Resumo
Na escola, a alfabetização matemática, iniciada pelo desenvolvimento de habilidades aritméticas nas quatro operações, ao lado da leitura e escrita, constitui um papel de fundamental importância no desenvolvimento cognitivo da criança e na sua inserção na sociedade. A literatura da área aponta a memória operacional fonológica e visuoespacial, além do senso numérico e habilidades linguísticas como sendo alguns dos aspectos cognitivos que mediam o desempenho aritmético. O presente estudo teve como objetivos: (1) caracterizar o desempenho na resolução de operações aritméticas e investigar se esse desempenho é diferente entre crianças com e sem dificuldade de leitura; (2) investigar se o modo de registro da resolução (escrito ou mental) se associa com os acertos nas operações aritméticas; e (3) verificar a associação desse desempenho aritmético com testes que avaliam senso numérico e memória operacional fonológica e visuoespacial. Os participantes foram 131 alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental com e sem dificuldades de leitura. Os resultados indicam que as crianças da amostra possuem defasagem no desempenho aritmético comparando com o esperado pelo currículo das respectivas séries escolares. O estudo mostrou também que tanto o desempenho em aritmética quanto o senso numérico e memória operacional foram menores no grupo com dificuldade em leitura. O uso dos diferentes modos de registro das resoluções identificados teve relação com os acertos em aritmética apenas para a adição de 2 dígitos. Encontrou-se também uma associação entre as funções cognitivas avaliadas e o desempenho aritmético, essa associação variou conforme os diferentes anos escolares.
Aritmética; Memória Operacional; Leitura; Ensino Fundamental; Senso Numérico
Abstract
At school, the mathematical literacy initiated by the development of arithmetic skills in the four operations, and reading and writing skills, plays a fundamental role in children’s cognitive development and their socializing. The literature points to phonological and visuospatial working memory, number sense, and linguistic skills as some of the cognitive aspects that mediate arithmetic skills. The present study aimed to (1) characterize the performance in solving arithmetic operations and investigate whether this arithmetic performance is different between children with and without reading difficulties; (2) investigate whether the way of registering the resolution (written or mental) is associated with correct answers in this arithmetic operations; and finally, (3) verifying the association of this arithmetic performance with tests that assess number sense and phonological and visuospatial working memory. Participants were 131 students of elementary school with and without reading difficulties. The results indicate that these children have a deficit in arithmetic performance compared to what is expected by the curriculum of their respective school grades. This study also showed that both the performance in arithmetic and the number sense and working memory are lower in the group with reading difficulty. The way of registering the resolution was related to the correct answers only for the addition with 2 digits. Finally, it was found an association between the evaluated cognitive functions and the arithmetic performance, this association varied according to the different school grades.
Arithmetic; Working memory; Reading; Elementary School; Number sense
1 Introdução
Na escola a alfabetização matemática, iniciada pelo desenvolvimento de habilidades aritméticas nas quatro operações, ao lado da leitura e escrita, constitui um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo da criança. Existem, inclusive, pesquisas que indicam que os prejuízos no desenvolvimento dessas habilidades nos primeiros anos escolares podem levar a impactos na fase adulta, seja na tomada de decisão, empregabilidade e até qualidade de vida (Reyna et al., 2009; Parsons; Bynner, 2005). A aprendizagem da Matemática pode ser influenciada por diversos fatores, como habilidades cognitivas, metacognitivas e linguísticas, métodos de ensino, estratégias de aprendizagem utilizadas pelos estudantes, além de aspectos sociais (Souza; Matias, 2020; Gimbert et al., 2019; Oliveira, Negreiros; Neves, 2015; Geary, 2011).
Entre as funções cognitivas relacionadas mais diretamente com a aritmética, estudos destacam a memória operacional fonológica e visuoespacial, além do senso numérico. Considera-se que estes aspectos cognitivos são mediadores do desempenho aritmético, embora poucos estudos tenham usado esses componentes para tentar propor um modelo que associe diretamente o desempenho em testes cognitivos e o desempenho escolar (Souza; Matias, 2020; Gonçalves et al., 2017; Silva et al., 2015; Haase et al., 2012).
Memória Operacional (ou Memória de Trabalho) é um sistema de armazenamento temporário de manipulação de informações, necessário para a realização de tarefas cognitivas complexas. Um modelo influente nos estudos de desenvolvimento cognitivo propõe que a memória operacional é um sistema de três componentes principais. O primeiro é a alça fonológica, que mantém informações auditivas ativas por alguns segundos, através de um processo de ensaio articulatório, que auxilia na reverberação interna dessa informação. Desta forma, uma informação breve, por exemplo uma sequência de números, é mantida ativa na memória operacional até ser usada, salva na memória de longo prazo ou descartada. O segundo componente, o esboço visuoespacial mantém e manipula informações de imagens. Um exemplo é quando memorizamos a localização dos pares de imagens iguais em um jogo da memória. Por sua vez, o executivo central é o componente que coordena as informações dos outros dois sistemas em conjunto com um contexto maior definido por nossos objetivos (para uma visão geral sobre os componentes da memória operacional ver Baddeley, 2003).
O termo “number sense” é utilizado de diferentes formas (para uma revisão, veja Berch, 2005). Neste trabalho traduzimos esse termo como senso numérico, tradução geralmente empregada na literatura em neuropsicologia e neurociência, como em parte dos estudos presentes em nossa bibliografia. Outra tradução utilizada para esse termo é Sentido de Número, definido como conhecimento e destreza com números e operações em situação de cálculo (Mcintosh; Reys; Reys, 1992), se referindo a uma função de mais alta ordem cognitiva do que a habilidade definida pelo neurocientista cognitivo Dehaene (2001) (traduzida por senso numérico). Porém, esta definição de Dehaene (2001) será a utilizada no presente trabalho.
Senso numérico é definido como um mecanismo inato e evolutivo que nos permite ter a capacidade de avaliar a quantidade de objetos. Embora tenha um componente considerado inato, as crianças desenvolvem o senso numérico por meio da interação com o ambiente do desenvolvimento da linguagem, que permite a atribuição de nomes às quantidades através do uso de termos como muitos, poucos, maior, menor, igual e os numerais. Esse mecanismo, tanto na modalidade simbólica, que usa a comparação de numerais, quanto na não simbólica, que envolve a comparação de quantidades de itens, é central para o processamento numérico, embora não seja suficiente para o desenvolvimento de outras habilidades relacionadas com a aprendizagem matemática (Nelwan et al., 2021; Reynvoet; Sasanguie, 2016; Dehaene, 2001). Também faz parte desse conceito de senso numérico, a criação de uma linha numérica mental com a representação ordenada das quantidades (Berch, 2005).
Um modelo de funções cognitivas envolvidas na representação e processamento dos números muito usado na literatura de cognição matemática é o modelo de codificação tripla, proposto por Dehaene e Cohen (1995). Esse modelo propõe que o processamento numérico envolve três tipos de representação mental que se complementam. Na primeira, o número tem sua representação no sistema de linguagem, por meio de palavras faladas e convertidas em escrita. A segunda forma também é simbólica, porém não mais envolve a linguagem, e sim um sistema visual, com a representação através de algarismos arábicos. O terceiro código de representação do conceito de número utiliza o sistema de quantidade, envolvendo a representação de magnitude em uma linha numérica orientada. Um requisito importante no desenvolvimento aritmético inicial é aprender a mapear e manipular essas três representações (Malone et al., 2019).
Apesar da importância e necessidade do uso cotidiano de conceitos e raciocínio matemáticos, essa disciplina ainda é considerada no senso comum como sendo difícil de aprender. Resultados de avaliações oficiais de 2017 mostraram que 56% dos estudantes brasileiros matriculados no 5º ano em escolas públicas possuem baixa proficiência na resolução de problemas matemáticos (QEDU, 2019). Adicionalmente a essa dificuldade já detectada anteriormente, segundo dados da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, com a pandemia de Covid-19 houve uma queda de 19% no desempenho em avaliações de aprendizagem em Matemática no último ano do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, taxa maior que nas outras fases escolares e que a queda no desempenho em língua portuguesa.
Diante de tais dados, a situação dos prejuízos constatados na aprendizagem matemática e aritmética nos primeiros anos escolares se mostra ainda mais preocupante, visto a magnitude de efeitos que tais prejuízos, se não forem remediados, podem ter na vida da pessoa, inclusive no desenvolvimento de outras habilidades cognitivas.
Como as pesquisas deste tema ainda são recentes no Brasil e em contextos educacionais restritos, ainda são necessários mais estudos a fim de ampliar a compreensão sobre a influência de cada componente cognitivo e suas interações na aprendizagem aritmética em cada um dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O avanço de pesquisas sobre esse tema, em contextos educacionais diversos, é relevante para a elaboração de possibilidades de intervenções interdisciplinares em sala de aula a fim de facilitar o processo de ensino e aprendizagem matemática e reduzir os prejuízos gerados pelas dificuldades presentes (Haase et al., 2012).
A grande variabilidade de fatores que influenciam o desempenho aritmético nas quatro operações (adição, subtração, multiplicação e divisão com um ou dois dígitos), incluindo aspectos cognitivos, educacionais e sociais, justifica a realização de estudos descritivos em diferentes contextos educacionais. Este trabalho tem três objetivos: (1) caracterizar o desempenho em uma tarefa de operações aritméticas simples, verificando como este desempenho varia entre os anos escolares iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública do estado de São Paulo, e se há diferença de desempenho nessa tarefa entre crianças com e sem dificuldade de leitura; (2) investigar se o modo de registro da resolução, dado pelo uso de estratégias de resolução escritas ou mentais, se associa com os acertos nas operações aritméticas; e, por fim, (3) investigar a associação do desempenho em aritmética com outras funções cognitivas, como senso numérico, memória operacional fonológica e visuoespacial.
2 Metodologia
2.1 Participantes
Participaram do presente estudo um total de 131 crianças do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, com idades entre 6 e 12 anos compatíveis com o ano escolar, a idade média da amostra foi de 9,08 (∓1,45) anos. Todos os participantes eram alunos regulares dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (2º a 5º anos), de uma Escola Municipal de Santo André, no ABC paulista. A coleta de dados ocorreu no período de 2018 a 2019 e, naquele momento, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) da escola era de 5,5 enquanto o IDEB para o Estado de São Paulo foi de 6,5 no mesmo ano. Este índice é um indicador que varia de 0 até 10 e reúne os resultados de dois parâmetros da qualidade da educação: aprovação escolar, e as médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) (Brasil, 2017a).
A amostra total de participantes do estudo foi separada em dois subgrupos. O primeiro subgrupo contou com 93 crianças que apresentaram desempenho típico em leitura e escrita, sendo 22 do 2º ano, 21 do 3º ano, 24 do 4º ano e 26 do 5º ano. O segundo subgrupo teve 38 crianças que apresentaram dificuldades de leitura e escrita com relação ao esperado para a idade delas, sendo 14 do 2º ano, 12 do 3ºano, 7 do 4º ano e 5 do 5º ano. Tais dificuldades foram detectadas pelas professoras no dia a dia em sala de aula. Os alunos com dificuldade de leitura passaram pela Avaliação de Rede da Leitura e Escrita (ARLE), realizada em computadores. Essa avaliação é um instrumento que avalia as relações entre os seguintes estímulos, palavra ditada e palavra impressa; palavra impressa e figura; palavra ditada e figura (como descrito por Cravo; Almeida-Verdu, 2018). Neste estudo nomeamos esses dois grupos de interesse como Sem Dificuldades de Leitura (SDL) e Com Dificuldades de Leitura (CDL).
Todas as crianças CDL, além de participarem deste estudo, foram indicadas para participar de um programa de intervenção computadorizada de leitura oferecido na escola, esse programa é chamado ALEPP- Aprendendo a Ler e Escrever em Pequenos Passos (como descrito por Marques; Golfeto; Melo, 2012).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da UFABC, CAAE: 92458418.7.0000.5594 para o grupo SDL, e CAAE: 92468718.0.0000.5594 para o grupo CDL. Todos os responsáveis pelas crianças participantes foram informados previamente sobre os procedimentos, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo este o nosso critério de inclusão. Após a coleta, excluímos das análises participantes portadores de dificuldades cognitivas, sensoriais e/ou motoras, ou histórico de doenças neurológicas.
2.2 Procedimento
Todas as avaliações foram realizadas com os participantes de forma individual, por um pesquisador membro do grupo de pesquisa responsável pelo estudo, que foi previamente treinado. As tarefas que foram analisadas neste estudo fizeram parte de uma ampla avaliação cognitiva realizada nas crianças, e pela extensão da bateria de testes, a depender do cansaço e engajamento das crianças, a avaliação podia ser dividida em um ou dois dias sem que isso alterasse a ordem pré-fixada das tarefas realizadas e visando garantir que um desempenho menor em parte das crianças não tenha sido por cansaço decorrente da realização das tarefas propostas.
Todo o procedimento foi realizado durante o turno escolar, com as crianças se retirando da sala de aula, com autorização das professoras, durante o período da realização do protocolo de avaliação. As avaliações foram realizadas em uma sala à parte na própria escola.
Como forma de incentivar o engajamento, durante a avaliação, foram oferecidos adesivos às crianças, e ao concluir todas as atividades elas receberam um diploma simbólico de participação na pesquisa.
2.3 Materiais
No presente estudo foram usados instrumentos padronizados de avaliação neuropsicológica para avaliar as funções cognitivas de interesse, que são respectivamente habilidades aritméticas nas quatro operações, senso numérico e memória operacional fonológica e visuoespacial.
Para mensurar as habilidades aritméticas dos participantes foi utilizada a tarefa de Cálculos Matemáticos do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF (descrito em Pawlowski et al., 2008 e Salles et al., 2011). Essa tarefa consiste em um total de oito operações aritméticas, sendo duas de cada uma das quatro operações básicas, as operações usadas nesse teste são as seguintes: 5+4; 35+17; 9-3; 22-15; 3x4; 15x6; 12÷2; 75÷3. Para este estudo foi usada uma versão com aplicação adaptada para investigar os modos de registro espontâneo usados na resolução, deixando os participantes livres para resolver como se sentissem mais confortáveis, usando ou não lápis e papel. Este instrumento foi escolhido por ter tanto expressões mais simples, quanto expressões de maior dificuldade, como transporte entre colunas, além de ser desenvolvido e normatizado para o uso em crianças de 6 até 12 anos. Usamos como pontuação a acurácia do resultado da operação e o modo de registro da resolução preferido por cada uma das crianças diante das operações aritméticas propostas.
A tarefa usada para mensurar o senso numérico foi o teste de Comparação de números (como descrito em Ogata et al., 2011), que avalia a modalidade simbólica da comparação de magnitudes. O teste consiste em 72 pares de números de um dígito, apresentados um par por vez, e o participante deve dizer o mais rapidamente possível qual o maior número de cada par durante o tempo total de 2 minutos. As distâncias numéricas entre os números dos pares podem ser de 1, 2 ou 3. A pontuação equivale ao número de acertos.
O teste de memória operacional visuoespacial utilizado foi o Cubos de Corsi (descrito em Berch; Krikorian; Huha, 1998) na ordem direta e ordem inversa. O teste consiste em uma base quadrada com oito blocos idênticos com números que ficam virados para o examinador. O participante é instruído a repetir os movimentos do pesquisador após ele tocar sequencialmente em um certo número de blocos que varia de 2 a 7. Na ordem direta a criança deve tocar nos blocos da mesma sequência que o pesquisador. Na ordem inversa, deve-se reproduzir a sequência invertida, isto é, começando do último bloco tocado e terminando no primeiro. As sequências tocadas tanto na ordem direta, quanto na inversa, começam com dois itens e após dois acertos em sequências de mesmo tamanho aumenta-se um item até a extensão máxima de sete blocos. O teste é interrompido após três erros consecutivos. A pontuação corresponde ao número de sequências corretas até o teste acabar ou ser interrompido pelo número de erros consecutivos.
O componente fonológico da memória operacional foi mensurado utilizando o subteste de Dígitos da bateria de inteligência WISC-III ordem direta e ordem inversa (descrita em Figueiredo; Nascimento, 2007). Nesse teste o examinador fala em voz alta, de forma pausada, uma sequência de dígitos que deve ser repetida verbalmente imediatamente depois, na mesma ordem em que foi dito ou na ordem inversa, conforme a instrução prévia, como no teste anterior. Tanto na ordem direta quanto na inversa, o teste começa com sequências de dois dígitos e após duas sequências de mesma extensão aumenta em um dígito, na ordem direta vai até a extensão máxima de oito dígitos e na ordem inversa até extensão máxima de sete dígitos. O teste é interrompido após duas sequências consecutivas erradas. A pontuação é o número de sequências corretas.
2.4 Análise de dados
Para analisar o desempenho na tarefa de aritmética foi usada inicialmente uma análise estatística descritiva dos acertos para cada uma das operações, separando os resultados por ano escolar e por grupo CDL ou SDL. Em seguida foi utilizada uma ANOVA com ano e desempenho de leitura como fatores para verificar se há influência significativa desses fatores na pontuação total do teste de aritmética.
Os modos de registro da resolução foram categorizados e foi registrada a frequência do uso dos diferentes tipos de registro (escrito ou mental) da resolução de operações aritméticas, a fim de identificar quais foram predominantes para cada operação nos diferentes anos escolares. Esses registros também foram comparados entre os grupos CDL e SDL. Para verificar se houve uma relação significativa entre uso de determinado modo de registro e os acertos em cada operação, foi utilizado o teste Qui-quadrado. Nessa análise, considerou-se apenas a parte da amostra que fez cada uma das operações para diferenciar o erro ao responder a operação da ausência de dados, quando a expressão numérica não foi resolvida.
Para verificar a relação do desempenho em aritmética com os testes cognitivos de senso numérico e memória operacional foram realizadas regressões lineares múltiplas, sendo uma geral com a variabilidade de desempenho nos testes vindas pelos anos escolares e pelos grupos de desempenho em leitura, e outras regressões divididas por ano, para verificar qual dos testes cognitivos melhor consegue prever o desempenho aritmético e se há diferença entre os anos.
3 Resultados
Inicialmente foi comparada a média de acertos totais da amostra toda na tarefa de aritmética (máximo de 8 acertos), por ano escolar para cada um dos dois grupos de desempenho em leitura e escrita (com e sem dificuldades). A realização de uma ANOVA de duas vias mostrou que, para a variável total de acertos no teste de aritmética, houve efeito principal do fator ano escolar, que indicou haver diferenças estatisticamente significativas entre os grupos por ano escolar, F(3,123)=31,260; p<0,001; η2 =0,356 e um efeito principal para o fator grupo de dificuldade em leitura, F(1,123)=43,067; p<0,001; η2 =0,163. Porém não houve efeito de interação entre eles (p=0,284). Realizando um teste post-hoc de Tukey para o ano escolar foi observado que há diferença na média da pontuação total no teste de aritmética entre todos os anos (p<0,01), menos entre o 4º e 5º ano (p=0,804). O resumo das médias dos grupos por ano pode ser conferido na Tabela 1.
Ainda com relação a acurácia do teste de aritmética, focando individualmente em cada uma das oito operações que compõem o teste, foi realizada uma análise gráfica da taxa de acertos por ano escolar em cada uma das operações aritméticas e obtivemos os gráficos de linhas a seguir (Figura 1). A medida de dispersão usada é o erro padrão da média. A ordem das operações nos gráficos intercalando adição, subtração e multiplicação, divisão e operações com 1 e com 2 dígitos, foi escolhida para diminuir o máximo possível a sobreposição entre as linhas, também tentando respeitar a ordem com que as operações aparecem no currículo escolar.
Pode-se observar na Figura 1, que, para o grupo SDL, a taxa de acertos cai progressivamente com a complexidade das operações, principalmente olhando as operações de multiplicação e divisão. Em todos os anos a operação com dois dígitos teve menos acertos que a mesma operação feita com apenas 1 dígito. Este efeito é ainda mais evidente no grupo CDL, com uma queda acentuada no acerto na subtração de 2 dígitos em todos os anos escolares, sendo que nenhum dos alunos do 5º ano do grupo CDL acertou essa operação, enquanto alguns alunos CDL do 3º e 4º anos acertaram. Além disso, observa-se que. mesmo que o grupo CDL seja definido apenas em função de dificuldade na leitura e escrita, ele mostra baixo desempenho também na aritmética, com a média sempre abaixo do outro grupo.
Como a aplicação das tarefas aritméticas foi verbal e os alunos tiveram a disposição papel e lápis para utilizar na resolução das operações, foi observado o uso espontâneo de 2 diferentes tipos de registro escrito da resolução: registro numérico e utilização de representações pictóricas (bolinhas ou risquinhos que são riscados ao serem subtraídos, ou são somados, ou divididos em diferentes agrupamentos de igual quantidade etc.), além daqueles que deram a resposta sem fazer registro escrito (caso de participantes que segundo a observação dos avaliadores resolveram contando nos dedos ou mentalmente). As frequências totais de cada modo de registro, considerando toda a amostra sem separar por acurácia estão presentes na Tabela 2.
Os dados dos que realizaram a tarefa, tirando a categoria Não fez, foram analisadas com teste Qui-quadrado para associação com o acerto em cada grupo e operação. No grupo SDL houve uma associação significativa de acurácia e modo de registro apenas para a adição de 2 algarismos: Qui2(2,n=88)=11,311; p=0,003; V de Cramer=0,358 com a tabela de contingência ilustrada na Tabela 3. Para o grupo CDL o uso de nenhum desses modos de registro da resolução teve associação significativa com a acurácia na aritmética.
– Tabela de contingência do teste Qui-quadrado entre acurácia e modo de registro na adição de 2 dígitos para o grupo SDL
O desempenho médio nos testes cognitivos de comparação de número e de memória operacional (dígitos e Corsi), podem ser conferidos na Tabela 4.
Verificou-se, através de ANOVA de duas vias da amostra inteira, que no desempenho para a comparação de números houve diferença estatisticamente significativa dos grupos considerando o ano escolar, F(3,121)=34,417; p<0,001; η2=0,401 e também houve diferença estatisticamente significativa dos grupos considerando o grupo de desempenho em leitura (SDL ou CDL), F(1,121)=29,089; p<0,001; η2=0,113. O post-hoc de Tukey para ano escolar mostrou que não há diferença entre o desempenho do 3º com o 5º ano e do 4º com o 5º ano. Para a tarefa de dígitos direto também houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos de ano escolar F(3,122)=5,820; p<0,001; η2=0,117 e desempenho em leitura F(1,122)=9,493; p=0,003 η2=0,064 e o post-hoc mostrou que houve diferença apenas entre o 2º ano com os demais anos escolares. A tarefa de dígitos inverso também mostrou ter diferença estatisticamente significativa entre os grupos de ano escolar (F(3,121)=6,381; p<0,001 η2=0,115) e desempenho em leitura (F(1,121)=24,329; p<0,001 η2=0,146) e o post-hoc para ano escolar mostrou que só houve diferença entre o 2º ano com os 4º e 5º anos. A tarefa de cubos de Corsi direto também mostrou diferença estatisticamente significativa dos grupos por ano escolar (F(3,121)=8,078; p<0,001 η2=0,154) e por desempenho em leitura (F(1,121)=10,732; p=0,001 η2=0,068) e o post-hoc para ano escolar mostrou que houve diferença significativa do 2º ano com o 4º e o 5º anos e entre o 3º e 4º anos. Finalizando as ANOVA de duas vias, verificou-se que, para o teste de cubos de Corsi inverso, também houve diferença estatisticamente significativa dos grupos por ano escolar (F(3,118)=9,356; p<0,001 η2=0,175) e por desempenho em leitura (F(1,118)=12,462; p<0,001 η2=0,078) e o post-hoc para ano escolar mostrou que só houve diferença do 2º ano com os demais anos, similar ao achado para a tarefa de dígitos direto.
Para verificar se as variáveis mostradas na Tabela 4 estão relacionas ao desempenho total na aritmética, após verificar a multicolinearidade entre as variáveis independentes, foi feita uma regressão linear múltipla. O resultado da regressão geral mostrou que o desempenho em aritmética está significativamente associado (p<0,05) com o desempenho nos testes cognitivos de Comparação de números (β=0,064 e t=5,308), dígitos direto (β=0,297 e t=3,582) e cubos de Corsi direto (β=0,284 e t=2,846). Entre estes, os testes de memória operacional se mostraram mais fortemente associados, por terem coeficientes maiores. Esse modelo de regressão apresentou um R2= 0,636.
Ao fazer as regressões de forma isolada para cada ano escolar encontrou-se que, para o 2º ano, apenas os Cubos de Corsi tiveram associação significativa (p<0,005) com R2=0,440; β=0,354 e t=2,641. Para o 3º ano nenhuma variável teve associação significativa para o desempenho geral em aritmética, já para o 4º ano apenas a associação com Comparação de números foi significativa, com R2=0,457; β=0,208 e t=3,735. Por fim, para o 5º ano foram significativas as associações com as variáveis Comparação de números (β=0,141 e t=3,885) e dígitos direto (β=0,350 e t=2,620) e o modelo obteve R2=0,640.
4 Discussão
O presente estudo se propôs a avaliar o desempenho na resolução de operações aritméticas nas quatro operações de crianças do 2º ao 5º ano CDL e SDL, os modos de registro utilizados e a relação do desempenho em aritmética com tarefas de senso numérico, memória operacional visuoespacial e fonológica. Os principais achados mostraram um aumento da quantidade de acertos nas operações aritméticas por ano escolar e uma diferença de desempenho entre os grupos CDL e SDL. O uso dos diferentes modos de registro das resoluções identificados teve relação com os acertos em aritmética apenas para a adição de 2 dígitos no grupo SDL. Verificou-se que o desempenho em aritmética tem relação com as funções cognitivas avaliadas. Estes resultados serão discutidos a seguir.
Haver um aumento no desempenho médio das crianças do grupo SDL nas expressões aritméticas avaliadas neste estudo condiz com o esperado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que entrou em vigor em 2018 (mesmo ano do início da coleta de dados), e no currículo da cidade de Santo André, onde se localiza a escola em questão, para o aprendizado das operações aritméticas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
No 2º ano é esperado que os alunos saibam realizar adição e subtração e comecem a entender o conceito de multiplicação como adição de parcelas iguais. Neste estudo os alunos desse ano mostraram dificuldades com adição e subtração de 2 dígitos, baixo acerto na multiplicação com 1 dígito e não souberam realizar multiplicação com 2 dígitos nem divisão. No 3º ano reforça-se adição e subtração, em especial o procedimento formal e cálculo mental, bem como problemas de multiplicação e introduz o conceito de divisão.
Já nos 4º e 5º anos reforça-se o aprendizado das quatro operações, sendo que no 5º ano espera-se que o procedimento com números naturais esteja consolidado, já que os alunos devem estar preparados para aprender a realizar as operações com números racionais. Isso não foi observado na amostra do 5º ano do presente estudo, na qual o desempenho médio em aritmética do grupo SDL foi em torno de 80%, e do grupo CDL foi de 45%, evidenciando-se uma defasagem em relação ao conhecimento esperado para estudantes do 5º ano, conforme as diretrizes educacionais. Tal resultado é coerente com o visto nos resultados da Prova Brasil, que mostra que muitos alunos do 5º ano ainda possuem uma baixa proficiência em habilidades matemáticas (Brasil, 2017b).
O desempenho do grupo CDL evidenciou um atraso maior em todas as operações aritméticas e anos escolares. Ou seja, houve prejuízo mesmo em operações aritméticas diretas, sem enunciados que necessitem de maior interpretação. Isso pode ser explicado pelas funções cognitivas que dão suporte para o desenvolvimento das habilidades de leitura e aritmética, entre elas a memória operacional (Booth; Boyle; Kelly, 2014), habilidades visuoespaciais (Liu et al., 2021) e habilidades linguísticas (Jordan; Levine; Huttenlocher, 1995). Portanto, uma dificuldade em alguma dessas funções pode afetar tanto a leitura quanto a aritmética.
Tal associação ainda é pouco esclarecida na literatura, especialmente considerando os diferentes anos escolares na mesma análise. Por exemplo, o estudo de Jordan, Levine e Huttenlocher (1995) mostrou que para uma amostra de crianças do jardim de infância e do 1º ano, o grupo com menores habilidades linguísticas teve menor desempenho em problemas aritméticos contados oralmente através de uma situação-problema, porém não teve diferença de desempenho em operações aritméticas diretas. Golbert e Salles (2010) tiveram resultados semelhantes, não encontrando diferença em aritmética nos grupos com e sem dificuldade em leitura em alunos da 2ª série.
Ainda com relação às habilidades de leitura e aritmética e como elas se relacionam com outras funções cognitivas, o estudo de Meiri, Levinson e Horowitz‐Kraus (2019) mostrou que crianças de 8 a 12 anos, falantes de inglês, com dificuldade de leitura tiveram menor desempenho em aritmética e em funções executivas como velocidade de processamento, memória operacional fonológica e inibição. Da mesma forma, no estudo de Zamo e Salles (2013), os alunos de 7 a 11 anos com dificuldade de leitura tiveram um desempenho pior em tarefas de linguagem, memória, orientação, habilidades aritméticas, habilidades visoconstrutivas e funções executivas. É importante salientar que funções executivas como inibição e velocidade de processamento são fatores relacionados a aritmética que não foram avaliados por nosso estudo.
Foi observada uma dificuldade persistente das crianças na subtração de 2 dígitos, dificuldade esta que permanece até o 5º ano e há inclusive alunos desse ano escolar que declararam não saber fazer essa operação. Os erros mais cometidos nesta operação pelas crianças de ambos os grupos de desempenho em leitura foram: alterar a ordem das parcelas ao tentar realizar a operação; erro ao transpor 1 das dezenas para as unidades; fazer adição em vez de subtração; montar o algoritmo com a forma da operação, mas com resultado errado, sem padrão reconhecido e repetir ou reordenar os números da operação como resultado. Tal dificuldade na subtração, em especial a subtração multidígito, mesmo nos últimos anos desse ciclo escolar condiz com a literatura, como no estudo de Zatti, Agranionih e Enricone (2010) que descreveu os erros cometidos nas quatro operações aritméticas em alunos da 5ª série.
Alguns estudos consideram que os modos de registro usados podem ser associados com o uso de estratégias de resolução diferentes (Nita; Fanizzi; Tarouco, 2020 e Bariccatti, 2010). Esses trabalhos descrevem diferentes estratégias de cálculos mentais e escritos, tais como o uso de esquemas/desenhos, algoritmo convencional e resposta sem registro. No nosso trabalho, identificamos um modo de registro formal através do algoritmo e outro por representação concreta das quantidades, além da resolução com ausência de registro escrito. Como foi reportado na seção de resultados, praticamente não houve relação entre o uso de algum modo de registro específico e acertar a operação, tirando uma associação de tamanho de efeito pequeno (V de Cramer=0,358) para a adição de 2 algarismos, com mais acertos para os que escreveram o algoritmo no grupo SDL.
No 2º ano, embora a BNCC e o currículo municipal estimulem o uso de estratégias pessoais, incluindo recursos visuais, o uso da representação pictórica não foi maior que nos outros anos. Porém, as estratégias sem registro escrito, tais como cálculo mental e contar nos dedos, foram mais comuns nesse ano, o que condiz com as crianças nos primeiros anos escolares que usam o recurso de contar nos dedos antes mesmo de usar algoritmos escritos. Para os demais anos, do 3º ao 5º ano, escrever o algoritmo foi o registro mais utilizado.
Houve uma tendência do grupo CDL, especialmente do 3º e 5º anos usarem mais a representação pictórica nas operações iniciais do teste (esta tendência fica mais evidente ao compararmos as porcentagens do uso dentro de cada grupo). Uma possível justificativa aqui hipotetizada é que, ao usar essa estratégia desenhando as quantidades a serem manipuladas, o aluno busca não sobrecarregar a memória operacional tendo que lembrar e manipular os números mentalmente, como por exemplo ao “subir 1”, na qual 10 unidades viram 1 dezena ou ao “emprestar 1” na qual 1 dezena vira 10 unidades.
Já é estabelecido na literatura que o cálculo multidigital requer a retenção e a manutenção de informação visuoespacial da memória operacional, pela necessidade de realizar manipulações visuais de transferência entre colunas, enquanto não há automatização dos algoritmos, além dos resultados simples de operações entre números serem armazenados de forma fonológica como fatos aritméticos (Dorneles; Haase, 2018). Porém esse modo de resolução pode ser pouco eficiente, em especial em operações com números de 2 dígitos, não refletindo melhora no desempenho pelo seu uso. Tais hipóteses precisam ser investigadas mais profundamente em estudos futuros.
Foi encontrada uma diferença no desempenho na tarefa que avalia o senso numérico (comparação de números) entre os anos escolares até a comparação entre o 3º e o 4º ano, o que indica que crianças a partir do 4º para o 5º já não diferem tanto nessa tarefa. Assim como no desempenho em aritmética e nos testes de memória operacional, provavelmente isso ocorre por já terem automatizado certos mecanismos, como a comparação de números para identificar rapidamente qual o maior.
Como houve diferença entre os grupos CDL e SDL no desempenho de todos os testes cognitivos realizados, assim como no desempenho em aritmética, pode haver alguma relação entre dificuldade em leitura e pior desempenho em senso numérico, memória operacional e consequentemente, em aritmética.
Nossos resultados de regressão indicaram uma relação geral da comparação de números, dígitos e cubos de Corsi direto com o desempenho na tarefa de aritmética, indicando haver relação global do senso numérico, memória operacional visuoespacial e fonológica nas habilidades aritméticas. Estes resultados vão ao encontro da literatura como Bos e colaboradores (2013), que concluíram em sua meta-análise que 55 dos estudos analisados indicaram haver uma correlação significativa entre medidas de memória operacional visuoespacial e medidas de matemática, assim como ao analisar 65 estudos verificaram correlação significativa entre memória operacional fonológica e matemática. Há estudos que apontam o senso numérico como um bom preditor de dificuldades em aritmética na educação infantil e nos Anos Iniciais (ver mais em Passolunghi; Lanfranchi, 2011; Jordan; Glutting; Ramineni, 2010).
Ao investigar as relações das funções cognitivas avaliadas com a aritmética, especificamente ao longo dos diferentes anos escolares, observamos uma associação entre o desempenho no teste de memória operacional visuoespacial apenas para o 2º ano, do senso numérico para o 4º e 5º anos e da memória operacional fonológica apenas para o 5º ano. Tais achados corroboram os achados de Corso (2018), que encontrou correlação entre aritmética e senso numérico numa amostra do 4º ao 7º anos, e os achados de Nelwan et al. (2021), que constataram que para o 2º ano a memória operacional visuoespacial é um preditor importante.
Os achados do presente estudo estão deslocados quanto à idade da associação de aritmética com as outras funções cognitivas presentes nos achados de Silva et al., (2017), que encontraram associação com dificuldade em matemática e memória operacional fonológica para crianças do 3º e 4º anos. Ou seja, crianças mais jovens que o efeito encontrado na amostra do presente estudo e também com a parte dos achados de Nelwan et al. (2021) que encontraram associação do senso numérico com aritmética em crianças do 2º ano, enquanto neste estudo essa associação emerge mais tarde.
Uma implicação importante ao considerar o desenvolvimento de diferentes domínios da memória operacional e sua relação com o desempenho em outras habilidades, como a aritmética, é a influência de fatores sociodemográficos e a necessidade de estímulo adequado em interações (como cantigas, poemas e leituras para estimular a alça fonológica) no desenvolvimento de funções cognitivas (Rodrigues; Luna, 2021; Piccolo et al., 2016; Abreu et al., 2013). Portanto, crianças pouco estimuladas em atividades com a família e na escola durante os primeiros anos escolares podem apresentar dificuldades na memória operacional e linguagem, e por serem funções necessárias ao desenvolvimento da aritmética, esses fatores também podem impactar essa habilidade. Como a amostra de crianças do estudo provém de uma região com alta vulnerabilidade social, é possível que estes fatores tenham influenciado nossos resultados.
5 Conclusões
O menor desempenho, tanto em operações aritméticas apresentadas oralmente, quanto em medidas de senso numérico e memória operacional, foi observado em alunos com dificuldade em leitura detectada em sala de aula. Crianças com mais experiência escolar apresentam maior preferência em realizar registro formal da resolução através do algoritmo numérico escrito mesmo sem instruções prévias de que deveriam fazer isso. No entanto, isso se relaciona com a quantidade de acertos apenas na adição de dois dígitos. Nossos resultados mostraram uma associação global entre algumas funções cognitivas e o desempenho aritmético, porém diferiram de alguns estudos com relação à idade na qual essa associação emerge.
Como limitações do estudo temos a falta de informação de estratégias de resolução não escritas para a resolução dos cálculos, o que poderia nos dar mais informações sobre se as crianças que não usaram papel para responder fizeram operação com os dedos, verbalizando o processo ou utilizando o algoritmo mentalmente. Além disso, uma limitação das nossas análises estatísticas foi o baixo número de participantes do grupo CDL em cada ano escolar, sendo necessário haver replicações desse estudo em contextos educacionais semelhantes.
Nossos resultados mostraram a importância dos processos cognitivos na aprendizagem aritmética e têm implicações práticas para o trabalho do professor na sala de aula. Recomendamos que os processos cognitivos investigados nesse estudo sejam levados em conta na elaboração de intervenções para alunos com dificuldades de aprendizagem.
Agradecimentos
Agradecemos o apoio financeiro da Universidade Federal do ABC, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2014/50909-8; 2019/25795-2), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (001; 88887.136407/2017-00), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (465686/2014-1). Agradecemos também ao Programa de Pós Graduação em Neurociência e Cognição da UFABC e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (ECCE).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Abr 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
27 Maio 2022 -
Aceito
13 Jun 2023