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Dor: o impulso na busca pela saúde por meio de práticas integrativas e complementares

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Este estudo investigou as relações estabelecidas entre o componente lúdico e o processo de reabilitação, tratamento e promoção da saúde no contexto de um grupo que trata da dor, localizado em Florianópolis (SC).

MÉTODOS:

A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa, tendo sido realizada por meio de uma investigação de campo, configurando-se como descritivo-exploratória. Foi realizada observação sistemática, durante dois meses, guiada por uma matriz, envolvendo a responsável pelo grupo, duas voluntárias e cerca de 15 integrantes. Para o registro de informações complementares, utilizou-se um diário de campo. Além disso, foram utilizados dois roteiros de entrevistas semiestruturadas, aplicados com quatro integrantes e com a responsável pelo grupo, ao final do período dos dois meses de observações. Os dados foram organizados e analisados em três tópicos: “Caracterização do grupo investigado e dinâmica dos encontros”, “O grupo como potencial de cura” e “Lian Gong/Qi Gong como uma possibilidade de olhar para a dor”.

RESULTADOS:

Os participantes indicaram que ao trabalhar Lian Gong/Qi Gong, meditação e auriculoterapia, contemplando o elemento lúdico, o grupo tornou-se um local de reconhecimento da subjetividade da dor de cada um, pelo indivíduo que sentia e pelo coletivo, gerando melhoras nas dores específicas e trazendo boas sensações aos que estão envolvidos, como alegria, entusiasmo e prazer.

CONCLUSÃO:

A criação do grupo e o engajamento das pessoas diminuiu o número de pedidos específicos de sessões de fisioterapia e proporcionou maior autonomia do participante em atender a sua própria dor.

Descritores:
Dor; Grupo; Lian Gong/Qi Gong; Lúdico

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

This study investigated the relations between the playful component and the process of rehabilitation, treatment, and promotion of health in the context of a group that treats the pain, located in Florianópolis (Brazil).

METHODS:

The research followed a qualitative approach, a descriptive-exploratory field research. A matrix-guided systematic observation was conducted for two months by the group leader, two volunteers and about 15 participants. A field diary was used to register complementary information. Besides two semi-structured interview guides were used, applied to four members and the person responsible for the group after the two-month observational period. The data were organized and analyzed in three topics: “Characterization of the investigated group and dynamics of the meetings,” “The group as healing potential” and “Lian Gong/Qi Gong as a possibility to look at the pain.”

RESULTS:

The participants pointed out that working on Lian Gong/Qi Gong, meditation and auriculotherapy contemplating the playful component the group becomes a place of recognition of each one’s pain subjectivity, by the individual that suffers and by the collective, which has fostered the recovery of specific pain and good sensations to those involved, such as happiness, enthusiasm and pleasure.

CONCLUSION:

The creation of the group and people’s engagement has decreased the number of specific requests for physiotherapy sessions and provided greater autonomy to the participants to handle their own pain.

Keywords:
Group; Lian Gong/Qi Gong; Pain; Recreational

INTRODUÇÃO

A sensação de dor é fundamental para a sobrevivência; mesmo sendo descrita como uma experiência sensorial e emocional subjetiva desagradável. É um fenômeno importante e complexo que se origina de lesões ou estímulos, sendo eles, o calor, o frio, a pressão, irritantes químicos, movimentos bruscos. Esses estímulos podem ser modificados pela memória, expectativa e emoções vividas por cada pessoa11 Silva JA, Ribeiro-Filho NP. A dor como um problema psicofísico. Rev Dor. 2011;12(2):138-51.. Todas as sensações vivenciadas a partir da dor fazem parte de domínios fisiológicos, sensoriais, afetivos, cognitivos, comportamentais e socioculturais importantes da experiência humana22 Frutuoso JT, Cruz RM. Relato verbal na avaliação psicológica da dor. Rev Psicol. 2004;3(2):107-14..

Falar sobre dor é falar sobre a vida, pois uma é inerente à outra, por vezes, em memória ou na experiência pessoal de quem sentiu ou sente, salvo raras exceções. A dor geralmente não é igual enquanto dura, possuindo variação na intensidade, podendo mudar de uma hora para outra, de um dia para outro, característica esta que pode estar ligada ao contexto, à hora do dia, a um gesto, a um fármaco, entre muitos outros aspectos objetivos e subjetivos que fazem parte da experiência da dor33 Le Breton D. Compreender a dor: um estudo sobre a relação do homem com a dor física em diversos tempos e em diversas culturas. Rio Grande do Sul: Estrela Polar, 2007..

Mesmo que sejam consideradas expressões de afastamento de uma condição considerada saudável, a dor e a incapacidade funcional são elementos notificados abaixo do esperado e não registrados especificamente pelas Unidades de Básicas de Saúde (UBS) no Brasil. Devido à sua elevada prevalência é necessária maior atenção dos profissionais que atuam nas UBS para tratá-la de maneira eficiente44 Ruviaro LF, Filippin LI. Prevalência de dor crônica em uma unidade básica de saúde de cidade de médio porte. Rev Dor. 2012;13(2):128-31., visto que uma das responsabilidades de estratégia da atenção básica no Brasil é manter uma postura de prevenção aos problemas de saúde-doença da população.

No Brasil, estima-se que a dor crônica acometa cerca de 30 a 40% da população, sendo descrita como uma das principais causas de licenças médicas, aposentadoria precoce, indenizações trabalhistas e baixa produtividade, podendo ser apontada como um problema de saúde pública55 Cipriano A, Almeida DB, Vall J. Perfil do paciente com dor crônica atendido em um ambulatório de dor de uma grande cidade do sul do Brasil. Rev Dor. 2011;12(4):297-300.,66 Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Prevalence of chronic pain and associated factors in the population of Salvador, Bahia. Rev Saude Publica. 2009;43(4):622-30. English, Portuguese.. Na realidade brasileira, especialmente no contexto das UBS, a palavra “dor” é dita e ouvida praticamente todos os dias na rotina de atendimentos. Foi ouvindo esses tipos de relatos, que uma fisioterapeuta, atuante em uma UBS da região sul de Florianópolis (SC), fundou um grupo aberto, visando promover autonomia no tratamento da dor (aguda e crônica). A dor passa a ser olhada de acordo com cada pessoa, levando em conta a condição social, o contexto cultural e sua história33 Le Breton D. Compreender a dor: um estudo sobre a relação do homem com a dor física em diversos tempos e em diversas culturas. Rio Grande do Sul: Estrela Polar, 2007..

A partir de iniciativas como essa se faz possível, portanto, pensar em um atendimento humanizado, que significa escutar, captar e atender, da forma mais completa possível, as necessidades das pessoas em relação à saúde, buscando sempre um atendimento de qualidade77 Deslandes SF. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciênc Saúde Coletiva. 2004;9(1):7-14.,88 Silva VC. Humanização hospitalar: um olhar sobre as políticas públicas de saúde no Brasil (2002-2006). 2006. 47f. Monografia (Especialização em Lazer) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.. Complementando essa ideia, o Ministério da Saúde (MS) preconiza que os indivíduos atendidos não devem ser reduzidos a objetos de intervenção puramente técnica99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.. De acordo com a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), as ações e serviços na área da saúde devem visar a equidade e a qualidade de vida das pessoas, com vistas à redução de vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais.

A estruturação e o fortalecimento da atenção em Práticas Integrativas e Complementares (PIC) no SUS ocorre mediante a inserção em todos os níveis de atenção, com ênfase na atenção básica, no desenvolvimento em caráter multiprofissional, assim como no estabelecimento de mecanismos de financiamento, elaboração de normas técnicas e operacionais para a implantação e articulação com as demais políticas do MS1010 Barros NF. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: uma ação de inclusão. Ciên Saúde Coletiva. 2006;11(3):850..

Em decorrência de iniciativas como essas passam a se estabelecer relações mais humanizadas desenvolvidas pelas UBS, nas quais o componente lúdico se apresenta como um caminho fértil, podendo ser entendido como o ânima (alma) que move o ser humano1111 Huizinga J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva; 1971., e do prazer improdutivo, isto é, aquilo que move ou alimenta o jogar, o brincar, o festar e outras atividades pontuadas pelo fim em si mesmas. Nessa direção, acredita-se que os atendimentos no contexto da saúde que levam em conta o componente lúdico seriam vivenciados em sua inteireza, nos quais profissional e usuário estariam entregues ao momento, para além de um conjunto de atividades ou um rol de qualidades idealizadas como: espontaneidade, diversão, alegria, criatividade, prazer, sonho ou imediatismo.

Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivo investigar as relações estabelecidas entre o componente lúdico e o processo de reabilitação, tratamento e promoção da saúde no contexto de um grupo que trata da dor. Esse grupo está localizado em Florianópolis (SC) e vem sendo desenvolvido por residentes e profissionais que atuam na área da saúde.

MÉTODOS

Com abordagem qualitativa, realizada por meio de uma investigação de campo, configura-se como pesquisa descritivo-exploratória. Optou-se pela pesquisa qualitativa por não buscar a generalização dos achados e, sim, por querer aprofundar os aspectos do contexto dos participantes em seu viver cotidiano1212 Santos SG, Moretti-Pires RO. Métodos e técnicas de pesquisa qualitativa aplicada à Educação Física. Florianópolis: Tribo da Ilha; 2012.. Utilizou-se a descrição, buscando ir a fundo nos detalhes que caracterizam o fenômeno estudado, sem a intenção de testar ou construir modelos teóricos1313 Thomas JR, Nelson JK. Métodos de Pesquisa em Atividade Física. 6a ed. São Paulo: Artmed; 2012..

É importante ressaltar que, de acordo com a International Association for the Study of Pain (IASP), a pesquisa qualitativa possibilita, a partir de seus recursos, o contato individualizado com os pacientes, dando voz às experiências de quem convive com a dor. Sendo assim, o conhecimento qualitativo permite o entendimento do paciente como um todo, não apenas como partes do corpo, contribuindo, assim, para a tomada de decisão no que se refere aos cuidados da saúde1414 Toye F, Seers K. Including qualitative research in pain education. International Association for the Study of Pain (IASP). Oxford: UK, 2018. E-Book. Disponível em: < http://ebooks.iasp-pain.org/pain_education>.
http://ebooks.iasp-pain.org/pain_educati...
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O grupo investigado, intitulado como Grupo da Dor, aconteceu em uma das nove UBS selecionadas para participar de uma pesquisa mais ampla, da qual este estudo faz parte, intitulada “O lúdico e a reabilitação em instituições públicas e privadas de Florianópolis (SC).” O Grupo da Dor aconteceu na sede da Associação dos Moradores de um bairro que fica na região sul da cidade de Florianópolis às quartas feiras, das 9h às 10h, sendo coordenado por uma fisioterapeuta, acompanhado por uma nutricionista, duas agentes de saúde, e duas residentes em fisioterapia.

A coleta de dados foi iniciada, por meio da técnica de observação sistemática, aplicada durante dois meses, em sete encontros, com duração total de 10h30 minutos. A matriz de observação sistemática referiu-se às atividades desenvolvidas no grupo contemplando: atividades lúdicas, formas de apropriação do lúdico pelos responsáveis (o lúdico como veículo, objeto ou método de trabalho), resultados e formas de apropriação do lúdico pelos integrantes do grupo (expressões implícitas e explícitas). As observações aplicadas como instrumento de coleta de dados por meio da matriz sistemática, envolveram a responsável pelo grupo, duas voluntárias e cerca de 15 integrantes. Para registro de informações complementares a essa matriz foi utilizado um diário de campo (DC), com o intuito de verificar e obter a descrição precisa das situações/fenômenos que respondessem aos objetivos da pesquisa1515 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2002., bem como os registros das emoções e dos detalhes que transbordavam a matriz.

Além disso, foram utilizados dois roteiros de entrevistas semiestruturadas1616 Severino AJM. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Autores Associados: Cortez; 1992., aplicados com quatro integrantes e com a responsável pelo grupo, ao final do período de observação. O roteiro destinado aos integrantes foi composto por perguntas que além dos dados de identificação, contemplaram os seguintes elementos: motivos de participação e permanência no projeto; significado atribuído ao grupo/projeto; mudanças (pessoais e/ou na saúde) a partir do ingresso; possíveis alterações em relação ao profissional, ao local, às atividades ou aos métodos; e percepção das atividades lúdicas no grupo/projeto. Por sua vez, o roteiro de entrevista para a responsável, incluiu: dados de identificação; trajetória profissional; entendimento do termo “lúdico”; tempo de trabalho com atividades lúdicas; características do público atendido pelos grupos/projetos (sexo, idade, locais); escolha dos conteúdos e a maneira como são desenvolvidos; resultados esperados e alcançados; mecanismos de avaliação; e possíveis diferenças no trabalho com atividades lúdicas dentro e fora da instituição.

Por ser aberto, o grupo investigado não tinha controle de presença, com participantes ingressando e saindo constantemente. Dessa forma, após as observações, os integrantes do grupo foram escolhidos para participar da entrevista com a ajuda da responsável, considerando, principalmente, suas frequências. A tabela 1 apresenta as características dos participantes da pesquisa.

Tabela 1
Identificação dos participantes

Todas as entrevistas foram realizadas em local reservado e silencioso. Antes de iniciar as entrevistas, os participantes e o responsável assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Consentimento para Fotografias, Vídeos e Gravações. Foi utilizado um gravador de áudio para o registro das entrevistas. Os nomes dos participantes foram substituídos por nomes fictícios para preservar suas identidades.

Os dados obtidos por meio das observações, do diário de campo e das entrevistas foram analisados por meio da análise temática, que se constitui por organização, preparação, leitura, codificação e descrição dos dados, seguidos de representação e interpretação da análise1212 Santos SG, Moretti-Pires RO. Métodos e técnicas de pesquisa qualitativa aplicada à Educação Física. Florianópolis: Tribo da Ilha; 2012.. Ao final desse processo, chegou-se aos tópicos temáticos: “o grupo como potencial de cura” e “Lian Gong/Qi Gong como uma possibilidade de olhar para a dor”.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob número 916.511 de 2014.

RESULTADOS

Durante os encontros foi possível notar elementos que são permanentes durante o período de ocorrência da atividade, como: incenso aceso, música baixa com melodia lenta e vozes suaves, mas bem entoadas, da responsável e das estagiárias que mediavam a ação.

O trabalho do grupo investigado foi caracterizado por um momento inicial de acolhida, no qual normalmente são feitas algumas dinâmicas para que os integrantes se aproximem e se conheçam melhor, como a dinâmica de cada um, em roda, fazer um movimento e os demais acompanharem. Aos poucos, esse exercício deixou as pessoas menos envergonhadas até para realizarem os próprios movimentos. Outra atividade possível de exemplificação incluiu a distribuição de fragmentos de frases para diferentes pessoas que deveriam procurar, entre os demais participantes, aqueles que estavam com a complementação. Essa dinâmica estimulou a locomoção pela sala, o olhar para o outro, a comunicação verbal, mesmo que brevemente.

Em um segundo momento dos encontros foi realizada a prática orientada de exercícios de Lian Gong/Qi Gong, advinda da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) que visa o desenvolvimento do uso da energia vital, dividida em quatro fases: a) Desbloqueio, responsável por liberar os canais fazendo com que captem as energias com mais eficiência, fortalecendo, assim, a estrutura óssea e a medula; b) Captação, na qual a energia exterior é captada; c) Circulação, são feitos movimentos para favorecer a circulação da energia captada por meio dos canais, a fim de limpar, nutrir e fortalecer os órgãos internos; e, por último, d) Armazenamento, quando ocorre a reserva da energia com a intenção de usar quando for preciso1717 Creswell JW. Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. 3ª ed. Porto Alegre: Penso; 2014..

Enquanto uma das responsáveis demostrava a sequência de movimentos para o grupo, as outras duas andavam pela roda, observando e, caso necessário, dando orientações individuais para cada um dos participantes, com a intenção de melhorar a qualidade do movimento. Na sequência, foi realizada uma meditação conduzida pela responsável, em que os participantes imaginavam abraçar uma árvore. A partir dessa imagem/sensação eram levados a conduzir uma luz imaginária que seguia por todo seu corpo, a fim de desbloquear as energias que sentiam atrapalhar e produzir a dor; e acolher as energias que os ajudavam a reduzir a dor. Logo após, foi feita a leitura e a repetição de uma frase trazida pela responsável, pelas estagiárias ou pelos participantes, como por exemplo, “os pensamentos ruins destroem as oportunidades e plantam o sofrimento do amanhã”, “é maravilhoso voltar para casa quando tantos não têm para onde ir” (DC 21/10/2015), “nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos” (DC 7/11/2015), entre outras.

Ao final, os participantes faziam auriculoterapia, método também advindo da MTC, utilizando pontos localizados no pavilhão auricular para tratar várias desordens do corpo1818 Livramento G, Franco T, Livramento A. A ginástica terapêutica e preventiva chinesa Lian Gong/Qi Gong como um dos instrumentos na prevenção e reabilitação da LER/DORT. Rev Bras Saúde Ocup. 2010;35(121):74-86.. Nesse caso, o estímulo foi feito por sementes de mostarda grudadas nos pontos específicos da orelha dos pacientes, sendo trocadas a cada 15 dias. Esse acabou sendo o momento mais íntimo entre pacientes e profissionais, pois, quando perguntado o que sentiam, acabavam tendo breves consultas, colocando-se as sementes onde era necessário e, por vezes, desabafando sobre algo que lhes incomodava em relação aos diversos aspectos da sua vida.

A partir das observações e das entrevistas realizadas, observou-se que o público com mais de 50 anos de idade foi o mais frequente, visto o horário e o dia em que foram realizadas podem ter sido uma barreira para que mais pessoas pudessem participar. Fato confirmado na resposta da responsável em relação ao público atendido pelo projeto: “Todos quiseram participar, mas devido ao horário, tivemos mais pessoas de idade. Porém, todos os que quiseram participar, podiam vir”.

A profissional responsável pelo grupo informou que os participantes aderiram ao projeto tanto por indicação médica, quanto por vontade própria, respeitando-se seus interesses e necessidades. Ao longo do período de coletas, a variação climática foi intensa, porém com pouca alteração na frequência do grupo, demostrando a motivação dos participantes em integrar esse coletivo.

DISCUSSÃO

A assiduidade dos participantes ao grupo foi algo que chamou atenção e pode ser justificada pela presença marcante do elemento lúdico durante o desenvolvimento das atividades propostas, como anotado no DC, em relação à espontaneidade: “[...] observando Julieta e Clóvis, conversavam de como era bom vir ao grupo, até que ela falou ‘faço coisas aqui que sempre senti vontade, mas que tinha vergonha, agora faço espontaneamente’, e ele confirmou balançando a cabeça” (DC 11/11/2015). Esse fato vai ao encontro da resposta de Rosa, profissional responsável pelo Grupo da Dor. Ela afirmou que o lúdico pode se constituir em qualquer atividade caracterizada pela “[...] descontração, para justamente as pessoas se sentirem à vontade no que estão fazendo e ficarem felizes e não ser uma coisa imposta; mas, sim, algo que faz com que elas se sintam bem” (Rosa).

Rosa acreditava que as atividades voltadas ao tratamento da dor, ao serem permeadas pelo elemento lúdico, favorecia, inclusive, a participação das pessoas, ao relacionarem o grupo aos bons sentimentos, à felicidade e à descontração. Reafirmam-se, assim, estudos que defendem o tratamento humanizado por meio de ambientes acolhedores que utilizem atividades lúdicas como forma de recuperação da saúde e distração da dor1919 Mendes LR, Broca PV, Ferreira, MA. A leitura mediada como estratégia de cuidado lúdico: contribuição ao campo da enfermagem fundamental. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):530-6.,2020 Mussa C, Malerbi FE. O impacto da atividade lúdica sobre o bem-estar de crianças hospitalizadas. Psicologia Teoria e Prática. 2008;10(2):83-93..

As concepções dos profissionais sobre a saúde e o cuidado com relação às práticas são variadas. Houve os que relacionaram as PIC com a individualização do cuidado, com a relação profissional-paciente, com o autocuidado, com as tecnologias leves e com o contexto biopsicossocial e espiritual dos pacientes. Por sua vez, os profissionais que não possuem formação em PIC não descreveram relação com essas práticas, nem com o estímulo terapêutico e natural do organismo2121 Schveitzer MC, Zoboli EL. Role of complementary therapies in the understanding of primary healthcare professionals: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(Spec no):184-91. English, Portuguese.. As PIC são aplicáveis como medidas não farmacológicas com a utilização do toque terapêutico, do reike, da fitoterapia, da terapia floral, da acupuntura, das terapias corporais, das práticas de meditação e relaxamento. O uso dessas práticas no controle da dor pode contribuir para um menor potencial de toxicidade que venha a ser ocasionado pelo uso de fármacos destinados ao controle da dor2222 Pereira RD, Silva WW, Ramos JC, Alvim NA, Pereira CD, Rocha TR. Práticas integrativas e complementares de saúde: revisão integrativa sobre medidas não farmacológicas à dor oncológica. Rev Enferm UFPE. 2014;9(2):710-7..

Nessa perspectiva, Rosa relatou que trabalhava na UBS e há um ano fundou o Grupo da Dor, percebendo que nele existem mais oportunidades de integração e de criação de vínculo com os participantes, particularmente considerando-se o modo como as atividades são desenvolvidas, que favorecem o protagonismo dos usuários. Embora as observações tenham mostrado que há um “roteiro” a ser seguido nos encontros, os participantes encontram espaços para serem ouvidos e para compartilharem suas opiniões sobre as atividades do grupo.

Nesse dia, o grupo iniciou a atividade com uma dança circular. Tocavam músicas bem calmas e os passos eram simples, porém, como alguém sempre esquecia de algum movimento, todos acabavam rindo, assim como a pessoa que errou. [...] ao final, uma senhora expôs sua opinião sobre aquele encontro, dizendo ter gostado muito, especialmente das músicas. [...]. (DC 7/11/2015).

Essa atenção ao elemento lúdico se mostra como um dos motivos de engajamento dos participantes ao grupo, fazendo pensar que o fazer em grupo torna-se mais relevante do que o fazer no grupo. Ou seja, o grupo é tão importante como a própria prática sugerida, como colocado por um participante:

[...] o ambiente que a gente forma no grupo é tão bom. No dia que eu falto, sinto que está faltando alguma coisa e nas quartas-feiras que não tem, sinto muito. Pra mim foi muito importante, eu nunca tinha participado de grupo e eu estou adorando (José Círio Floreiro).

Nas repercussões positivas nos âmbitos físicos, percebeu-se o sentimento de pertencimento a um grupo, à criação de uma identidade como ser integrante de algo que transcende o individualismo, corroborando as evidências da melhora e alívio das dores crônicas, promovendo um envelhecimento com qualidade, por meio de práticas em grupos que possibilitam a socialização2323 Silva AA, Amaral AP, Almeida FR, Lima MA. Percepção da utilização da auriculoterapia por profissionais de saúde de uma unidade de saúde da família do Recife: um estudo qualitativo. Rev Rios Saúde. 2018;1(7):69-78.. Assim, a rotina do grupo tornou-se um ponto de encontro, criando momentos de convivência para os integrantes, no qual podem conhecer as realidades de outras pessoas que também possuem dores, parecidas ou diferentes das suas e discorrer sobre tais vivências. Nesse sentido, foi algo muito sensível perceber a acolhida a uma nova integrante, como descrevemos a seguir:

[...] no momento da auriculoterapia, [...] as integrantes já foram dando as suas opiniões sobre o que elas achavam e incentivando uma nova integrante do grupo a também participar dessa atividade, dizendo ser maravilhoso e afirmando que ela não iria se arrepender [...]. (DC 11/11/2015).

A partir desses depoimentos, notou-se que o grupo se tornou um local do compartilhamento das mais variadas dores, visto que as formas de reação a uma dor nunca são idênticas por estarem carregadas de diversas condições sociais e culturais, além da própria história de cada pessoa33 Le Breton D. Compreender a dor: um estudo sobre a relação do homem com a dor física em diversos tempos e em diversas culturas. Rio Grande do Sul: Estrela Polar, 2007.. Por isso, a necessidade de se considerar as particularidades de cada indivíduo, pois mesmo que a dor esteja instalada em apenas um fragmento do corpo, as alterações nas relações transcendem o corpo físico individual, alcançando a totalidade da relação com o mundo. Desse modo, torna-se importante para aquele que sofre, mesmo que a mais banal das dores, ter sua experiência reconhecida pelo outro, no outro e a partir do outro. Portanto, o Grupo da Dor passa a ser um local de reconhecimento da subjetividade da dor de cada um pelo coletivo, corroborando a ideia que o próprio grupo é um espaço potencial para a cura.

Em estudo realizado em outro contexto, que teve por objetivo avaliar a presença da dor crônica em idosos praticantes da ginástica chinesa (Lian Gong/Qi Gong) e os idosos sedentários, o resultado mostra que a prática esteve relacionada com a diminuição do uso de fármacos, a percepção positiva da própria saúde, a inclusão de práticas de autonomia no cuidado de si e a impressão de menor impedimento para realizar atividades cotidianas1515 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2002.. Esses achados ratificam os dados encontrados a partir das entrevistas e observações desta pesquisa, sendo possível perceber a importância de todas as atividades que compõe o Grupo da Dor, em especial a prática do Lian Gong/Qi Gong, como relatado por Claudio: “Pra mim foi uma coisa muito boa, eu nunca tinha feito exercício em casa. Agora eu venho aqui, quando não tem, durante a semana eu faço um pouco desses exercícios e ajuda bastante na minha saúde” e por Adelaide: “Todos os exercícios são muito favoráveis, importantes, gratificantes e a sementinha também ajuda muito”.

Além disso, as observações possibilitaram captar momentos de explicações da responsável aos participantes, ao demostrar a importância dos movimentos afirmando: “[...] eles servem não só para o corpo, mas para a circulação de energia” (DC 11/11/2015). Os participantes destacaram as suas mudanças após o ingresso no grupo, para além das questões físicas, como demonstra Adelaide: “Melhoria, otimismo, alegria, bastante mudanças, coisas boas” e Julieta: [...] tudo que eu faço tem me ajudado muito. Porque antes eu era muito pra baixo, porque eu tenho minhas mãos assim (mostrou e tinha as mãos com algumas lesões que as tiravam do alinhamento corporal), isso porque tenho artrite. Faço biodança, ginástica na terça e quinta e às quartas feiras a gente sai de lá e vem para essa terapia, para mim tudo que eu faço, me ajuda.

As colocações indicaram zelo aos participantes que, aos poucos, fazem o exercício de “[...] mergulhar no mais íntimo do homem sofredor para tentar compreender como é que ele lida com um dado biológico para se apropriar dos seus comportamentos e qual o significado que lhe dá”33 Le Breton D. Compreender a dor: um estudo sobre a relação do homem com a dor física em diversos tempos e em diversas culturas. Rio Grande do Sul: Estrela Polar, 2007., para que, assim, consiga ter autonomia e capacidade para lidar, melhorar e resolver suas dores e, quem sabe, auxiliar outros que necessitam.

O número de pedidos específicos de sessões de fisioterapia, antes e após o ingresso no grupo, é desconhecido. Porém, a expectativa da profissional do Grupo da Dor pela diminuição das solicitações e maior autonomia do participante em atender a sua própria dor com utilização de recursos alternativos trabalhados no grupo (exercícios de Lian Gong/Qi Gong, meditação e auriculoterapia) têm sido acompanhados de outros bons retornos pelos participantes, como a manifestação de diminuição das dores, de satisfação, alegria, prazer, entusiasmo, entre outras relatadas.

CONCLUSÃO

O Grupo da Dor foi considerado uma importante ação para a melhoria da vida das pessoas envolvidas, por reconhecer o potencial de ações de humanização nas iniciativas terapêuticas atentas ao elemento lúdico não somente em relação à dor física, mas também, aos aspectos psicológicos e sociais.

  • Fontes de fomento: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2019
  • Aceito
    17 Set 2019
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