3390/math9192496 Disponível em: https://www.mdpi.com/2227-7390/9/19/2496 Acesso em: 11 jan. 2025.
» https://doi.org/10.3390/math9192496» https://www.mdpi.com/2227-7390/9/19/2496 -
GAMBOA, G. de; FIGUEIRAS, L. Conexiones en el conocimiento matemático del profesor: propuesta de un modelo de análisis. In: SIMPOSIO DE INVESTIGACIÓN EN EDUCACIÓN MATEMÁTICA, 18., 2014, Salamanca. Actas… Salamanca: SEIEM; Universidad de Salamanca, 2014. p. 337-344. Disponible en: https://www.seiem.es/docs/actas/18/ACTAS2014.pdf Acceso en: 8 ene. 2025.
» https://www.seiem.es/docs/actas/18/ACTAS2014.pdf -
GARCIA-GARCIA, J.; DOLORES-FLORES, C. Intra-mathematical connections made by high school students in performing Calculus tasks. International Journal of Mathematical Education in Science and Technology, Loughborough, v. 49, n. 2, p. 227-252. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/318797245_Intra-mathematical_connections_made_by_high_school_students_in_performing_Calculus_tasks Acesso em: 10 fev. 2025.
» https://www.researchgate.net/publication/318797245_Intra-mathematical_connections_made_by_high_school_students_in_performing_Calculus_tasks - GIL. A. C. Como fazer pesquisa qualitativa. Barueri: Atlas, 2021.
- HURLEY, M. M. Reviewing integrated science and mathematics: The search for evidence and definitions from new perspectives. School Science and Mathematics, Hoboken - New Jersey, v. 101, n. 5, p. 259-268, 2010.
-
JUST, J.; SILLER, H. S. The Role of Mathematics in STEM Secondary Classrooms: A Systematic Literature Review. Education Science, Basileia - Suíça, v. 12, n. 629, p. 1-18, 2022. https://doi.org/10.3390/educsci12090629 Disponível em: https://www.mdpi.com/2227-7102/12/9/629 Acesso em: 10 fev. 2025.
» https://doi.org/10.3390/educsci12090629» https://www.mdpi.com/2227-7102/12/9/629 -
MAASS, K. GEIGER, V., ARIZA, M. R., GOOS, M. The Role of Mathematics in interdisciplinary STEM education. ZDM, Berlim, v. 51, n. 1, p. 869-884, 2019. https://doi.org/10.1007/s11858-019-01100-5 Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/336800155_The_Role_of_Mathematics_in_interdisciplinary_STEM_education Acesso em: 11 fev. 2025.
» https://doi.org/10.1007/s11858-019-01100-5» https://www.researchgate.net/publication/336800155_The_Role_of_Mathematics_in_interdisciplinary_STEM_education -
MENANTI, H.; SINAGA, B.; HASRATUDDIN. Improve Mathematical Connections Skills with Realistic Mathematics Education Based Learning. In: ANNUAL INTERNATIONAL SEMINAR ON TRANSFORMATIVE EDUCATION AND EDUCATIONAL LEADERSHIP, 3., 2018, Medan. Proceedings… Dordrecht: Atlantis Press, 2018. p. 29-35 (Vol. 200). Disponível em: https://www.atlantis-press.com/proceedings/aisteel-18/5590905.2 Acesso em: 8 jan. 2025.
» https://www.atlantis-press.com/proceedings/aisteel-18/5590905.2 - NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS - NCTM. Principles and Standards for School Mathematics. Reston: NCTM, 2000.
- PEREZ, A. De La F.; PIQUET, J. D. Uso de las conexiones entre representaciones por parte del profesor en la construcción del lenguaje algebraico. Bolema, Rio Claro, v. 36, n. 72, p. 389 - 410, 2022.
- POLICASTRO, M. S. Conhecimento especializado do professor nos tópicos de divisão e do tema de medidas: abordagem para uma teorização de conexões matemáticas. 2021. 288 f. Tese (Doutorado em Educação) -Faculdade de Educação. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021.
- ROSA, M.; OREY, D. C. An Ethnomathematical Perspective of STEM Education in a Glocalized World. Bolema, Rio Claro, v. 35, n. 70, p. 840 - 876, 2021.
-
SIREGARA, N. D.; SURYA, E. Analysis of Students' Junior High School Mathematical Connection Ability. International Journal of Sciences: Basic and Applied Research, Hashemite Kingdom - Jordan, v. 33, n. 2, p. 309-320, 2017. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/318560987_Analysis_of_Students'_Junior_High_School_Mathematical_Connection_Ability Acesso em 10 fev. 2025.
» https://www.researchgate.net/publication/318560987_Analysis_of_Students'_Junior_High_School_Mathematical_Connection_Ability - SHAUGHNESSY, M. By way of introduction: mathematics in a STEM context. Mathematics Teaching in the Middle School, Reston, v. 6, n. 18, p. 324-326, 2013.
-
STOHLMANN, M., MOORE, T., ROEHRING, G. H. Considerations for teaching integrated STEM education. Journal of Pre-College Engineering Education Research, West Lafayette, v. 2, n.1, p. 28-34, 2012. Disponível em https://docs.lib.purdue.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1054&context=jpeer Acesso em 11 fev. 2025.
» https://docs.lib.purdue.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1054&context=jpeer - TOMA, R. B., GARCÍA-CARMONA, A. De STEM nos gusta todo menos STEM: análisis crítico de una tendência educativa de moda. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 39, n. 1, p. 65-80, 2021.
- WALKERDINE, V. The mastery of Reason: Cognitive Developments and the Production of Rationality. New York: Routledge, 1988.
-
1
As respostas que foram realizadas em grupos, como as ligações pedidas na Figura 2, são referidas como sendo de cada grupo: G1, G2, G3, ..., G24. Já nas respostas oriundas do questionário de reflexão, que foi respondido individualmente, os respondentes foram designados por A1, A2, A3,...
-
2
Escrevemos em itálico os elementos que estão em forma de imagem na Figura 2 e entre aspas os apenas nomeados por palavra.
-
Editor-chefe responsável:
Prof. Dr. Roger Miarka
-
Editor associado responsável:
Prof. Dr. Hélia Margarida Pintão de Oliveira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
22 Set 2023 -
Aceito
04 Nov 2024





Fonte: das autoras (2023)
Fonte: das autoras (2023)
Fonte: dos autores (2023)
Fonte: dos autores (2023)