Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da dor em recém-nascidos de parto vaginal e cesariana antes e após injeção intramuscular

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

As experiências dolorosas as quais o recém-nascido é submetido podem ter relação com reações futuras e que existem diferenças no comportamento de resposta à dor nos recém-nascidos oriundos de diferentes vias de parto. O estudo teve como objetivo avaliar a resposta à dor em bebês nascidos por cesariana e parto vaginal.

MÉTODOS:

Estudo coorte prospectivo que incluiu recém-nascidos nascidos a termo, de cesariana e parto vaginal. Utilizou-se, como estímulo doloroso agudo, a injeção intramuscular de vitamina K rotineira ao nascimento. Os recém-nascidos foram avaliados quanto à dor pela escala unidimensional Neonatal Facial Coding System e pela multidimensional COMFORT Behavior Scale (Comfort b), além da frequência cardíaca nos momentos antes, imediatamente após e 10 minutos após o estímulo. Foi utilizado teste t de Student para a análise estatística com significância de 5%.

RESULTADOS:

Foram avaliadas 83 crianças. A intensidade da dor avaliada por ambas as escalas antes do estímulo doloroso foi maior no grupo de recém-nascidos de cesariana, porém não foi estatisticamente significativa. Os valores da frequência cardíaca após o estímulo mostraram diferença estatisticamente significativa (p<0,05) maiores no grupo cesariana que no parto vaginal.

CONCLUSÃO:

Os dados obtidos não evidenciaram diferenças na percepção da dor entre recém-nascidos de parto vaginal e cesariana.

Descritores:
Cesariana; Dor aguda; Parto obstétrico; Recém-nascido

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

It is already known that the painful experiences to which the newborn is subjected may be related to future reactions and differences in the behavioral response to pain in newborns from different birth routes. This study aimed to evaluate the response to pain in infants born by cesarean section and vaginal delivery routes.

METHODS:

This is a prospective cohort study. Newborns born at full term were allocated into two groups: cesarean section and vaginal delivery. The intramuscular vitamin K injection was performed as an acute pain stimulus because it is a routine injection at birth. The newborns were evaluated for pain on two scales, a one-dimensional, the Neonatal Facial Coding System, and a multidimensional, the COMFORT Behavior Scale (Comfort b), in addition to heart rate counting, moments before, immediately after and 10 minutes after the stimuli. Students t-test was used for statistical analyzes, and the level of significance was 5%.

RESULTS:

Eighty-three children were evaluated. The pain intensity assessed by both scales before the pain stimulus was higher in the cesarean section group, but not statistically significant. Heart rate values after the stimulus showed a statistically significant difference (p<0.05), higher in the cesarean section group than in the vaginal delivery.

CONCLUSION:

The results did not suggest that there are differences in the perception of pain among newborns born vaginally and cesarean section.

Keywords:
Acute pain; Cesarean section; Newborn; Obstetric delivery

INTRODUÇÃO

Acreditava-se que os recém-nascidos (RNs) não sentiam dor, pois ao nascer, o sistema nervoso seria imaturo. Pesquisas constataram que o RN responde ao estímulo doloroso e sua experiência é passível de diagnóstico e avaliação objetivos11 Anand KJ, Hickley PR. Pain and its effects in the human neonate and fetus. New Engl J Med 1987;317(21):1321-9.,22 Anand KJ, Carr DB. The neuroanatomy, neurophysiology, and neurochemistry of pain, stress, and analgesia in newborns and children. Pediatr Clin North Am. 1989;36(4):795-822..

Estudos de imagem estão sendo realizados para auxiliar o entendimento do processamento doloroso em crianças. A ressonância magnética nuclear funcional (RMNf) evidenciou nos RNs atividade cerebral significativa em 18 das 20 regiões do cérebro, também ativas no adulto durante o estímulo doloroso33 Goksan S, Hartley C, Emery F, Cockrill N, Poorun R, Moultrie F, et al. fMRI reveals neural activity overlap between adult and infant pain. Elife. 2015;4:1-13. Erratum in: Elife. 2015;4..

Supondo que as experiências dolorosas as quais o RN é submetido poderiam ter relação com a sua reação futura a novos estímulos, estudo clínico demonstrou que, em 87 meninos, a circuncisão no período neonatal está associada ao aumento da resposta à dor quando a vacinação com injeção intramuscular é realizada depois de 4 a 6 meses após a cirurgia44 Taddio A, Katz J, Ilersich AL, Koren G. Effect of neonatal circumcision on pain response during subsequent routine vaccination. Lancet 1997;349(9052):599-603..

Vários estudos experimentais correlacionaram resposta a estímulos dolorosos no RN e no adulto. A incisão na pata de ratos RNs produziu memória somatossensorial, influenciando a resposta futura à nova lesão, quando adultos, concluindo que os efeitos em longo prazo após a lesão neonatal indicam a necessidade de estratégias preventivas eficazes55 Moriarty O, Harrington L, Beggs S, Walker SM. Opioid analgesia and the somatosensory memory of neonatal surgical injury in the adult rat. Br J Anaesth. 2018;121(1):314-24..

Alguns estudos demonstraram que existem diferenças no comportamento de resposta à dor nos RNs por vias vaginal e cesariana eletiva66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.

7 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6.
-88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8.. Além disso, níveis maiores de catecolaminas99 Lagercrantz H, Slotkin TA. The "stress" of being born. Sci Am. 1986;254(4):100-7. e beta-endorfina1010 Facchinetti F, Bagnoli F, Sardelli S, Petraglia F, De Leo V, Bracci R, et al. Plasma opioids in the newborn in relation to the mode of delivery. Gynecol Obstet Invest. 1986;21(1):6-11.

11 Räisänen I, Paatero H, Salminen K, Laatikainen T. Beta-endorphin in maternal and umbilical cord plasma at elective cesarean section and in spontaneous labor. Obstet Gynecol. 1986;67(3):384-7.
-1212 Bacigalupo G, Langner K, Schmidt S, Saling E. Plasma immunoreactive beta-endorphin, ACTH and cortisol concentrations in mothers and their neonates immediately after delivery-their relationship to the duration of labor. J Perinat Med. 1987;15(1):45-52. foram encontrados em RNs de parto vaginal, se comparados àqueles de cesariana.

Muitos fatores podem influenciar o comportamento de dor do RN ao nascer. RNs de partos vaginais que tiveram assistência por extração a vácuo podem demonstrar alterações77 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6., assim como o uso de opioides durante a anestesia para o parto, a depender da via e do fármaco empregado, é também uma importante influência1313 Braga AA, Frias JA, Braga FS, Potério GB, Hirata ES, Torres NA. Spinal anesthesia for cesarean section. Use of hyperbaric bupivacaine (10mg) combined with different adjuvants. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(6):775-87. e o uso de drogas ilícitas pela gestante pode alterar a dosagem do nível de cortisol no RN88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8..

Sinais de sofrimento fetal podem levar a alterações na percepção dolorosa nos RNs88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8.. A presença de líquido amniótico meconial durante o parto, por exemplo, está associada a alterações da expressão clínica da dor nas primeiras 24 horas de vida dos RNs, mesmo que discretamente77 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6.. Quanto ao Boletim de Apgar, escores menores que 7 no 5º minuto podem alterar a percepção de dor do RN66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50..

A presença de bolsa rota maior ou igual a 18h é importante fator preditor de sepse precoce no RN e, sabendo-se que sepse neonatal é uma síndrome clínica caracterizada por resposta inflamatória sistêmica e que eleva a morbimortalidade, a presença de bolsa rota prolongada poderia ser um fator que alteraria a resposta à dor nas crianças após seu nascimento1414 Santos AP, da Silva M de L, de Souza NL, Mota GB, de França DF. Nursing diagnoses of newborns with sepsis in a Neonatal Intensive Care Unit. Rev Lat Am Enfermagem. 2014;22(2):255-61..

Partindo da premissa de que os RNs sentem dor que é mensurável1515 de Melo GM, Lélis AL, de Moura AF, Cardoso MV, da Silva VM. [Pain assessment scales in newborns: integrative review]. Rev Paul Pediatr 2014;32(4):395-402. e que a via de parto pode alterar a percepção de dor do RN, o estudo teve como objetivo avaliar a resposta à dor logo após o nascimento de RNs por parto vaginal e cesariana.

MÉTODOS

As parturientes classificadas como estado físico ASA II (American Society of Anaesthesia Classification System)1616 Haynes SR, Lawler PG. An assessment of the consistency of ASA physical status classification allocation. Anaesthesia. 1995;50(3):195-9., admitidas na maternidade terciária escolhida durante o período de maio de 2016 a outubro de 2017, com idade gestacional entre 37 semanas e 41 semanas e 6 dias, sem bolsa rota maior ou igual a 18h e que não fizeram uso de drogas ilícitas, álcool e tabaco durante a gestação, foram convidadas a participar do estudo.

Um estudo estatístico prévio estimou o número de participantes necessários, programando um calendário para a realização das coletas.

Após concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as parturientes foram incluídas. O primeiro grupo foi composto pelos RNs de parto vaginal, em pacientes que não foram submetidas à episiotomia e não receberam nenhum tipo de analgesia e/ou anestesia.

O segundo grupo foi composto pelos RNs por cesariana eletiva, com parturientes anestesiadas por bupivacaína por via subaracnóidea, e o opioide utilizado foi a morfina subaracnóidea, na dose máxima de 100µg.

Os RNs oriundos de trabalhos de parto com duração maior que 24h, presença de líquido amniótico meconial e o uso de fórceps ou de extração a vácuo foram excluídos do estudo66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,77 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6., assim como os RNs que apresentaram escores abaixo de 7 no 1º e/ou 5º minutos66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8., considerando-se que ambos escores são importantes para a fisiologia neonatal1717 Almeida MFB, Guinsburg R [Internet]. Reanimação do recém-nascido = 34 semanas em sala de parto: Diretrizes 2016 da Sociedade Brasileira de Pediatria. São Paulo: Secretaria do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria; 2016 [citado em 26 de janeiro de 2016]. Texto disponível em: www.sbp.com.br/reanimacao.
www.sbp.com.br/reanimacao...
.

Os RNs foram avaliados após estímulo doloroso agudo ao nascimento, utilizando duas escalas de dor, além da aferição de frequência cardíaca (FC). Todas as avaliações foram feitas por um único examinador, encoberto quanto à via de parto, que dois meses antes do início das avaliações estudou as escalas e foi treinado para utilizá-las no estudo.

Foi empregada a COMFORT Behavior Scale (COMFORT b) validada para a língua portuguesa1818 Amoretti CF, Rodrigues GO, Carvalho PR, Trott Ede A. Validation of sedation scores in mechanically ventilated children admitted to a tertiary pediatric intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(4):325-30. e derivada da escala COMFORT original. É um instrumento multidimensional, adequado para a avaliação da dor aguda compatível com a faixa etária do estudo. Os escores estão compreendidos entre 6 e 30 pontos, sendo que 6 significa ausência de dor e 30 a dor máxima1515 de Melo GM, Lélis AL, de Moura AF, Cardoso MV, da Silva VM. [Pain assessment scales in newborns: integrative review]. Rev Paul Pediatr 2014;32(4):395-402., e valores menores ou iguais a 10 significam pouca ou nenhuma dor.

Foi avaliada a FC, parâmetro importante na avaliação da dor aguda66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,1818 Amoretti CF, Rodrigues GO, Carvalho PR, Trott Ede A. Validation of sedation scores in mechanically ventilated children admitted to a tertiary pediatric intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(4):325-30.. Também foi empregada a escala Neonatal Facial Coding System (NFCS), instrumento unidimensional adequado para dor aguda e para RNs. O escore máximo possível é de 8 pontos que considera presença de dor quando três ou mais movimentos faciais aparecem de maneira consistente1919 Guinsburg R. Avaliação e tratamento da dor no recém-nascido. J Pediatr. 1999;75(3):149-60..

Ao nascimento, é preconizado que os RNs recebam vitamina K (fitomenadiona) e a formulação intramuscular é a recomendada pelo Ministério da Saúde2020 Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 48-153p.. Por ser procedimento rotineiro, foi o estímulo doloroso agudo empregado.

Após o nascimento o RN era consolado pela mãe com contato de pele, a seguir era levado à sala de avaliação, ambiente calmo e tranquilo, com temperatura adequada2020 Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 48-153p., onde foram realizados os cuidados gerais. Antes do estímulo doloroso, a FC foi avaliada em batimentos por minuto (bpm), com estetoscópio aquecido na região precordial durante 15 segundos, depois eram aplicadas as escalas Comfort b e NFCS. Essas mensurações foram realizadas após o estímulo doloroso e depois de 10 minutos, e entre as avaliações os RNs ficavam em berço aquecido. Após as avaliações da intensidade da dor, era realizado o exame físico e neurológico, uma vez que alterações dessas avaliações poderiam alterar a resposta à dor66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,2121 Guerreiro MM, Montenegro AM. Desenvolvimento neuropsicomotor de lactentes filhos de mãe que apresentaram hipertensão arterial na gestação. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3-A):632-6.. Foram avaliados os parâmetros semiológicos e o peso ao nascimento para evidenciar algum sinal de sofrimento fetal2121 Guerreiro MM, Montenegro AM. Desenvolvimento neuropsicomotor de lactentes filhos de mãe que apresentaram hipertensão arterial na gestação. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3-A):632-6.,2222 Battaglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediatr 1967;71(2):159-63., e avaliação neurológica com exame do choro, atitude, tônus, movimentação e reflexos neurológicos, além do perímetro cefálico e percentil na curva própria. Foram excluídos os RNs com alguma alteração neurológica e/ou pequeno para idade gestacional2323 Rodrigues YT, Rodrigues PPB. Semiologia Pediátrica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. 55, 296-308p.,2424 WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards: Head circumference-for-age, arm circumference-for-age, triceps skinfold-for-age and subscapular skinfold-for-age: Methods and development. World Health Organization 2007: 217 pages..

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob número 48553015.3.0000.5411.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada pelo teste t de Student2525 Student B. The probable error of a mean. Biometrika. 1908;6:1-25., comparando-se as médias entre os dois grupos em relação aos momentos estudados. O teste Exato de Fisher2626 Fisher RA. Statistical Methods for Research Workers. 5th ed. Edinburgh: Oliver and Boyd; 1934. foi empregado para a análise das variáveis qualitativas e as associações entre elas. O nível de significância foi de 5%.

RESULTADOS

Foram incluídas 83 parturientes totalizando 83 RNs (Tabela 1). A distribuição quanto ao sexo foi semelhante em cada grupo.

Tabela 1
Distribuição por sexo e via de parto

O tempo máximo de trabalho de parto nos partos vaginais foi de 16h e nas cesarianas foi de 14h, demonstrando que as amostras foram semelhantes. Antes do término das avaliações, nenhum RN foi amamentado porque poderia interferir nas reações à dor2727 Shah PS, Herbozo C, Aliwalas LL, Shah VS. Breastfeeding or breast milk for procedural pain in neonates. Cochrane Database Syst Rev. 2012;12:CD004950.. O tempo em minutos antes da primeira aferição foi registrado, não havendo diferença estatística.

Em relação às escalas COMFORT b e NFCS, foram encontradas diferenças em números absolutos, chamando atenção os valores obtidos antes do estímulo doloroso, com média de pontuação nos RNs de cesariana de 17,47 e 2,47 respectivamente em cada escala, com valor máximo de 26 e 6. Nos RNs de parto vaginal foi 16,53 e 2,2, sendo o valor máximo de 20 e 4 pontos respectivamente (Tabela 2), porém em ambas as escalas não houve diferença estatística (p>0,05) Tabela 3.

Tabela 2
Valores mínimos, máximos e médias encontrados nos grupos cesariana e parto vaginal, antes e após o estímulo doloroso agudo
Tabela 3
Médias, variações e valores de p em cada grupo estudado

Em relação à FC, os valores encontrados antes e imediatamente após o estímulo doloroso foram semelhantes nos dois grupos, porém, na aferição de 10 minutos após a injeção houve diferença significativa (p<0,05 - tabela 3), no grupo cesariana a média foi de 143 bpm e no parto vaginal foi de 135 bpm (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O presente estudo incluiu 83 RNs, sendo 30 nascidos de parto vaginal e 53 de cesariana, enquanto outro estudo66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50. incluiu 76 RNs, sendo 53 de parto vaginal e 23 de cesariana. Os RNs avaliados eram todos nascidos a termo. A importância do tempo de gestação é demonstrada em outros estudos que também se preocuparam em incluir pacientes com idade gestacional maior que 37 semanas66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8., com exceção do estudo77 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6. que incluiu RNs a partir de 35 semanas de gestação, o que pode diversificar a amostra.

Em relação ao peso, os estudos incluíram RNs não classificados como pequenos para idade gestacional66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8., exceto por um estudo que utilizou o peso mínimo de 2.000g, não importando a idade gestacional77 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6.. Em relação ao índice de Apgar, os estudos têm se preocupado que o valor no 5º minuto seja maior que 766 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8., diferente deste estudo que considerou valores maiores que 7 para o 1º e 5º minutos, excluiu os RNs quando o líquido amniótico era meconial, e de modo semelhante a outro estudo66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50. excluiu os RNs de trabalho de parto com mais de 24h de duração.

No que se refere à avaliação da dor em RN, os estudos consideram a movimentação da face dos RN como parâmetro, assim como a Comfort b e a NFCS66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.

7 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6.
-88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8.. A NFCS, em sua forma validada, foi utilizada nesta pesquisa de modo semelhante ao estudo66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50. que a utilizou com alguns parâmetros a menos, considerando critérios de facilidade de aplicação, colocando dúvidas quanto aos resultados, e as avaliações da dor foram realizadas por diferentes profissionais de saúde com formações distintas, diferente deste em que as avaliações foram realizadas por um único avaliador com formação completa em medicina e pediatria, treinado previamente.

O presente estudo evidenciou pontuações maiores de dor nas escalas Comfort b e NFCS para os nascidos de parto vaginal antes do estímulo doloroso, mas a diferença não se mostrou significativa, e não perdurou nas demais avaliações, seja imediatamente após o estímulo doloroso ou 10 minutos após o estímulo, diferente de outros estudos em que o RN nascido por cesariana sente mais dor após o estímulo doloroso agudo quando comparado aos nascidos via vaginal66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.,88 Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8., sendo que o estudo77 Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6. mostrou que os RNs de cesariana sentiram dor maior imediatamente após o nascimento comparados com os de parto vaginal, mas esta diferença não foi estatisticamente significante. Portanto, no que se refere à avaliação de dor logo após o nascimento, os dados obtidos na presente pesquisa confirmam esse resultado.

Um estudo evidenciou que a FC é fisiologicamente menor nos nascidos por parto vaginal comparados aos de cesariana66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.. Todavia, no presente estudo houve estabilidade nos dois grupos, antes e imediatamente após o estímulo doloroso. O mesmo estudo66 Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50. demonstrou que a FC aumentou progressivamente durante as primeiras horas de vida nos RNs de parto vaginal e não nos nascidos de cesariana, porém, neste estudo, na aferição tardia 10 minutos após a injeção intramuscular, o grupo nascido via cesariana apresentou valores significativamente maiores de FC. No que se refere à dor, esses achados não permitem inferir diferenças de percepção dolorosa nos dois grupos, uma vez que as variáveis fisiológicas isoladamente são pouco sensíveis para esse tipo de análise2828 Nicolau CM, Modesto K, Nunes P, Araújo K, Amaral H, Falcão MC. Avaliação da dor no recém-nascido prematuro: parâmetros fisiológicos versus comportamentais. Arq Bras Ciênc Saúde. 2008;33(3):146-50..

CONCLUSÃO

A intensidade da dor avaliada pelas escalas Comfort b e NFCS não evidenciou diferença na percepção da dor entre recém-nascidos de parto vaginal e cesariana.

REFERENCES

  • 1
    Anand KJ, Hickley PR. Pain and its effects in the human neonate and fetus. New Engl J Med 1987;317(21):1321-9.
  • 2
    Anand KJ, Carr DB. The neuroanatomy, neurophysiology, and neurochemistry of pain, stress, and analgesia in newborns and children. Pediatr Clin North Am. 1989;36(4):795-822.
  • 3
    Goksan S, Hartley C, Emery F, Cockrill N, Poorun R, Moultrie F, et al. fMRI reveals neural activity overlap between adult and infant pain. Elife. 2015;4:1-13. Erratum in: Elife. 2015;4.
  • 4
    Taddio A, Katz J, Ilersich AL, Koren G. Effect of neonatal circumcision on pain response during subsequent routine vaccination. Lancet 1997;349(9052):599-603.
  • 5
    Moriarty O, Harrington L, Beggs S, Walker SM. Opioid analgesia and the somatosensory memory of neonatal surgical injury in the adult rat. Br J Anaesth. 2018;121(1):314-24.
  • 6
    Bergqvist LL, Katz-Salamon M, Hertegard S, Anand KJ, Lagercrantz H. Mode of delivery modulates physiological and behavioral responses to neonatal pain. J Perinatol. 2009;29(1):44-50.
  • 7
    Schuller C, Känel N, Müller O, Kind AB, Tinner EM, Hösli I, et al. Stress and pain response of neonates after spontaneous birth and vacuum-assisted and cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2012;207(5):415.e1-6.
  • 8
    Chis A, Vulturar R, Andreica S, Prodan A, Mil AC. Behavioral and cortisol responses to stress in newborn infants: effects of mode of delivery. Psychoneuroendocrinology. 2017;86:203-8.
  • 9
    Lagercrantz H, Slotkin TA. The "stress" of being born. Sci Am. 1986;254(4):100-7.
  • 10
    Facchinetti F, Bagnoli F, Sardelli S, Petraglia F, De Leo V, Bracci R, et al. Plasma opioids in the newborn in relation to the mode of delivery. Gynecol Obstet Invest. 1986;21(1):6-11.
  • 11
    Räisänen I, Paatero H, Salminen K, Laatikainen T. Beta-endorphin in maternal and umbilical cord plasma at elective cesarean section and in spontaneous labor. Obstet Gynecol. 1986;67(3):384-7.
  • 12
    Bacigalupo G, Langner K, Schmidt S, Saling E. Plasma immunoreactive beta-endorphin, ACTH and cortisol concentrations in mothers and their neonates immediately after delivery-their relationship to the duration of labor. J Perinat Med. 1987;15(1):45-52.
  • 13
    Braga AA, Frias JA, Braga FS, Potério GB, Hirata ES, Torres NA. Spinal anesthesia for cesarean section. Use of hyperbaric bupivacaine (10mg) combined with different adjuvants. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(6):775-87.
  • 14
    Santos AP, da Silva M de L, de Souza NL, Mota GB, de França DF. Nursing diagnoses of newborns with sepsis in a Neonatal Intensive Care Unit. Rev Lat Am Enfermagem. 2014;22(2):255-61.
  • 15
    de Melo GM, Lélis AL, de Moura AF, Cardoso MV, da Silva VM. [Pain assessment scales in newborns: integrative review]. Rev Paul Pediatr 2014;32(4):395-402.
  • 16
    Haynes SR, Lawler PG. An assessment of the consistency of ASA physical status classification allocation. Anaesthesia. 1995;50(3):195-9.
  • 17
    Almeida MFB, Guinsburg R [Internet]. Reanimação do recém-nascido = 34 semanas em sala de parto: Diretrizes 2016 da Sociedade Brasileira de Pediatria. São Paulo: Secretaria do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria; 2016 [citado em 26 de janeiro de 2016]. Texto disponível em: www.sbp.com.br/reanimacao
    » www.sbp.com.br/reanimacao
  • 18
    Amoretti CF, Rodrigues GO, Carvalho PR, Trott Ede A. Validation of sedation scores in mechanically ventilated children admitted to a tertiary pediatric intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(4):325-30.
  • 19
    Guinsburg R. Avaliação e tratamento da dor no recém-nascido. J Pediatr. 1999;75(3):149-60.
  • 20
    Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 48-153p.
  • 21
    Guerreiro MM, Montenegro AM. Desenvolvimento neuropsicomotor de lactentes filhos de mãe que apresentaram hipertensão arterial na gestação. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3-A):632-6.
  • 22
    Battaglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediatr 1967;71(2):159-63.
  • 23
    Rodrigues YT, Rodrigues PPB. Semiologia Pediátrica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. 55, 296-308p.
  • 24
    WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards: Head circumference-for-age, arm circumference-for-age, triceps skinfold-for-age and subscapular skinfold-for-age: Methods and development. World Health Organization 2007: 217 pages.
  • 25
    Student B. The probable error of a mean. Biometrika. 1908;6:1-25.
  • 26
    Fisher RA. Statistical Methods for Research Workers. 5th ed. Edinburgh: Oliver and Boyd; 1934.
  • 27
    Shah PS, Herbozo C, Aliwalas LL, Shah VS. Breastfeeding or breast milk for procedural pain in neonates. Cochrane Database Syst Rev. 2012;12:CD004950.
  • 28
    Nicolau CM, Modesto K, Nunes P, Araújo K, Amaral H, Falcão MC. Avaliação da dor no recém-nascido prematuro: parâmetros fisiológicos versus comportamentais. Arq Bras Ciênc Saúde. 2008;33(3):146-50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2019
  • Aceito
    05 Mar 2020
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br