Open-access Manejo da dor pós-operatória em criança submetida a ressecção de tumor rabdoide. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS  Os tumores rabdoides são tumores agressivos raros, acometendo principalmente a população jovem, com predominância em crianças menores de 4 anos de idade. Dados da literatura definem a doença como de alta malignidade e prognóstico desalentador. O bom controle e adequada abordagem da dor pós-operatória na criança deve ser sempre prioridade no planejamento anestésico-cirúrgico.

RELATO DO CASO  Criança submetida à anestesia geral, associada à técnica de analgesia multimodal, bloqueio peridural e bloqueio do plano transverso do abdômen (TAP Block) para ressecção de tumor rabdoide em membro inferior. A técnica anestésica utilizada foi escolhida visando um bom controle de dor no período pós-operatório para uma abordagem cirúrgica de grande porte. O instrumento utilizado para a mensuração da queixa álgica foi a escala Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale (CHIPPS).

CONCLUSÃO  A anestesia multimodal associada à técnica peridural e ao bloqueio de nervo periférico parece ser adequada para o controle de dor pós-operatória em cirurgias oncológicas de grande porte. O adequado manejo e controle da queixa álgica pode ser benéfico não somente a curto prazo e no período pós-operatório, como também pode gerar impactos positivos na vida adulta dos pacientes pediátricos com câncer submetidos a tratamento cirúrgico.

Descritores:
Anestesia; Criança; Dor; Câncer

DESTAQUES

A importância do planejamento para controle da dor perioperatória em crianças com câncer

Anestesia geral combinada a analgesia multimodal para ressecção de tumor rabdoide em membro inferior

Relato de caso do efeito da anestesia multimodal associada à técnica peridural e ao bloqueio de nervo periférico

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES  Rhabdoid tumors are rare aggressive tumors and affect specially the young population, with a predominance in children under 4 years of age. Literature data define them as a disease of high malignancy and grim prognosis. The proper control and adequate approach to postoperative pain in children should always be a priority in the anesthetic-surgical planning.

CASE REPORT  A child undergoing general anesthesia, associated with multimodal analgesia technique, epidural block, and Transversus Abdominis Plane block (TAP Block) for rhabdoid tumor surgical resection in the lower limb. The chosen anesthetic technique aimed to achieve good pain control in the postoperative period, in major oncologic surgery approach. The instrument used for measuring pain scores was the Children and Infants Postoperative Pain Scale (CHIPPS).

CONCLUSION  Multimodal anesthesia associated with epidural technique and peripheral nerve block seems adequate for postoperative pain control in major cancer surgeries. Adequate management and control of painful complaints can be beneficial not only in the short term and in the postoperative period but can also have beneficial impacts in the adulthood of pediatric cancer patients who underwent surgical treatment.

Keywords:
Anesthesia; Child; Pain; Cancer

INTRODUÇÃO

Os rabdoides são tumores raros, porém extremamente agressivos, e tendem a afetar predominantemente crianças com menos de quatro anos de idade. Atualmente, os tumores rabdoides extracranianos são descritos em oncologia como entidades e ocorrem principalmente nos rins, fígado, cabeça e pescoço, retroperitônio, tórax, coração e pelve. São descritos na literatura como cânceres de progressão rápida, alta malignidade e prognóstico ruim1 .

A dor em crianças é subestimada, principalmente por se tratar de um fenômeno que não pode ser facilmente mensurado, geralmente devido à dificuldade das crianças em relatar suas queixas, ao medo de seringas e agulhas e à incapacidade de se expressar, especialmente em crianças mais novas e pacientes com déficits cognitivos. Equipes de saúde com pouco pessoal e sem qualificação podem tornar esse cenário mais problemático, além da falta de instrumentos adequados para medir a dor. A Organização Mundial da Saúde (OMS)2 defende a utilização de ferramentas adequadas de avaliação da dor para o gerenciamento apropriado da dor pediátrica, a fim de obter os melhores resultados, e recomenda o registro dos dados em arquivos médicos3 .

O objetivo do presente relato foi apresentar o manejo da dor perioperatória e pós-operatória de uma paciente pediátrica com tumor rabdoide pélvico pelo anestesiologista.

RELATO DO CASO

Uma paciente de sete anos de idade, do sexo feminino, 17 kg, foi submetida a tratamento cirúrgico para tumor rabdoide na raiz da coxa direita (Figura 1), após tratamento com quimioterapia neoadjuvante. A técnica anestésica escolhida foi a anestesia geral combinada com técnica multimodal associada à anestesia peridural com injeção única e bloqueio do plano transverso do abdômen (TAP) com 5mL de ropivacaína a 0,3% na parede abdominal esquerda ao final da cirurgia, a qual durou aproximadamente cinco horas.

Figura 1
Ressecção cirúrgica dos tumores.

A indução anestésica foi realizada com propofol (2mg/kg), fentanil (3 µg/kg), rocurônio (1,2mg/kg), cetamina (0,3mg/kg), dexametasona (1,5mg/kg), infusão contínua de dexmedetomidina (0,3µg/kg/h), sulfato de magnésio (40 mg/kg) e lidocaína intravenosa (2mg/kg). O sevoflurano (1,2 CAM) foi usado para a manutenção da anestesia. Morfina 800 µg com 10 mL de ropivacaína a 0,3% foram usados em anestesia peridural de injeção única.

A monitoração hemodinâmica consistiu em pressão arterial não invasiva, cardioscopia, oxímetro de pulso, capnografia, analisador de gases e índice bispectral (BIS). A anestesia peridural foi realizada com agulha pediátrica Touhy 20G, com a paciente já intubada, pouco antes do início da cirurgia. O bloqueio do plano transverso do abdômen (TAP) foi escolhido para complementar a analgesia, associado à dipirona intravenosa no final do procedimento cirúrgico, devido à extensa duração da cirurgia (Figura 2). A Children and Infants Postoperative Pain Scale (CHIPPS)4 foi usada para avaliar as queixas de dor nas primeiras 48 horas de pós-operatório na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), às 10h e às 18h, pelo anestesiologista, e em um intervalo de seis horas pela equipe da UTIP. O valor de corte para analgesia de resgate foi 4 no CHIPPS.

Figura 2
Lesão tumoral antes do tratamento.

A equipe da UTIP seguiu os protocolos de controle da dor, incluindo o contato com a equipe de anestesiologia para situações de controle da dor refratária. Todas as medições apresentaram a pontuação CHIPPS = 0, o que significa que a paciente não teve dor ou não se queixou de dor durante as 48 horas na UTIP e estava hemodinamicamente estável (pressão arterial média = 63-78 mmHg; frequência cardíaca = 67-93 bpm e oximetria = 97-100%). Os dados foram registrados em um formulário específico do estudo aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Nacional do Câncer (INCA). A paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

DISCUSSÃO

A avaliação da intensidade da dor durante a hospitalização da paciente é essencial para a aplicação adequada de fármacos e assistência. O uso de escalas de mensuração da dor ajuda os profissionais de saúde a obterem informações reais sobre o fenômeno da dor e auxilia no manejo da dor em crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos5 . Essas escalas representam um parâmetro de avaliação seguro, rápido e simples.

A diretriz da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA - American Society of Anesthesiologists) para o controle da dor perioperatória recomenda anestesia multimodal, bloqueios de nervos periféricos e abordagem peridural6 . Os autores acreditam que uma escala comportamental seria mais apropriada para avaliar a dor no presente caso, embora não seja o padrão-ouro das escalas de autorrelato para a idade da paciente. Um estudo de referêncial7 comparou o bloqueio caudal, o bloqueio TAP e o bloqueio do quadrado lombar (QL) em 94 crianças com idade entre 6 meses e 14 anos, classificadas como ASA I e II, submetidas a cirurgia abdominal inferior. Eles concluíram que o bloqueio QL foi a melhor opção, considerando a segurança e a analgesia pós-operatória. Outros autores8 estudaram 90 crianças pacientes oncológicas, com idades entre 7 e 12 anos, classificadas como ASA I e II, programadas para cirurgia de câncer abdominal grave. Os resultados mostraram que a analgesia multimodal proporcionou alívio adequado da intensidade da dor por até 24 horas no pós-operatório.

De acordo com os autores8 , os relatos de dor pós-operatória de intensidade leve correspondem a escores de 1 a 4/10. No presente estudo, a criança apresentou escores de dor de zero nas primeiras 48 horas de pós-operatório, bem como nos três meses após a intervenção cirúrgica. Esse período já pode ser considerado suficiente para avaliar os resultados funcionais do procedimento cirúrgico, de acordo com outros estudos de referência9 que classificou a queixa de dor persistente nesse período pós-operatório como dor pós-operatória persistente (DPP)10 .

O controle da dor pós-operatória foi obtido no presente caso, pois a paciente não apresentou nenhuma queixa dolorosa. A anestesia multimodal associada à técnica peridural foi escolhida devido às recomendações da literatura9 . Em estudo retrospectivo, os autores11 avaliaram a analgesia peridural contínua no pós-operatório de crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos para tratamento de tumores sólidos abdominais. Dois grupos foram investigados: o grupo de intervenção, com crianças recebendo analgesia peridural, dipirona e paracetamol, por via oral ou intravenosa, em horário estabelecido, e o grupo de controle, sem analgesia peridural, recebendo paracetamol ou dipirona, ibuprofeno, por via oral ou intravenosa, e posteriormente piritramida em infusão contínua ou analgesia controlada pelo paciente (ACP). A idade média foi de 55,8 meses para o grupo de intervenção (GI) e 39 meses para o grupo de controle (GC). Os bebês com menos de dois anos de idade receberam apenas morfina intravenosa contínua. As escalas usadas para medir a dor foram a Escala Numérica de Avaliação da Dor (NRS) e a Wong-Baker Faces Pain Rating Scale (WBFS). O estudo concluiu que as crianças submetidas à cirurgia para tratar tumores abdominais se beneficiam da analgesia perioperatória peridural contínua. O método é seguro e está associado a baixas taxas de complicações quando realizado por uma equipe qualificada.

No presente caso, a anestesia e a cirurgia levaram aproximadamente sete horas, além das expectativas da equipe cirúrgica, portanto, a equipe de anestesiologistas decidiu realizar o bloqueio do nervo periférico ao final da cirurgia, com o objetivo de obter melhor controle da dor pós-operatória. Apenas a agulha peridural pediátrica de uso único estava disponível, embora a escolha tenha sido a técnica peridural contínua para procedimentos abdominais maiores.

O relato é relevante porque, até o momento, não foram encontrados estudos sobre o manejo anestésico e a avaliação da dor em pacientes pediátricos que passaram por tratamentos para tumores rabdoides.

CONCLUSÃO

A anestesia multimodal associada ao bloqueio peridural e/ou bloqueio de nervos periféricos parece oferecer um bom controle da dor em pacientes pediátricos submetidos a cirurgias oncológicas de grande porte. O monitoramento rigoroso, a avaliação adequada e o gerenciamento das queixas de dor pós-operatória são essenciais para obter resultados favoráveis nas intervenções pós-cirúrgicas.

O mau controle da dor perioperatória em crianças pode levar à dor crônica e afetar a vida adulta desses pacientes pediátricos. A escassez de literatura sobre esse tópico traz à tona a necessidade de mais estudos que abordem o controle da dor pós-operatória com o intuito de melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes pediátricos.

  • Fontes de fomento:
    não há.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2024
  • Aceito
    07 Abr 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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