RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS A doença renal crônica (DRC) é uma preocupação significativa de saúde pública. Pacientes com problemas renais crônicos frequentemente apresentam sintomas como dor e transtornos do humor enquanto aguardam um transplante. Intervenções não farmacológicas, sem efeitos adversos, são necessárias para o manejo desses sintomas. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) na dor, ansiedade e depressão em pacientes com DRC.
MÉTODOS Trata-se de um ensaio clínico randomizado, controlado por placebo, paralelo, duplo-cego e conduzido em um único centro. As intervenções consistiram em 10 sessões não consecutivas de ETCC anódica sobre o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, com o cátodo posicionado sobre a região supraorbital contralateral. Cada sessão teve duração de 20 minutos, com intensidade de 2 mA. O ensaio clínico incluiu pacientes com DRC que apresentavam dor crônica e estavam em hemodiálise há mais de três meses. Foram realizadas quatro avaliações: na linha de base, após a primeira e última intervenção e sete dias após a última intervenção (follow-up).
RESULTADOS Houve interação significativa entre grupo e tempo em relação à dor (p=0,0005; η2 parcial=0,362) e interação significativa com o tempo (p=0,0005; η2 parcial=0,659), com diferenças significativas entre os grupos no dia 10 (p=0,004; η2 parcial=0,37) e no follow-up (p=0,03; η2 parcial=0,22). Além disso, foi observada diferença significativa entre os grupos quanto à ansiedade.
CONCLUSÃO Após 10 sessões de ETCC, pacientes com DRC apresentaram diminuição de dor, ansiedade e depressão.
Descritores:
Dor crônica; Estimulação cerebral não invasiva; Hemodiálise; Neuromodulação; Qualidade de vida
DESTAQUES
Os pacientes afetados pela doença renal crônica geralmente sofrem de dor e transtornos de humor
O estudo envolveu 10 sessões não consecutivas de estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) anódica sobre o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, com duração de 20 minutos a 2 mA
A ETCC proporcionou reduções significativas na dor e na ansiedade, com diferenças notáveis entre os grupos no 10º dia e nas avaliações de acompanhamento
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES Chronic kidney disease (CKD) is a significant public health concern. Patients affected by chronic kidney problems often experience symptoms, such as pain and mood disorders, while awaiting a transplant. Nonpharmacological interventions with no collateral effects are necessary for managing the symptoms. The objective of this study was to assess the effects of transcranial direct current stimulation (tDCS) on pain, anxiety, and depression in patients affected by CKD.
METHODS This is a single-center, double-blinded, parallel, randomized sham-controlled clinical trial. The interventions consisted of ten non-consecutive sessions of anodal tDCS over the left dorsolateral prefrontal cortex and the cathode over the contralateral supraorbital region. Each session lasted 20 min with an intensity of 2 mA. This clinical trial included patients with CKD who experienced chronic pain and had been undergoing hemodialysis for more than three months. There were four assessments: at baseline, after the first and last intervention, and seven days after the last intervention (follow-up).
RESULTS There was a significant interaction between group and time regarding pain (p=0.0005; partial η2 = 0.362) and a significant time interaction (p = 0.0005, partial η2 = 0.659) with significant differences between groups at day 10 (p= 0.004; partial η2 = 0.37) and follow-up (p= 0.03; partial η2 = 0.22). Additionally, there was a significant difference between groups for anxiety (p<0.02, partial η2= 0.258).
CONCLUSION After ten sessions of tDCS, patients affected by chronic kidney disease showed a reduction in pain, anxiety, and depression.
Keywords:
Chronic pain; Hemodialysis; Neuromodulation; Noninvasive brain stimulation; Quality of life
HIGHLIGHTS
Patients affected by chronic kidney disease often suffer from pain and mood disorders
The study involved ten non-consecutive sessions of anodal transcranial direct current stimulation (tDCS) over the left dorsolateral prefrontal cortex, with each session lasting 20 minutes at 2 mA
tDCS provided significant reductions in pain and anxiety, with notable differences between groups at day 10 and follow-up assessments
INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) é um desafio global para a saúde pública, muitas vezes exigindo hemodiálise ou diálise peritoneal para seu tratamento1. Estima-se que a DRC afete aproximadamente 10% da população mundial2. A progressão da DRC leva à doença renal em estágio terminal, resultando em um declínio significativo na qualidade de vida e na função física2, com alta prevalência de dor crônica (DC)3.
Os pacientes submetidos à hemodiálise para doença renal em estágio terminal apresentam alta prevalência de DC, variando de 50% a 80%3. A DC nesses pacientes está associada a vários resultados negativos, incluindo baixa adesão ao tratamento, isolamento social4, bem como sintomas de depressão e ansiedade3. Além disso, a DC está associada a alterações funcionais e estruturais em regiões do cérebro envolvidas no processamento da dor e no controle da nocicepção5. Isso sugere que os pacientes com doença renal em estágio terminal e DC podem ter alterações nos sistemas de modulação da dor, incluindo déficits no controle cognitivo das emoções e no processamento autorreferencial6-8.
A estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) surgiu como uma estratégia econômica, fácil de usar e segura para controlar a dor e a disfunção cognitiva em pacientes afetados pela DRC8. Vários locais de estimulação foram explorados para identificar o alvo ideal para a neuromodulação da dor. Embora o córtex motor primário seja normalmente considerado o alvo mais eficaz para induzir a neuroplasticidade em pacientes com DC, as evidências que o sustentam ainda são limitadas9. Como a emoção e a regulação da dor são interrompidas em pacientes com DC10 e o córtex pré-frontal dorsolateral é amplamente estudado como um alvo fundamental para a modulação do controle cognitivo da emoção11, a estimulação do córtex pré-frontal dorsolateral poderia levar a melhorias em pacientes com DRC e DC.
Os mecanismos subjacentes à neuroplasticidade cerebral induzida pela ETCC estão intrinsecamente ligados a fatores como o posicionamento do eletrodo, a polaridade, a duração e a intensidade. É importante observar que os efeitos da ETCC sobre a dor não se limitam a locais específicos dos eletrodos, pois a neuromatriz da dor no sistema nervoso central (SNC) é multifacetada e envolve várias regiões12. De acordo com a teoria da doutrina somática, a ETCC provoca alterações em neurotransmissores, canais de entrada, soma, axônios e receptores distribuídos por todo o SNC12. Consequentemente, a aplicação da ETCC envolve uma interação complexa de mecanismos fisiológicos.
O uso da ETCC visando o córtex pré-frontal dorsolateral tem sido associado ao controle comportamental e afetivo da dor. Além disso, sabe-se que a ETCC neuromodula os circuitos cerebrais envolvidos na regulação da dor emocional11. Como a DC na doença renal em estágio terminal é frequentemente negligenciada clinicamente, as estratégias que melhoram o controle da dor e o humor são altamente recomendadas13. Portanto, a utilização da ETCC como terapia adjuvante de baixo custo com efeitos adversos mínimos pode ser benéfica para pacientes com doença renal em estágio terminal submetidos à hemodiálise e com DC8. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da ETCC sobre a dor, a ansiedade e a depressão em pacientes renais em estágio terminal.
MÉTODOS
Desenho do estudo e participantes
Trata-se de um ensaio clínico monocêntrico, duplo-cego, paralelo, randomizado e controlado por amostragem, elaborado de acordo com a declaração CONSORT/201014. Este estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Ciências da Saúde de Trairí, sob o parecer número 2.715.151. O registro foi concluído na Plataforma Brasileira de Ensaios Clínicos com o identificador RBR-6fgnsqr. Este estudo foi realizado entre agosto de 2018 e novembro de 2022 na Clínica Santa Rita e no Instituto do Rim no Rio Grande do Norte, Brasil. Devido ao surto da Doença do Coronavírus em 2019, este estudo foi temporariamente interrompido em 2021 em conformidade com os regulamentos do Ministério da Saúde do Brasil.
Participantes: critérios de inclusão e exclusão, tamanho da amostra e randomização
Os pacientes foram recrutados voluntariamente por meio de convites formais feitos pelos pesquisadores. Antes da participação, todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e a Declaração de Helsinque. Os participantes elegíveis foram aqueles com doença renal em estágio terminal submetidos à hemodiálise e que haviam sido previamente diagnosticados com DC, conforme definido pela Associação Internacional para o Estudo da Dor15,16.
Os pacientes foram incluídos se preenchessem os seguintes critérios de inclusão: 1) homem ou mulher com idade entre 18 e 75 anos; 2) submetido à hemodiálise (DRC 5D)15 por mais de três meses (sessão de quatro horas); 3) com DC (dor musculoesquelética crônica, cefaleia crônica e/ou dor neuropática crônica) com uma pontuação na escala analógica visual (EAV) superior a 4 (em uma escala de 1 a 10) por pelo menos três meses16; 4) ser capaz de fornecer consentimento para o tratamento e entender as explicações e os questionários do estudo. Os pacientes foram excluídos se tivessem: 1) contraindicações clínicas para receber a ETCC, como ter metal implantado no couro cabeludo ou no cérebro; 2) histórico de epilepsia ou convulsões; 3) implantes elétricos no corpo; 4) gravidez; ou 5) sinais de doença grave e/ou necessidade de hospitalização (instabilidade hemodinâmica, infecção, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral).
O software G-Power 3.1.9.2 (Franz Faul, Universitat Kiel, Alemanha) calculou o tamanho da amostra. Um estudo anterior com ETCC para dor em doença renal em estágio final submetida a hemodiálise relatou um tamanho de efeito de 0,33 (de acordo com o η2 parcial)8. Foi considerado um nível de significância de 0,05, um poder de 90% e um tamanho de efeito de 0,33. Esse cálculo resultou em um tamanho total de amostra de 18 participantes. Para levar em conta possíveis desistências sem comprometer o poder estatístico, dois pacientes adicionais foram incluídos, elevando o recrutamento total para vinte pacientes. Esses pacientes foram então designados aleatoriamente para a ETCC ativa (Active-G) ou a ETCC simulada (Sham-G) em uma proporção de 1:1, conforme ilustrado na Figura 1. A randomização estratificada foi realizada de acordo com a ordem de entrada no estudo para garantir uma alocação equilibrada ao longo do tempo. O sitewww.random.org designou cada participante para os grupos. Um pesquisador assistente externo, que não estava envolvido na coleta ou análise de dados, foi responsável por gerar a sequência de alocação aleatória. Para manter a ocultação da alocação, as atribuições foram colocadas em envelopes selados, opacos e numerados sequencialmente. Esses envelopes foram abertos somente após a inscrição do participante.
Fluxograma do estudo. O acompanhamento foi realizado uma semana após o último dia de intervenção. HD = hemodiálise; ETCC = estimulação transcraniana por corrente contínua; Active-G: grupo ativo; Sham-G: grupo simulado.
Todas as etapas do processo de randomização, inclusive a atribuição de grupos e o manuseio de envelopes, foram realizadas por um pesquisador assistente cego, garantindo que tanto os participantes quanto a equipe de pesquisa envolvida no processo de avaliação não tivessem conhecimento da atribuição dos grupos durante todo o período de intervenção.
Avaliação
Um fisioterapeuta experiente, sem saber a alocação do tratamento, conduziu todos os procedimentos de avaliação. O estudo compreendeu quatro fases: (1) uma semana antes da primeira sessão (avaliação da linha de base); (2) imediatamente após a primeira sessão de ETCC (dia 1); (3) imediatamente após a décima sessão de ETCC (dia 10); e (4) uma semana após a última sessão de ETCC (acompanhamento). Na linha de base, foram avaliadas as informações clínicas e sociodemográficas dos pacientes, incluindo idade, níveis de dor, ansiedade e depressão, tempo de hemodiálise, comorbidades de sexo, estado civil e nível de escolaridade.
O resultado primário, a intensidade da dor, foi avaliado usando a EAV, uma ferramenta amplamente usada para avaliação da dor em várias populações17. A EAV é uma escala unidimensional autoadministrada que mede a intensidade da dor em uma linha contínua de 100 mm, ancorada pelos descritores verbais “sem dor” (pontuação de 0) e “pior dor imaginável” (pontuação de 100)17. Os participantes foram solicitados a indicar seu nível atual de dor em quatro momentos diferentes: linha de base, dia 1 da ETCC, dia 10 da ETCC e sete dias após a última sessão de ETCC (acompanhamento).
Os resultados secundários incluíram níveis de ansiedade e depressão, que foram avaliados na linha de base e no 10º dia do estudo. A Escala de Ansiedade de Hamilton avaliou a ansiedade. Essa escala é um questionário autoavaliado composto de 14 itens divididos em dois grupos de sintomas psicológicos e somáticos18. Cada item é pontuado em uma escala numérica de 0 (não presente) a 4 (grave), com pontuações acima de 17 indicando ansiedade leve e pontuações entre 25 e 30 indicando ansiedade moderada a grave19. A depressão foi avaliada com o Inventário de Depressão de Beck, composto por 21 perguntas de múltipla escolha20. Os escores desse inventário variam de 0 a 63, sendo que os escores de 0 a 13 indicam depressão mínima, 14 a 19 indicam depressão leve, 20 a 28 indicam depressão moderada e escores acima de 29 indicam depressão grave20. Os participantes foram instruídos a selecionar as respostas que melhor refletiam seu humor na semana que antecedeu a administração do questionário.
Os pesquisadores realizaram avaliações contínuas de eventos adversos durante e após as intervenções de ETCC, em ambos os grupos. Coceira, formigamento, náusea, dor de cabeça e sensações de queimação sob os locais dos eletrodos foram monitorados durante todo o estudo. Não houve alterações nas prescrições de fármacos, no tempo de hemodiálise ou em outras rotinas clínicas dos participantes.
Procedimentos de intervenção
Um fisioterapeuta experiente administrou 10 sessões não consecutivas de ETCC, com três sessões por semana (segunda/quarta/sexta ou terça/quinta/sábado). O estimulador MicroEstim Genius (NKL, Santa Catarina, Brasil) forneceu uma corrente contínua monofásica a uma intensidade de 2 mA por 20 minutos por sessão. O eletrodo anódico foi posicionado sobre o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (F3) e o eletrodo catódico sobre a região supraorbital contralateral (Fp2), de acordo com os padrões internacionais para o sistema EEG 10-20. Os eletrodos foram primeiramente colocados em uma esponja de 35cm2 embebida em solução salina (NaCl 154 mM, aproximadamente 12 mL por esponja) e, em seguida, presos ao couro cabeludo e fixados com uma faixa elástica. No grupo Active-G, a estimulação começou com uma aceleração de 30 segundos, seguida por 19 minutos de estimulação contínua e concluída com uma desaceleração de 30 segundos. Para o grupo Sham-G, foram usados os mesmos parâmetros, mas apenas a aceleração e a desaceleração de 30 segundos foram aplicadas. Esse método simulado cria uma sensação semelhante à estimulação ativa e foi usado em estudos anteriores8. Durante todo o estudo, os pacientes permaneceram encobertos quanto à alocação do grupo.
Análise estatística
Para as análises estatísticas, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 19.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). As médias, os desvios padrão e as tabelas de frequência descreveram as características clínicas e sociodemográficas. A comparação da linha de base entre os grupos para dados quantitativos e categóricos foi realizada pelos testes t e Qui-quadrado, respectivamente. Os testes de Shapiro-Wilk e de Levene avaliaram a normalidade da distribuição e a homogeneidade da variância, respectivamente. O teste de esfericidade de Mauchly validou a correlação das medidas repetidas. A correção de Greenhouse-Geisser analisaria os dados se a suposição de esfericidade fosse violada. A análise mista do modelo de variância analisou o efeito da estimulação na EAV. A pontuação da EAV foi a variável dependente. O tempo de tratamento (linha de base, dia 1, dia 10 e acompanhamento), os grupos (ativo e simulado) e a interação tempo versus grupo foram as variáveis fixas independentes. Quando apropriado, a correção de Bonferroni para comparações múltiplas calculou as comparações post hoc. Para a Escala de Ansiedade de Hamilton e o Inventário de Depressão de Beck, a ANCOVA calculou o efeito da ETCC na pós-intervenção após o controle da pré-intervenção. O η2 parcial determinou o tamanho do efeito: η2 = 0,01 pequeno, η2 = 0,06 moderado e η2 = 0,14 grande efeito. A significância estatística foi definida como p ≤ 0,05.
RESULTADOS
Inicialmente, um total de 25 pacientes foi avaliado. Cinco indivíduos foram excluídos: um por óbito, dois por mudança de centro de hemodiálise e dois por desinteresse em participar do estudo. Assim, 20 pacientes foram selecionados e incluídos. A Tabela 1 apresenta as características clínicas e sociodemográficas de base dos participantes. Não houve diferenças significativas entre os grupos na linha de base para nenhuma variável clínica.
A Figura 2 mostra uma interação significativa entre grupo e tempo na dor, F(3,54) = 10,220, p = 0,0005, η2 parcial = 0,362. Além disso, há uma interação significativa com o tempo, F(3,54) = 34,787, p = 0,0005, η2 parcial = 0,659. É possível identificar uma diminuição da dor ao longo do tempo, porém, em uma intensidade diferente entre os grupos. Ao comparar a EAV na linha de base com o acompanhamento, o grupo Active-G diminuiu 79,3% e o grupo Sham-G 35,4%.
Escala Analógica Visual, linha do tempo entre os grupos (Média/EP). *Indica uma interação significativa entre tempo e grupo. **Denota diferença significativa entre os grupos no respectivo dia.
A Tabela 2 mostra a análise intragrupo do Active-G com ajuste de Bonferroni. Ela mostra diferença significativa ao comparar a escala visual analógica na linha de base com o dia 10 (p=0,0005) e o acompanhamento (p=0,0005). Para o Sham-G, houve diferença significativa entre a EAV na linha de base e no acompanhamento (p=0,04).
A Tabela 3 mostra a análise intergrupos. É possível observar uma diferença significativa entre os grupos no 10º dia (p = 0,004; η2 parcial = 0,37) e no acompanhamento (p = 0,03; η2 parcial = 0,22).
Comparação entre grupos da escala analógica visual na linha de base, no dia 1, no dia 10 e no acompanhamento.
A Figura 3A ilustra a análise dos níveis de ansiedade. Houve uma diferença significativa entre os grupos F(1, 17) = 5,915, p<0,02, η2 parcial = 0,258 com um intervalo de confiança de 95% de 0,400;5,641.
(A) Escala de Ansiedade de Hamilton (HAS) mostrando diferença estatística entre os grupos. (B) Inventário de Depressão de Beck (BDI). *Denota p ≤ 0.05.
A Figura 3B mostra a análise da depressão. Houve uma tendência de diminuição F(1, 17) = 4,426, p = 0,05, η2 parcial = 0,207 com um intervalo de confiança de 95% de 0,007-5,329. No Active-G, nove pacientes melhoraram a ansiedade e cinco melhoraram os sintomas de depressão. Além disso, no Sham-G, quatro pessoas e uma pessoa melhoraram a ansiedade e a depressão, respectivamente.
Durante a pesquisa, não houve problemas clínicos críticos relacionados à hemodiálise. Todos os pacientes concluíram os protocolos de tratamento e avaliação. Foram detectados apenas efeitos adversos da rotina clínica relacionados à hemodiálise, como hipoglicemia, hipotensão, fadiga, cãibras, dor de cabeça, dor muscular e instabilidade hemodinâmica. Os pacientes toleraram bem a ETCC e relataram alguns efeitos adversos, como coceira e formigamento. Quaisquer intercorrências clínicas relacionadas à hemodiálise foram tratadas de acordo com os protocolos da clínica e pela avaliação da equipe médica de plantão.
DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo avaliar o efeito de 10 sessões de ETCC anódica sobre o córtex pré-frontal dorsolateral na dor, na ansiedade e na depressão em pacientes com doença renal em estágio terminal submetidos à hemodiálise. O estudo mostrou uma melhora significativa em todos os resultados, sugerindo que a montagem de ETCC escolhida poderia ser uma estratégia promissora para o tratamento de DC e transtornos de humor nessa população. O uso de estimulação cerebral não invasiva em pacientes com DRC é uma nova área de estudo. Portanto, é importante enfatizar os achados iniciais promissores da intervenção com ETCC. Este é o segundo estudo elaborado com o uso da ETCC em pacientes com doença renal em estágio terminal e o primeiro com esse conjunto de eletrodos8.
Os efeitos da ETCC anódica usando a montagem C3/Fp2 em pacientes com doença renal em estágio terminal levaram a melhorias significativas na dor, na qualidade de vida e no humor. Ao direcionar o tratamento da dor, a estimulação anódica sobre o córtex motor primário (M1) surge como a escolha ideal. Entretanto, a determinação do alvo de tratamento mais eficaz deve ser baseada em considerações individualizadas21. A fisiopatologia das síndromes dolorosas e a prevalência de transtornos graves de humor são frequentemente associadas em pacientes com fibromialgia22, uma perspectiva que se aplica de forma semelhante àqueles com doença renal em estágio terminal. A associação entre DC e transtornos de humor também é verdadeira em pacientes com doença renal em estágio terminal23-26.
É importante mencionar que o córtex pré-frontal dorsolateral pode estar envolvido na regulação positiva de resultados emocionais negativos, comumente mostrados em pacientes com doença renal em estágio terminal27. Pacientes com doença renal terminal submetidos à hemodiálise têm uma alta prevalência de DC (com intensidade moderada a grave) e distúrbios de humor, como depressão, ansiedade e perda da função cognitiva28,29. Além disso, o córtex pré-frontal dorsolateral está associado à regulação dos sintomas psicológicos e da dor emocional por meio de um mecanismo top-down nos circuitos cerebrais relacionados ao volume da dor30. Estudos de neuroimagem sugerem que o córtex pré-frontal dorsolateral altera a ativação funcional e a conectividade de áreas cerebrais que incluem circuitos cortical-estriatal e límbico27. Assim, a neuromodulação cortical poderia interferir nas estruturas subcorticais, incluindo a amígdala, o núcleo achumbes e o cíngulo27. Essas áreas cerebrais estão envolvidas no equilíbrio do volume da dor e do processamento emocional27,30.
A sessão de diálise pode ser um gatilho para intensificar a dor devido ao desequilíbrio de eletrólitos26. Protocolos específicos de alívio da dor durante a sessão de diálise devem ser incentivados para melhorar a qualidade do tratamento e os sintomas globais (fadiga, ansiedade, náusea e angústia global)26. Portanto, a ETCC surgiu como uma intervenção não farmacológica adjuvante fácil de usar, segura e de baixo custo para tratar a dor e o distúrbio de humor durante a hemodiálise.
Algumas limitações devem ser reconhecidas e abordadas em futuros ensaios clínicos. Primeiro, este estudo foi realizado durante o período do surto de COVID-19. Portanto, os dados coletados precisaram ser interrompidos de acordo com a lei do Ministério da Saúde do Brasil. Segundo, para reduzir o contato com os participantes, não foram realizados testes físicos, mas estudos futuros poderiam avaliar a capacidade aeróbica, a função física, a força e a mobilidade. Terceiro, os resultados deste estudo podem ser tendenciosos devido ao tamanho limitado da amostra, mas os achados clínicos e os testes estatísticos demonstram o efeito das intervenções. É necessário um trabalho futuro para determinar o efeito da ETCC anódica sobre o córtex pré-frontal dorsolateral em um longo período de acompanhamento (mais de três meses) e a dose ideal para a melhora da dor.
CONCLUSÃO
A ETCC sobre o córtex pré-frontal dorsolateral em pacientes afetados por DRC gerou melhorias na dor após dez sessões e os efeitos duraram uma semana depois (acompanhamento). Além disso, a ETCC melhorou os sintomas de ansiedade e depressão após dez sessões.
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Fontes de fomento:
não há.
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Editado por
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Editor associado responsável:
Kátia Nunes Sá https://orcid.org/0000-0002-0255-4379
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Jul 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
10 Mar 2025 -
Aceito
09 Maio 2025






