RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Altas concentrações de radicais livres podem danificar ácidos nucleicos, proteínas e lipídios e o seu acúmulo pode estar envolvido na hipersensibilidade à dor. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito das vitaminas C e E como adjuvantes no tratamento da dor neuropática.
MÉTODOS: Foram incluídos 98 pacientes com dor neuropática, classificados pelo Douleur Neuropathique 4 Questions (DN4), randomizados em dois grupos, controle e intervenção. O grupo controle recebeu 150 mg de pregabalina e o grupo intervenção150 mg de pregabalina associada a 500mg de vitamina C e 400mg de vitamina E. O tratamento e acompanhamento dos participantes foi de 12 semanas. Na avaliação inicial, os pacientes responderam ao Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (Quick-DASH) para avaliar a funcionalidade dos membros superiores; a qualidade de vida foi descrita utilizado o World Health Organization Quality of Life-Bref (WHOQOL-bref) e a avaliação da dor foi mensurada através da escala analógica visual (EAV). Após 12 semanas de tratamento, os pacientes responderam aos mesmos instrumentos.
RESULTADOS: Oitenta e seis pacientes concluíram o tratamento. As perdas de participação na amostra foram por abandono do tratamento (n=7) ou por efeito adverso à pregabalina (n=5). O grupo intervenção apresentou resultados superiores em comparação com o grupo de controle. As comparações múltiplas entre grupos e momentos para os escores avaliados demonstraram uma diferença média do pré-tratamento para o pós-tratamento somente no grupo de intervenção (p < 0,05), com redução média no Quick-DASH e no EAV e um aumento médio no WHOQOL.
CONCLUSÃO: Foi observado que o uso da vitamina C e E, em associação com a pregabalina, apresentou um efeito analgésico maior quando comparado ao uso isolado da pregabalina.
Descritores:
Ácido ascórbico; Dor crônica; Pregabalina; Vitamina E
DESTAQUES
Os antioxidantes vitaminas C e E atenuam a alodínia mecânica induzida por lesão neu-ropática.
Uso das vitaminas C e E em associação com gabapentinoides pode potencializar o efeito desses fármacos.
A associação das vitaminas C e E com a pregabalina apresenta resultados analgésicos superiores quando comparados ao uso isolado da pregabalina.
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: High concentrations of free radicals can damage nucleic acids, proteins and lipids and their accumulation may be involved in hypersensitivity to pain. The objective of this study was to evaluate the effect of vitamins C and E as adjuvants in the treatment of neuropathic pain.
METHODS: This study included 98 patients with neuropathic pain, classified by the Douleur Neuropathique 4 Questions (DN4), randomized into two groups: control and intervention. The control group received 150 mg of pregabalin and the intervention group 150 mg of pregabalin combined with 500 mg of vitamin C and 400 mg of vitamin E. Treatment and follow-up of the participants lasted 12 weeks. At the initial assessment, the patients answered the Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (Quick-DASH) to assess upper limb functionality; quality of life was described using the World Health Organization Quality of Life-Bref (WHOQOL-bref) and pain assessment was measured using the visual analogue scale (VAS). After 12 weeks of treatment, the patients responded to the same instruments.
RESULTS: 86 patients completed treatment. Losses of participation in the sample were due to abandonment of treatment (n=7) or adverse effects to pregabalin (n=5). The intervention group presented superior results compared to the control group. Multiple comparisons between groups and moments for the evaluated scores demonstrated a mean difference from pre-treatment to post-treatment only in the intervention group (p < 0.05), with a mean reduction in Quick-DASH and VAS and a mean increase from WHOQOL.
CONCLUSION: It was observed that the use of vitamin C and E in combination with pregabalin had a greater analgesic effect than the use of pregabalin alone.
Keywords:
Ascorbic acid; Chronic pain; Pregabalin; Vitamin E
HIGHLIGHTS
The antioxidants vitamins C and E attenuate mechanical allodynia induced by neuropathic injury
The use of vitamins C and E in combination with gabapentinoids can potentiate the effect of these drugs.
The combination of vitamins C and E with pregabalin shows superior analgesic results when compared to the use of pregabalin alone.
INTRODUÇÃO
A dor neuropática crônica (DNC) é causada por uma lesão ou doença do sistema nervoso somatossensorial, podendo ser espontânea, evocada como uma resposta aumentada a um estímulo doloroso (hi-peralgesia) ou decorrente de um estímulo não doloroso (alodínia). O diagnóstico de DNC requer uma história de lesão ou doença do sistema nervoso e uma distribuição neuroanatomicamente plausível da dor. A DNC pode apresentar sintomas negativos, como diminuição ou perda de sensibilidade, ou positivos, como alodínia ou hiperalgesia, indicando o envolvimento do sistema nervoso somatossensorial, que deve ser compatível com o território de inervação da estrutura nervosa1.
Apesar dos avanços significativos na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos nos últimos anos e do aumento no número de tratamentos, a dor neuropática (DN) continua sendo uma condição difícil de tratar, haja vista que mecanismos subjacentes geralmente respondem mal aos analgésicos tradicionais e agentes anti-inflamatórios2. As altas concentrações de radicais livres, como superóxidos, peróxidos de hidrogênio e radicais hidroxila, podem danificar ácidos nu-cleicos, proteínas e lipídios, estando o seu acúmulo envolvido no desenvolvimento de hipersensibilidade à dor3. Substâncias conhecidas por suas propriedades antioxidantes, as vitaminas C e E, neutralizam os radicais livres, reduzindo o estresse oxidativo que pode lesionar os neurônios4,5, além de apresentarem propriedades anti-inflamatórias que inibem a produção de citocinas pró-inflamatórias, outros mediadores e a expressão de moléculas de adesão celular, ajudando a reduzir a inflamação nos tecidos nervosos e periféricos, aliviando a dor6,7. Além da_função antioxidante e anti-inflamatória, as vitaminas C e E apresentam outros mecanismos específicos que podem influenciar no controle da dor.
A vitamina C é crucial para a síntese de neurotransmissores, como a norepinefrina e a serotonina, envolvidos na modulação da dor e no bem-estar geral. Níveis adequados podem ajudar a reduzir a percepção da dor8 e modulam a função do sistema imunológico, ajudando a regular a resposta inflamatória e promovendo a reparação tecidual, sendo particularmente importantes em condições em que a inflamação contribui para a dor crônica9. A vitamina E atua na proteção neural ao prevenir a oxidação de ácidos graxos poli-insaturados nas membranas neuronais, mantendo a integridade estrutural e funcional dos neurônios. Isso é particularmente relevante em condições de DN, nas quais a degeneração nervosa é um fator chave10. Além disso, a vitamina E pode influenciar a expressão de genes relacionados ao estresse oxidativo e à inflamação, modulando vias de sinalização que estão envolvidas na percepção e transmissão da dor11.
Uma pesquisa realizada em modelos animais constatou que a associação das vitaminas C e E foi mais eficaz para tratar a DN induzida por compressão crônica do nervo ciático do que quando usadas isoladamente; o efeito antinociceptivo foi maior com a coadministração das vitaminas C e E com a gabapentina, do que quando foram administradas de forma isolada12.
O tratamento farmacológico com gabapentina ou pregabalina, associado ao ácido ascórbico, pode proporcionar maior alívio dos sintomas da DN13. O mesmo pode ser observado com o uso da pregabalina e da vitamina E, que resulta em efeitos analgésicos quando administradas isoladamente ou em combinação, além de apresentar propriedades neuroprotetoras14,15.
O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia da vitamina C e da vitamina E como adjuvantes no tratamento da DN.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo clínico e randomizado com pacientes com síndrome compressiva no membro superior que apresentavam DN secundária, para avaliar o efeito das vitaminas C e E como adjuvantes no tratamento.
A amostra incluiu pacientes admitidos no ambulatório de cirurgia da mão de um hospital terciário, no período de novembro de 2022 a janeiro de 2024, com diagnóstico de DN obtido de acordo com o questionário Douleur Neuropathique 4 Questions (DN4), e idade superior a 18 anos. Foram excluídos do estudo pacientes pediátricos; com insuficiência renal crônica; com histórico de cálculo renal; em uso de vitaminas C, E ou polivitamínicos; com história de deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase e hiperolaxúria; alérgicos à vitamina C ou E; e aqueles que não aceitaram participar do protocolo de pesquisa.
A DN foi definida utilizando o questionário DN4, traduzido e validado para o português, composto por sete itens que se referem a sintomas e outros três relacionados com o exame físico. Cada item pontua 1 se a resposta for positiva, e zero se negativa, levando a um valor mínimo de zero e máximo de 10. A somatória de pontos maior ou igual a 4 sugere DN16.
A amostra foi composta por 98 pacientes; os participantes foram randomizados em dois grupos usando um sofiware online (https://www.randomizer.org/), sendo 51 pacientes no grupo intervenção (GI) e 47 pacientes no grupo controle (GC). A amostra foi calculada utilizando a fórmula para população finita, sendo o tamanho da amostra ajustada para a população de pessoas com DN no Brasil, com nível de confiança de 95%, margem de erro de 5% e uma estimativa de 7% da população afetada.
A intervenção teve duração de 12 semanas, sendo que o GC recebeu 150 mg de pregabalina e o GI 150 mg de pregabalina associada a 500mg de vitamina C17 e 400mg de vitamina E18. O fármaco foi prescrito por um membro da equipe sem o conhecimento do pesquisador principal, responsável pela reavaliação. A dose inicial da pregabalina, em ambos os grupos, foi de 75 mg/dia por 4 semanas, sendo posteriormente atingida a dose de 150mg/dia por mais 8 semanas. Todos os grupos seguiram com acompanhamento fisioterapêutico no mesmo serviço de reabilitação, com medidas analgésicas, estimulação elétrica nervosa transcutânea e laserterapia, além do programa de cinesioterapia individualizado.
Na consulta inicial, os pacientes responderam aos questionários Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (Quick-DASH)19 e World Health Organization Quality of Life-Bref (WHOQOL-bref) e sua dor foi registrada em uma escala analógica visual (EAV).
A funcionalidade dos membros superiores foi determinada pelo questionário Quick-DASH, composto de 11 questões que avaliam a função física na última semana. A pontuação varia em cada item de zero a cinco e o escore final varia de zero a 100. A classificação final do resultado encontrado foi: <20 pontos, excelente; 20 a 39, bom; 40 - 60, regular; e >60 pontos mau, com esse resultado definindo incapacidade funcional grave.
Para avaliar a qualidade de vida (QV), foi utilizado o WHOQOL--bref, um instrumento psicométrico simplificado criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse instrumento destaca a percepção individual, possibilitando avaliar a QV em diversos grupos e situações, independentemente do nível de escolaridade. O WHO-QOL-bref consiste em 26 perguntas referentes a quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. O instrumento apresenta propriedades psicométricas satisfatórias e demanda pouco tempo na sua aplicação, permitindo descrever a percepção subjetiva de um indivíduo em relação à sua saúde física e psicológica, às relações sociais e ao ambiente em que vive20.
Aos pacientes foi solicitado que avaliassem a intensidade da dor no presente momento, utilizando a EAV, um instrumento unidimensional composto por uma linha com as extremidades numeradas de 0-10, significando “nenhuma dor” e “pior dor imaginável”, respectivamente.
Concluídas as 12 semanas de tratamento, os pacientes foram submetidos à nova avaliação clínica, respondendo a idênticos instrumentos (Quick-DASH, DN4 e WHOQOL-bref), sendo quantificada a sua dor com auxílio da EAV.
Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Santo Antônio/Obras Sociais Irmã Dulce (Parecer número 5.800.624, de 2022).
Análise estatística
Os dados coletados foram armazenados utilizando o software Microsoft Excel 2013; para a realização das análises foi utilizado o software IBM-SPSS for Windows, versão 22.0. Os testes foram realizados com nível de significância de 5%.
As características qualitativas avaliadas foram descritas segundo os grupos com uso de frequências absolutas e relativas; a associação foi verificada com uso do teste Qui-quadrado e as quantitativas foram descritas com uso de medidas resumo (média, desvio padrão, mediana e quartis), sendo posteriormente comparadas entre os grupos com uso do teste t de Student não pareado. Os escores dos questionários foram descritos segundo os grupos e os momentos de avaliação, sendo usadas medidas resumo e comparados entre grupos e momentos com uso de Equações de Estimação Generalizadas (EEG), com distribuição normal e função de ligação identidade, assumindo a matriz de correlações autorregressivas de 1a ordem (AR(1)) entre os momentos de avaliação de um mesmo paciente. Os resultados foram seguidos de comparações múltiplas de Bonferroni para avaliar entre quais grupos e momentos ocorreram as diferenças.
RESULTADOS
Oitenta e seis pacientes concluíram o estudo participando das 12 semanas, sendo 45 no GI e 41 no GC. As perdas da amostra foram por abandono do tratamento no GC (n=2) e no GI (n=5), e por efeitos adversos à pregabalina com relato de tontura e sonolência no GI (n=3) e no GC (n=2).
A amostra foi composta por 73 mulheres (84,9%) e 13 homens (15,1%), com idade média de 53,7 anos; 47,7% dos participantes relataram comorbidades; foi identificada hipertensão arterial sistêmica (HAS) isolada em 26,8% no GC e em 28,9 % no GI; o diabetes mellitus (DM) estava presente em 14,7% no GC e 17,8% no GI, de maneira isolada ou em associação com HAS. As características de cada grupo encontram-se detalhadas na tabela 1.
A análise dos resultados de cada instrumento de pesquisa identificou que o GI apresentou resultados superiores em relação ao controle. O comportamento médio dos escores Quick-DASH, WHOQOL e EAV foi estatisticamente diferente ao longo dos momentos de avaliação (p Interação <0,05). Com relação ao DN4, esse instrumento mostrou diferença apenas entre os momentos de avaliação, independente do grupo (p Momento <0,001), ou seja, seu resultado diminuiu, em média, com o tratamento (Tabela 2).
Descrição dos escores avaliados segundo grupos, momentos de avaliação e resultados das análises estatísticas
Analisadas as comparações múltiplas entre grupos e momentos para os escores avaliados (Tabela 3), ficou constatado que somente o GI apresentou diferença média do pré para o pós-tra-tamento (p<0,05), havendo redução do Quick-Dash e da EAV, e aumento médio do WHOQOL. Apenas a EAV apresentou diferença entre os grupos após o tratamento (p<0,001), sendo menor no GI. Apesar de ambos os grupos terem reduzido o DN4 (Tabela 2), na comparação detalhada, apenas o GI mostrou diminuição acentuada, considerada estatisticamente significativa (p<0,001).
DISCUSSÃO
No presente estudo foi demonstrado que o uso das vitaminas C e E (ambas substâncias antioxidantes) em associação com a pregabalina apresentou maior efeito analgésico quando comparado ao uso isolado da pregabalina.
Radicais livres estão criticamente envolvidos na geração de dor em várias condições, incluindo a neuropática e a inflamatória3. Os antioxidantes, vitaminas C e E, atenuam a alodínia mecânica induzida por lesão e sua associação apresenta um efeito antialodínico maior, que pode estar envolvido na inibição da modulação e no processamento da DN na medula espinhal21.
O ácido ascórbico (vitamina C) é um antioxidante solúvel em água com elevada concentração no sistema nervoso central, excedendo em 10 vezes a concentração sérica2,22. Trata-se de um poderoso agente antioxidante e anti-inflamatório, constituindo um cofator na es-teroidogênese adrenal e biossíntese de catecolaminas. A vitamina C participa da síntese de serotonina e modula a dopamina sináptica e o glutamato, principal neurotransmissor de aminoácidos excitatórios em neurônios cortical e hipocampal, desempenhando um papel significativo no processo de comportamento nociceptivo2. A vitamina C pode também aumentar a síntese de endomorfinas23 e atua como cofator para a biossíntese de peptídeos opioides amidados24.
As avaliações permitem preliminarmente afirmar que a vitamina C pode atuar como neuromodulador, facilitando a liberação de neurotransmissores e inibindo a ligação destes a receptores, incluindo os de dopamina, N-metil-D-aspartato (NMDA) e canais cálcio2,25,27.
Os receptores NMDA constituem um dos tipos de glutaminérgicos ionotrópicos e estão amplamente implicados no desenvolvimento de hipersensibilidade à dor. Assim, supõe-se que o tratamento com o antagonista do receptor NMDA produz efeito positivo em condições de DN2.
Foi demonstrado que o ácido ascórbico protege os neurônios cor-ticais dos efeitos tóxicos do NMDA, efeito esse mediado ao longo dos receptores NMDA2. Os níveis de ácido ascórbico no cérebro estão associados com a atividade do receptor NMDA e aumentar a sua concentração pode ser benéfico para pacientes com risco de complicações neurológicas2,28,29.
Um estudo investigou a eficácia da administração aguda de diferentes doses de vitamina C e o envolvimento de receptores NMDA na ação antinociceptiva, tendo sido realizado em um modelo de DN de rato. O estudo demonstrou que a administração sistêmica de ácido ascórbico produz uma inibição significativa da resposta causada pela compressão crônica do nervo ciático. Esse efeito é dose-dependente, pois pequenas doses não revertem os limites mecânicos e térmicos2. Encontra-se bem estabelecido que a vitamina C participa na amidação de peptídeos, agindo como um cofator para a peptidilglicina a-amidante mono-oxigenase, sendo essa a única enzima conhecida por amidar o resíduo carboxi terminal de neuropeptídeos e hormônios peptídicos24.
Acredita-se que a resposta nociceptiva do ácido ascórbico é grandemente mediada pelos receptores NMDA, mais especificamente através da interação com os glutaminérgicos ionotrópicos. Existem boas evidências que revelam o envolvimento dos receptores NMDA na modulação da dor, compostos que reduzem a transmissão e exercem ação antinociceptiva2,30,31,32.
A vitamina E (alfa-tocoferol), uma vitamina lipossolúvel, é o principal antioxidante de quebra de cadeia nos tecidos do corpo, sendo a primeira linha de defesa contra a peroxidação lipídica, protegendo as membranas celulares de ataques de radicais livres15.
Neurônios do corno dorsal espinhal sensibilizados tornam-se normalizados após tratamento com vitamina E. Após lesão do nervo espinhal, agentes oxidantes excessivos acumulam-se na medula espinhal, surgindo um estresse oxidativo que sensibiliza o corno posterior da medula. Removendo os agentes oxidantes excessivos com a vitamina E, restaura-se a condição fisiológica normal, portanto alivia-se a dor33. O efeito analgésico da vitamina E ocorre através de um mecanismo espinhal, reduzindo a sensibilização central, sendo demonstrado pela diminuição dos níveis de pNR1 no corno dorsal após a sua administração15.
Um estudo que investigou a eficácia e os mecanismos da vitamina E na analgesia em um modelo de rato com DN produzida por ligadura do nervo espinhal, demonstrou que uma única injeção sistêmica diária em dose alta ou baixa de vitamina E reduziu significativamente os comportamentos de DN. A vitamina E demonstrou ser eficaz na produção de analgesia por injeção subaracnoidea, sugerindo a importância dos mecanismos espinhais. Nos neurônios do corno dorsal espinhal, a vitamina E reduziu respostas evocadas a estímulos mecânicos, bem como ao tamanho dos campos receptivos. Além disso, os níveis de receptores NDMA em ratos neuropáticos também foram reduzidos pela injeção de vitamina E. Esses dados sugerem um efeito de analgesia mediada pela redução da sensibilização central33.
Uma pesquisa realizada em um modelo animal constatou que o tratamento com uma combinação de vitamina C associado à vitamina E foi mais eficaz para a DN induzida por compressão crônica do nervo ciático do que quando usadas isoladamente, e o efeito antino-ciceptivo foi maior com a coadministração das vitaminas C e E com gabapentina, do que quando essa foi administrada isolada12. Em um estudo clínico, o suplemento de vitamina E como antioxidante diminuiu o escore de dor, ocorrendo melhora na QV de pacientes com neuropatia diabética, mais do que com uso de pregabalina isolada33, sendo observado o mesmo resultado no presente estudo, mostrando o efeito benéfico em pacientes com DM.
Embora a vitamina E esteja localizada nas membranas e a vitamina C presente em fases aquosas, a vitamina C atua para regenerar a vitamina E de sua forma radical, fornecendo uma explicação para a sinergia dos efeitos antioxidantes se administradas em combinação. A vitamina C aumenta a capacidade da vitamina E de inibir o comportamento nociceptivo, sendo o processo antioxidante o principal mecanismo subjacente à antinocicepção mediada pela combinação das vitaminas15.
O uso de antioxidantes em associação com gabapentinoides pode atuar potencializando o efeito desses fármacos. Nesse sentido, pesquisas indicaram que a dose de gabapentina pode ser reduzida se combinada com um antioxidante, uma vez que esses parecem potencializar seu efeito analgésico. Alguns estudos descobriram que antioxidantes em combinação com a gabapentina forneceriam um efeito sinérgico na supressão da hipersensibilidade térmica, em um modelo de rato com DN33,34. Outros autores descreveram que a vitamina C pode aumentar o efeito analgésico da gabapentina e o mecanismo pode estar relacionado com respostas antioxidantes que foram mais óbvias em sangue periférico do que nos neurônios35. A associação da vitamina C e E com a pregabalina apresenta resultados analgésicos superiores aos decorrentes da administração isolada da pregabalina. Tendo em vista que a administração das vitaminas C e E está associada a pouco ou nenhum efeito adverso, são relativamente de baixo custo e têm demonstrado na literatura que melhoram a DN, a sua administração pode ser uma terapia adjuvante benéfica33,35.
Uma limitação deste estudo foi o uso de fármacos ou outras substâncias pelos participantes que não foram relatados ou que foram omitidos intencionalmente, o que pode ter introduzido um viés nos resultados. Por exemplo, um fármaco não relatado pode ter efeitos sinérgicos ou antagônicos com o tratamento estudado, alterando a eficácia ou a segurança observada. Outra limitação, a omissão do uso de terapias complementares ou alternativas que pode ter dificultado a identificação e o controle de variáveis confundidoras, que são fatores não controlados que podem influenciar tanto a exposição quanto o desfecho. Em resumo, a omissão dessas informações pelos participantes pode ser uma limitação significativa, impactando a precisão, a interpretação e a aplicabilidade dos resultados.
Outros estudos devem ser realizados com um número maior de participantes associados ao uso de placebo das vitaminas no grupo controle, situações identificadas como fatores limitantes no presente estudo.
CONCLUSÃO
As vitaminas C e E podem ser usadas como adjuvantes no tratamento farmacológico da DN. A sua associação com a pregabalina apresentou resultados analgésicos superiores quando comparados ao uso isolado da pregabalina.
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Fontes de fomento:
não há
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Editado por
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Editor associado responsável: João Batista Santos Garciahttps://orcid.org/0000-0002-3597-6471.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Jan 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
27 Maio 2024 -
Aceito
21 Out 2024
