Acessibilidade / Reportar erro

Cinesiofobia e percepção de funcionalidade em mulheres na pós-menopausa portadoras de lombalgia crônica

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor lombar é a principal causa de incapacidade global e possui prevalência em mulheres, tendendo a aumentar após a menopausa. O presente estudo objetivou analisar as associações entre índice de massa corporal, força muscular, cinesiofobia, estradiol, incapacidade funcional e percepção de dor lombar em mulheres na pós-menopausa com dor lombar crônica.

MÉTODOS:

Foram avaliadas 22 mulheres na pós-menopausa diagnosticadas com dor lombar crônica. A força abdominal e dos extensores da coluna foi avaliada por meio de testes isométricos. Os níveis séricos basais de estradiol foram analisados pelo método de quimiluminescência. A cinesiofobia, a percepção de dor e a incapacidade funcional lombar foram determinadas pela Tampa Scale for Kinesiophobia, escala analógica visual e Roland Morris Questionnaire, respectivamente.

RESULTADOS:

O teste de correlação de Spearman mostrou associações entre os níveis de cinesiofobia e os valores de massa corporal total (rho=-0,513; p=0,015) e os níveis de cinesiofobia e os valores de índice de massa corporal (rho=-0,576; p=0,005). Foi encontrada correlação entre os níveis de cinesiofobia e de percepção de incapacidade funcional lombar (rho=0,434; p=0,043). Não houve correlações significativas entre as variáveis força muscular, estradiol e percepção de dor.

CONCLUSÃO:

Mulheres na pós-menopausa com dor lombar crônica que apresentam maiores valores de massa corporal total e índice de massa corporal tendem a apresentar menores níveis de cinesiofobia. Existe relação direta entre o medo de se movimentar ou permanecer em uma posição específica e a percepção de funcionalidade e segurança da coluna lombar.

Descritores:
Coluna vertebral; Dor lombar; Força muscular; Índice de massa corporal; Pós-menopausa

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Low back pain is the main cause of global disability and is prevalent in women, tending to increase after menopause. The present study aimed to analyze the correlation between body mass index, muscle strength, kinesiophobia, estradiol, functional disability, and low back pain perception in postmenopausal women with chronic low back pain.

METHODS:

Twenty-two postmenopausal women with chronic low back pain were evaluated. Abdominal and lower back strength were assessed using isometric tests. Basal serum estradiol levels were analyzed using the chemiluminescence method. Kinesiophobia, low back pain perception, and low back functional disability were determined using the Tampa Scale for Kinesiophobia, the visual analog scale, and the Roland Morris Questionnaire, respectively.

RESULTS:

The Spearman correlation test showed correlations between the levels of kinesiophobia and the value of body mass (rho= -0.513; p=0.015) and the levels of kinesiophobia and the values of body mass index (rho= -0.576; p=0.005). There was correlation between the levels of kinesiophobia and perception of lumbar functional disability (rho= 0.434; p=0.043). No significant correlations were found between the variables of muscle strength, estradiol, and low back pain perception.

CONCLUSION:

Postmenopausal women with low back pain who have higher body mass and body mass index values tend to present lower levels of kinesiophobia. There is a direct relationship between the fear of moving or maintaining a specific position and the perception of the functionality and safety of the lumbar spine.

Keywords:
Body mass index; Low back pain; Muscle strength; Postmenopause; Spine

INTRODUÇÃO

A dor lombar (DL) não específica é um sintoma sem causa determinante considerado como o principal motivo de incapacidade global11 Hartvigsen J, Hancock MJ, Kongsted A, Louw Q, Ferreira ML, Genevay S, et al. What low back pain is and why we need to pay attention. Lancet. 2018;391(10137):2356-67., afeta pessoas de todas as idades22 Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47., porém, é em mulheres33 Carvalho RC, Maglioni CB, Machado GB, Araújo JE, Silva JR, Silva ML. Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: a national internet-based survey study. BrJP. 2018;1(4):331-8., principalmente após a entrada na pós-menopausa44 Wáng YXJ, Wáng JQ, Káplár Z. Increased low back pain prevalence in females than in males after menopause age: evidences based on synthetic literature review. Quant Imaging Med Surg. 2016;6(2):199-206.. Nessa fase da vida, a mulher apresenta níveis reduzidos de hormônios, como o estradiol55 Pardhe BD, Pathak S, Bhetwal A, Ghimire S, Shakya S, Khanal PR, et al. Effect of age and estrogen on biochemical markers of bone turnover in postmenopausal women: a population-based study from Nepal. Int J Womens Health. 2017;9:781-8., o que pode ser um fator de risco para a degeneração dos discos intervertebrais da coluna lombar66 Lou C, Chen H, Mei L, Yu W, Zhu K, Liu F, et al. Association between menopause and lumbar disc degeneration: An MRI study of 1,566 women and 1,382 men. Menopause. 2017;24(10):1136-1144.. Essa redução hormonal está relacionada ao climatério, período que antecede e que perdura por algum tempo após a menopausa77 Blümel JE, Lavin P, Vallejo MS, Sarrá S. Menopause or climacteric, just a semantic discussion or has it clinical implications? Climacteric. 2014;17(3):235-41..

Além da redução dos níveis de estradiol, outros indicadores de saúde relacionados à dor e funcionalidade tendem a sofrer modificações durante o climatério, como o aumento da massa corporal total (MCT) e do índice de massa corporal (IMC), bem como a diminuição dos níveis de força muscular88 Agostini D, Donati SZ, Lucerttini F, Annibalini G, Gervasi M, Marini CF, et al. Muscle and bone health in postmenopausal women: role of protein and vitamin D supplementation combined with exercise training. Nutrients. 2018;10(8):1103.. Para o controle dessas variáveis e, principalmente, para o tratamento da dor, a realização de exercícios físicos é caracterizada como linha de intervenção primária não farmacológica devido à capacidade de gerar aumento dos níveis de força muscular e, por consequência, reduzir os níveis de percepção de dor99 Foster NE, Anema JR, Cherkin D, Chou R, Cohen SP, Gross DP, et al. Prevention and treatment of low back pain: evidence, challenges, and promising directions. Lancet. 2018;391(10137):2368-83.. Modelos de programas de treinamento que aprimoram os níveis de força dos músculos flexores e extensores da coluna, como o treinamento resistido e de estabilização, podem gerar resultados positivos em indivíduos com DL crônica não específica1010 Lima VP, Nunes RAM, Silva JB, Paz GA, Jesus M, Castro JBP, et al. Pain perception and low back pain functional disability after a 10-week core and mobility training program: a pilot study. J Back Musculoskelet Rehabil. 2018;31(4):637-43..

Caso não seja tratada, a exposição prolongada a essa dor pode contribuir para o desenvolvimento de cinesiofobia, caracterizada como o medo de sentir dor ao se movimentar ou ao se manter em posições específicas1111 Barbosa FM, Vieira EB, Garcia JB. Beliefs and attitudes in patients with chronic low back pain. BrJP. 2018;1(2):116-21.. Existe a possibilidade da cinesiofobia ser desenvolvida independentemente dos níveis de percepção de dor, o que pode limitar, além de outras tarefas, a prática de atividade física1212 Altug F, Unal A, Kilavuz G, Kavlak E, Citisli V, Cavlak U. Investigation of the relationship between kinesiophobia, physical activity level and quality of life in patients with chronic low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(3):527-31.. A sensação de medo causada pela cinesiofobia é considerada mais incapacitante do que a gravidade da dor propriamente dita1313 Miller MB, Roumanis MJ, Kakinami L, Dover GC. Chronic pain patients' kinesiophobia and catastrophizing are associated with activity intensity at different times of the day. J Pain Res. 2020;13:273-84., em decorrência da relação com o impedimento da realização de tarefas, principalmente relacionadas à mobilidade. A limitação da capacidade de se movimentar pode tornar mais grave o quadro de incapacidade funcional do indivíduo1414 Ferrari S, Chiarotto A, Pelizzer M, Vanti C, Monticone M. Pain self-efficacy and fear of movement are similarly associated with pain intensity and disability in Italian patients with chronic low back pain. Pain Pract. 2016;16(8):1040-7..

Apesar da relação entre a cinesiofobia e a DL e suas disfunções, ainda há uma lacuna na literatura científica relacionada à cinesiofobia e à DL associadas a variáveis referentes ao período da pós-menopausa. Um melhor entendimento sobre a relação existente entre essas variáveis é importante para o controle e a redução da DL em mulheres que já atingiram ou ainda atingirão essa fase da vida.

O presente estudo teve como objetivo analisar as associações entre as variáveis IMC, força muscular, cinesiofobia, estradiol, incapacidade funcional lombar e percepção de dor em mulheres na pós-menopausa com quadro crônico de DL.

MÉTODOS

Pesquisa original do tipo descritiva correlacional com corte transversal. População composta por mulheres de uma clínica ortopédica do Rio de Janeiro, Brasil, na pós-menopausa portadoras de DL. Foram incluídas todas as participantes que apresentaram DL crônica inespecífica22 Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.; obtiveram percepção de DL de, no mínimo, 4 pontos no escore da escala analógica visual (EAV)1515 Heller GZ, Manuguerra M, Chow R. How to analyze the visual analogue scale: myths, truths and clinical relevance. Scand J Pain. 2016;13:67-75.; estavam na pós-menopausa1616 Stanczyk FZ, Clarke NJ. Measurement of estradiol - challenges ahead. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(1):56-8.; não praticaram exercícios físicos sistematizados nos últimos três meses. O estudo excluiu as participantes que estavam sob o efeito da utilização de fármacos antidepressivos ou calmantes; apresentaram qualquer tipo de condição ou dor com possibilidade de agravo durante os testes ou realizaram qualquer tratamento fisioterápico nos últimos três meses.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado por meio do programa GPower 3.1 (Alemanha), considerando-se um modelo de correlação bicaudal com tamanho do efeito de 0,5, probabilidade de erro alfa de 0,05 e poder de 0,8. O tamanho da amostra calculado com estas informações foi de 26 participantes. A amostra foi obtida a partir do banco de dados da clínica ortopédica, contato feito por e-mail ou telefone, sendo selecionadas 26 mulheres. Durante as coletas de dados antropométricos, 4 pacientes não compareceram, sendo incluídas 22 participantes.

Na primeira visita da coleta de dados, as participantes passaram por uma anamnese, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responderam a EAV e realizaram o exame de sangue para mensuração dos níveis de estradiol. Na segunda visita, foi realizada a avaliação antropométrica, resposta aos questionários de cinesiofobia e incapacidade funcional lombar, além das avaliações neuromusculares.

Para avaliar a intensidade da percepção de DL, foi utilizada a EAV, escala não milimetrada de zero a 10cm, em que o zero representa a ausência de dor e 10 a pior dor possível1515 Heller GZ, Manuguerra M, Chow R. How to analyze the visual analogue scale: myths, truths and clinical relevance. Scand J Pain. 2016;13:67-75.. As participantes foram solicitadas a indicar o nível atual de dor traçando uma linha perpendicular na reta dessa escala. Após a marcação, o avaliador posicionava uma régua na mesma direção e orientação da escala para averiguar a marcação, em centímetros, do indivíduo1717 Reed MD, Nostran WV. Assessing pain intensity with the visual analog scale: a plea for uniformity. J Clin Pharmacol. 2014;54(3):241-4..

Foi realizada coleta sanguínea às 08h00, após 12h de jejum. Uma profissional qualificada e independente do protocolo do estudo realizou a coleta das amostras de sangue das participantes. Após a coleta, os níveis de estradiol foram avaliados pelo método quimioluminescência - IM-MULITE - DPC MED LAB, sistema fechado a vácuo. Como padrão de referência, o resultado precisou ser >20pg/mL para caracterizar a pós-menopausa1616 Stanczyk FZ, Clarke NJ. Measurement of estradiol - challenges ahead. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(1):56-8..

Com o intuito de avaliar o medo excessivo do movimento e da atividade física, foi utilizada a Tampa Scale for Kinesiophobia (TSK)1818 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.. Essa escala é um questionário composto por 17 questões que abordam a dor e a intensidade dos sintomas, tendo os escores dispostos em uma escala Likert de um a quatro pontos. Para a contagem do escore, foi necessário inverter as respostas dos itens 4, 8, 12 e 16. O escore final pode variar entre 17 e 68 pontos. Quanto maior é o valor do escore, maiores são os níveis de cinesiofobia1818 Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.. O escore acima de 41 pontos é considerado para indicar maior grau de comprometimento relacionado às crenças da realização de movimento1919 Aebischer B, Hill JC, Hilfiker R, Karstens S. German translation and cross-cultural adaptation of the start back screening tool. PLoS ONE. 2015;10(7):e0132068..

Figura 1
Fluxo da coleta de dados das participantes

Para avaliação da percepção da incapacidade funcional lombar, foi utilizada a versão adaptada e validada para a população do Brasil do Roland Morris Questionnaire (RMQ)2020 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10.. Esse questionário é composto por uma escala subjetiva com 24 frases referentes ao estado da coluna lombar do indivíduo que o estiver respondendo. Os pacientes têm a opção de responder "sim" ou "não" conforme sua própria percepção naquele momento. Cada resposta "sim" tem o valor de 1 ponto e cada resposta "não" equivale a zero pontos, não contribuindo para a soma do escore final do questionário. O escore final pode variar entre zero e 24. O escore médio tem o valor considerado de 11,4 e os escores acima de 14 indicam incapacidade significativa2121 Marfell-Jones M, Stewart AD, Ridder JH. International standards for anthropometric assessment. Wellington, New Zealand: International Society for the Advancement of Kinanthropometry; 2012..

Para a mensuração da massa corporal total (MCT) e da estatura, foi utilizada uma balança mecânica com estadiômetro da marca Filizola® (Brasil) PL - 150 n° 8346/97, certificado ABNT NBR ISSO 9001, com precisão de 100g e capacidade máxima para 150k. Com esses dados, calculou-se o IMC como a razão entre a MCT (kg) e a estatura ao quadrado (m2). Todas as medidas foram realizadas de acordo com o protocolo International Standards for Anthropometric Assessment (ISAK)2121 Marfell-Jones M, Stewart AD, Ridder JH. International standards for anthropometric assessment. Wellington, New Zealand: International Society for the Advancement of Kinanthropometry; 2012..

Para a avaliação da força e resistência dos músculos abdominais e extensores da coluna lombar foram utilizados os testes isométricos de força abdominal e dos extensores da coluna. Os dois testes apresentam protocolos que contabilizam o tempo, em segundos, que um indivíduo consegue sustentar em uma determinada posição, realizando contração do músculo alvo desejado, conforme descrito em outro estudo2222 Castro JBP, Lima VP, Santos AOB, Silva GCPSM, Oliveira JGM, Silva JNL, et al. Correlation analysis between biochemical markers, pain perception, low back functional disability, and muscle strength in postmenopausal women with low back pain. J Phys Educ Sport. 2020;20(1):24-30..

O teste isométrico abdominal avalia a força dos músculos abdominais (ForAbd). Nesse teste, o indivíduo se deitava em decúbito dorsal com os quadris flexionados em 45° e os joelhos flexionados em 90°. Em seguida, o indivíduo se movimentava para a posição final de cada nível de verificação e, então, instruído para que mantenha a posição por tempo possível. O escore é dado de acordo com a posição final que conseguiu realizar o teste, além da contagem do tempo em segundos. A pontuação varia de 1 a 5, em que 5 representa maiores níveis de força e resistência abdominal: (5) mãos cruzadas atrás da nuca, escápulas fora do solo; (4) mãos cruzadas sobre o tórax, escápulas fora do solo; (3) braços ao longo do corpo com cotovelos estendidos, escápulas fora do solo; (2) mãos atrás da cabeça, somente a cabeça fora do solo; (1) braços ao longo do corpo, somente a cabeça fora do solo2222 Castro JBP, Lima VP, Santos AOB, Silva GCPSM, Oliveira JGM, Silva JNL, et al. Correlation analysis between biochemical markers, pain perception, low back functional disability, and muscle strength in postmenopausal women with low back pain. J Phys Educ Sport. 2020;20(1):24-30..

O teste isométrico de extensores da coluna testou a força dos músculos iliocostal da lombar e dos multífidos (ForLomb). Nesse teste, o indivíduo se deitava em decúbito ventral e tentava estender a coluna o máximo possível, levantando a cabeça e o tronco do solo. O escore foi dado de acordo com a posição alcançada pelo indivíduo e pelo tempo que conseguia manter a isometria. O escore varia de 1 a 5, em que 5 representava maiores níveis de força dos músculos extensores da coluna: (5) mãos cruzadas atrás da cabeça, o indivíduo elevava a cabeça, tórax e costelas do solo; (4) braços ao longo do corpo, o indivíduo elevava a cabeça, tórax e as costelas do solo; (3) braços ao longo do corpo, o indivíduo elevava o esterno do solo; (2) braços ao lado do corpo, o indivíduo elevava a cabeça do solo; (1) apenas uma contração leve do músculo, sem movimento aparente2222 Castro JBP, Lima VP, Santos AOB, Silva GCPSM, Oliveira JGM, Silva JNL, et al. Correlation analysis between biochemical markers, pain perception, low back functional disability, and muscle strength in postmenopausal women with low back pain. J Phys Educ Sport. 2020;20(1):24-30..

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), parecer nº 1.360.167.

Análise estatística

Os dados foram analisados no software IBM SPSS Statistics 23 e apresentados como média e desvio padrão. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a normalidade dos dados da amostra. O teste de correlação de Spearman foi aplicado para analisar as associações entre as variáveis MCT, IMC, força muscular, cinesiofobia, estradiol, incapacidade funcional lombar e percepção de DL. Foi utilizado para a interpretação da magnitude do nível de correlação (rho): 0,00-0,30: negligente; 0,30-0,50: baixa; 0,50-0,70: moderada; 0,70-0,90: alta; 0,90-1,00: muito alta2323 Mukaka MM. Statistics Corner: a guide to appropriate use of correlation coefficient in medical research. Malawi Med J. 2012;24(3):69-71.. O estudo adotou o valor de p<0,05 para significância estatística.

RESULTADOS

A tabela 1 apresenta as características das 22 pacientes que participaram do estudo e os resultados descritivos das variáveis EAV, RMQ, TSK e dos testes isométricos, em escores.

Tabela 1
Resultados descritivos das características da amostra referentes às variáveis de estudo

A tabela 2 apresenta o resultado do teste de correlação de Spearman, expressando os valores relacionados ao coeficiente de correlação (rho) entre as variáveis estudadas em questão. Com isso, foram encontradas duas correlações moderadas negativas relacionadas aos níveis de cinesiofobia, sendo uma delas referente a MCT (rho= -0,513; p= 0,015) e outra referente ao IMC (rho= -0,576; p=0,005). Isso demonstra que, quanto maiores os valores da MCT e do IMC, menores tendem a ser os níveis de cinesiofobia.

Tabela 2
Resultado do teste de correlação de Spearman das variáveis estudadas

A cinesiofobia também teve correlação moderada com a percepção de incapacidade funcional lombar, porém, de maneira positiva (rho= 0,434; p=0,043). Isso significa que, quanto maiores os níveis de cinesiofobia, maior foi a percepção de incapacidade funcional lombar. Não foram encontradas correlações significativas entre as variáveis de força muscular, estradiol e percepção de dor lombar.

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram correlação positiva entre cinesiofobia e a percepção de incapacidade funcional lombar. Isso indicou que quanto maiores os níveis de cinesiofobia, maior é a percepção de incapacidade funcional lombar. Também foi encontrada correlação negativa entre MCT e IMC com a cinesiofobia. Isso demonstra que, quanto maiores os valores da MCT e do IMC, menores tendem a ser os níveis de cinesiofobia.

Os valores de IMC encontrados classificaram a amostra como sobrepeso, dentro da faixa de pré-obesos (25,0-29,9kg/m2)2424 World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a World Health Organization Consultation. Geneva: WHO; 2000. 256p.. Para o estudo2525 Zhang TT, Liu Z, Zhao JJ, Liu DW, Tian QB. Obesity as a risk factor for low back pain: a meta-analysis. Clin Spine Surg. 2018;31(1):22-7. o sobrepeso e a obesidade estão fortemente associados ao aumento da incidência de DL. O excesso de peso pode aumentar o risco de DL, o que, muitas vezes, tem relação direta com o sedentarismo. No entanto, essa associação entre a obesidade e a DL pode ter diferentes relações, a obesidade pode ser a causa ou uma consequência da DL2626 Shiri R, Karppinen J, Leino-Arjas P, Solovieva S, Viikari-Juntura E. The association between obesity and low back pain: a meta-analysis. Am J Epidemiol. 2010;171(2):135-54..

A prática sistemática de exercício físico pode ser eficiente para manter os valores de IMC dentro dos parâmetros considerados adequados2727 O'Sullivan K, O'Sullivan PB, O'Keeffe M. The Lancet series on low back pain: reflections and clinical implications. Br J Sports Med. 2019;53(7):392-3.. Tratamentos e programas de exercícios com ênfase na recuperação de movimentos funcionais, força muscular, flexibilidade e mecanismos de estabilização antecipatória devem ser a base dos processos de prevenção e intervenção para DL 1010 Lima VP, Nunes RAM, Silva JB, Paz GA, Jesus M, Castro JBP, et al. Pain perception and low back pain functional disability after a 10-week core and mobility training program: a pilot study. J Back Musculoskelet Rehabil. 2018;31(4):637-43..

Estudo2828 Comachio J, Magalhães MO, Silva APMCC, Marques AP. A cross-sectional study of associations between kinesiophobia, pain, disability, and quality of life in patients with chronic low back pain. Adv Reumathol. 2018;58(1):8. correlacionou as variáveis de cinesiofobia, intensidade da dor, qualidade de vida e incapacidade funcional em 132 pacientes diagnosticados com DL crônica. Há correlação entre a cinesiofobia e incapacidade funcional em pacientes com DL crônica: quanto maior o medo de se movimentar, maiores são os níveis de incapacidade funcional desse indivíduo, resultados que estão de acordo com os achados do presente estudo. Foi encontrada correlação positiva entre a cinesiofobia e a intensidade da dor, diferente dos resultados encontrados no atual estudo, em que não houve correlação entre as duas variáveis.

Em pacientes diagnosticados com DL crônica, as crenças de evitar a dor ao se movimentar estão associadas com mais dor, maior incapacidade e menor retorno às atividades profissionais. Além desses fatores que possuem relação direta com a percepção de DL que o paciente pode sentir, é possível observar também a atividade cerebral de determinadas regiões relacionadas a emoções, como as relacionadas às crenças de medo2929 Hashmi, JA, Baliki, MN, Huang L, Baria AT, Torbey S, Hermann KM, et al. Shape shifting pain: chronification of back pain shifts brain representation from nociceptive to emotional circuits. Brain. 2013:136(Pt 9);2751-68.. Pessoas com dor tendem a ter pensamentos baseados na necessidade de se proteger e evitar sentir mais dor como mecanismo de fuga3030 Darlow B, Perry M, Stanley J, Mathieson F, Melloh M, Baxter GD, et al. Cross-sectional survey of attitudes and beliefs about back pain in New Zealand. BMJ Open. 2014;4(5):e004725..

Autores3131 Vincent HK, Omli MR, Day T, Hodges M, Vincent KR, George SZ. Fear of movement, quality of life, and self-reported disability in obese patients with chronic lumbar pain. Pain Med. 2011;12(1):154-64. avaliaram 192 pacientes diagnosticados com DL crônica, divididos em obesos e não obesos. Foram analisadas a cinesiofobia pela TSK, a incapacidade funcional através da Escala Oswestry de incapacidade e a qualidade de vida. Os resultados mostraram maiores níveis de cinesiofobia na população obesa em comparação a não obesa, ao contrário dos achados no presente estudo, que mostraram menores níveis de cinesiofobia em indivíduos com maior MCT e IMC. É possível que esses resultados sejam fruto do caráter subjetivo da cinesiofobia, visto que as crenças relacionadas à realização de movimentos e ao medo de sentir dor ao se movimentar podem se modificar de acordo com as experiências relacionadas à dor e à região de dor que o indivíduo já vivenciou previamente3232 Main CJ, Foster N, Buchbinder R. How important are back pain beliefs and expectations for satisfactory recovery from back pain? Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24(2):205-17..

A alteração dos níveis hormonais é comum no processo de envelhecimento e pode ter uma relação direta com a DL. Essa condição foi observada no estudo2222 Castro JBP, Lima VP, Santos AOB, Silva GCPSM, Oliveira JGM, Silva JNL, et al. Correlation analysis between biochemical markers, pain perception, low back functional disability, and muscle strength in postmenopausal women with low back pain. J Phys Educ Sport. 2020;20(1):24-30. com 11 mulheres na pós-menopausa com quadro crônico de DL que apresentaram níveis mais altos de percepção de DL e menores níveis de estradiol, porém não foram encontradas correlações significativas entre essas duas variáveis. Esses níveis hormonais reduzidos podem estar associados à perda de massa óssea, o que pode desencadear a deterioração dos discos intervertebrais da coluna lombar e, consequentemente, causar dor nessa região. As mulheres com mais idade apresentaram menores níveis de força lombar2222 Castro JBP, Lima VP, Santos AOB, Silva GCPSM, Oliveira JGM, Silva JNL, et al. Correlation analysis between biochemical markers, pain perception, low back functional disability, and muscle strength in postmenopausal women with low back pain. J Phys Educ Sport. 2020;20(1):24-30.. Relacionada à DL, essa redução dos níveis de força conhecida como dinapenia pode ser causada por alterações provenientes do processo de envelhecimento. Isso provoca a redução do número e do tamanho de fibras musculares e reduz progressivamente a função muscular devido à perda de neurônios motores que não são devidamente compensados pela reinervação das fibras musculares pelos neurônios motores que restam3333 Larsson L, Degens H, Li M, Salviati L, Lee YI, Thompson W, et al. Sarcopenia: aging-related loss of muscle and function. Physiol Rev. 2019;99(1):427-511..

As limitações da presente investigação incluem o desenho do estudo ser de corte transversal, em que as relações causais não podem ser estabelecidas. Também são consideradas limitações o tamanho da amostra relativamente pequena e a não realização de nenhum tipo de controle relacionado às atividades laborais ou duração de repouso das participantes durante a realização do estudo. Devido a esses fatores e ao fato de o IMC não ter capacidade de distinguir massa muscular de massa de gordura, sugere-se cautela na interpretação dos achados do presente estudo.

São necessários estudos que utilizem amostra probabilística e busquem entender a relação das variáveis referentes ao período da pós-menopausa como qualidade e quantidade de sono, níveis hormonais, gordura corporal e massa muscular, visto que alterações provenientes dessa mudança fisiológica e cronológica podem afetar a qualidade de vida das mulheres, principalmente em idades mais avançadas.

CONCLUSÃO

As mulheres na pós-menopausa portadoras de DL crônica com maiores valores de MCT e IMC apresentaram menores níveis de cinesiofobia, o que representa menos medo de sentir dor ao se movimentar ou manter alguma posição específica. Existe relação positiva entre os níveis de cinesiofobia e a percepção de incapacidade funcional lombar, indicando que sentir medo de se movimentar ou se manter em alguma posição específica tem relação direta com a percepção de funcionalidade e segurança da coluna lombar.

  • Fontes de fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

  • 1
    Hartvigsen J, Hancock MJ, Kongsted A, Louw Q, Ferreira ML, Genevay S, et al. What low back pain is and why we need to pay attention. Lancet. 2018;391(10137):2356-67.
  • 2
    Maher C, Underwood M, Buchbinder R. Non-specific low back pain. Lancet. 2017;389(10070):736-47.
  • 3
    Carvalho RC, Maglioni CB, Machado GB, Araújo JE, Silva JR, Silva ML. Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: a national internet-based survey study. BrJP. 2018;1(4):331-8.
  • 4
    Wáng YXJ, Wáng JQ, Káplár Z. Increased low back pain prevalence in females than in males after menopause age: evidences based on synthetic literature review. Quant Imaging Med Surg. 2016;6(2):199-206.
  • 5
    Pardhe BD, Pathak S, Bhetwal A, Ghimire S, Shakya S, Khanal PR, et al. Effect of age and estrogen on biochemical markers of bone turnover in postmenopausal women: a population-based study from Nepal. Int J Womens Health. 2017;9:781-8.
  • 6
    Lou C, Chen H, Mei L, Yu W, Zhu K, Liu F, et al. Association between menopause and lumbar disc degeneration: An MRI study of 1,566 women and 1,382 men. Menopause. 2017;24(10):1136-1144.
  • 7
    Blümel JE, Lavin P, Vallejo MS, Sarrá S. Menopause or climacteric, just a semantic discussion or has it clinical implications? Climacteric. 2014;17(3):235-41.
  • 8
    Agostini D, Donati SZ, Lucerttini F, Annibalini G, Gervasi M, Marini CF, et al. Muscle and bone health in postmenopausal women: role of protein and vitamin D supplementation combined with exercise training. Nutrients. 2018;10(8):1103.
  • 9
    Foster NE, Anema JR, Cherkin D, Chou R, Cohen SP, Gross DP, et al. Prevention and treatment of low back pain: evidence, challenges, and promising directions. Lancet. 2018;391(10137):2368-83.
  • 10
    Lima VP, Nunes RAM, Silva JB, Paz GA, Jesus M, Castro JBP, et al. Pain perception and low back pain functional disability after a 10-week core and mobility training program: a pilot study. J Back Musculoskelet Rehabil. 2018;31(4):637-43.
  • 11
    Barbosa FM, Vieira EB, Garcia JB. Beliefs and attitudes in patients with chronic low back pain. BrJP. 2018;1(2):116-21.
  • 12
    Altug F, Unal A, Kilavuz G, Kavlak E, Citisli V, Cavlak U. Investigation of the relationship between kinesiophobia, physical activity level and quality of life in patients with chronic low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2016;29(3):527-31.
  • 13
    Miller MB, Roumanis MJ, Kakinami L, Dover GC. Chronic pain patients' kinesiophobia and catastrophizing are associated with activity intensity at different times of the day. J Pain Res. 2020;13:273-84.
  • 14
    Ferrari S, Chiarotto A, Pelizzer M, Vanti C, Monticone M. Pain self-efficacy and fear of movement are similarly associated with pain intensity and disability in Italian patients with chronic low back pain. Pain Pract. 2016;16(8):1040-7.
  • 15
    Heller GZ, Manuguerra M, Chow R. How to analyze the visual analogue scale: myths, truths and clinical relevance. Scand J Pain. 2016;13:67-75.
  • 16
    Stanczyk FZ, Clarke NJ. Measurement of estradiol - challenges ahead. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(1):56-8.
  • 17
    Reed MD, Nostran WV. Assessing pain intensity with the visual analog scale: a plea for uniformity. J Clin Pharmacol. 2014;54(3):241-4.
  • 18
    Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24.
  • 19
    Aebischer B, Hill JC, Hilfiker R, Karstens S. German translation and cross-cultural adaptation of the start back screening tool. PLoS ONE. 2015;10(7):e0132068.
  • 20
    Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10.
  • 21
    Marfell-Jones M, Stewart AD, Ridder JH. International standards for anthropometric assessment. Wellington, New Zealand: International Society for the Advancement of Kinanthropometry; 2012.
  • 22
    Castro JBP, Lima VP, Santos AOB, Silva GCPSM, Oliveira JGM, Silva JNL, et al. Correlation analysis between biochemical markers, pain perception, low back functional disability, and muscle strength in postmenopausal women with low back pain. J Phys Educ Sport. 2020;20(1):24-30.
  • 23
    Mukaka MM. Statistics Corner: a guide to appropriate use of correlation coefficient in medical research. Malawi Med J. 2012;24(3):69-71.
  • 24
    World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a World Health Organization Consultation. Geneva: WHO; 2000. 256p.
  • 25
    Zhang TT, Liu Z, Zhao JJ, Liu DW, Tian QB. Obesity as a risk factor for low back pain: a meta-analysis. Clin Spine Surg. 2018;31(1):22-7.
  • 26
    Shiri R, Karppinen J, Leino-Arjas P, Solovieva S, Viikari-Juntura E. The association between obesity and low back pain: a meta-analysis. Am J Epidemiol. 2010;171(2):135-54.
  • 27
    O'Sullivan K, O'Sullivan PB, O'Keeffe M. The Lancet series on low back pain: reflections and clinical implications. Br J Sports Med. 2019;53(7):392-3.
  • 28
    Comachio J, Magalhães MO, Silva APMCC, Marques AP. A cross-sectional study of associations between kinesiophobia, pain, disability, and quality of life in patients with chronic low back pain. Adv Reumathol. 2018;58(1):8.
  • 29
    Hashmi, JA, Baliki, MN, Huang L, Baria AT, Torbey S, Hermann KM, et al. Shape shifting pain: chronification of back pain shifts brain representation from nociceptive to emotional circuits. Brain. 2013:136(Pt 9);2751-68.
  • 30
    Darlow B, Perry M, Stanley J, Mathieson F, Melloh M, Baxter GD, et al. Cross-sectional survey of attitudes and beliefs about back pain in New Zealand. BMJ Open. 2014;4(5):e004725.
  • 31
    Vincent HK, Omli MR, Day T, Hodges M, Vincent KR, George SZ. Fear of movement, quality of life, and self-reported disability in obese patients with chronic lumbar pain. Pain Med. 2011;12(1):154-64.
  • 32
    Main CJ, Foster N, Buchbinder R. How important are back pain beliefs and expectations for satisfactory recovery from back pain? Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24(2):205-17.
  • 33
    Larsson L, Degens H, Li M, Salviati L, Lee YI, Thompson W, et al. Sarcopenia: aging-related loss of muscle and function. Physiol Rev. 2019;99(1):427-511.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2020
  • Aceito
    13 Jun 2020
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br