Open-access Raciocínio Matemático de Alunos do 8.º ano: Conjeturas, generalizações e justificações

Grade 8 Students’ Mathematical Reasoning: Conjectures, generalizations and justifications

Resumo

Este artigo tem como objetivo compreender como, no quadro de uma experiência de ensino que enfatiza a promoção do raciocínio matemático, se caracterizam as conjeturas, generalizações e justificações de alunos de 8.° ano, ao resolverem tarefas de cunho algébrico. Adotando uma abordagem qualitativa e interpretativa, utilizamos as resoluções escritas e orais de alunos de 8.° ano ao resolverem tarefas algébricas, no contexto de uma experiência de ensino baseada na promoção do raciocínio matemático. Como resultados, destacamos o surgimento de várias conjeturas e generalizações empíricas, com algumas generalizações teóricas/estruturais/simbólicas. Destacamos, também, o uso de justificações empíricas, por exemplos aleatórios, selecionados e genéricos, e poucos episódios de justificações por convicção externa, tanto por manipulações simbólicas como por aparência dos argumentos. Além disso, ressaltamos que a discussão em torno das generalizações empíricas favoreceu a mobilização de outras formas de justificação que não estavam baseadas apenas no uso de exemplos.

Palavras-chave
Raciocínio matemático; Conjetura; Generalização; Justificação; Álgebra

Abstract

This article aims to understand how conjectures, generalizations, and justifications of grade 8 students are characterized when solving algebraic tasks, in the context of a teaching experiment that emphasizes the promotion of mathematical reasoning. Adopting a qualitative and interpretative approach we used the students’ written and oral answers of grade 8 students when solving algebraic tasks in the context of a teaching experiment based on the promotion of mathematical reasoning. As a result, we highlight the emergence of several conjectures and empirical generalizations, with some theoretical/structural/symbolic generalizations. We also highlight the use of empirical justifications, with a few examples, selected cases, and generic examples, and some episodes of justifications by external conviction, both by symbolic manipulations and by the look of the arguments. In addition, we emphasize that the discussion around empirical generalizations benefits the mobilization of other forms of justification that were not based only on the use of examples.

Keywords
Mathematical reasoning; Conjecture; Generalization; Justification; Algebra

1 Introdução

O raciocínio matemático é um componente essencial no ensino de Matemática em todas as áreas e anos de escolaridade (Buchbinder; Mccrone, 2022). A sua importância tem sido destacada nas orientações curriculares e na comunidade internacional de investigação em educação matemática (Canavarro et al., 2021; NCTM, 2009; Ponte, 2022; Ponte; Quaresma; Mata-Pereira, 2020; Stylianides; Stylianides; Weber, 2017). Em Portugal, as Aprendizagens Essenciais (Canavarro et al., 2021) consideram o raciocício matemático como uma capacidade matemática transversal. No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (2018) refere que habilidades de raciocinar, comunicar e argumentar matematicamente, incluindo a formulação de conjeturas, devem ser desenvolvidas desde o ensino fundamental (Brasil, 2018).

O desenvolvimento do raciocínio matemático e o envolvimento dos alunos em práticas como identificar padrões, conjeturar, explorar exemplos e contraexemplos, justificar e argumentar é fundamental para aprender Matemática significativamente (NCTM, 2009). No entanto, promover o raciocínio matemático na sala de aula constitui um desafio, no qual os professores e o tipo de ensino que praticam são cruciais para atingir esse objetivo (Buchbinder; Mccrone, 2022; Mata-Pereira; Ponte, 2018; Ponte, 2022). Numa extensa revisão de literatura sobre o tema, Stylianides, Stylianides e Weber (2017) enfatizam a necessidade de intervenções em sala de aula teoricamente sólidas e bem definidas que apoiem a mudança das conceções dos alunos relativamente ao raciocínio matemático.

Neste sentido, Mata-Pereira e Ponte (2018) destacam a importância de conhecer mais acerca dos processos de raciocínio matemático que os alunos mobilizam em diferentes tópicos matemáticos, em contextos de promoção do raciocínio matemático. Assim, o nosso objetivo é compreender como, no quadro de uma experiência de ensino que enfatiza a promoção do raciocínio matemático, se caracterizam as conjeturas, generalizações e justificações de alunos de 8.° ano, ao resolverem tarefas de cunho algébrico.

2 Raciocínio matemático

A realização de inferências está no cerne do que se entende por raciocínio matemático (Mata-Pereira; Ponte, 2018), sendo um processo de comunicação com os outros e consigo mesmo (Jeannotte; Kieran, 2017). Pela sua natureza complexa e abrangente, o raciocínio matemático envolve a realização de uma variedade de processos (Mata-Pereira; Ponte, 2018). Jeannotte e Kieran (2017) referem nove processos: generalização, formulação de conjeturas, identificação de padrões, comparação e classificação (processos relacionados com a procura por semelhanças e diferenças); justificação, prova e prova formal (processos relacionados com a validação); e exemplificação (processo que dá suporte à procura por semelhanças e diferenças, e à validação). Segundo estas autoras, todos estes processos estão inter-relacionados, influenciando-se mutuamente e permitindo o desenvolvimento de um discurso matemático cada vez mais complexo (Jeannotte; Kieran, 2017). Dentre os processos referidos, conjeturar, generalizar e justificar destacam-se como processos essenciais do raciocínio matemático (Ponte; Quaresma; Mata-Pereira, 2020). Por esta razão, estes três processos de raciocínio são centrais nesta investigação.

2.1 Conjeturas e generalizações

Conjecturar envolve raciocinar sobre relações matemáticas para desenvolver afirmações que se pensa poderem ser verdadeiras, mas que não se conhecem como tal (Lannin; Ellis; Elliot, 2011). Trata-se de um processo que, pela busca de semelhanças e diferenças, se infere uma narrativa de valor epistêmico possível ou provável (Jeannotte; Kieran, 2017). De acordo com Lannin, Ellis e Elliot (2011), a formulação de conjeturas constitui uma forma natural dos alunos se envolverem em raciocínio matemático, servindo como uma introdução que leva a outros processos de raciocínio matemático. A formulação de conjeturas conduz a uma maior exploração em busca de validação (Morais; Serrazina; Ponte, 2018).

Generalizar é formular conjeturas de natureza geral, ou seja, estender uma relação observada a um conjunto mais alargado de objetos (Stylianides, 2008) sendo que, no contexto da matemática escolar, é preciso considerar tanto o processo como o produto de uma generalização (Lannin; Ellis; Elliot, 2011). Generalizar envolve afirmar que alguma propriedade ou procedimento é válido para um certo conjunto de objetos (Carraher; Martinez; Schliemann, 2008). De acordo com Lannin, Ellis e Elliot (2011) generalizar abrange dois tipos de atividade: pensar sobre uma relação, representação, padrão ou outra propriedade matemática para identificar semelhanças e estender o raciocínio para além do domínio em que se originou.

Estudos têm identificado diferentes classificações de generalizações matemáticas, sendo a empírica e a teórica as principais (Manouchehri; Sriraman, 2020). De acordo com Carraher, Martinez e Schiliemann (2008, p. 3) as generalizações empíricas baseiam-se no reconhecimento de características ou qualidades comuns de objetos, enquanto as teóricas, “decorrem de operações em declarações explícitas sobre relações matemáticas”, ou seja, envolve fazer afirmações explícitas sobre as relações matemáticas observadas. De modo semelhante, Stylianides (2008) considera que as generalizações empíricas são feitas a partir de regularidades encontradas em alguns exemplos e categoriza como estruturais as generalizações baseadas na percepção de estruturas matemáticas. Este autor aponta que os alunos tendem a fazer generalizações empíricas e que desenvolver as suas habilidades para fazer generalizações estruturais é um desafio (Stylianides, 2008). Radford (2003) refere generalização factual, que advém da observação empírica; generalização contextual, que pressupõe um alargamento a um novo conjunto de objetos; generalização simbólica, que envolve a compreensão e utilização da linguagem simbólica na expressão de relações. No Quadro 1 apresentamos a descrição de algumas destas classificações, agrupadas por basearem-se essencialmente em exemplos ou na expressão de relações matemáticas observadas. Estas classificações não pretendem representar níveis, mas indicar características que podem estar, inclusive mais do que uma, presentes numa generalização.

Quadro 1
Algumas classificações de generalizações

2.2 Justificação

Justificar é um processo de busca por dados e razões que permitam a mudança do valor epistémico de um enunciado, para verdadeiro ou falso ou mesmo para mais provável (Jeannotte; Kieran, 2017). Uma justificação é um argumento matemático que suporta uma afirmação a partir de declarações aceites como verdadeiras para uma comunidade, por meio de formas de expressão por ela consideradas como válidas (Staples; Bartlo; Thanheiser, 2012). Se na Matemática enquanto ciência apenas a prova formal é considerada justificação aceitável, na Matemática escolar é necessário considerar o conhecimento, a linguagem e as representações que estão dentro do alcance conceituai dos alunos quando formulam justificações (Buchbinder; Mccrone, 2022; Stylianides; Stylianides; Weber, 2017).

Nesta perspetiva, diversas classificações para justificações têm sido apresentadas, tendo as referidas por Balacheff (1988) e Harel e Sowder (2007) grande expressão na literatura em educação matemática (Stylianides; Stylianides; Weber, 2017). Harel e Sowder (2007) consideram que as justificações dos alunos podem ser baseadas em convicção externa, evidência empírica ou argumentos dedutivos. As justificações por convicção externa dependem de uma autoridade como um professor ou um livro, da aparência do argumento, com foco na sua estrutura e não no seu conteúdo, ou de manipulações simbólicas, independentemente do significado dos símbolos (Harel; Sowder, 2007). As justificações empíricas são feitas a partir de evidência de casos particulares. Balacheff (1988) considera que estas justificações podem basear-se em exemplos aleatórios (empirismo ingénuo), exemplos cuidadosamente selecionados (exemplos cruciais) e exemplos que representam características presentes em uma classe de casos (exemplo genérico). As justificações dedutivas têm natureza analítica e podem ser por coerência lógica, baseada em princípios lógicos e resultados anteriores, e por prova transformacional, que se baseia em definições, teoremas, propriedades ou procedimentos (Harel; Sowder, 2007). No Quadro 2 sintetizamos estas classificações, com base nos autores referidos. Neste quadro, a linha pontilhada indica a natureza analítica também presente em exemplos genéricos, uma vez que estes exemplos são usados para representar generalidades em classes de casos (Stylianides, 2008).

Quadro 2
Algumas classificações de justificações

As justificações por convicção externa surgem em sala de aula e os alunos tendem a aceitar e usar amplamente argumentos empíricos como justificações válidas (Stylianides; Stylianides; Weber, 2017). Apesar da exploração empírica ser muito importante no processo de formulação de justificações (Stylianides; Stylianides, 2009), os alunos devem aprender gradualmente a formular justificações que não se baseiem apenas em exemplos (Lannin; Ellis; Elliot, 2011), tendo em conta os conhecimentos e linguagem que lhes são acessíveis em cada ano de escolaridade (Stylianides; Stylianides; Weber, 2017). De acordo com Stylianides, Stylianides e Weber (2017), os exemplos genéricos são particularmente importantes porque podem servir como uma ponte entre argumentos empíricos e argumentos dedutivos.

3 Metodologia de investigação

Esta investigação assume uma abordagem qualitativa e interpretativa (Bogdan; Biklen, 1994), segue uma metodologia de Investigação Baseada em Design (Cobb; Jackson; Dunlap, 2016) e concretizou-se por meio de uma experiência de ensino. A preparação, realização e análise desta experiência de ensino ocorreu em três turmas de 8.° ano de diferentes escolas em Portugal, e o trabalho feito em cada uma corresponde a um ciclo de design. A experiência de ensino foi realizada em seis aulas centradas na resolução e discussão coletiva de seis tarefas em tópicos algébricos, lecionadas pelas professoras de Matemática de cada turma, aqui designadas por A, B e C. As aulas seguem uma abordagem exploratória (Ponte, 2005), onde o trabalho tem origem na resolução de tarefas pelo aluno, que assume assim um papel ativo, e foram realizadas em três fases: leitura inicial da tarefa pela professora, trabalho autónomo pelos alunos e discussão coletiva de cada questão. Cada aula teve duração de 90 minutos e foi dedicada à resolução e discussão de uma tarefa, onde as alunos trabalharam em grupos de três ou quatro alunos. As turmas tinham cerca de 20 alunos cada, sem casos de abandono ou retenção escolar, e eram caracterizadas por uma forte participação dos alunos nas aulas de Matemática, motivo pelo qual foram convidadas para participar no estudo.

A experiência de ensino foi construída sobre características essenciais relativamente às tarefas e à dinâmica de aula. As tarefas visavam possibilitar o uso de estratégias ou representações variadas, suscitar a formulação de conjeturas e generalizações (pela observação de semelhanças e diferenças e pelo uso de conhecimento prévio), e incentivar a justificação de respostas e estratégias (Ponte, 2022). No que tange à dinâmica da aula, buscamos um ambiente encorajador à partilha de ideias, por meio da discussão e reflexão sobre estratégias e argumentos usados (Ponte; Quaresma; Mata-Pereira, 2020), aspeto no qual a colaboração das professoras participantes foi essencial. Neste sentido, foi feito um trabalho específico sobre o raciocínio matemático junto às professoras, na preparação que antecedeu o início do trabalho de sala de aula em cada turma (Novembro/2021, na turma A; Março/2022, na turma B; e Outubro/2022, na turma C). Cada professora teve reuniões com a primeira autora para refletir sobre como promover o raciocínio matemático (Ponte, 2022), em particular ações do professor em cada fase da aula que contribuem para o desenvolvimento do raciocínio dos alunos (Ponte; Quaresma; Mata-Pereira, 2020). Nestas reuniões, as tarefas propostas para a experiência de ensino foram apresentadas e as professoras consideraram o seu planeamento anual e as condições de suas turmas para decidir o momento de realizar cada tarefa. A professora da turma A referiu que os seus alunos ainda não tinham estudado resolução de equações com denominadores, pelo que a tarefa O segredo destas equações (Figura 1) não foi realizada nesta turma. A professora da turma B referiu limitação de tempo, pelo que solicitou que a tarefa Apertos de mão e cartões de visita (Figura 2) não fosse aplicada à sua turma. As sugestões das professoras foram aceites, uma vez que esta pequena variação nas tarefas não seria um fator prejudicial à experiência de ensino. Destaca-se ainda que a diferença temporal na realização dos diferentes ciclos de design decorre do período dedicado ao estudo dos tópicos algébricos no planeamento anual de cada professora.

Figura 1
Tarefa O segredo destas equações

Figura 2
Tarefa Apertos de mão e cartões de visita

Neste artigo analisamos respostas dadas nos momentos de discussão decorrentes da resolução de três tarefas, selecionadas pela variedade de processos de raciocínio mobilizados durante a sua resolução nas turmas em que foram realizadas. A tarefa O segredo destas equações (Figura 1) pretende oportunizar os alunos a observar padrões e a formular conjeturas e generalizações, na medida em que resolvem equações com denominadores. A tarefa Apertos de mão e cartões de visita (Figura 2) propõe a observação de um contexto, a descrição de padrões identificados, a generalização por meio de uma expressão algébrica e a justificação das respostas. Atarefa Torres crescentes (Figura 3) apresenta um contexto visual que possibilita que os alunos formulem conjeturas e generalizações a partir da observação do padrão de crescimento, explorem expressões algébricas e justifiquem os seus argumentos.

Figura 3
Tarefa Torres crescentes

A recolha de dados foi feita pela primeira autora em sala de aula, por meio de processos característicos da investigação qualitativa: observação direta, com recurso a gravação de vídeo e diário de bordo, e recolha documental das produções escritas dos alunos. Neste artigo foram utilizadas transcrições e capturas de imagem do quadro com os registos dos momentos de discussão coletiva. Para a análise dos dados, inicialmente transcrevemos integralmente os áudios das discussões coletivas, em seguida buscamos identificar os momentos mais significativos destas discussões, e, por fim, analisamos estas unidades de registo a partir de categorias e unidades de análise definidas com base na revisão de literatura. As categorias e unidades de análise baseiam-se nas características das generalizações e justificações apresentadas nos Quadros 1 e 2. Os resultados estão organizados separadamente para cada uma das tarefas realizadas.

4 Resultados

4.1 Tarefa O segredo destas equações

Os alunos resolveram um conjunto de equações e foram convidados a apresentar e discutir semelhanças encontradas nestas equações. Referiram diversas características comuns, no que respeita à forma das equações e às soluções:

Professora C: Então, agora, o que é que concluíram?

Aluna: A solução é sempre um número par!

Isabela: Há uma subtração e em todas elas dá sempre 1x.

Aluno: O segundo membro é igual em todas.

Marta: A diferença dos denominadores inicialmente é sempre 1!

Vitória: A solução é o mínimo múltiplo comum dos denominadores.

Ana: O resultado é sempre a multiplicação dos denominadores!

(Diálogo entre a professora C e alunos da turma C, 2022).

Daniel: Há sempre uma subtração no primeiro membro!

Duarte: A subtração dá sempre x!

Professora B: Quem pensou em mais características?

Timóteo: Os termos do primeiro membro são frações e a solução é sempre um número natural.

Filipa: Os denominadores são consecutivos!

Professora B: O quê que quer dizer números consecutivos?

Filipa: Eu não sei explicar! Posso dar um exemplo?

Professora B: Pode!

Filipa: 2 e 3, 3 e 4, 4 e 5... São um a seguir ao outro!

Professora B: Duarte, consegues ajudar a colega a explicar?

Duarte: Eu pensei que os números eram sempre mais um! Mais uma unidade!

(Diálogo entre a professora B e alunos da turma B, 2022).

A partir da comparação das equações, os alunos identificaram semelhanças na sua forma e também nos procedimentos usados para as resolver, identificando que os denominadores são números consecutivos. Os alunos formularam conjeturas acerca das soluções, referindo ser sempre um número natural e sempre um número par. Apontaram também relações entre os denominadores no primeiro membro das equações e suas soluções. No diálogo vemos que Filipa demonstra dificuldade em explicar o que são números consecutivos, recorrendo a uma justificação empírica para a sua afirmação a partir de exemplos aleatórios presentes nas equações. Duarte, por sua vez, ao buscar uma validação para a afirmação da colega, caracteriza números consecutivos.

A tarefa sugeria a comparação das equações e soluções, pelo que as conjeturas dos alunos basearam-se nas regularidades encontradas. Uma conjetura refere o mínimo múltiplo comum dos denominadores e o produto dos denominadores, indicando uma relação válida para encontrar a solução de equações da forma dada. Outra conjetura diz respeito à paridade das soluções. Ambas as conjeturas têm um caráter geral e surgem a partir de exemplos, constituindo generalizações empíricas. Depois de resolverem mais equações, os alunos apresentaram novas conjeturas:

Professora C: Estas equações têm uma característica especial, em relação às anteriores? Leonor: É igual a 2. E a solução é igual a 2 vezes o produto dos denominadores, ou seja, é o dobro do MMC dos denominadores.

Ana: Professora, nós dissemos que a solução é o segundo membro vezes o produto dos denominadores.

(Diálogo entre a professora C e alunos da turma C, 2022).

João: Eu escrevi que o resultado das equações vai ser sempre o dobro do mínimo múltiplo comum dos denominadores.

Professora B: Certo! Porquê por 2?

João: Porque é o termo do segundo membro!

Professora B: Agora, sobre estas equações...

Duarte: O resultado destas equações vai ser sempre o triplo do mínimo múltiplo comum dos denominadores!

Filipa: Professora, aqui o conjunto solução também é sempre número par!

Professora B: Alguém encontrou como resposta um número ímpar?

Alunos: Não!

Professora B: E porquê acham que será sempre par?

Filipa: Eu acho que tem a ver com os denominadores serem consecutivos!

Timóteo: Porque um deles quando se divide por 2 sobra 1, mas o outro não sobra! Um número ímpar vezes um número par dá sempre um número par!

Professora B: E porque é que aqui temos um número ímpar e um número par?

Timóteo: Porque são consecutivos!

Professora B: Eu não posso ter dois números consecutivos pares?

Aluno: Não! Dois números consecutivos têm sempre um par e um ímpar! Por isto vai dar sempre par!

(Diálogo entre a professora B e alunos da turma B, 2022).

Os alunos compararam estas equações com as anteriores e identificaram semelhanças e diferenças. As novas conjeturas são também generalizações empíricas que expressam relações matemáticas, em particular o dobro e o triplo do mínimo múltiplo comum dos denominadores. Ana referiu o segundo membro vezes o produto dos denominadores, de forma genérica, sugerindo uma relação entre números, fossem quais fossem. Observamos uma discussão sobre o porquê das soluções serem pares. Os alunos partem inicialmente de uma generalização empírica, mas produzem uma justificação de natureza dedutiva, usando definições, propriedades matemáticas e um teorema, relativo ao produto de um número ímpar por um número par ser um número par, que é tido como verdadeiro. O argumento apresentado está baseado no fato dos denominadores serem números consecutivos, referindo que um deles é necessariamente par, e que o produto de um número par por um número ímpar é par.

4.2 Tarefa Apertos de mão e cartões de visita

Na discussão da primeira questão observamos que a contagem do número de apertos de mão que são dados em um grupo na sala de aula facilitou a compreensão de que se uma pessoa já cumprimentou outra, não deve cumprimentá-la novamente:

Gabriel: Os cartões de visita são 12, porque cada pessoa dá 3 cartões, então vai ser 4 vezes 3.

Professora A: E os apertos de mão?

Gabriel: Os apertos de mão eram 6 no total. Nós fizemos no nosso grupo! Eu apertava a mão do Rodolfo, a do Marcos e a da Rosa, 3 apertos de mão, o Rodolfo só vai dar 2 para não repetir, o Marcos só vai dar 1 e a Rosa já não dá.

(Diálogo entre a professora A e alunos da turma A, 2021).

Em ambas as turmas os alunos exploraram mais exemplos e consideraram que estas estratégias podem ser usadas para calcular o número de cartões e de apertos de mão para outros números de participantes:

José: Se fossem... 6 participantes, 6 vezes 5, 30 cartões! E os apertos de mão temos de fazer 5 mais 4 mais 3 mais 2 mais 1.

Professora C: Quanto dá?

José: (o aluno parece fazer o cálculo mentalmente) 16! Não! 15!

Professora C: Muito bem, são 30 cartões e 15 apertos!

Marta: Ah, professora! Então para descobrir o número de apertos temos de dividir o número de cartões por 2! (...)

Professora C: E porquê é que acham que dividimos por 2?

Marta: (demora a responder) Acho que é porque não damos apertos de mão a quem já nos deu. Faz sentido! Temos de tirar estes repetidos.

(Diálogo entre a professora C e alunos da turma C, 2022).

Professora A: Alguém fez de outro jeito?

Nuno: Eu fiz de outro jeito! São 25 pessoas. Se cada pessoa desse 24 apertos de mão, elas dariam dois apertos de mão para a mesma pessoa e não pode ser, então divide-se por 2!

(Diálogo entre a professora A e um aluno da turma A, 2021).

A conjetura de que o número de apertos de mão pode ser encontrado por meio da divisão do número total de cartões por dois foi formulada a partir da regularidade encontrada nos exemplos discutidos, constituindo assim uma generalização empírica. Entretanto, ao ser questionada pela professora, uma aluna percebeu o porquê da divisão por 2 e apresentou uma justificação válida baseada na ideia de repetição de cumprimentos. Na outra turma, Nuno referiu a divisão por 2, justificando a partir da repetição de cumprimentos. Na continuação da tarefa este aluno apresentou uma generalização simbólica:

Nuno: Eu fiz n, que é o número total de pessoas, vezes n-1, que é o número de apertos de mão que cada pessoa dá. Aí divido por 2, porque cada pessoa daria o aperto de mão 2 vezes.

Professora A: Está certo! E os cartões de visita?

Nuno: n é o número de pessoas, mas aqui vamos dar sempre menos 1 cartão de visita, por isso é n-1.

(Diálogo entre a professora A e um aluno, 2021).

As respostas do aluno mostram que suas generalizações são afirmações explícitas sobre relações matemáticas observadas e que o aluno usou a linguagem algébrica com compreensão para expressar tais relações, constituindo uma generalização teórica/estrutural/simbólica. Na turma C foi dada uma justificação empírica para explicar uma expressão algábrica referida pelos alunos:

Aluno: Fizemos n vezes, n-1, como nos exemplos! 6 pessoas, 6 vezes 5. 8 pessoas, 8 vezes 7. 25 pessoas, 25 vezes 24.

(Resposta de um aluno da turma C, na discussão coletiva, 2022).

Exemplos aleatórios foram usados nas justificações empíricas, tanto exemplos retirados das outras questões como outros escolhidos pelos alunos. Na continuação da tarefa, os alunos formularam algumas conjeturas:

Ana: Professora, podemos usar números ímpares e pares de participantes, que o número de cartões sempre será par!

Professora C: Porquê? (Ana fica em silêncio) Tens de explicar o porquê.

Ana: Eu não consigo explicar! Fiz com números pares e ímpares e deu sempre par.

(...)

Professora C: Alguém respondeu algo diferente?

Leonor: Professora, eu reparei também que o número total de cartões está sempre na tabuada do número de pessoas!

Professora C: Porque achas que isso acontece, Leonor? (Leonor fica em silêncio) Quem pode ajudar a Leonor?

Marta: Porque para encontrar o total de cartões, multiplicamos o número de participantes, então vai ter de estar na tabuada dele.

(Diálogo entre a professora C e alunos da turma C, 2022).

Neste diálogo vemos uma generalização empírica, o total de cartões é sempre par, seguida de uma justificação baseada em exemplos com características específicas, neste caso, tanto ímpares como pares. Vemos ainda que Leonor também fez uma generalização empírica sobre o número de cartões e Marta justificou esta afirmação por meio do conceito de múltiplo. Na turma A, Nuno fez uma afirmação relativamente ao conjunto dos números que podem ser usados e que dão resultados pares:

Nuno: Podemos usar qualquer número do conjunto dos naturais, porque todos resultam em pares. Porque o produto de um par por um ímpar é sempre um par.

Professora A: Porque que é o produto de um par por um ímpar?

Nuno: Porque neste caso vamos multiplicar apenas números consecutivos!

Professora A: Porquê?

Nuno: Por causa desta expressão! (aponta para n × (n-1))

Professora A: Mas em quê que esta expressão se relaciona com números consecutivos?

Nuno: Eu vou dar um exemplo, professora! Se n fosse 9, faria 9 vezes 8, porque 8 é 9 menos 1, e estes são dois números consecutivos.

Professora A: Certo! Mas, explica lá porquê que o produto de dois números consecutivos dá sempre par. Não explicaste isto.

Nuno: Vou dar mais um exemplo!

Professora A: Mas só exemplos não servem para justificar, porque se não teria de fazer com todos os números naturais para mostrar que dava sempre par!

Nuno: Mas vai ser um exemplo bem explicativo, olha... 3 vezes 2, o 2 continua sendo par e quando eu multiplico ele por 3 eu posso formar 3 grupos de 2, e todos os grupos continuam sendo par, e juntos eles formam um número par!

Professora A: E se eu fizesse 2 grupos de 3, daria par?

Nuno: Sim, porque equivale a isso! Em cada grupo sobrava 1 que podíamos juntar e dava outro par! Sempre vai dar par!

(Diálogo entre a professora A e um aluno, 2021).

Neste diálogo, vemos uma conjetura sobre os valores que n pode assumir, qualquer número do conjunto dos números naturais e sobre a paridade do número de cartões dados. Observamos que o aluno estendeu uma relação observada a um conjunto mais alargado de objetos, pelo que destacamos o aspeto de expansão desta generalização. Na sua justificação o aluno usou um teorema, relativo ao produto de um número ímpar por um número par ser um número par, constituindo uma justificação de natureza dedutiva. O argumento do aluno envolve o porquê de serem usados sempre números consecutivos, a partir de um exemplo aleatório, e o porquê do seu produto ser sempre par, a partir de um exemplo genérico. Apesar dos exemplos usados para explicar a paridade do resultado, o seu discurso tem um caráter dedutivo pois o aluno usa este exemplo de modo representativo, realizando inferências lógicas e conectando as ideias de números pares, ímpares e consecutivos em busca da validação do seu argumento.

4.3 Tarefa Torres crescentes

Os alunos referiram o aumento no número de palitos de uma torre para a outra, indicando as regularidades observadas. Alguns alunos usaram contagem e desenhos:

Leonor: Na sequência 1 nós fomos acrescentando de 3 em 3 palitos. E na sequência 2 também, mas fomos acrescentando de 5 em 5 palitos.

(Resposta de uma aluna da turma C, na discussão coletiva, 2022).

Maria Clara: Nós fomos fazendo de 3 em 3, por exemplo, a figura 5 tem 17...

Professora B: Mas fizeram por desenho ou foi por esquema?

Maria Clara: Foi por esquema, fomos fazendo pontinhos assim com o lápis.

(Diálogo entre a professora B e uma aluna, 2022).

Muitos alunos fizeram os cálculos usando uma relação matemática, como João, na turma A, e Ester, na turma B :

João: Eu fiz, 3 palitos vezes 13 mais 2, e dá 41 (Resposta de um aluno da turma A, na discussão coletiva, 2021).

Professora B: E depois como é que chegaste à figura 13?

Ester: Então, se é sempre mais cinco, quer dizer que é multiplicado por 5! Então fiz 13 vezes 5! (Diálogo entre a professora B e uma aluna, 2022).

Apesar destas generalizações terem um caráter empírico, uma vez que se basearam na observação de exemplos, os alunos buscaram expressar as relações matemáticas observadas. Vários alunos criaram uma expressão algébrica logo na questão 1 (Figura 4):

Figura 4
Expressão algébrica escrita no quadro por Daniel, na discussão coletiva

Maria: Nós também descobrimos que tínhamos de adicionar 3 ao termo seguinte, mas a nossa fórmula é diferente (2+3n).

Professora C: E como é que chegaram a esta expressão? (2+3n)

Estevão: Como o primeiro termo é 5, vimos que é 3 vezes 1 porque aumenta de 3 em 3, e que precisava de mais 2, para dar 5, que é o primeiro termo! Então são os múltiplos de 3, mais 2.

Professora C: Esta expressão e ado Daniel estão corretas?

Aluna: Na do Daniel o primeiro termo já está mal, dá 4 e não 5.

Daniel: Mas on é o número anterior!

(Diálogo entre a professora C e alunos da turma C, 2022).

Professora B: Certíssimo, só faltou explicar aqui de onde é que vem o 2.

Sarah: Como, de figura para figura, vai se acrescentando mais 3 na sequência 1, então, por exemplo no 1, 1 vezes 3 não dá 5, que é o certo, então foi preciso acrescentar mais 2.

(Diálogo entre a professora B e uma aluna, 2022).

Daniel usou uma estratégia recursiva para calcular o número de palitos. Maria, Estevão e Sarah, por sua vez, justificaram a expressão algébrica por meio de um procedimento automático aprendido anteriormente na unidade de ensino de Sequências. Neste procedimento, os alunos veem a diferença de um termo para outro e adicionam o que falta para ter o primeiro termo da sequência. Esta é uma estratégia válida para obter o termo geral para este tipo de sequências, mas sua justificação é baseada em convicção externa, ligada a um procedimento automático sem referência ao significado dos símbolos. Assim, ainda que estes alunos tenham chegado a um termo geral correto, não evidenciam compreensão da relação matemática nele expressa. Outros alunos, entretanto, apresentaram argumentos relativos à estrutura ou padrão de formação das torres para justificar as suas expressões simbólicas:

Ana: Nós também fizemos a fórmula 2 mais 3n.

Professora C: Expliquem aos colegas porquê que é 2 mais 3n!

Ana: Nós usamos estes dois palitos dos lados, e como só aumentava o do meio, 3 em cada termo, ficava 3 vezes n mais 2.

(Diálogo entre a professora C e uma aluna, 2022).

Nuno: Esta é a expressão da sequência (3n+2).

Professora A: Então o que é este 3?

Nuno: O 3 é o número de palitos por andar.

Professora A: O n é o quê?

Nuno: O n representa a posição... e o número de andares na figura.

Professora A: E o 2?

Nuno: O 2 representa os dois palitos que têm nas laterais.

Professora A: E se mantêm sempre o mesmo número?

Nuno: Nesta sequência sim, mas na 2 também se acrescenta palitos nas laterais. Então eu fiz 2n mais 3n!

(Diálogo entre a professora A e um aluno, 2021).

Ester: Na torre, adicionamos 2 dos lados, quer dizer, 1 de cada lado e depois um piso! E um piso é constituido por 3 palitos!

Duarte: Eu também fiz assim! Eu escrevi “cada patamar da torre precisa de 3 palitos e de 2 nas laterais, ou seja, 5 no total “. Então, sempre que a sequência aumenta, aumenta 5!

(Diálogo entre a professora B e alunos da turma B, 2022).

Os alunos explicaram como cada parte das expressões representa o padrão de crescimento e a relação matemática observada, pelo que constituem generalizações teóricas/estruturais/simbólicas. No seguimento da tarefa, os alunos apresentaram diversos argumentos relativamente à validade de uma afirmação:

Professora A: Marcos, o que vocês concluíram?

Marcos: Nós concluímos que são equivalentes porque usa-se o mesmo método para resolver.

Nuno: As expressões não são equivalentes, porque não dão o mesmo resultado!

(Diálogo entre a professora A e alunos da Turma A, 2021).

Sarah: A Catarina não tem razão! 2 mais 3 pode até ser 5, e desta forma as expressões seriam equivalentes, mas neste caso não é um método correto para resolver. Na expressão a multiplicação tem a prioridade, por isso teríamos que fazer primeiro a multiplicação, dando resultados diferentes entre as sequências.

Daniel: Não são equivalentes, porque há figuras nas sequências com o mesmo termo de ordem que têm um número de palitos diferentes, por exemplo, a figura 2 na sequência 1 não têm o mesmo número de palitos que na sequência 2.

(Diálogo entre a professora B e alunos da turma B, 2022).

Maria: Se usarmos a expressão 5n na primeira sequência, no primeiro termo vai dar certo, mas no segundo vai dar 10, e está errado, porque é 8.

Professora C: Mas a expressão funcionou para o primeiro termo!

Maria: Mas não dá certo para os outros termos!

Professora C: E isto é o suficiente para dizermos que esta expressão não representa a sequência 1?

Maria: Sim!

(Diálogo entre a professora C e alunos da turma, 2022).

Em algumas respostas observamos justificações por convicção externa. No caso de Marcos, a aparência do método usado na resolução levou o aluno a dizer que a afirmação estava correta. Já Sarah referiu uma propriedade na afirmação - na expressão a multiplicação tem a prioridade - pelo que sua justificação tem uma natureza dedutiva. Do mesmo modo, a justificação de Nuno tem uma natureza dedutiva, pois o aluno fez referência ao conceito de expressão equivalente. Do mesmo modo, Daniel e Maria formularam justificações de natureza dedutiva, argumentando por meio de contraexemplos que as expressões não eram equivalentes.

5 Discussão

O presente estudo tem como objetivo compreender como, no quadro de uma experiência de ensino que enfatiza a promoção do raciocínio matemático, se caracterizam as conjeturas, generalizações e justificações de alunos de 8.° ano, ao resolverem tarefas de cunho algébrico. Nas três turmas vimos a formulação de diversas conjeturas, um envolvimento natural dos alunos com este processo de raciocínio (Lannin; Ellis; Elliot, 2011) e com outros processos ligados à busca de semelhanças e validação (Jeannotte; Kieran, 2017).

Na tarefa O segredo destas equações, os alunos formularam várias conjeturas, fazendo afirmações relativamente às soluções, que seriam sempre números naturais e pares, e relativamente a relações matemáticas. Estas conjeturas resultaram da busca de semelhanças e diferenças, envolvendo comparação de equações, identificação de padrões e classificação de soluções. Os diversos processos de raciocínio matemático mobilizados pelos alunos foram essenciais na formulação e exploração de conjeturas, influenciando-se uns aos outros, como referem Jeannotte e Kieran (2017). A estrutura desta tarefa levava os alunos à exploração empírica pelo que, naturalmente, surgiram generalizações desta natureza. É de destacar que, por meio da discussão realizada, as generalizações e justificações empíricas deram lugar à investigação do porquê (Lannin; Ellis; Elliot, 2011), por exemplo, das soluções serem pares. Suscitaram ainda a formulação de justificações que não se baseavam apenas em exemplos (Stylianides; Stylianides, 2009), mas assumiam uma natureza dedutiva, por meio do uso de definições, propriedades e teoremas matemáticos. Os alunos não formularam justificações de natureza dedutiva relativamente à relação entre os denominadores e o segundo membro da equação para a determinação da solução das equações, de acordo com o conhecimento, linguagem e representações que estavam dentro do seu alcance conceituai naquele momento (Buchbinder; Mccrone, 2022). Entretanto, os alunos identificaram esta relação, referindo-a explicitamente, com base em exemplos - generalização empírica.

De modo distinto, a tarefa Apertos de mão e cartões de visita não conduzia os alunos diretamente a uma exploração empírica, mas estes exploraram espontaneamente alguns exemplos para compreender a situação em causa (Stylianides; Stylianides, 2009). A partir disto, fizeram conjeturas sobre relações entre o número de pessoas e o número de cartões ou de apertos de mão, formulando generalizações empíricas. A discussão sobre estas generalizações empíricas novamente apoiou os alunos na busca de argumentos para validar suas conjeturas (Stylianides; Stylianides, 2009), como ocorreu com uma aluna, que durante a discussão coletiva utilizou argumentos lógicos formulando uma justificação de natureza dedutiva. Atendendo ao que propõe a tarefa, os alunos usaram a linguagem algébrica simbólica para representar relações, mas muitos buscaram validação por meio de justificações empíricas, usando exemplos aleatórios (Stylianides; Stylianides; Weber. 2017). A exemplificação mostrou-se um importante apoio para o raciocínio matemáticos dos alunos (Jeannotte; Kieran, 2017). Neste aspeto, mesmo que a generalização se aproxime mais de uma generalização empírica do que simbólica, explorá-las é fundamental para que os alunos aprendam gradualmente a formular justificações que não se baseiem apenas em exemplos (Lannin; Ellis; Elliot, 2011). Surgiu ainda uma generalização teórica/estrutural/simbólica, onde se destaca o aspeto de expansão a um conjunto mais alargado de objetos presentes na generalização -podemos usar qualquer número do conjunto dos naturais, porque todos resultam em pares. Este resultado aponta para as potencialidades dos alunos na formulação deste tipo de generalizações, num contexto que as favorecem, por meio da colocação de questões e do incentivo à partilha e justificação de respostas.

A busca por argumentos para validação segue-se à formulação de conjeturas, como afirmam Morais, Serrazina e Ponte (2018). Os alunos buscaram validar a conjetura podemos usar números ímpares e pares de participantes, que o número de cartões sempre será par. Entre as justificações empíricas, vemos o uso de exemplos aleatórios e de exemplos selecionados, pelo uso de números pares e ímpares para verificar os resultados. O exemplo genérico também foi usado, pela exploração de características presentes nos diferentes casos possíveis (números pares e ímpares). Destacamos que, na argumentação de um aluno, foram articulados exemplos aleatórios, exemplo genérico e argumentos de natureza dedutiva, referindo um teorema e usando propriedades. Como afirmam Stylianides, Stylianides e Weber (2017), o exemplo genérico serviu para conectar argumentos empíricos e argumentos de natureza dedutiva.

Na tarefa Torres crescentes os alunos identificaram padrões e formularam generalizações empíricas, explorando as regularidades encontradas em alguns exemplos. Alguns alunos usaram contagem e estratégias recursivas, mas expressões algébricas também surgiram espontaneamente, seguidas de diferentes tipos de justificação. Alguns alunos referiram um procedimento automático para criar a expressão geradora deste tipo de sequências, dando uma justificação por convicção externa, em particular por manipulações, sem referir o significado das expressões criadas (Stylianides; Stylianides; Weber, 2017). Estas justificações indicam que, mesmo recorrendo a expressões algébricas adequadas, os alunos não fizeram necessariamente generalizações teóricas/estruturais/simbólicas, na medida que não usaram tais expressões com compreensão e consciência das relações matemáticas envolvidas. Como refere Stylianides (2008), vemos que formular generalizações teóricas/estruturais/simbólicas constitui um desafio para os alunos. É de destacar, entretanto, que alguns alunos formularam generalizações teóricas/estruturais/simbólicas baseando-se no padrão de formação das figuras (Stylianides, 2008). Suas justificações foram feitas a partir de exemplo genérico, apontando para uma figura e indicando características presentes em todas as outras. Outras justificações por convicção externa surgiram também na tentativa de validar conjeturas. Alguns alunos referiram a manipulação simbólica, diretamente, e outros a aparência, como na resposta são equivalentes porque se usa o mesmo método para resolver. Neste mesmo contexto surgiram ainda justificações de natureza dedutiva, por meio da referência ao conceito matemático de expressões equivalentes e pelo uso de contraexemplos.

O envolvimento dos alunos na busca por semelhanças e diferenças se liga às características da experiência de ensino, relativamente à promoção do raciocínio matemático, que concorreram para o surgimento de novas conjeturas e de diferentes tipos de generalizações. O trabalho das professoras no incentivo à partilha de ideias, tanto na resolução das tarefas pelos grupos como nas discussões coletivas, foi fundamental para que os alunos produzissem justificações distintas. Durante as discussões coletivas as professoras colocaram questões essenciais para estes resultados, explorando as respostas dos alunos, valorizando suas contribuições e solicitando a explicação do porquê, como referem Ponte, Quaresma e Mata-Pereira (2020).

6 Conclusão

Neste estudo, observamos um envolvimento natural dos alunos no processo de formulação de conjeturas, como referido por Lannin, Ellis e Elliot (2011). Os fundamentos da experiência de ensino, tanto as características das tarefas como as ações das professoras particularmente nas discussões coletivas, contribuíram para a formulação e verbalização de um conjunto expressivo de conjeturas e generalizações. Estas generalizações foram observadas a partir das bases usadas pelos alunos para a sua formulação (Quadro 1), permitindo uma compreensão mais aprofundada destes processos formulados pelos alunos. Verificamos a predominância de generalizações empíricas, como referido por Stylianides, Stylianides e Weber (2017), mas destacamos o surgimento de generalizações teóricas/estruturais/simbólicas. Na tarefa de sequências, muitos alunos fizeram estas generalizações referindo o reconhecimento de aspetos visuais ao explicitar uma relação matemática por meio de expressões algébricas. Observamos ainda que alguns dos alunos que usaram linguagem algébrica simbólica não evidenciaram uma consciência das relações matemáticas envolvidas, pelo que não consistem em generalizações teóricas/estruturais/simbólicas.

As justificações empíricas, em particular por exemplos aleatórios, foram bastante usadas, com alguns casos de uso de exemplos selecionados e de exemplo genérico. No entanto, a discussão coletiva em torno das generalizações empíricas favoreceu a mobilização de outras formas de justificação para além das baseadas apenas no uso de exemplos. Embora não tenham existido provas formais, os alunos fizeram referência a definições, propriedades, teoremas, procedimentos e princípios lógicos, realizando justificações de natureza dedutiva que coadunam com o conhecimento, linguagem e representações que estavam dentro do seu alcance conceituai (Buchbinder; Mccrone, 2022; Stylianides; Stylianides; Weber, 2017). As justificações por convicção externa também surgiram, pela referência à aparência de argumentos ou à manipulação simbólica, mas não houve argumentos recorrendo à autoridade do professor ou do manual. Entendemos que a natureza das tarefas usadas na experiência de ensino, em particular a possibilidade do uso de diferentes estratégias ou representações, assim como de ações dos professores no incentivo à comunicação de ideias e no encorajamento a justificações aceitáveis, concorreram para estes resultados.

Por fim, destacamos que estes processos de raciocínio matemático dos alunos foram estudados num ambiente de aprendizagem onde buscávamos promovê-los. Este contexto revelou potenciar o desenvolvimento de generalizações e de justificações que não se baseiam apenas em exemplos. Neste aspeto, salientamos que as discussões acerca das generalizações e justificações empíricas mostraram-se um instrumento fundamental para o desenvolvimento gradual da capacidade de formular generalizações teóricas/estruturais/simbólicas e justificações de natureza dedutiva. Uma questão que fica em aberto é se estes alunos, em outros contextos de aprendizagem, continuam a explorar autonomamente conjeturas, formulando generalizações e justificações que não se baseiem apenas na observação empírica.

Agradecimento

Este trabalho é financiado pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia através da Bolsa de Doutoramento 2020.08843.BD e da UIDEF - Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação, UIDB/04107/2020, https://doi.org/10.54499/UIDB/04107/2020.

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  • Editor-chefe responsável:
    Prof. Dr. Roger Miarka
  • Editor associado responsável:
    Profa. Dra. Hélia Margarida Pintão de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2023
  • Aceito
    18 Nov 2024
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