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Eficácia da hipnose no manejo da dor não procedimental: revisão sistemática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor tem um amplo impacto na saúde pública, apresentando um custo social que extrapola o financeiro. A hipnose mostra-se como recurso focal, breve e de baixo custo, com possibilidades efetivas de mudança no manejo da dor. O objetivo deste estudo foi verificar a eficácia da hipnose no manejo da dor não procedimental.

CONTEÚDO:

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura realizada em fevereiro de 2020. As buscas foram realizadas nas plataformas Pubmed, Cochrane, LILACS, Scielo e PsycInfo, utilizando-se os descritores “ensaio clínico”, “hipnose”, “manejo de dor”, “intensidade de dor” e “qualidade de vida”, totalizando 18 estudos após a avaliação de pares. A maioria dos estudos era randomizada, controlada por comparação da hipnose com tratamento padrão ou outra prática integrativa e centrava-se principalmente nos aspectos de intensidade, qualidade e interferência da dor como variável desfecho. Seis estudos fazem menção à qualidade de vida e apenas dois se referem à catastrofização como variável interveniente importante.

CONCLUSÃO:

A hipnose é uma técnica eficaz no manejo da dor, considerando que houve melhora no manejo da dor a partir da melhora em, pelo menos, um aspecto, seja intensidade, interferência ou qualidade da dor. No entanto, é preciso ressaltar importantes limitações dos estudos, como o tamanho reduzido das amostras e a complexidade de sistematização das técnicas subjetivas, o que evidencia a necessidade de mais ensaios clínicos, inclusive multicêntricos, de modo a garantir amostras maiores.

Descritores:
Dor não procedimental; Hipnose; Manejo da dor

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Pain has great impact on public health and presents a social cost which transcends the financial aspect. Hypnosis is a focal, quick and low-cost resource with effective change possibilities in pain management. The objective of this study was to identify evidence of the efficiency of hypnosis in pain management.

CONTENTS:

This study consists of a systematic literature review held in February 2020. Search was carried out in the Pubmed, Cochrane, LILACS, Scielo and PsycInfo platforms, using the keywords “clinical trials”, “hypnosis”, “pain management”, “pain intensity”, and “quality of life”, totalizing 18 studies after peer review. Most articles are randomized, controlled by comparing hypnosis to standard treatment or other integrative practices, and focus mainly on the aspects of intensity, quality and interference of pain as an outcome variable. Six studies mention quality of life and only two refer catastrophization as an important intervening variable.

CONCLUSION:

Hypnosis is an effective technique for pain management, considering that there was an improvement in pain management with the improvement of at least one aspect, be it intensity, interference or quality of pain. However, it’s necessary to highlight important limitations of the studies, such as the small sample size and the complexity of systematizing subjective techniques, which highlights the need for more clinical trials, including multicentric studies, so that larger samples can be obtained.

Keywords:
Hypnosis; Pain management; Non-procedural pain

INTRODUÇÃO

A dor é atualmente considerada uma doença propriamente dita, sendo a causa mais frequente de sofrimento e incapacidade, que compromete drasticamente a qualidade de vida (QV) de milhões de pessoas mundialmente11 Bonica JJ, Loeser JD. History of pain concepts and therapies. In: Loeser JD, Butler SH CC, Turk DC. Bonica's management of pain. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. 3-16p.. Estudos norte-americanos apresentam evidências de que 25 a 30% da população dos Estados Unidos da América sofrem com dor crônica11 Bonica JJ, Loeser JD. History of pain concepts and therapies. In: Loeser JD, Butler SH CC, Turk DC. Bonica's management of pain. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. 3-16p.. Estudos brasileiros encontraram resultados semelhantes, com 42% da amostra afetada por dor crônica em geral22 Vieira EB, Garcia JB, Silva AA, Mualem Araújo RL, Jansen RC. Prevalence, characteristics, and factors associated with chronic pain with and without neuropathic characteristics in São Luís, Brazil. J Pain Symptom Manage. 2012;44(2):239-51. e 25,6% por dor na articulação temporomandibular33 Gonçalves DA, Dal Fabbro AL, Campos JA, Bigal ME, Speciali JG. Symptoms of temporomandibular disorders in the population: an epidemiological study. J Orofac Pain. 2010;24(3):270-8..

Por ser reconhecida como uma experiência essencialmente subjetiva e multifatorial, a dor deve ser avaliada tanto em seus aspectos físicos, quanto nos emocionais e comportamentais a ela associados. Isto é corroborado pela tendência atual de priorizar - em termos de inovação tecnológica em saúde centrada no manejo de dor - técnicas em que se privilegia a atualização nos modos de relações interpessoais e no fortalecimento dos processos transdisciplinares na produção de conhecimento entre os profissionais de saúde. Nesta perspectiva, é possível destacar as diversas elaborações em torno da noção de integralidade, com as consequentes “tecnologias de integração” das práticas de saúde44 Silva JA, Ribeiro-Filho NP. A dor como um problema psicofísico. Rev Dor. 2011;12:138-51.. As primeiras Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) foram implementadas em 2006, com uma proposta de melhorar, em longo prazo, a QV da população assistida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A hipnose é reconhecida como uma prática integrativa pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC-SUS) em 2018.

A hipnose é descrita como um modo singular de comunicação, estabelecida através de uma relação de confiança (rapport), em que o paciente está mais receptivo às ideias apresentadas pelo hipnólogo, mostrando-se mais motivado a explorar seus recursos internos no manejo de suas respostas e comportamentos frente ao adoecimento55 Erickson M. H. An Introduction to the Study and Application of Hypnosis for Pain Control In: Lassner J. editor. Hypnosis and Psychosomatic Medicine [Internet]. 1st ed. Berlin, Heidelberg: Springer; 1967.; [cited 2021 Mar 7]; p. 83-90. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-642-87028-6_11
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Entre os efeitos esperados da hipnose no âmbito individual estão: o favorecimento do processo de mudança; a estimulação da plasticidade neuronal; a comunicação mais efetiva; a melhoria nos relacionamentos/conexões; a ampliação de sensações, percepções, pensamentos e comportamentos; a quebra de crenças limitantes e a aprendizagem através do acesso ao inconsciente. A partir dessas premissas, a técnica da hipnose pode ser ensinada e autoaplicada, contribuindo para que o usuário esteja implicado efetivamente em seu tratamento, podendo, inclusive, tornar-se um multiplicador em sua comunidade55 Erickson M. H. An Introduction to the Study and Application of Hypnosis for Pain Control In: Lassner J. editor. Hypnosis and Psychosomatic Medicine [Internet]. 1st ed. Berlin, Heidelberg: Springer; 1967.; [cited 2021 Mar 7]; p. 83-90. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-642-87028-6_11
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No âmbito coletivo, há evidências de que a hipnose é uma abordagem terapêutica de simples aplicação, baixo custo, boa receptividade e efetividade, que utilizada na Atenção Básica em Saúde pode reduzir as internações hospitalares, além de restringir a prescrição abusiva de fármacos e de pedidos de exames complementares, modificando a morbidade hospitalar66 Souza JMC. Hipnose clínica: uma alternativa resolutiva e de qualidade para o programa saúde da família. Rev Bras Hipnose. 2018;29(1):21-9.

Dentre os procedimentos hipnóticos utilizados no manejo da dor destacam-se: 1) sugestão hipnótica direta para supressão total da dor; 2) permissão hipnótica indireta para supressão da dor; 3) amnésia hipnótica; 4) analgesia e anestesia; 5) substituição de sintoma e sensação; 6) distorção do tempo e reenquadre; 7) anestesia hipnótica indireta via dissociação55 Erickson M. H. An Introduction to the Study and Application of Hypnosis for Pain Control In: Lassner J. editor. Hypnosis and Psychosomatic Medicine [Internet]. 1st ed. Berlin, Heidelberg: Springer; 1967.; [cited 2021 Mar 7]; p. 83-90. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-642-87028-6_11
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Observa-se que a indução hipnótica não está restrita apenas ao aspecto analgésico, tendo, inclusive, superioridade comprovada em alguns estudos quando comparada com outras práticas, devido ao seu significativo fator de impacto na redução de ansiedade, depressão e estresse associados à dor77 Ardigo S, Herrmann FR, Moret V, Déramé L, Giannelli S, Gold G, et al. Hypnosis can reduce pain in hospitalized older patients: a randomized controlled study. BMC Geriatr. 2016;16(1):14.,88 Eli I. Hypnosis as a treatment modality for chronic pain management: level of evidence. J Oral Facial Pain Headache. 2016;30(2):85-6.. Em metanálise foram identificados pelo menos seis estudos em que a hipnose apresentou resultado superior no manejo de diferentes tipos de dor crônica99 Adachi T, Fujino H, Nakae A, Mashimo T, Sasaki J. A meta-analysis of hypnosis for chronic pain problems: a comparison between hypnosis, standard care, and other psychological interventions. Int J Clin and Exp Hyp. 2014;62(1):1-28. em comparação a outras intervenções psicológicas.

Como contribuição para a difusão da hipnose como prática clínica no contexto da saúde pública brasileira, é necessário ressaltar duas experiências em universidades de São Paulo. Primeiramente, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que utiliza as técnicas de hipnose desde 1995 com o intuito de auxiliar no tratamento de pacientes com ansiedade e dores crônicas, parturientes, e em casos de sedação para cirurgias de pequeno e grande porte. Posteriormente, há a criação em 1999 do Grupo de Estudos de Hipnose da Universidade Federal de São Paulo (GEH-UNIFESP), uma entidade cujo objetivo principal é fornecer um espaço para troca de conhecimentos, reflexões, pesquisas e práticas terapêuticas entre profissionais da área da saúde e afins sobre a hipnose e outros estados modificados de consciência.

Contudo, apesar da existência de uma considerável produção acadêmica que retrata as evidências desta prática clínica, a produção científica sobre a hipnose no Brasil tem privilegiado a elaboração de dissertações teóricas ou estudos observacionais, deixando o campo dos estudos experimentais ainda pouco explorado. Isto justifica a necessidade de recorrer a produções estrangeiras com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre a hipnose nesse campo específico.

Uma análise inicial desse material demonstrou que nas revisões e metanálises pesquisadas há uma inclusão indiferenciada de estudos em que a hipnose é aplicada tanto em situações em que a manifestação dolorosa ocorre de forma espontânea quanto nas que a dor é decorrente de um procedimento, cirurgias ou troca de curativos ou é induzida artificialmente, como no caso de dor induzida por pressão, choques ou exposição ao frio.

Diante da compreensão de que a dor é um processo altamente subjetivo, influenciado tanto por fatores biológicos como psicossociais, surge a necessidade de investigar o quanto a técnica hipnótica é eficaz especificamente no manejo da dor espontânea, nomeada, para efeitos desta pesquisa, como dor não procedimental.

No intuito de contribuir com a retomada da produção de conhecimento sobre o tema, esta revisão sistemática buscou recolher, em ensaios clínicos realizados, evidências que apontassem a eficácia da hipnose no alívio da dor a fim de fortalecer as práticas integrativas por meio da inserção da pesquisa clínica no padrão-ouro de qualidade de evidências.

CONTEÚDO

Para delineamento do estudo, utilizou-se a estratégia PICO, em que foram selecionados ensaios clínicos controlados conforme três tipos de controle: 1) tomada de várias medidas do mesmo grupo ao longo de uma intervenção, estudos de antes e depois; 2) grupos placebo, quando uma abordagem neutra é aplicada e 3) comparados com outras terapias, sempre associados a um tratamento padrão, no qual a hipnose é avaliada quanto à sua eficácia no manejo da dor. Foram incluídos nesta pesquisa apenas ensaios clínicos em que um dos desfechos principais fosse intensidade/interferência/qualidade da dor e/ou QV.

Os critérios de exclusão foram estudos publicados antes de 2000, bem como artigos duplicados e estudos que não disponibilizaram acesso ao seu conteúdo na íntegra. Artigos de revisão e metanálise também foram descartados. Por ter sido avaliado como uma importante fonte de viés para esta pesquisa, também foram excluídos artigos em que o estímulo doloroso foi provocado artificialmente - não sendo uma resposta natural a uma condição clínica anterior - assim como estudos em que a dor estava restrita a uma intervenção procedimental.

As variáveis intensidade, interferência e qualidade da dor foram definidas como desfecho primário. Para fins desta revisão, considerou-se que uma melhora em pelo menos um escore dessas variáveis constituiria uma melhora na qualidade do manejo da dor. Alguns estudos usaram escalas de dor específicas para o tipo de doença analisada, como o Multidimensional Haemophilia Pain Questionnaire (MHPQ)1010 Paredes AC, Costa P, Fernandes S, Lopes M, Carvalho M, Almeida A, et al. Effectiveness of hypnosis for pain management and promotion of health-related quality-of-life among people with haemophilia: a randomised controlled pilot trial. Sci Rep. 2019;9(1):13399.. Entretanto, alguns instrumentos foram utilizados recorrentemente como: autorrelato da dor, Escala Analógica Visual (EAV), Numerical Rating Scale (NRS), The Brief Pain Inventory (BPI) e The McGill Pain Questionnaire. A variável QV também figurou como desfecho secundário importante e, embora muitos artigos lhe façam referência, poucos de fato a incluíram em sua análise final. Contudo, quando inserida, foram aplicados os instrumentos Health-Related Quality of Life (HRQOL), o questionário de QV SF-36 em suas duas versões, além de questionários desenvolvidos especificamente para determinadas doenças.

Estratégia de busca

Utilizou-se como base o manual “Diretrizes metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados”, do Ministério da Saúde1111 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Diretrizes metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados [Internet]. 1ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012; [cited 2021 Mar 7]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_elaboracao_sistematica.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
, que utiliza os checklists da Cochrane, da Consort e o sistema GRADE como referências para estabelecer os filtros de pesquisa para ensaios clínicos, assim como as orientações para a coleta de dados. A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados eletrônicas: Pubmed, Cochrane Library, LILACS, Scielo e PsycInfo. A busca foi efetuada em fevereiro de 2020 com as seguintes combinações de descritores: (((((randomized controlled trial [pt] OR controlled clinical trial [pt] OR randomized controlled trials [mh] OR random allocation [mh] OR double-blind method [mh] OR single-blind method [mh] OR clinical trial [pt] OR clinical trials[mh] OR (“clinical trial”[tw]) OR ((singl*[tw] OR doubl*[tw] OR trebl*[tw] OR tripl*[tw]) AND (mask*[tw] OR blind*[tw])) OR (placebos [mh] OR placebo* [tw] OR random* [tw] OR research design [mh:noexp] OR comparative study [pt] OR evaluation studies as topic [mh] OR follow-up studies [mh] OR prospective studies [mh] OR control* [tw] OR prospective* [tw] OR volunteer* [tw]) NOT (animals [mh] NOT humans [mh])))))) AND (((((((((“hypnoses”) OR “hypnose”) OR “hypnosetherapie”) OR “hypnosuggestion”) OR “hypnosis”) OR “hypnotherapie”) OR “hypnotherapy”)))) AND “pain management”) AND (((((((“pain intensity”) OR “pain intensity/interference”) OR “pain quantity”)))) OR ((((“quality of life”) OR “life stile”) OR “value of life”))).

Foi realizada uma segunda busca em novembro de 2020 com o intuito de verificar a existência de novas publicações entre fevereiro e novembro de 2020. Contudo, todos os estudos que foram publicados nesse período foram excluídos ou por estarem ainda em andamento ou por não terem relatos completos acessíveis. As referências dos artigos primários foram examinadas e incluídas ao final da análise preliminar, respeitando os critérios de inclusão/exclusão. As revisões sistemáticas e metanálises encontradas na busca inicial tiveram suas referências analisadas e incluídas.

Seleção/extração de dados e qualidade de evidências

Todas as referências foram submetidas à análise de dois avaliadores independentes, conforme o protocolo de inclusão/exclusão, seguida de reunião de conciliação com posterior submissão a um terceiro avaliador quando necessário desempate. Em seguida, foi criado um banco de dados no Excel para registro, organização e sintetização das informações essenciais ao estudo e para facilitar posterior análise. Foram coletadas e registradas as seguintes variáveis: autor, título, revista ou periódico de publicação, ano de publicação, doença associada ao quadro de dor, tipo de controle placebo, tratamento padrão ou outra intervenção integrativa, número de participantes, variável desfecho primária intensidade/interferência da dor, variável desfecho secundária QV, instrumentos utilizados para aferição do desfecho, resultados/conclusões dos estudos.

Quanto à avaliação do risco de viés, elegeu-se como norteadora a ferramenta de colaboração Cochrane1212 Carvalho APVD, Silva V, Grande AJ. Avaliação do risco de viés de ensaios clínicos randomizados pela ferramenta da colaboração Cochrane. Diagn Tratamento. 2013:38-44., que estipula seis domínios para avaliação subjetiva: 1) viés de seleção, subdividido em geração de sequência aleatória, randomização e ocultação de alocação; 2) viés de desempenho por cegamento dos participantes e profissionais; 3) viés de detecção por cegamento de avaliadores de desfecho; 4) viés de atrito com desfechos incompletos; 5) viés de relato pelo relato de desfechos seletivos e 6) outros vieses. Cada um desses domínios obteve uma avaliação relativa às categorias de baixo risco, alto risco ou risco incerto. Por conta da complexidade e como preconizado na ferramenta Cochrane, os domínios 4, 5 e 6 - por serem mais complexos subjetivamente - foram avaliados por dois avaliadores independentes.

Estudos incluídos

A pesquisa efetuada nos bancos de dados virtuais indicou um total de 107 estudos potenciais: Pubmed (63); Cochrane Library (27); LILACS (2); Scielo (0) e PsycInfo (15). Depois de eliminados os estudos duplicados, foram contabilizados 88 registros. Destes, um artigo não apresentou relato completo e por isso foi excluído. Vinte artigos foram selecionados para avaliação de relato na íntegra, porém apenas 18 atenderam aos requisitos de inclusão/exclusão para submissão à análise qualitativa. A figura 1 exibe o fluxograma do processo de busca e seleção realizado para esta revisão.

Figura 1
Fluxograma de busca e seleção dos estudos

A amostra total obtida dos 18 estudos selecionados foi de 1426 pacientes, variando de 8 a 527 participantes por estudo. A idade média dos participantes foi de aproximadamente 48 anos. As doenças associadas ao quadro álgico foram: três estudos sobre esclerose múltipla1313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97.

14 Jensen MP, Ehde DM, Gertz KJ, Stoelb BL, Dillworth TM, Hirsh AT, et al. Effects of self-hypnosis training and cognitive restructuring on daily pain intensity and catastrophizing in individuals with multiple sclerosis and chronic pain. Int J Clin Exp Hypn. 2011;59(1):45-63.
-1515 Jensen MP, Barber J, Romano JM, Molton IR, Raichle KA, Osborne TL, et al. A comparison of self-hypnosis versus progressive muscle relaxation in patients with multiple sclerosis and chronic pain. Int J Clin Exp Hypn. 2009;57(2):198-221.; três sobre câncer1616 Stoerkel E, Bellanti D, Paat C, Peacock K, Aden J, Setlik R, et al. Effectiveness of a self-care toolkit for surgical breast cancer patients in a military treatment facility. The J Altern Complement Med. 2018;24(9-10):916-25.

17 Mendoza ME, Capafons A, Gralow JR, Syrjala KL, Suárez-Rodríguez JM, Fann JR, et al. Randomized controlled trial of the Valencia model of waking hypnosis plus CBT for pain, fatigue, and sleep management in patients with cancer and cancer survivors. Psychooncology. 2017;26(11):1832-8.
-1818 Jensen MP, Gralow JR, Braden A, Gertz KJ, Fann JR, Syrjala KL. Hypnosis for symptom management in womenwith breast cancer:a pilot study. Int J Clin Exp Hypn. 2012;60(2):135-59.; um, hemofilia1010 Paredes AC, Costa P, Fernandes S, Lopes M, Carvalho M, Almeida A, et al. Effectiveness of hypnosis for pain management and promotion of health-related quality-of-life among people with haemophilia: a randomised controlled pilot trial. Sci Rep. 2019;9(1):13399.; um, queimaduras1919 Jafarizadeh H, Lotfi M, Ajoudani F, Kiani A, Alinejad V. Hypnosis for reduction of background pain and pain anxiety in men with burns: a blinded, randomised, placebo-controlled study. Burns. 2018;44(1):108-17.; um, fibromialgia2020 Castel A, Pérez M, Sala J, Padrol A, Rull M. Effect of hypnotic suggestion on fibromyalgic pain: comparison between hypnosis and relaxation. Eur J Pain. 2007;11(4):463-8.; um, lesão de plexo braquial2121 Razak I, Chung TY, Ahmad TS. A comparative study of two modalities in pain management of patients presenting with chronic brachial neuralgia. J Altern Complement Med. 2019;25(8):861-7.; um, dor crônica em idosos88 Eli I. Hypnosis as a treatment modality for chronic pain management: level of evidence. J Oral Facial Pain Headache. 2016;30(2):85-6.; um, dor intolerável2222 Garland EL, Baker AK, Larsen P, Riquino MR, Priddy SE, Thomas E, et al. Randomized controlled trial of brief mindfulness training and hypnotic suggestion for acute pain relief in the hospital setting. J Gen Intern Med. 2017;32(10):1106-13.; um, deficiência2323 Jensen MP, Hanley MA, Engel JM, Romano JM, Barber J, Cardenas DD, et al. Hypnotic analgesia for chronic pain in persons with disabilities: a case series. Int J Clin Exp Hypn. 2005;53(2):198-228.; um, lesão pós-traumática2424 Patterson DR, Jensen MP, Wiechman SA, Sharar SR. Virtual reality hypnosis for pain associated with recovery from physical trauma. Int J Clin Exp Hypn. 2010;58(3):288-300.; um, lesão medular2525 Jensen MP, Barber J, Romano JM, Hanley MA, Raichle KA, Molton IR, et al. Effects of self-hypnosis training and EMG biofeedback relaxation training on chronic pain in persons with spinal-cord injury. Int J Clin Exp Hypn. 2009;57(3):239-68.; um, dor muscular2626 Grøndahl JR, Rosvold EO. Hypnosis as a treatment of chronic widespread pain in general practice: a randomized controlled pilot trial. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9(1):124.; um, pacientes em cuidado paliativo2727 Vanhaudenhuyse A, Gillet A, Malaise N, Salamun I, Barsics C, Grosdent S, et al. Efficacy and cost-effectiveness: a study of different treatment approaches in a tertiary pain centre. Eur J Pain. 2015;19(10):1437-46.; e um, dor lombar crônica2828 Tan G, Rintala DH, Jensen MP, Fukui T, Smith D, Williams W. A randomized controlled trial of hypnosis compared with biofeedback for adults with chronic low back pain. Eur J Pain. 2015;19(2):271-80.. A tabela 1 mostra o resumo das principais características dos estudos incluídos.

Tabela 1
Características dos estudos incluídos por ordem cronológica decrescente

Variáveis primárias

Dor

Dos ensaios clínicos selecionados, há diferentes nomenclaturas para a variável desfecho referente à “quantidade de dor”. Alguns instrumentos usam o termo “intensidade da dor” para medir o nível de dor propriamente dito; e “interferência da dor” para medir o nível de impacto que a dor acarreta à vida cotidiana do participante. Para fins desta pesquisa, considerou-se como um manejo positivo da dor a redução significativa de, pelo menos, uma dessas variáveis.

A maioria dos estudos empregou mais de um descritor da dor como desfecho. Quinze estudos utilizaram a “intensidade da dor” e sete contemplaram a “interferência da dor”. Apenas um estudo incluiu a categoria “qualidade da dor”, sem, no entanto, definir o termo. Três estudos avaliaram a intensidade da dor por meio da EAV1919 Jafarizadeh H, Lotfi M, Ajoudani F, Kiani A, Alinejad V. Hypnosis for reduction of background pain and pain anxiety in men with burns: a blinded, randomised, placebo-controlled study. Burns. 2018;44(1):108-17.,2020 Castel A, Pérez M, Sala J, Padrol A, Rull M. Effect of hypnotic suggestion on fibromyalgic pain: comparison between hypnosis and relaxation. Eur J Pain. 2007;11(4):463-8.,2727 Vanhaudenhuyse A, Gillet A, Malaise N, Salamun I, Barsics C, Grosdent S, et al. Efficacy and cost-effectiveness: a study of different treatment approaches in a tertiary pain centre. Eur J Pain. 2015;19(10):1437-46. e sete utilizaram a NRS1313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97.

14 Jensen MP, Ehde DM, Gertz KJ, Stoelb BL, Dillworth TM, Hirsh AT, et al. Effects of self-hypnosis training and cognitive restructuring on daily pain intensity and catastrophizing in individuals with multiple sclerosis and chronic pain. Int J Clin Exp Hypn. 2011;59(1):45-63.
-1515 Jensen MP, Barber J, Romano JM, Molton IR, Raichle KA, Osborne TL, et al. A comparison of self-hypnosis versus progressive muscle relaxation in patients with multiple sclerosis and chronic pain. Int J Clin Exp Hypn. 2009;57(2):198-221.,1717 Mendoza ME, Capafons A, Gralow JR, Syrjala KL, Suárez-Rodríguez JM, Fann JR, et al. Randomized controlled trial of the Valencia model of waking hypnosis plus CBT for pain, fatigue, and sleep management in patients with cancer and cancer survivors. Psychooncology. 2017;26(11):1832-8.,1818 Jensen MP, Gralow JR, Braden A, Gertz KJ, Fann JR, Syrjala KL. Hypnosis for symptom management in womenwith breast cancer:a pilot study. Int J Clin Exp Hypn. 2012;60(2):135-59.,2424 Patterson DR, Jensen MP, Wiechman SA, Sharar SR. Virtual reality hypnosis for pain associated with recovery from physical trauma. Int J Clin Exp Hypn. 2010;58(3):288-300.,2525 Jensen MP, Barber J, Romano JM, Hanley MA, Raichle KA, Molton IR, et al. Effects of self-hypnosis training and EMG biofeedback relaxation training on chronic pain in persons with spinal-cord injury. Int J Clin Exp Hypn. 2009;57(3):239-68.. Quatro estudos fizeram uso do McGill Pain Questionnaire para mensurar a dor88 Eli I. Hypnosis as a treatment modality for chronic pain management: level of evidence. J Oral Facial Pain Headache. 2016;30(2):85-6.,1313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97.,1919 Jafarizadeh H, Lotfi M, Ajoudani F, Kiani A, Alinejad V. Hypnosis for reduction of background pain and pain anxiety in men with burns: a blinded, randomised, placebo-controlled study. Burns. 2018;44(1):108-17.,2020 Castel A, Pérez M, Sala J, Padrol A, Rull M. Effect of hypnotic suggestion on fibromyalgic pain: comparison between hypnosis and relaxation. Eur J Pain. 2007;11(4):463-8. e seis utilizaram o BPI88 Eli I. Hypnosis as a treatment modality for chronic pain management: level of evidence. J Oral Facial Pain Headache. 2016;30(2):85-6.,1414 Jensen MP, Ehde DM, Gertz KJ, Stoelb BL, Dillworth TM, Hirsh AT, et al. Effects of self-hypnosis training and cognitive restructuring on daily pain intensity and catastrophizing in individuals with multiple sclerosis and chronic pain. Int J Clin Exp Hypn. 2011;59(1):45-63.,1515 Jensen MP, Barber J, Romano JM, Molton IR, Raichle KA, Osborne TL, et al. A comparison of self-hypnosis versus progressive muscle relaxation in patients with multiple sclerosis and chronic pain. Int J Clin Exp Hypn. 2009;57(2):198-221.,2121 Razak I, Chung TY, Ahmad TS. A comparative study of two modalities in pain management of patients presenting with chronic brachial neuralgia. J Altern Complement Med. 2019;25(8):861-7.,2323 Jensen MP, Hanley MA, Engel JM, Romano JM, Barber J, Cardenas DD, et al. Hypnotic analgesia for chronic pain in persons with disabilities: a case series. Int J Clin Exp Hypn. 2005;53(2):198-228.,2828 Tan G, Rintala DH, Jensen MP, Fukui T, Smith D, Williams W. A randomized controlled trial of hypnosis compared with biofeedback for adults with chronic low back pain. Eur J Pain. 2015;19(2):271-80.. No estudo 1 foi aplicado um questionário próprio para a hemofilia, o MHPQ, para avaliar a intensidade da dor associada. O estudo 1 também utilizou o Patient-Reported Outcomes Measurement Information System (PROMIS) e o estudo 5 recorreu ao Privately Completed A Brief Self-Report Assessment of Patient-Reported Outcomes (PROs). O estudo 9 utilizou o The Pain Disability Index (PDI), enquanto o estudo 16 usou um questionário de própria autoria. Dos 18 estudos escolhidos, 16 identificaram uma redução significativa da intensidade ou interferência da dor. Apenas um estudo não encontrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à intensidade da dor, embora relatem a ocorrência de uma redução significativa na qualidade da dor1919 Jafarizadeh H, Lotfi M, Ajoudani F, Kiani A, Alinejad V. Hypnosis for reduction of background pain and pain anxiety in men with burns: a blinded, randomised, placebo-controlled study. Burns. 2018;44(1):108-17.. Em um dos estudos não foi possível identificar a resolução da variável desfecho2626 Grøndahl JR, Rosvold EO. Hypnosis as a treatment of chronic widespread pain in general practice: a randomized controlled pilot trial. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9(1):124..

Variáveis secundárias

Qualidade de vida

Seis estudos mencionam a QV como uma variável desfecho secundária1010 Paredes AC, Costa P, Fernandes S, Lopes M, Carvalho M, Almeida A, et al. Effectiveness of hypnosis for pain management and promotion of health-related quality-of-life among people with haemophilia: a randomised controlled pilot trial. Sci Rep. 2019;9(1):13399.,1313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97.,1616 Stoerkel E, Bellanti D, Paat C, Peacock K, Aden J, Setlik R, et al. Effectiveness of a self-care toolkit for surgical breast cancer patients in a military treatment facility. The J Altern Complement Med. 2018;24(9-10):916-25.,2121 Razak I, Chung TY, Ahmad TS. A comparative study of two modalities in pain management of patients presenting with chronic brachial neuralgia. J Altern Complement Med. 2019;25(8):861-7.,2626 Grøndahl JR, Rosvold EO. Hypnosis as a treatment of chronic widespread pain in general practice: a randomized controlled pilot trial. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9(1):124.,2727 Vanhaudenhuyse A, Gillet A, Malaise N, Salamun I, Barsics C, Grosdent S, et al. Efficacy and cost-effectiveness: a study of different treatment approaches in a tertiary pain centre. Eur J Pain. 2015;19(10):1437-46., porém dois deles não relatam o desfecho dessas variáveis ao longo do artigo1313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97.,2626 Grøndahl JR, Rosvold EO. Hypnosis as a treatment of chronic widespread pain in general practice: a randomized controlled pilot trial. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9(1):124.. Três apontam para uma melhoria significativa da QV1010 Paredes AC, Costa P, Fernandes S, Lopes M, Carvalho M, Almeida A, et al. Effectiveness of hypnosis for pain management and promotion of health-related quality-of-life among people with haemophilia: a randomised controlled pilot trial. Sci Rep. 2019;9(1):13399.,2121 Razak I, Chung TY, Ahmad TS. A comparative study of two modalities in pain management of patients presenting with chronic brachial neuralgia. J Altern Complement Med. 2019;25(8):861-7.,2727 Vanhaudenhuyse A, Gillet A, Malaise N, Salamun I, Barsics C, Grosdent S, et al. Efficacy and cost-effectiveness: a study of different treatment approaches in a tertiary pain centre. Eur J Pain. 2015;19(10):1437-46. e um não encontrou diferença significativa entre os grupos1616 Stoerkel E, Bellanti D, Paat C, Peacock K, Aden J, Setlik R, et al. Effectiveness of a self-care toolkit for surgical breast cancer patients in a military treatment facility. The J Altern Complement Med. 2018;24(9-10):916-25..

Os instrumentos adotados foram: Haemophilia-Related Quality-of-life (A36-Hemoflia QoL)1010 Paredes AC, Costa P, Fernandes S, Lopes M, Carvalho M, Almeida A, et al. Effectiveness of hypnosis for pain management and promotion of health-related quality-of-life among people with haemophilia: a randomised controlled pilot trial. Sci Rep. 2019;9(1):13399. em um estudo, European Organisation for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core 30 (EORTC QLQC30)1616 Stoerkel E, Bellanti D, Paat C, Peacock K, Aden J, Setlik R, et al. Effectiveness of a self-care toolkit for surgical breast cancer patients in a military treatment facility. The J Altern Complement Med. 2018;24(9-10):916-25. em um estudo, General Health Questionnaire-281313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97. em um estudo, uma das versões do Short Form Health Survey (SF36)2121 Razak I, Chung TY, Ahmad TS. A comparative study of two modalities in pain management of patients presenting with chronic brachial neuralgia. J Altern Complement Med. 2019;25(8):861-7.,2727 Vanhaudenhuyse A, Gillet A, Malaise N, Salamun I, Barsics C, Grosdent S, et al. Efficacy and cost-effectiveness: a study of different treatment approaches in a tertiary pain centre. Eur J Pain. 2015;19(10):1437-46. em dois estudos e um estudo utilizou questionário próprio2626 Grøndahl JR, Rosvold EO. Hypnosis as a treatment of chronic widespread pain in general practice: a randomized controlled pilot trial. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9(1):124..

Outras variáveis

Catastrofização

Alguns estudos avaliaram ansiedade e depressão. Porém, uma variável que tem se destacado como interferência significativa na percepção da dor é a catastrofização. Sabe-se que o estudo do papel da catastrofização é relativamente recente na literatura cinzenta; por esta razão, apenas um dos estudos mais recentes apresenta esta variável como um dos desfechos primários.

Risco de viés

Para avaliar os artigos quanto ao risco de viés baixo, alto ou incerto, utilizou-se a ferramenta de colaboração Cochrane, que subdivide os riscos em sete domínios diferentes. A figura 2 apresenta um resumo dos riscos por domínio para cada estudo, ao passo que a figura 3 exibe as porcentagens referentes ao julgamento dos revisores para cada domínio. Vale frisar as diferenças práticas e metodológicas entre ensaios clínicos farmacológicos e não farmacológicos. Grupos como o Consort já possuem checklists específicas para atender às especificidades de ensaios não farmacológicos. Muitas práticas integrativas, devido à sua complexidade clínica, dificultam o processo de cegamento dos participantes e profissionais, o que não necessariamente compromete a qualidade da evidência. Nesta revisão, um ensaio1313 Hosseinzadegan F, Radfar M, Shafiee-Kandjani AR, Sheikh N. Efficacy of self-hypnosis in pain management in female patients with multiple sclerosis. Int J Clin Exp Hypn. 2017;65(1):86-97. mostrou-se com viés alto de cegamento, comprometendo a qualidade dos resultados. Observou-se durante a análise um ponto em comum nos artigos: a ausência de descrição do processo de ocultação da alocação, o que justifica que 55,5% dos estudos tenham sido classificados como risco incerto quanto a este domínio. Apenas um dos estudos1616 Stoerkel E, Bellanti D, Paat C, Peacock K, Aden J, Setlik R, et al. Effectiveness of a self-care toolkit for surgical breast cancer patients in a military treatment facility. The J Altern Complement Med. 2018;24(9-10):916-25. apresentou classificação de baixo risco de viés em todos os domínios. Entretanto, pode-se dizer que, de modo geral, os estudos tiveram, quanto à qualidade metodológica, um baixo risco de viés.

Figura 2
Análise do risco de viés segundo a ferramenta Cochrane por ordem cronológica descendente

Figura 3
Porcentagens de risco de viés para cada domínio segundo a ferramenta Cochrane

DISCUSSÃO

A técnica da hipnose pode ser utilizada em diferentes abordagens, incluindo em seu escopo: técnicas de distração, uso de metáforas, visualização guiada, induções para anestesia/analgesia, uso de submodalidades e auto-hipnose. Alguns estudos compararam diferentes abordagens hipnóticas, porém todas elas demonstraram resultados similares quanto ao manejo da dor. Um estudo, no entanto, comparou uma intervenção realizada com um kit de mídia e outra intervenção em que o profissional aplicou ou ensinou a técnica presencialmente, revelando uma superioridade da intervenção presencial e uma eficácia ainda maior quando as duas abordagens são combinadas.

Nota-se, portanto, que o uso de kits de mídia como ferramenta de abordagem hipnótica possibilita a ampliação do número de participantes dos estudos, apresentando resultados positivos, porém não substitui a orientação direta de um profissional habilitado.

Foram identificados três tipos de estudo referentes a ensaios clínicos com a utilização da hipnose: estudos sequenciais, cujo controle é o próprio grupo de intervenção, com comparações entre as medidas ao longo do decorrer do estudo; crossover, nos quais os grupos de intervenção e controle são trocados de lugar em um determinado momento do estudo; e paralelos, em que se utilizam um ou mais controles para uma determinada intervenção. Estudos sequenciais e crossover têm as limitações da variável tempo, porém possibilitam que se visualize a manutenção do efeito da intervenção em médio e longo prazo. Já os estudos paralelos permitem a análise da superioridade do tratamento da hipnose em relação a outras abordagens.

Os controles encontrados nestes estudos foram: acupuntura, mindfulness, abordagens educacionais, relaxamento, massagem, fisioterapia, restruturação cognitiva, placebo e tratamento padrão.

Diferente da abordagem farmacológica, o uso de práticas integrativas, devido a seu caráter altamente subjetivo, apresenta dificuldades quanto ao cegamento dos participantes. No entanto, nos estudos avaliados nesta revisão, concluiu-se que o cegamento foi um viés de baixo risco para a interpretação dos resultados obtidos.

Quanto aos desfechos primários, é possível verificar por meio da análise dos estudos incluídos que a hipnose tem mostrado boa eficácia no manejo da dor quando associada ao tratamento padrão normalmente farmacológico. Cabe ressaltar que esta prática integrativa não se propõe a substituir o tratamento farmacológico, podendo, todavia, interferir na dose requerida, uma vez que atua na redução da intensidade da dor. Mesmo quando comparada a outras abordagens integrativas, a hipnose apresenta uma superioridade em termos de eficácia na redução da intensidade/interferência da dor.

Em relação aos desfechos secundários, alguns estudos demonstraram uma melhora na QV concomitante à redução da intensidade/interferência da dor. Entretanto, um estudo indicou uma ausência de diferença significativa da QV entre os dois grupos, mesmo havendo redução da dor.

Isso pode ser explicado por aquilo que estudos mais recentes têm identificado como uma importante fonte de viés nos achados de QV: a variável catastrofização. Tal variável tem impacto significativo na percepção de QV dos participantes. Índices altos nas escalas de pensamento catastrófico costumam aparecer relacionados a baixos índices de QV, principalmente nos segmentos dos questionários dedicados aos aspectos emocionais e sociais.

Uma tendência dos estudos atuais é incluir em seus protocolos o controle desta variável, assim como o controle das variáveis ansiedade e depressão, razão pela qual o uso de questionários e escalas que meçam essas variáveis tem sido cada vez mais utilizado nas pesquisas, mesmo quando não são considerados como desfecho.

Muitos especialistas acreditam que a hipnotizabilidade, isto é, a capacidade de um indivíduo responder à sugestão hipnótica, é uma variável importante, mas não foram observadas correlações significativas com o manejo da dor.

Quanto a efeitos adversos, nenhum estudo selecionado identificou riscos potenciais do uso de hipnose nem consecutivos efeitos adversos para os usuários.

Algumas limitações presentes neste estudo impedem a realização de uma metanálise. Apesar de muitos dos estudos possuírem baixo risco de viés, há uma heterogeneidade significativa entre os tipos de controle utilizados, assim como as modalidades de hipnose descritas, o que inviabiliza a comparação.

Optou-se por privilegiar artigos publicados a partir do ano 2000 em virtude do maior rigor apresentado nos delineamentos de estudo e melhora na qualidade das evidências observadas a partir deste corte. Contudo, um fator observado representou um importante viés: uma parte considerável dos estudos avaliados está limitada ao mesmo círculo de pesquisadores e periódicos específicos. Alguns estudos se aproveitaram de bancos amostrais levantados em estudos pregressos. Verificou-se que os estudos mais antigos apresentaram maior disponibilidade de compartilhamento de dados, enquanto os estudos mais recentes aderem com menor frequência à política de dados abertos. Constatou-se uma retomada do interesse da comunidade científica em estudar o tema, dado o aumento das produções escritas após um período de estagnação. A inclusão em 2018 da hipnose como prática integrativa da política assistencial no SUS é um considerável incentivo para que os especialistas no Brasil se comprometam com a pesquisa clínica de qualidade e contribuam cada vez mais com a ampliação do conhecimento científico desta técnica que sobrevive há mais de um século e que vem modernizando-se para manter sua eficácia e baixo custo na promoção de saúde e QV da população.

CONCLUSÃO

A hipnose parece ser uma técnica eficaz no manejo da dor não procedimental, apresentando superioridade clínica nos resultados tanto em comparação ao uso isolado do tratamento padrão quanto em comparação a outra prática integrativa. Em suas diversas modalidades, a hipnose mostrou-se uma técnica factível, segura e de baixo custo, com bons índices de satisfação entre os usuários. Contudo, futuros ensaios clínicos devem ser empreendidos com intuito de investigar a real interferência da variável catastrofização, assim como possíveis formas de controle dela. Mais estudos de custo e efetividade são necessários para compreender o impacto de práticas integrativas como a hipnose no fortalecimento dos princípios de humanização e integralidade do SUS.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2020
  • Aceito
    10 Jul 2021
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