Resumo
A passagem de Lourdes de la Rosa Onuchic, de 1959 a 1966, como docente na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) do Instituto Isolado de Educação Superior (IIES) de Rio Claro, São Paulo, é o foco deste artigo. Assim, em um primeiro momento, destacamos, de modo breve, sua formação acadêmica e profissional antes de iniciar seu trabalho como docente no curso de Licenciatura em Matemática e no curso de Pedagogia no IIES de Rio Claro. Na sequência, abordamos os aspectos teóricos e metodológicos que buscam relacionar a escrita biográfica com o uso da história oral. Depois, trazemos apontamentos acerca da chegada de nossa personagem a Rio Claro, e sobre como sua vivência, no período em questão, é atravessada por relações de gênero. Também, abordamos o período em que ela esteve como bolsista nos Estados Unidos e como os seus estudos sobre Matemática Moderna reverberaram quando de sua volta ao Brasil. Por fim, apontamos, de maneira breve, os anos seguintes da trajetória acadêmica e profissional de Lourdes, bem como de que maneira a história de uma vida pode ser importante para conhecermos mais sobre a Educação Matemática, a Matemática como um campo profissional, e como as relações de gênero permeiam o ambiente universitário e toda a sociedade.
Escrita biográfica; História Oral; Gênero; Movimento da Matemática Moderna
Abstract
This article focuses on Lourdes de la Rosa Onuchic’s time, from 1959 to 1966, as a teacher at the former Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of the Isolated Institute of Higher Education in Rio Claro, São Paulo. Thus, first of all, we’ll briefly highlight her academic degree and professional life before she started working as a teacher on the Mathematics degree course and the Pedagogy course at the institute, in Rio Claro. Next, we address the theoretical and methodological aspects that seek to relate biographical writing to the use of oral history. Afterwards, notes are taken on our character’s arrival in Rio Claro and about how gender relations influenced this period of her life. We also discuss her time as a scholarship student in the United States and how her studies on modern mathematics reverberated when she returned to Brazil. Finally, we briefly point out the following years of Lourdes’s academic and professional trajectory as well as how the story of a life can be important for learning more about Mathematics Education, Mathematics as a professional field and how gender relations permeate the university environment and the entire society.
Biographical writing; Oral History; Gender; New Math
1 Introdução
A narrativa de uma vida nos leva ao caminho da imaginação e da busca por constituir um ser narrado, em sua essência, aos olhos de quem lê. Ao conhecer sobre uma trajetória de vida, confrontamo-la com nossa existência, com os modos como encaramos os sucessos, os fracassos e os aspectos mundanos do viver. Como apontam Avelar e Schmidt (2012), ao narrarmos e lermos vidas, criamos a expectativa, mesmo que distante, de compreendermos nós mesmos e os outros. Assim, a partir de um recorte temporal, tentaremos entender uma parte da trajetória de Lourdes de la Rosa Onuchic, a Dona Lourdes ou a professora Lourdes, na Educação Matemática, relacionada ao ambiente da cidade de Rio Claro, local em que por mais de 40 anos – dividido em dois períodos – ela auxilia na formação de professores de Matemática e de educadores matemáticos.
Lourdes de la Rosa Onuchic nasceu no dia 2 de julho de 1931, na cidade de São Paulo, filha de pais imigrantes espanhóis. Toda sua trajetória escolar ocorreu na mesma cidade de seu nascimento, em escolas tradicionais de sua época, como o Colégio Presidente Roosevelt1, antigo Ginásio do Estado, e o Liceu Pan-Americano2. Após concluir o ensino secundário3, ingressou, em 1951, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP), onde se matriculou no curso de Licenciatura e Bacharelado em Matemática. Nesse mesmo ano, Lourdes conheceu Nelson Onuchic, um professor de Matemática recém-formado em Física pela Universidade Mackenzie e que estava prestes a ingressar como docente do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)4, em São José dos Campos.
Em 1954, Lourdes concluiu seu curso de graduação na USP junto com seu colega Ubiratan D’Ambrosio. Desde o ano de 1953, Lourdes já atuava como professora de Matemática em escolas paulistanas, conciliando o trabalho com seus estudos. Logo após concluir o curso, em 1955, Lourdes e Nelson Onuchic se casaram e ela mudou-se para São José dos Campos, tornando-se professora de Matemática e Física no Colégio Estadual e na Escola Normal Coronel João Cursino5.
Ainda em 1955, Lourdes teve a primeira filha do casal, Maria Inês, nascida no dia 25 de dezembro. O segundo filho, José Nelson, nasceu em 17 de janeiro de 1958. Nesse período, Lourdes continuou como professora na mesma escola, encarando os desafios da vida de professora, esposa e mãe. Era preciso cuidar das obrigações do lar, dos filhos pequenos e, muitas vezes, isso era feito só por ela, sem o auxílio de Nelson, que se deslocava para São Paulo com frequência, pois era bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e tinha suas atividades na FFCL da USP6 (Toillier, 2021; Badin, 2006).
No ano de 1958, acontece um evento que encerra a passagem do casal Onuchic por São José dos Campos. Nelson recebeu um convite para colaborar com a criação do curso de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. Ele estendeu esse convite a Lourdes, e o casal Onuchic decidiu sair da cidade para se mudar para uma outra cidade do interior do estado de São Paulo. É a partir desse ponto que centrar-se-ão nossas discussões, cuja produção se deu a partir do uso da história oral como metodologia de pesquisa e que culminou em uma escrita biográfica, com o uso de fontes orais, documentos pessoais e referenciais bibliográficos para sua produção.
2 Aspectos teóricos e metodológicos
Antes de prosseguir com a história de Lourdes de la Rosa Onuchic, abordaremos aspectos teóricos e metodológicos que fizeram parte da construção de uma escrita biográfica, cujo objetivo principal foi compreender a constituição de Dona Lourdes como uma educadora matemática7.
Acreditamos que a escrita biográfica potencializa o estudo de uma vida, dado que possibilita gerar uma tensão entre a vontade de reproduzir o real vivido, o que é possível a partir da organização de ideias do biógrafo (Dosse, 2015). Assim, há um flerte com a escrita ficcional, em que a criatividade do biógrafo aparece ao tentar ordenar passagens de uma vida, relacionando-as com diferentes momentos de uma mesma trajetória. Porém, é necessário ter cuidado para não redundar em movimento de causalidade, o que tornaria o viver como algo que pode ser ordenado de modo simples8.
O tom da escrita biográfica que adotamos tem como característica o equilíbrio, aproximando-se à ideia de trajetória apontada por Bourdieu (1996). Assim, construímos uma significação em relação ao espaço social em que os acontecimentos se realizam, ocorrendo “[...] num espaço que é, ele próprio, um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (Bourdieu, 1996, p. 190). Nessa perspectiva, o sujeito narrado deixa de ser apenas a figura ilustre e passa a ser analisado a partir de seu lugar no mundo e das circunstâncias sociais que vivenciou.
Por fazer parte de relações sociais, o indivíduo é transformado e transforma. Torna-se importante conhecer não somente os aspectos que atravessam o sujeito, mas como ele se constrói em um mundo que está em constante transformação. Como apontado por Albuquerque Júnior (2012, p. 33), “narrar uma vida hoje implica narrar as suas relações de semelhanças e diferenças com outros, sejam estes outros os humanos ou as mais diversas estruturas sociais que os moldam e os condicionam”.
Conhecer sobre o tempo e o espaço pelos quais circula a biografada nos oferece um exercício de construção de versões históricas, em que essa percepção da multiplicidade de temporalidades e locais nos suscita a organização do conhecimento histórico e a quebra de linearidade da escrita da história. Conforme salienta Schmidt (2017, p. 22), “perscrutar a temporalidade a partir de uma existência individual possibilita, creio eu, configurar tempos menos determinados e mais contingentes, menos lineares e mais multidirecionais, menos previstos de antemão e mais sujeitos a escolhas e acasos”.
A compreensão elaborada sobre o contexto se refere ao que pode ser distinguido de maneira útil daquilo que pode ser percebido ou não, dado um determinado evento, constituindo um episódio de uma narrativa, conforme afirma Jay (2011). Para esse autor, há uma significação que culmina em interações multidirecionais que produzem significados, seja de modo sequencial, seja aqueles que acontecem em paralelo à vida de um sujeito. O biógrafo tem como papel, então, operar na busca de cenários escondidos não vinculados apenas ao nosso tempo presente (Rosental, 2004). Além disso, Elias (1994) discorre que o indivíduo não tem seu verdadeiro eu moldado como ocorre em uma fábrica de moedas, onde são fabricadas milhares de moedas idênticas. O verdadeiro eu é constituído nas constantes relações com os outros, que auxiliam na modificação constante da natureza de alguém.
Enquanto leitores de uma história, construímos, por meio da imaginação, cenários e personagens que são imortalizados a partir da escrita da história. Esses significados simbólicos que elaboramos apontam para a direção do pensamento e servem para nos familiarizarmos com acontecimentos do passado, conforme White (2001). Assim, ao tentar elaborar uma história, temos a intenção de criar uma rede de significados em que cada fio que compõe essa construção seja coerente. Por isso, White (2001) afirma que o historiador tem como intenção primeira dar sentido ao que ocorreu e às marcas do passado a partir de um processo de imaginação construtiva, baseado nas fontes a que teve acesso, o que, em certa medida, aproxima a escrita da história com uma operação literária, na qual existe um enredo, personagens e cenários guiados por uma busca de elaboração de significados plausíveis, mas que afirma o papel de busca de uma verdade.
Para White (2001), o historiador intenta fazer aproximações, construindo uma narrativa com propriedade, dados os processos e as estruturas históricas existentes. Contudo, mesmo se tratando de uma investigação séria e consciente, recaímos na impossibilidade de uma completude na escrita da história, o que resulta na possibilidade de se constituir versões históricas.
Esse processo de escrita da história se dá a partir do cruzamento de fontes. Assim, utilizamos as fontes orais, obtidas por meio de quatro entrevistas realizadas com a professora Lourdes Onuchic9; fontes documentais, muitas delas obtidas no acervo pessoal da professora; e outras referências bibliográficas.
As fontes orais foram a base principal para o trabalho que realizamos. Para obtenção dessas fontes, utilizamos a história oral como metodologia de pesquisa, pautados nos pressupostos teóricos e metodológicos discutidos pelo Grupo de História Oral e Educação Matemática (Ghoem)10. Conforme Garnica e Gomes (2020) sinalizam, a história oral tem como um dos objetivos específicos a produção de fontes-narrativas, com uma preocupação em transformar essas fontes em objeto de estudos para outros pesquisadores. Nessa perspectiva, operamos, juntamente a nossos entrevistados, como cocriadores de fontes (Portelli, 2016).
Existe uma intencionalidade por parte de quem narra, que se posiciona no momento da entrevista e quando tem acesso ao texto que essa entrevista produz – o que chamamos de textualização. Garnica e Gomes (2020) discutem sobre a posição de quem narra, ao questionar sobre o modo que o colaborador quer se criar, em qual viés quer se dar a conhecer e como ele quer ser lido ou criado pelo leitor. Conforme Tozzi (2012), trata-se de um caráter estético existente na produção de testemunhos, no sentido de que o testemunho deve ser encarado não como uma jornada ao passado, mas como uma ação no presente11.
A potência do testemunho – que transformamos em nossa fonte oral – está no propósito social da comunicação daquela vivência, não apenas no modo de como ele será apresentado ao leitor. Assim, cada fonte oral, produzida a partir das entrevistas feita com Lourdes Onuchic, carrega suas particularidades. A maneira como ela auxiliou na produção dessas fontes nos mostrou sua intencionalidade de apresentar um modo – idealizado por ela – de como ela se constituiu como educadora matemática.
Como dito, o trabalho com as fontes orais foi realizado por meio da história oral. O processo se iniciou com o contato com Lourdes Onuchic, para autorizar a produção do trabalho e poder gravar as entrevistas. Na sequência, houve uma aproximação com a biografada, a fim de conhecer mais sobre seu modo de ser, momento em que começamos a ir à sua residência e tivemos acesso a seu acervo.
Nesses momentos em que a visitamos, pudemos conversar sobre os modos que ela opera na Educação Matemática e outros aspectos de sua vida pessoal e acadêmica. Após esses contatos, produzimos o roteiro da primeira das quatro entrevistas realizadas. Escolhemos separar os assuntos em quatro entrevistas sobre temáticas distintas: aspectos da vida pessoal; vida profissional e carreira acadêmica; um olhar para a Educação Matemática e para a Resolução de Problemas; e, por fim, uma entrevista de temática livre que teve como papel principal complementar informações das outras entrevistas.
As entrevistas foram realizadas durante os anos de 2017 e 2018, todas na residência de Lourdes Onuchic e com o áudio gravado. No momento da gravação da entrevista, buscamos deixar a entrevistada à vontade para falar dos temas que eram perguntados e para adentrar em outros assuntos que iam além do que estava proposto no roteiro. Após cada uma das entrevistas, realizamos a transcrição integral de todas as falas, e, a partir desse texto, elaboramos outra narrativa, que chamamos de textualização. Esse novo texto é caracterizado, em nosso caso, por uma retirada de vícios de linguagem e de uma reorganização das falas sem alterar o sentido do que foi dito, a fim de facilitar a leitura e a compreensão. Optou-se, nesse momento, na omissão da voz do entrevistador, deixando um texto narrado, mas não em primeira pessoa, como comumente é observado em trabalhos do Ghoem, mas em terceira pessoa. Isso foi solicitado por Lourdes.
Após concluirmos a correção das textualizações e as deixarmos da maneira como a entrevistada esperava, encaminhamos a carta de cessão dos direitos, que foi devidamente assinada pela colaboradora e, com isso, começamos a escrita biográfica sobre Lourdes, na busca de entender como ela se constitui uma educadora matemática.
Contudo, destacaremos situações que antecederam a assinatura da carta de cessão de direitos, principalmente, em relação à importância da entrevista para o trabalho, à escolha do narrador das textualizações e às expectativas criadas, por se tratar de um trabalho de cunho biográfico.
Não foi fácil conseguir gravar as entrevistas com Lourdes, pois ela foi muito reticente em relação à importância do que teria a dizer ao nosso estudo, mostrando-se na defensiva sobre a manipulação do material das entrevistas que faríamos. Em vários momentos, explicamos que, quando propusemos a história oral como metodologia de pesquisa, partimos do princípio de que o depoimento oral constitui um núcleo de investigação que gera documentos baseados em entrevistas e cuja análise é fundamentada em uma teoria pertinente, que frequenta diversas áreas do conhecimento científico, como sociologia, história e outras (Cury, 2011). Além disso, a história oral não diz respeito apenas ao evento que alguém narra, mas ao lugar e aos significados que fazem parte da vida do narrador (Portelli, 2016). Mesmo com essas sinalizações e com tentativas de contornar essa situação, Lourdes se mantinha resistente, mas, com o passar do tempo, cedeu, ao perceber como executávamos a pesquisa.
Ao apresentar a primeira entrevista textualizada, Lourdes nos questionou quanto ao formato da narração, que foi elaborada com ela assumindo o papel de narradora. Por ter entendimento de que o trabalho era de cunho biográfico, ela acreditava que, desde aquele momento das entrevistas, quem deveria ser o narrador era o pesquisador, e não ela. Ela tinha a expectativa de que narrássemos sua história a partir do que ela nos contou, o que aponta para a construção daquilo que ela gostaria de ouvir sobre si mesma, pois já tinha narrado e conhecia os procedimentos que utilizaríamos, ou seja, ela tinha consciência de que a narrativa por ela concedida, lapidada pelo pesquisador – que tinha a aprovação final dela – é que seria a história a ser registrada sobre ela.
Essa mudança na forma de apresentar a textualização, na qual o pesquisador passava a ser o narrador, nos incomodou, não por ter que ser o autor de um texto sobre Lourdes, pois, de certa forma, o que foi apresentado a ela já não era mais uma narrativa só dela: era uma narrativa também da pesquisa, a partir do que ocorreu nos momentos de entrevista, com os filtros aplicados que impunham uma característica do pesquisador ao que ela narrara. As narrativas geradas nas textualizações sempre são de elaboração compartilhada entre depoente e pesquisador. Esse processo de coleta e tratamento das fontes é um trabalho de coautoria, cuja elaboração se dá a partir de uma troca dialógica, e é essa coautoria que implica a possibilidade de realçar características que tornam únicos os nossos colaboradores.
A forma como narramos condiciona a criação de uma imagem que queremos apresentar de nosso entrevistado. Conforme ressaltado por Zaqueu-Xavier (2019), a ética sempre permeia a pesquisa, já que é necessária, sempre, uma negociação, o que ocorre tanto quando o pesquisador se insinua, alterando algumas coisas aqui e ali – nas textualizações, por exemplo – mas também quando o colaborador depoente assume a frente da coautoria e passa a fazer intervenções – como alterações, correções e complementações – nos textos gerados, preservando o modo como pensa estar se mostrando nessa fonte histórica, já que toda narrativa é um modo de o sujeito se constituir como sujeito.
Passamos a entender que, se por um lado, ocupamos uma posição privilegiada na relação com nosso colaborador, por outro, muitas vezes, o papel se inverte, seja pela postura que ele assume na entrevista, compreendendo esse como um espaço de poder, seja no momento da conferência, quando ele pode exercitar seu poder de veto. Lourdes utilizou ambos os espaços, de um modo que condicionou como aquela fonte histórica que produzimos sobre ela seria exposta. Ao intensificar seu papel de colaboradora, quis ir além de ser mera uma voz gerando um texto: exercitou plenamente, como coparticipante ativa, o direito que o narrador tem sobre as memórias que narra.
Percebemos que houve uma tentativa de controlar o discurso, e que isso poderia interferir na escrita biográfica que estávamos produzindo. Ou seja, se pensarmos numa textualização em que, ao mesmo tempo, o pesquisador assume a primeira pessoa para falar do entrevistado, já incorporando as compreensões que a ele foram possíveis a partir de várias fontes, isto é, se a textualização fosse, então, a própria biografia, a exigência de que essa biografia, por ser textualização, deveria ter o aval do narrador-ausente implicaria uma biografia pouco legítima, aos moldes de uma biografia autorizada, pois estaria totalmente sujeita ao controle do biografado. Nesse caso, a entrevistada não teria – como sempre os entrevistados têm – direito somente às suas memórias, mas teria total controle da interpretação do pesquisador sobre essas memórias, do que resultaria uma biografia bem menos legítima do que a que se propôs inicialmente, pois só se poderiam compreender as facetas que a biografada permitisse e só se poderia circular dentro de um domínio interpretativo pré-definido pela biografada.
Foi preciso assumir uma postura frente às textualizações produzidas. Admitimos o formato da narração e demos a ela a característica de ser uma das fontes assumidas para a constituição da escrita biográfica. Porém, essas narrativas não seriam nossa única fonte. Para a escrita biográfica que almejávamos, era necessário o cotejamento de diversas fontes, além das entrevistas.
Desse modo, tomando como base a escrita biográfica, a produção de fontes orais por meio da história oral e com o uso de fontes documentais e de outros referenciais bibliográficos, realizamos uma escrita possível da vida de Lourdes Onuchic. Agora, para o restante do texto, abordaremos brevemente pontos que fizeram parte da passagem de Lourdes por Rio Claro, no final da década de 1950 até meados da década de 1960, quando foi criado o curso de Licenciatura em Matemática, que, no futuro, seria o cerne para a criação do primeiro programa de pós-graduação em Educação Matemática do Brasil.
3 A primeira passagem de Lourdes Onuchic por Rio Claro
No final de 1958, Nelson Onuchic recebeu um convite para ser um dos primeiros professores do recém-criado curso de Matemática, da também recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) do Instituto Isolado de Educação Superior (IIES) de Rio Claro, a primeira instituição superior da cidade12. Para Lourdes, esse convite foi muito importante, pois poderia deixar São José dos Campos, uma cidade que a limitava quanto às suas pretensões profissionais e acadêmicas.
O Instituto Isolado de Rio Claro teria, inicialmente, os cursos de Matemática, Geografia, História Natural e Pedagogia (Mauro, 1999), com início das atividades em 1959. A nova instituição foi sediada em um prédio cedido pela prefeitura, localizado no bairro do Santana, na Rua 10, entre as Avenidas 28 e 30. João Dias da Silveira13 foi designado como diretor do Instituto Isolado e ficou responsável por selecionar uma equipe de docentes para ajudar na criação dos cursos. Essa equipe ficou responsável por indicar outros novos docentes.
Para a Matemática, João Dias da Silveira convidou Nelson Onuchic. Nelson convidou outros dois docentes para iniciar a formação do curso: o colega de ITA e professor de Física Heitor Gurgulino de Souza14 e Mário Tourasse Teixeira15, um aluno da FFCL, da USP (Mauro, 1999). Outro nome indicado por João foi o de Júnia Borges Botelho16, professora do Ginásio Estadual Professora Zuleika de Barros Martins Ferreira, em São Paulo (Badin, 2006).
Nelson organizava, à distância, o curso que iria iniciar suas atividades em 1959. Conforme Lourdes pontua em sua entrevista para Badin (2006), Nelson recebeu amplos poderes para criar esse curso.
Antes de tratar sobre a chegada de Lourdes ao Instituto Isolado de Rio Claro, vamos refletir sobre a saída do casal de São José dos Campos. Primeiramente, Lourdes comentou sobre uma possível razão para que Nelson aceitasse o convite para se mudar para Rio Claro:
B: O Professor Nelson sentia falta do ITA?
L: Na verdade, ele gostava do ITA. Acredito que eu tenha sido responsável por sua saída do ITA, mas, no instante em que ele passou a trabalhar por Rio Claro, seu interesse foi, de fato, Rio Claro (Badin, 2006, p.112-113).
Apesar de ser um momento em que a vontade de Lourdes ficou mais evidenciada, em nossa primeira entrevista ela apontou que sua aceitação viria a partir de uma condicional:
“Se eu vier como Lourdes de la Rosa, eu aceito! Se eu vier como a esposa do Nelson, não!”
(Entrevista fornecida em 2017)
Lourdes não tinha intenção de ficar à sombra de Nelson, um pesquisador que havia se notabilizado na área de Matemática e que, à época, era reconhecido no cenário nacional. O que ela propunha, mesmo de modo indireto, era romper com a posição que as mulheres ocupavam na academia nesse período, uma estrutura que estava posta para a sociedade da época e que impunha um determinado papel feminino na esfera pública. Ao evidenciarmos esses momentos, corroboramos a abordagem de Joan Scott (1995), ao afirmar que discussões sobre classe, raça e gênero são fundamentais para entender as desigualdades de poder existentes. Elaborar uma história que leve em conta essas três dimensões contribui para uma historiografia que não considera apenas uma origem única. Conforme Guacira Louro (1995) discute, se mantivermos a perspectiva tradicional na historiografia, sem levar em conta as relações de gênero, não será possível desconstruir uma posição hegemônica que está posta.
Nossos contatos com Lourdes nos permitem afirmar, até onde percebemos, que sua posição em relação às lutas de gênero é praticamente nula. Em sua concepção, o que ela vivenciou em Rio Claro no final dos anos 1950, e em várias outras situações de sua vida, soa como uma obra do destino, ou seja, era o que precisava ser feito no momento. Para Souza e Sardenberg (2013), a limitação do espaço público sempre esteve atrelada à cultura hegemônica androcêntrica, de forma que aí se manifestavam mais claramente as desigualdades de gênero. Isso ressoa, também, na produção científica e acadêmica, vinculada aos valores e ao modelo racional das ciências ocidentais (Souza; Sardenberg, 2013).
Entretanto, a chegada de Lourdes para trabalhar na FFCL de Rio Claro não estava vinculada ao seu papel como matemática, como pesquisadora na área, mas como professora de Matemática, como podemos perceber nesse trecho da entrevista concedida por ela a Marcelo Badin:
O Nelson me perguntou: — Você trabalharia na Faculdade? Ouvi, pensei e respondi: — Não havia pensado nisso. Eu sempre quis ser professora e ensinar Matemática. Ele retrucou: — Sua fama de ser boa professora é grande. Como eu acompanhava os trabalhos e estudos do Nelson e gostava muito de cálculo, resolvi pensar sobre o convite e, algum tempo depois, resolvi aceitar (Badin, 2006, p. 112, destaques do autor).
Durante o período que viveram em São José dos Campos, Lourdes abdicou de sua carreira como matemática, o que não era algo comum para outros colegas de Lourdes que cursaram Matemática na FFCL da USP. O percurso natural para muitos deles foi seguir a carreira como matemático e não como docente de níveis mais elementares do ensino, como foi o caso de Lourdes em São José dos Campos. Mesmo acompanhando os estudos que Nelson fazia nos tempos em que era professor do ITA, Lourdes não estava na mesma posição que seu marido. Isso foi evidenciado logo na chegada do casal Onuchic a Rio Claro, quando Nelson foi nomeado para as cadeiras de Álgebra Moderna e Análise Matemática, assumindo em regime de dedicação integral à docência e à pesquisa, enquanto Lourdes assumiu como auxiliar de ensino da cadeira de Álgebra Moderna, em primeiro de abril de 1959, passando a exercer a função de instrutora em primeiro de março de 1960 e de professora assistente de Álgebra em primeiro de julho de 1960, além de ser professora no curso de Pedagogia (Mauro, 1999).
Na prática, tudo isso representava que Lourdes seria auxiliar de ensino de seu marido. Em suma, estava posta uma hierarquia em que nossa biografada deveria seguir as proposições feitas por Nelson e cumprir algumas obrigações, o que tinha certo preço, conforme nossa biografada narrou para Badin (2006, p. 112):
Quando o ano começou, eu tive como trabalho assistir às disciplinas que a Faculdade oferecia ao primeiro ano do curso de Matemática, participar dos seminários de estudo, e, a mim, foi atribuída a disciplina de Matemática para alunos do primeiro ano de Pedagogia. Nessa ocasião, eu já tinha duas crianças, Maria Inês e José Nelson, com três anos e um ano, respectivamente. Era pesado fazer tudo aquilo que me propunham. Então eu assistia às aulas do Nelson, as reescrevia e fui criando as monografias da disciplina de Cálculo Diferencial e Integral. Na Pedagogia eu me realizei. Era bonito ver aqueles jovens que só haviam feito o curso de Magistério, buscando um curso universitário. Alguns deles até decidiram fazer o curso de Matemática.
A posição ocupada por Lourdes nos leva a pensar em conformidade com Menezes e Lima e Souza (2013, p. 2):
Podemos certamente dizer que a nossa questão não é “onde estamos?”, afinal, estamos em todos os setores profissionais: somos engenheiras, somos físicas, somos matemáticas, entre outras profissões, mas, hoje, a nossa questão é: “Como estamos nestes lugares?” “Quais as nossas posições hierárquicas em relações aos homens?”. Estas questões, por certo, estão relacionadas às influências dos estereótipos de gênero que envolvem as representações sociais e que figuram na nossa sociedade, influenciando as decisões de homens e mulheres quanto às escolhas profissionais.
Apesar de se remeterem a uma questão que reflete os tempos atuais que vivemos, nos quais as mulheres conquistaram mais espaços na academia e no mercado de trabalho, também podemos nos questionar sobre o custo que essa ocupação de espaço teve para Lourdes. Ao aceitar sua posição na FFCL de Rio Claro, ela flertava com a oportunidade de poder produzir ciência e não apenas lecionar para a formação em nível secundário ou de magistério, como fazia em São José dos Campos. Isso dizia respeito ao local que ela ocuparia nessa hierarquia, tanto na esfera pública como na esfera privada, dado que esses dois espaços se relacionavam, considerando a posição de nossa biografada, qual seja, a de assistente acadêmica de seu marido.
Como Menezes (2016) observa em sua pesquisa sobre gênero, ensino e pesquisa em Matemática na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na qual entrevistou 11 mulheres docentes e 14 homens docentes do Departamento de Matemática da instituição, existem características que influenciam muito no desenvolvimento da carreira de pesquisadoras em Matemática, e uma delas é como o cuidado com a família e com a casa limita o acesso ao envolvimento com a pesquisa na área. Isso faz com que ocorra uma dominação masculina nesse meio, que se dá de modo naturalizado, demonstrando sua face sutilmente. Reforçar o papel de uma boa professora, de ser reconhecida na área, não deixa de ser uma maneira de continuar limitando o papel desempenhado por Lourdes no meio do ensino superior. Ela já desempenhava as funções de mãe, esposa e professora e, nessa nova empreitada da família Onuchic, continuaria ocupando essa posição, com a diferença de que o público que ela atenderia como docente seria, agora, o do ensino superior. A opção de estar vinculada à academia atrelava-se a modificar o nível de uma de suas ocupações, não a natureza ou os vínculos de poder anteriormente firmados.
Ressaltamos que não duvidamos da capacidade de Lourdes de ser uma docente renomada. Tampouco entendemos que essa posição inferior na hierarquia acadêmica fosse algo arquitetado por Nelson ou que nossa biografada aceitava passivamente essas proposições. O que tentamos aqui é operar em pontos de tensionamentos, que nos mostram características de um determinado tempo, que, somente agora, passados mais de meio século, podem ser pensadas a partir de categorias de análise históricas construídas ao longo dos anos e que tiveram como base estudos desenvolvidos por inúmeras participantes de movimentos feministas que trouxeram à tona processos de dominação e subjetivação que, antes, eram intocados ou passavam despercebidos.
Além disso, atribuímos à história oral um papel fundamental nesse movimento de adentrar nessas construções dos papeis de gênero, pois, a partir dessas marcas de oralidade, encontramos mais forte e diretamente pistas sobre os processos de subjetivação que estiveram presentes na constituição de uma área de pesquisa como a Matemática, mas que podem também ser estendidas para uma área que começava a aparecer no país, muito graças a Rio Claro, que é a Educação Matemática. Ao valorizarmos histórias de vida que emergem de fontes produzidas a partir da oralidade, reconhecemos as potencialidades desse tipo de fonte para discussões que tangenciam questões de gênero e que podem ser ressignificadas a partir da elaboração de uma nova versão histórica que flerta com a plausibilidade e com os processos subjetivos que permeiam a escrita da história.
Bourdieu, ao abordar a dominação masculina, discute que as questões da vida privada feminina com as relações com o trabalho eram vistas mesmo de um modo natural, na ordem das coisas, ou seja, existia uma divisão natural entre os sexos, em que cada um ocupa papéis bem determinados, construídos historicamente em nossa sociedade, o que funciona como “sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação” (Bourdieu, 2012, p. 17). Assim, permeava o discurso de Lourdes que Nelson deveria assumir alguns papéis, pois eles eram naturais do homem, o que corrobora o argumento de Bourdieu (2012), de que essa dominação não necessita de justificação, visto que já está posta:
Quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da dominação ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes é imposta, seus atos de conhecimento são, inevitavelmente, atos de reconhecimento, de submissão. Porém, por mais exata que seja a correspondência entre as realidades, ou os processos do mundo natural, e os princípios de visão e de divisão que lhes são aplicados, há sempre lugar para uma luta cognitiva a propósito do sentido das coisas do mundo e particularmente das realidades sexuais (Bourdieu, 2012, p. 22, destaques do autor).
Após falar sobre o início do trabalho de Lourdes, chamaremos atenção para dois momentos que estiveram diretamente relacionados ao papel de Nelson na vida acadêmica de Lourdes, relacionados a estudos no exterior.
De novembro de 1959 a fevereiro de 1960, Nelson viajou para o Uruguai como professor visitante do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de Montevidéu, onde ministrou um curso e passou a ter contatos com os matemáticos Juan Jorge Schäffer17 e José Luís Massera18 (Badin, 2006). Segundo Badin (2006), essa viagem culminou com o início dos estudos de Nelson sobre equações diferenciais, a área que Massera pesquisava. Começava aí uma parceria fundamental para o restante da carreira de Nelson e, futuramente, de Lourdes.
Com a viagem de Nelson, Lourdes precisou assumir toda sua carga horária, dada a hierarquia profissional existente no Instituto Isolado de Rio Claro. Além disso, precisava cuidar dos filhos, da vida doméstica e de todas as outras atividades de sua vida privada. Mesmo com uma postura de quem gostaria de ter acesso a um universo amplamente ocupado por homens, o da Matemática e do ensino superior dessa área, Lourdes precisava se sujeitar a algumas situações que, talvez, só acontecessem por ela ser esposa de Nelson e por ele confiar nela para a execução de algumas funções. Percebia-se um cenário de dominação masculina, conforme discutido por Bourdieu (2012, p. 45).
Apesar de ser uma obrigação profissional substituir Nelson, Lourdes aceitava o fato de o marido participar de todas as reuniões, eventos e cursos mesmo sabendo que arcaria com todo o trabalho que deveria ser desenvolvido por ele, além de não se afastar, em nenhum momento, de suas responsabilidades perante os filhos. Uma justificativa para isso era a percepção de que essa postura era natural, e, por isso, indiscutível. Assim, ela punha em andamento determinados esquemas para se avaliar e avaliar o que ocorria com ela a partir de incorporações naturalizadas, que fazem com que o sujeito se perceba como ser social que é, produto desses esquemas (Bourdieu, 2012). Essa estrutura de dominação é um produto cultural e histórico, engendrado e mantido por agentes específicos e instituições como a família, a igreja, a escola e o Estado (Bourdieu, 2012), que fazem com que um papel seja assumido de modo natural, sem objeção, e como necessário para, por exemplo, que a condição do marido seja mantida. A mulher passa a não ser considerada um ser autônomo, pois é tratada a partir do que o homem deseja que ela seja, uma vez que a mulher não é pensada sem a figura masculina, conforme discutido por Simone de Beauvoir (1970).
Simone de Beauvoir constrói a ideia de que a mulher seria o outro do homem:
O homem que constitui a mulher como um Outro encontrará, nela, profundas cumplicidades. Assim, a mulher não se reivindica como sujeito, porque não possui os meios concretos para tanto, porque sente o laço necessário que a prende ao homem sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz no seu papel de Outro (Beauvoir, 1970, p. 15, itálicos da autora).
Essa aceitação fez parte das escolhas de Lourdes, principalmente enquanto conciliava sua vida privada com sua atuação pública, o que era tomado como natural, que fez com que ela assumisse papéis e não se sentisse tentada a desempenhar outros. Os objetivos de nossa personagem não eram aqueles desempenhados por suas irmãs, que tiveram uma vida voltada para a família e para o lar, exclusivamente. Seu ingresso no ensino superior auxiliaria na aproximação com a pesquisa em Matemática. Entretanto, Lourdes sabia das dificuldades de avançar em suas pretensões, por ter noção de que não poderia abdicar dos cuidados exigidos de uma mãe, esposa e dona de casa.
No dia 13 de dezembro de 1960, nasceu o terceiro filho do casal Onuchic, Luiz Fernando. No ano seguinte, Nelson foi contemplado com uma bolsa de estudos da John Simon Guggenhein Fundation Memorial Foundation, no Research Institute for Advanced Studies (RIAS), em Baltimore, Estados Unidos, para aprofundar seus conhecimentos em equações diferenciais. Após aceitar a proposta, ele permaneceu como bolsista no período de 16 de outubro de 1961 até 15 de outubro de 1962 (Badin, 2006). Começava assim um período muito profícuo na carreira de Nelson, uma vez que ele focou seu trabalho na área de Equações Diferenciais e começou a ganhar cada vez mais destaque, tornando-se uma referência não apenas nacional, mas internacional, na área de Equações Diferenciais. Isso acontecia em um momento que os norte-americanos estavam envolvidos no conflito da Guerra Fria, com a União Soviética, disputa na qual a corrida espacial e as equações diferenciais ocupavam significativo espaço, tendo grande importância para o desenvolvimento da ciência no período.
Semelhantemente a quando foi para o Uruguai, Nelson deixou Lourdes em Rio Claro, e ela ficou responsável pelas disciplinas dele e do cuidado com a família. Nesse período, ela pediu ajuda de sua mãe, Dona Manuela, para lhe auxiliar nas obrigações com o lar. Após cumprir todas as suas obrigações, Lourdes, seus três filhos e sua mãe embarcaram para os Estados Unidos. Lá, ela também estudaria equações diferenciais, como bolsista da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no mesmo projeto de Nelson, coordenado por Solomon Lefschetz19.
Ao chegar aos Estados Unidos, em janeiro de 1962, a vida de Lourdes não sofreu alterações em relação àquilo que fazia no Brasil. Ela tinha obrigações com a família, levava os filhos à escola, cuidava de suas tarefas, auxiliava as crianças a aprender uma nova língua, cuidava das obrigações do lar e de seu marido, para que tudo funcionasse bem, e a participação de Nelson fosse produtiva. A única diferença em relação ao que fazia no Brasil é que, à época, ela não ministrava aulas, pois participava dos estudos sobre equações diferenciais. Porém, no presente texto, não discutiremos esses aspectos, apesar de serem muito importantes e escancararem relações de gênero na vida de Lourdes. Abordaremos o que ela fez nos Estados Unidos e as consequências para sua vida profissional.
Estudar equações diferenciais não era o grande objetivo de Lourdes em sua carreira. Ela o fazia por sempre revisar os trabalhos de Nelson, e, com isso, conhecer sobre o assunto. Contudo, Lourdes era – e sempre foi – apaixonada pelo ensino de Matemática. Sempre adorou trabalhar com isso e, nos Estados Unidos, teve uma oportunidade de desempenhar esse papel.
Lourdes descobriu que, na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland, estavam sendo ofertados dois cursos voltados ao ensino de Matemática: um sobre Aritmética para a escola elementar e outro sobre Matemática na escola secundária. A partir de autorização de Lefschetz, Lourdes começou a frequentar as aulas. Nessas aulas, eram trabalhadas as ideias da New Math, que, no Brasil, recebeu a nomenclatura de Matemática Moderna. Nossa personagem ficou muito interessada pela temática e se dedicou aos estudos, porém, precisou voltar ao Brasil. Por conta de um mal-entendido, o casal Onuchic precisava ajustar uma documentação para sua permanência nos Estados Unidos, o que deveria ser feito apenas no país de origem20. Mesmo grávida de Paulo, quarto filho do casal, ela voltou.
A volta de Lourdes ao Brasil fez com que ela tivesse que reorganizar sua vida. O quarto filho do casal, Paulo, nasceu no dia 1º de fevereiro de 1963. Nelson já havia voltado ao Brasil para as festividades do Natal de 1962. Ao voltar às atividades no Brasil, em 1963, o casal Onuchic começou a replicar aquilo que havia estudado nos Estados Unidos. Nelson ministrou vários cursos na USP sobre equações diferenciais, e Rio Claro virou uma referência nesse tipo de estudo. Já Lourdes começou a refletir sobre a Matemática Moderna. Em nossa pesquisa, ela conta sobre a reflexão que fez sobre sua prática docente a partir dos estudos que realizou:
Quando começou a participar dos cursos sobre a escola elementar e a escola secundária, baseados nos pressupostos da Matemática Moderna nos Estados Unidos, Lourdes desmanchou-se: “Nossa, não é nada do que faço em sala de aula. Era uma matemática baseada em vetores, com estruturas lógica e de ordem. Tudo diferente daquilo que eu trabalhava”.
“Fui lá e entrei numa crise: ‘Meu Deus do céu! Para trabalhar com essa Matemática, tudo o que eu faço está perdido! Como é que vou trabalhar desse jeito? Tendo a nova matemática toda trabalhada com vetores. Os livros do Georges Papy21 mostram como eram essas coisas’” (Toillier, 2021, p. 182).
No V Seminário Nacional de História da Matemática, realizado em Rio Claro, em 2003, Lourdes também comentou sobre essa temática:
E, para mim, aquilo foi uma surpresa: era tudo em termos de Lógica, tudo em termos de estruturas, tudo em termos de propriedades, aquilo que eu havia aprendido quando fui para a faculdade – a teoria dos conjuntos – e lá nós tínhamos que trabalhar com crianças desde o pré-primário. Aquilo para mim foi um choque, quando me vi diante daquela situação, tendo que trabalhar com crianças aqueles conceitos todos que não faziam parte nem da sua vida, nem da vida da maioria dos pais. Bem, mas fiz os cursos. Participei de uma porção de meetings, li muita coisa, ganhei todo o material do SMSG (que hoje eu doei aqui para a UNESP). E esse material enchia todo o meu armário lá, porque era muita coisa, era o livro do professor, era o livro do aluno, era o livro de atividades; para cada série tinha uma coleção enorme de volumes trabalhando aquilo, muito bem estruturado (Garnica; Souza, 2012, p. 233).
A proposta de modernização do ensino de Matemática passou a ser conhecida no Brasil como Movimento da Matemática Moderna. Com fortes influências estrangeiras, esse novo ideário passou a circular nas escolas e nos livros didáticos durante a década de 1960, e teve sua queda e desuso ainda no final da década de 1970. Essa proposta buscava reformular o ensino de Matemática, tendo gênese nas discussões sobre a Matemática ensinada no ensino secundário. Acreditava-se que o ensino de Matemática necessitava de uma reformulação que o modernizasse, de modo que os conteúdos ensinados tivessem uma nova roupagem, mais atraente, mais próxima do que se fazia, efetivamente, em Matemática, e, portanto, caracterizada por uma construção lógica bastante perceptível.
Inicialmente, a proposta da Matemática Moderna também estava relacionada às equações diferenciais, uma vez que, na década de 1950, o desenvolvimento das equações diferenciais cresceu graças à corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética. Ao perceber que os soviéticos estavam à frente dessa disputa, os estadunidenses resolveram rever o currículo de Matemática para modernizar seu ensino (Burigo, 1989; Soares, 2001). Em 1958, foi criado o School Mathematics Study Group (SMSG), nos Estados Unidos, a fim de sistematizar os estudos sobre essa nova Matemática a ser ensinada. Esse grupo realizou várias publicações de textos para o ensino elementar e secundário no país (Burigo, 1989). Com isso, as transformações começaram a ser levadas para o mundo todo.
Conforme Burigo (1989), a expressão Matemática Moderna fazia referência à grande evolução interna pela qual a Matemática passava, principalmente devido ao trabalho realizado pelo grupo SMSG. Mas a modernidade também servia para mostrar outras qualidades que essa nova proposição trazia: atualizar o ensino, de modo que ele pudesse se adequar ao acelerado progresso técnico exigido pela sociedade à época; ser uma referência aos recentes estudos no campo da psicologia e da didática vinculados ao ensino de Matemática; ser uma oposição ao tradicional, o que ressaltava uma suposta boa qualidade e eficácia; por fim, ser uma expressão positiva, que se pautava no progresso técnico como a principal saída para a solução de problemas econômicos e sociais, bem como de toda uma ideia de bem-estar material para a sociedade (Burigo, 1989).
No Brasil, a partir dos anos 1960, esse movimento ganhou forças. Quando voltou dos Estados Unidos, Lourdes tinha na bagagem muito material e novos conhecimentos para trabalhar. Não há como precisar qual era o entendimento de Lourdes sobre a reverberação da Matemática Moderna para o ensino de Matemática naquele período, mas sua interpretação atual sobre as consequências para o ensino de Matemática durante o Movimento da Matemática Moderna nas décadas de 1960 e 1970 é permeada por uma preocupação sobre como aquelas novas propostas impactariam a aprendizagem matemática e o envolvimento entre pais e filhos (Toillier, 2021).
Apesar de suas preocupações sobre as possíveis consequências desse movimento para o ensino de Matemática, Lourdes decidiu, ao retornar para o Brasil, se envolver com estudos sobre a Matemática Moderna. Assim, participou de grupos de estudos e criou espaços, em Rio Claro, onde pôde discutir e ajudar na difusão das ideias do Movimento. Em que pese o fato de que, antes de ir para os Estados Unidos, ela já ministrasse atividades para a formação de professores de Matemática, após seu retorno as atenções estavam voltadas para esse novo tema.
Ao regressar ao Brasil, um dos grupos dos quais Lourdes participou foi o Grupo de Estudos do Ensino de Matemática (GEEM), sediado em São Paulo e comandado por Osvaldo Sangiorgi22, um dos principais difusores das ideias do Movimento da Matemática Moderna no Brasil. O GEEM foi fundado em 1961 por professores do estado de São Paulo, e foi um dos propulsores para a implantação da Matemática Moderna no Brasil23. Sangiorgi foi um professor de Matemática que, assim como nossa biografada, também participou de cursos nos Estados Unidos no início da década de 1960.
Os cursos de Matemática Moderna tiveram grande força em São Paulo – mas não só lá – e foram divulgados para os professores de Matemática. Mesmo residindo a pouco menos de 200 quilômetros da capital paulista, Lourdes participou dos encontros, realizados aos sábados, no Colégio Mackenzie, atual Universidade Mackenzie, coordenados pelo professor Sangiorgi (Garnica; Souza, 2012, Toillier, 2021). Além disso, ela também montou um grupo em Rio Claro:
[...] e nós tínhamos começado um grupinho aqui também em Rio Claro, e esse grupinho queria também participar do grupo maior, lá em São Paulo, e de todos os encontros que faziam, de uma maneira que a gente pudesse ver como ajudar. E muitas vezes, em palestras a que me convidavam, eu não podia expressar alegria por aquela maneira de trabalhar quando eu via os professores tão despreparados. E isto me levou a pensar em outros caminhos, como é o caminho em que eu trabalho agora (Garnica; Souza, 2012, p. 237-238).
Lourdes buscou se envolver com a Matemática Moderna ao retornar ao Brasil, seja por meio de cursos que participou, seja por meio dos cursos que ministrou. Eram formas de aprofundar seus estudos e conhecer mais sobre uma proposta que, embora fosse vista com euforia por um grupo de docentes, ainda gerava dúvidas e receios entre seus pares do ensino primário e secundário (Garnica; Souza, 2012).
Os cursos passaram a ser uma forma de debater mais sobre essa proposta que gerava tantas dúvidas, e Lourdes se dedicou a isso em Rio Claro. Em nossa primeira entrevista (Toillier, 2021), a biografada comentou que utilizou o material de lógica que trouxe dos Estados Unidos, redigiu um curso para os alunos da Licenciatura em Matemática e para a Pedagogia, e aproveitou esse material para cursos com professores da escola primária de Rio Claro. Esses cursos continuaram ao longo da década de 1960, vinculados, principalmente, aos cursos de Matemática e Pedagogia, e com professores dos níveis básicos de ensino.
Acreditamos que os cursos sobre ensino de Matemática propostos por Lourdes em Rio Claro pudessem ter uma dinâmica que diferia daqueles propostos pelo GEEM à época. Burigo (1989) discute que as formações ofertadas pelo GEEM se esgotavam nelas mesmas, pois o grupo não tinha preocupações explícitas com a prática pedagógica dos professores que frequentavam os cursos em que eram abordadas apenas as ideias-chave da Matemática Moderna, o que servia como um modo de difundir as propostas modernizadoras24. Já nossa biografada, talvez por ser, à época, docente de cursos de licenciatura, formadora de professores e ter filhos em idade escolar, buscava trazer à tona outras discussões junto às ideias da Matemática Moderna, o que nos faz supor que a forma com que Lourdes mobilizava as ideias da Matemática Moderna diferia, em alguma medida, daquilo que fazia o GEEM. Percebemos isso em suas falas, por exemplo, nos momentos em que demonstra receio sobre a proposta, o possível afastamento dos pais da educação dos filhos e as dificuldades dos professores em assimilar as novas concepções para o ensino que a Matemática Moderna trazia.
A partir desses cursos ofertados para os professores, Lourdes passou a ter envolvimento não só com a FFCL de Rio Claro, mas, ao mesmo tempo, com a comunidade. Ela se realizava com seu trabalho e estava bem na cidade. Ainda que não tenha afirmado isso explicitamente em nenhuma de nossas entrevistas, percebemos que trabalhar em Rio Claro fazia bem para ela. Entretanto, em 1966, a situação mudou, e Lourdes foi desligada do Instituto Isolado de Rio Claro. As memórias, em geral positivas, foram afetadas por sua saída do emprego, pois foi algo inesperado por ela e que a magoou muito.
Por um tempo, Lourdes se sentiu desanimada, mas, ainda em 1966, Nelson recebeu um convite para ser professor da USP de São Carlos. Após o aceite de seu marido, Lourdes também recebeu o convite. Depois de algumas respostas negativas aos convites feitos, ela foi aceita e contratada pela USP de São Carlos. Foi necessário seguir a vida em São Carlos e recomeçar.
Com o passar dos anos, Lourdes se viu realizada profissionalmente e em sua vida pessoal. Nessa cidade, criou seus filhos, viu Nelson crescer e se consolidar academicamente e obteve grande reconhecimento profissional, principalmente por parte de seus alunos, o que fez muito bem para ela.
4 Considerações finais
Lourdes seguiu sua carreira. Começou a trabalhar na USP de São Carlos em 1967 e ficou nessa universidade até 1985, quando se aposentou. Lá, fez mestrado (1971) e doutorado (1980) na área de Matemática, na linha de Equações Diferenciais, sempre ao lado de Nelson, que também era professor da instituição e a orientou. Em 1984, foi criado o Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática (PPGEM) no campus de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista, antigo Instituto Isolado de Rio Claro. Após sua aposentadoria da USP de São Carlos e depois de um período como professora da educação básica na rede particular de ensino de São Carlos, Lourdes voltou a trabalhar em Rio Claro no final da década de 1980. Ela permanece vinculada ao PPGEM até 2024, orientando mestrandos e doutorandos e sendo a representante do Grupo de Trabalho e Estudo em Resolução de Problemas (GTERP).
Com os recortes que apresentamos, tentamos mostrar como a escrita biográfica potencializa a elaboração de uma harmonia entre o indivíduo e seu contexto (Schmidt, 1997). A partir das discussões sobre as tensões vividas por Lourdes, almejamos entender nossa biografada para além da história oficial, aquela história que os documentos nos contam, mas que não apresenta as motivações para que cada situação narrada ocorresse. Daí que a subjetividade da narração se encontra com a escrita ficcional, e só a partir desse movimento é que conseguimos pensar sobre uma trajetória, o que torna possível tecer tramas sobre como uma vida é construída.
Falar sobre uma história de vida pode ser um exercício simples e direto. Poderíamos ter optado por uma escrita isolada, sem tensionamentos, na qual ignoraríamos a trajetória de outras pessoas, a importância de aspectos sociais em uma vida pessoal, as estruturas do conhecimento de uma época. Poderíamos ter falado somente sobre o pioneirismo de Lourdes, mas essa não é a forma como encaramos a escrita da história. Entendemos que a escrita da história pode ir muito além. A partir dessa vida, podemos buscar compreensões sobre outras, sobre uma área como a Educação Matemática, sobre a Matemática como campo profissional na academia, sobre as relações de gênero que permeiam o ambiente universitário e toda a sociedade, e sobre tantas outras coisas. Aqui, fizemos um exercício que, também, não deixa de ser um convite para repensar sobre trajetórias na Educação Matemática.
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O Ginásio de São Paulo foi criado pela Lei nº 88, de 18 de setembro de 1892, e instalado em 16 de setembro de 1894. No ano de 1943, transformou-se em Colégio do Estado da Capital, passando a se denominar, em 1945, Colégio Estadual Franklin Delano Roosevelt. Em 1946, chamou-se Presidente Roosevelt. Em 1956, recebeu a denominação de Colégio Estadual de São Paulo. Atualmente, Escola Estadual São Paulo, localizado desde 1958 na rua da Figueira, nº 500, Parque Dom Pedro II. Sua primeira instalação foi na Pinacoteca, localizada no bairro da Luz. Anos mais tarde, mudou-se para a rua do Carmo, no bairro da Sé (Santos, 2002). Lourdes foi aluna da escola enquanto sua sede era na rua do Carmo.
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O Liceu Pan-Americano é uma escola antiga de São Paulo que, em 1937, foi adquirida pela Escola Paulista de Medicina (EPM) para sediar o curso preparatório para o vestibular (Rodrigues et al., 2008). Atualmente, a EPM faz parte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), instituída em 1994.
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À época que Lourdes estudou, o ensino secundário era caracterizado pela Reforma Capanema, homologada em nove de abril de 1942 pelo Decreto nº 4.244. Essa reforma estipulou que o ensino secundário seria subdividido em dois ciclos: ginasial, com a duração de quatro anos; e o segundo, com duração de três anos, que deveria ser escolhido entre Científico e Clássico (Brasil, 1942).
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O ITA foi criado em 1947, seguindo os moldes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos. Inicalmente, suas atividades foram desenvolvidas no Rio de Janeiro e, em 1950, o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) foi transferido para São José dos Campos, cidade localizada entre Rio de Janeiro e São Paulo e próxima ao porto de São Sebastião (Calabria, 2015).
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A escola, conhecida hoje como João Cursino, deu início às suas atividades em 1930, como Escola Normal Livre, sob custódia de uma sociedade civil. Em 1945, foi criado o Ginásio Estadual, e, em 1947, a Escola Normal Oficial, passando a se chamar Colégio Estadual e Escola Normal Cel. João Alves da Silva Cursino. Em 1967, transferiu-se para a Avenida José Longo, intitulando-se Instituto Estadual João Cursino, atual Escola Estadual de Ensino Médio Prof. João Cursino (PAPALI et al., 2012).
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Enquanto esteve no ITA, nos anos de 1955 e 1956, Nelson foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq), e tinha como uma de suas obrigações ir semanalmente a São Paulo, na FFCL, da USP, para estudar Análise Funcional, Topologia Geral e Estruturas Uniformes, sob orientação do professor Chaim Samuel Hönig. Durante essa época, desenvolveu sua tese de doutorado, intitulada Estruturas Uniformes sobre P-Espaços e Aplicações da Teoria destes Espaços em Topologia Geral, defendida em 12 de junho de 1957, também sob orientação de Chaim. Segundo Badin (2006), esse foi o primeiro trabalho de Doutorado em Ciências orientado na FFCL da USP cujo autor não era ex-aluno da USP.
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No presente artigo apresentamos um recorte da tese intitulada “Lourdes de la Rosa Onuchic, educadora matemática: um exercício biográfico” (Toillier, 2021), em que é feita a escrita biográfica de Lourdes de la Rosa Onuchic, a fim de compreender como ela se constitui como uma educadora matemática.
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Bourdieu (1996), ao fazer uma crítica ao método biográfico, aponta para a ideia de uma ilusão biográfica, um dos erros mais comuns ao se tentar narrar a vida do outro. Tomar a vida com um caráter linear, como se ela acontecesse de uma maneira cronológica e lógica, faz com que o narrador carregue para sua narração esses mesmos sentidos.
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Além das entrevistas que realizamos, em nossa pesquisa, também utilizamos algumas passagens de entrevistas para o trabalho de Badin (2006) e da textualização de uma mesa-redonda do V Seminário Nacional de História da Matemática, realizado na Unesp de Rio Claro, em 2003, em que Lourdes participou e que está no texto de Garnica e Souza (2012).
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É possível encontrar mais informações sobre o Ghoem em https://www2.fc.unesp.br/ghoem/.
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Em seus estudos, Verónica Tozzi (2012) discute a epistemologia e a moral do testemunho a partir de como se dá a produção e a circulação do discurso da testemunha, ao se pensar na constituição do passado, sem, contudo, deslegitimar esse discurso. Suas discussões são pautadas, principalmente, na posição privilegiada dada às vozes de testemunhas sobreviventes da violência de genocídios cometidos por terrorismo de Estado, a exemplo do Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial. Para essa autora, deve-se evitar uma postura epistêmica ou moral que caracterize a vítima como uma privilegiada, mas que leve em conta como ocorre a produção e circulação do discurso da testemunha, analisando sua contribuição para a constituição do passado.
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A criação do Instituto Isolado de Rio Claro foi fruto de um projeto de expansão do ensino superior no interior do estado de São Paulo, promovido durante o mandato do então governador Jânio Quadros (1955-1959).
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João Dias da Silveira era licenciado em Geografia e História pela FFCL, da USP (1936), e se doutorou na mesma área e instituição, em 1946. Em 1950, era professor catedrático de Geografia Física vinculado à USP por concurso público e foi designado pelo governador Jânio Quadros para a criação da FFCL de Rio Claro (Mauro, 1999).
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Heitor Gurgulino de Souza (1928) era bacharel e licenciado em Matemática (1949 e 1950, respectivamente) pela Universidade Mackenzie (Mauro, 1999).
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Mário Tourasse Teixeira (1925-1993), natural de Recife-PE, licenciou-se em Matemática pela Faculdade Nacional de Filosofia em 1954. Teve como principal área de pesquisa Fundamentos da Matemática e Lógica Simbólica. Em 1957, foi orientado pelo professor Edison Farah, na FFCL, da USP, local onde conheceu Nelson. Para mais informações sobre Mário, é válida a leitura da tese de Souto (2006), em que é possível conhecer seu papel como matemático e educador matemático, um dos principais responsáveis pelo surgimento do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Unesp de Rio Claro, em 1984.
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Júnia Borges Botelho (1925) lecionou em Rio Claro até 1963. Em 1966, foi auxiliar da cátedra de Cálculo Infinitesimal do Departamento de Matemática da FFCL, da USP, que era regida pela professora Elza Gomide. Em 1969, tornou-se mestre em Matemática pela FFCL, da USP, e, em 1973, obteve o doutoramento, pela FFCL de Rio Claro (Badin, 2006). Não encontramos nenhuma informação sobre seus estudos em nível de graduação.
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Juan Jorge Schäffer (1930-2017) foi um matemático, engenheiro e professor austríaco com nacionalidades uruguaia e estadunidense. Suas pesquisas foram voltadas para a área de Equações Diferenciais com uso da teoria dos analíticos funcionais (Badin, 2006).
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José Luís Massera (1915-2002) foi um matemático, professor, pesquisador e político uruguaio. Suas pesquisas foram voltadas às áreas de Análise Funcional, Equações Diferenciais e Geometria. Por seu envolvimento político e ideais comunistas durante a ditadura militar uruguaia (1973-1985), ficou preso de 1975 a 1984 (Badin, 2006).
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Solomon Lefschetz (1884-1972) foi um engenheiro e matemático russo, com cidadania norte-americana. Conforme Badin (2006), é considerado um dos pioneiros no desenvolvimento de técnicas algébricas de topologia.
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Esse episódio foi frustante para Lourdes, pois a maneira como foi conduzido apontava para a necessidade de Nelson, apenas, estar nos Estados Unidos, e que Lourdes deveria auxiliar para que tudo acontecesse de modo adequado para o marido. Para mais informações, há a discussão em Toillier (2021).
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George Papy (1920-2011) foi um professor belga da Faculdade de Ciências da Universidade de Bruxelas. Foi autor de livros didáticos para o ensino de Matemática tanto em nível básico como superior, principalmente na década de 1960, influenciando na divulgação do Movimento da Matemática Moderna (Toillier, 2021).
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Osvaldo Sangiorgi (1924-2017) nasceu em São Paulo, foi graduado em Física pela USP, em 1943, e foi professor de Matemática em escolas públicas no ensino secundário e professor assistente na Universidade Mackenzie. Somente em 1990 torna-se professor titular da Universidade de São Paulo. Se destaca no cenário de livros didáticos a partir da metade dos anos 1950. Coordenou por quinze anos o GEEM (Garnica; Souza, 2012).
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Em outros estados também existiam grupos de estudos que ajudaram a divulgar a Matemática Moderna. Dentre eles, destacamos o Núcleo de Estudo e Difusão do Ensino de Matemática (Nedem), do Paraná, o Grupo de Estudos do Ensino de Matemática de Porto Alegre (Geempa) e o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática (Gepem), no Rio de Janeiro (Garnica; Souza, 2012).
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É importante ressaltar que na tese de Heloisa da Silva aparecem indícios, em algumas entrevistas realizadas com educadores e educadoras matemáticas que vivenciaram o período de atuação do GEEM, de conflitos internos no próprio GEEM com relação à postura de seus membros sobre os cursos ofertados para os professores de Matemática (Silva, 2006).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
02 Maio 2024 -
Aceito
27 Maio 2024
