Acessibilidade / Reportar erro

Validação de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica: EducaDor

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Ferramentas socioeducativas voltadas para a população com dor crônica podem auxiliar no conhecimento sobre mecanismos desencadeantes, crenças e atitudes frente à dor, que podem ser úteis no seu controle. Além de desenvolvê-las, se faz necessário avaliar se essas ferramentas são válidas para o uso terapêutico. O objetivo deste estudo foi descrever o processo de validação de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica.

MÉTODOS:

Este estudo foi desenvolvido em três etapas: construção de questionários para avaliação da cartilha por pacientes e profissionais, entrevista e validação de conteúdo. A amostra consistiu de 60 pacientes com dor crônica e seis profissionais especializados no seu tratamento. Para validação, foi utilizado o Índice de Validade de Conteúdo por itens considerando um escore maior ou igual a 80%.

RESULTADOS:

Todos os seis domínios avaliados na cartilha obtiveram escore do Índice de Validade de Conteúdo por itens maior que 80%. A taxa global do Índice de Validade de Conteúdo por itens dos domínios avaliados pelos pacientes foi de 88% enquanto que para os profissionais de saúde foi de 92%.

CONCLUSÃO:

A cartilha EducaDor mostrou-se válida para o uso na educação de pacientes com dor crônica.

Descritores:
Dor crônica; Educação em saúde; Estudo de validação

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Socio-educational tools aimed at the population with chronic pain can help in the knowledge about trigger mechanisms, beliefs, and attitudes towards pain that may be useful in their control. In addition to developing them, it is necessary to evaluate whether these tools are valid for therapeutic use. The objective of this study was to describe the validation process of an educational booklet for people with chronic pain.

METHODS:

This study was developed in three stages: questionnaires for the evaluation of the booklet by patients and professionals, interview, and content validation. The sample consisted of 60 patients with chronic pain and six professionals specialized in your treatment. For validation, the Content Validity Index per items was used considering a score greater than or equal to 80%.

RESULTS:

All six domains evaluated in the booklet obtained a Content Validity Index per items score greater than 80%. The Content Validity Index per items overall rate of the domains evaluated by the patients was 88% while for the health professionals it was 92%.

CONCLUSION:

The EducaDor booklet showed to be valid for use in the education of patients with chronic pain.

Keywords:
Chronic pain; Health education; Validation study

INTRODUÇÃO

A dor crônica (DC) é definida como "uma experiência estressante associada à lesão tecidual real ou potencial, com componentes sensoriais, emocionais, cognitivos e sociais"11 Williams AC, Craig KD. Updating the definition of pain. Pain. 2016;157(11):2420-3. que perdura por mais de seis meses, com frequência diária ou quase diária. No Brasil, a DC é considerada um problema de saúde pública apresentando alta incidência e prevalência22 Teixeira M, Teixeira W, Santos F, Andrade D, Bezerra S, Figueiró J, et al. Epidemiologia clínica da dor músculo-esquelética. Rev Med. 2001;80(spe1):1-21.. A DC afeta mais de 40% da população no Brasil33 Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Chronic pain and gender in Salvador population, Brazil. Pain. 2008;139(3):498-506.,44 Ferreira Kdos S, Oliver GZ, Thomaz DC, Teixeira CT, Foss MP. Cognitive deficits in chronic pain patients, in a brief screening test, are independent of comorbidities and medication use. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(5):361-6..

O caráter multifatorial da DC prevê a necessidade de novas modalidades preventivas e terapêuticas para o seu controle. Desse modo, o uso de abordagens multidimensionais que envolvem aspectos biológicos, psicológicos e sociais, assim como as atividades de educação em saúde que abordam esses aspectos biopsicossociais, podem resultar em benefícios imediatos e tardios. Esse efeito se mostrou superior àqueles obtidos através de intervenções convencionais, como uso de fármacos e fisioterapia55 McGillion MH, Watt-Watson J, Stevens B, Lefort SM, Coyte P, Graham A. Randomized controlled trial of a psychoeducation program for the self-management of chronic cardiac pain. J Pain Symptom Manage. 2008;36(2):126-40.,66 Haugli L, Steen E, Laerum E, Nygard R, Finset A. Learning to have less pain - is it possible? A one-year follow-up study of the effects of a personal construct group learning programme on patients with chronic musculoskeletal pain. Patient Educ Couns. 2001;45(2):111-8..

Tornar as pessoas conscientes quanto ao significado da dor, como ela se comporta, suas causas mais comuns, fatores de risco e como prevenir ou tratá-la de forma efetiva, podem contribuir para controlar os sintomas e otimizar o uso dos serviços de saúde66 Haugli L, Steen E, Laerum E, Nygard R, Finset A. Learning to have less pain - is it possible? A one-year follow-up study of the effects of a personal construct group learning programme on patients with chronic musculoskeletal pain. Patient Educ Couns. 2001;45(2):111-8.

7 Moseley L. Combined physiotherapy and education is efficacious for chronic low back pain. Aust J Physiother. 2002;48(4):297-302.
-88 Moseley GL, Nicholas MK, Hodges PW. A randomized controlled trial of intensive neurophysiology education in chronic low back pain. Clin J Pain. 2004;20(5):324-30..

Diferentes métodos para a realização de processos educativos na área de saúde, que envolvem desde a distribuição de cartilhas, estudos de construção pessoal, filmes, atividades em grupo e palestras, têm sido adotados66 Haugli L, Steen E, Laerum E, Nygard R, Finset A. Learning to have less pain - is it possible? A one-year follow-up study of the effects of a personal construct group learning programme on patients with chronic musculoskeletal pain. Patient Educ Couns. 2001;45(2):111-8.,99 Louw A, Zimney K, O'Hotto C, Hilton S. The clinical application of teaching people about pain. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):385-95.

10 Meeus M, Nijs J, Oosterwijck J, Van Alsenoy V, Truijen S. Pain physiology education improves pain beliefs in patients with chronic fatigue syndrome compared with pacing and self-management education: a double-blind randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil. 2010;91(8):1153-9.
-1111 Ryan RM, Weinstein N, Bernstein J, Brown KW, Mistretta L, Gagné M. Vitalizing effects of being outdoors and in nature. J Environ Psychol. 2010;30(2):159-68.. Entretanto, observa-se escassez na literatura sobre abordagens que utilizem materiais educativos escritos, como cartilhas envolvendo orientações para o auxílio ao tratamento de pacientes com DC. Através de cartilhas, pacientes e familiares/cuidadores podem adquirir conhecimento sobre situações desencadeantes da dor e o que fazer para ajudar a minimizá-la1212 Gallagher L, McAuley J, Moseley GL. A randomized-controlled trial of using a book of metaphors to reconceptualize pain and decrease catastrophizing in people with chronic pain. Clin J Pain. 2013;29(1):20-5.,1313 van Ittersum MW, van Wilgen CP, van der Schans CP, Lambrecht L, Groothoff JW, Nijs J. Written pain neuroscience education in fibromyalgia: a multicenter randomized controlled trial. Pain Pract. 2014;14(8):689-700..

Pensando nisso, Mendez et al.1414 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP, Baptista AF. Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica. Rev Dor. 2017;18(3):199-211., desenvolveram uma cartilha para educação em DC, denominada "EducaDor", que ultrapassa o modelo puramente biomédico de sua abordagem. O seu conteúdo envolve a dor desde seu conceito até seu o processamento, sendo abordada de forma simples e objetiva, e propondo estratégias de enfrentamento. Visando à utilização da cartilha de forma ampliada na prática clínica, este estudo teve como objetivo validar uma cartilha socioeducativa sobre DC por pacientes e profissionais de saúde.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de validação de uma tecnologia leve em saúde, realizado no Ambulatório de Dor do Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no período de junho de 2015 a novembro de 2016.

Para a validação da cartilha foram formulados e aplicados questionários semiestruturados em uma amostra voluntária de pacientes com DC e profissionais de saúde com experiência na assistência a esse perfil de pacientes. Dentre os profissionais da equipe do referido ambulatório, foram selecionados seis juízes, conforme sugerido por Joventino et al.1515 Joventino ES, Oriá MO, Sawada NO, Ximenes LB. Apparent and content validation of maternal self-efficiency scale for prevention of childhood diarrhea. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(1):371-9., que atenderam aos critérios de elegibilidade. A validação pelo público-alvo foi validada com 10 pacientes por profissional de saúde, totalizando 60 pacientes.

Foram incluídos pacientes cadastrados no Ambulatório de Dor do HUPES/UFBA, com diagnóstico de DC, alfabetizados, com faixa etária de 18 a 60 anos e excluídos os que não compreenderam o instrumento de avaliação. Foram incluídos profissionais de saúde com experiência mínima de 5 anos na assistência ao paciente com DC.

Este trabalho consistiu de três etapas: construção de questionários para validação da cartilha por juízes, entrevista, e validação de conteúdo.

Construção dos questionários

A construção dos questionários foi realizada com base nos critérios de avaliação para validação de material educativo Suitability Assessment of Materials (SAM)1616 Doak CC, Doak LG, Root JH. Learner Verification and Revision of Materials. In: Doak, CC, Doak LG, Root JH. Teaching Patients with Low Literacy Skills. 1996. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott Company; 1996. 167-88p.. Esse método consiste na avaliação do conteúdo escrito em termos de compreensão, descrita como a dificuldade relativa em entender um significado. Para isso, as questões aplicadas têm como opção de resposta o grau de entendimento, sendo essas repostas graduadas em escala likert de "1" a "4", correspondendo a "não", "pouco", "bastante" e "totalmente", respectivamente.

Entrevista

A entrevista foi realizada por quatro membros do grupo de pesquisa. Inicialmente foi apresentado ao voluntário o objetivo do estudo e uma breve introdução sobre o conteúdo da cartilha. Ao concordar em participar, e atendendo aos critérios de inclusão e exclusão, o voluntário assinava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e lhe era disponibilizada uma cópia da cartilha para leitura. A leitura foi realizada em ambiente de sala de espera e o tempo disponível para realizá-la era de acordo com a necessidade individual de cada juiz. Logo em seguida foi realizada a aplicação do questionário de avaliação. O sigilo das respostas era garantido pelos avaliadores através da não identificação dos juízes, e as respostas eram arquivadas para posterior análise.

Validação de conteúdo

Para a validação da cartilha educativa em dor foi utilizado o Índice de Validade de Conteúdo por itens (I-IVC)1717 Alexandre NM, Coluci MZ. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3061-8.,1818 Polit, DE, Beck CT. Essentials of Nursing Research. 6th Ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2006., considerando um ponto de corte para aprovação maior ou igual a 78% quando houver sete ou mais juízes e de 86% para seis juízes1919 Coluci MZ, Alexandre NM, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2015; 20(3):925-36.. O I-IVC avalia a proporção de avaliadores que julgaram determinados aspectos da cartilha como satisfatório, sendo esses avaliados através do questionário estruturado. Os itens dos questionários que eram pontuados com 1 e 2 eram classificados como respostas insatisfatórias e aqueles com 3 ou 4 eram classificados como satisfatórias. O escore final foi calculado a partir do número de avaliadores que julgaram cada item como satisfatório, dividido pelo número de avaliadores:

I IVC = n ú mero de respostas 3 ou 4 n ú mero total de avaliadores

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFBA de 2015 sob o protocolo 44318415.7.0000.5662. Foram expressamente cumpridas todas as recomendações da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que estão de acordo com a Declaração de Helsinque.

RESULTADOS

Para o processo de validação da cartilha foram entrevistados 60 pacientes com DC e seis profissionais de saúde com experiência na assistência a essa população. Na tabela 1 está demonstrado o nível de escolaridade e sexo dos juízes entrevistados. A maioria dos pacientes entrevistados foi do sexo feminino (83,3%) com ensino fundamental (38,3%) e médio completos (38,3%). Quanto aos profissionais de saúde, 83,3% possuía ensino superior completo (Tabela 1), enquanto que em relação aos pacientes, apenas 6 (10,0%) tinham esse nível de escolaridade.

Tabela 1
Escolaridade dos juízes expressa em frequência absoluta e relativa

Foram elaborados questionários estruturados para a validação da cartilha educativa por juízes. Um questionário era voltado para pacientes e outro para profissionais de saúde.

O questionário para pacientes (Figura 1A) foi composto pelos domínios conteúdo, apresentação da literatura, ilustração, legibilidade e impressão, e avaliação geral, totalizando 5 domínios. Enquanto que o questionário para profissionais (Figura 1B) foi composto por 6 domínios, sendo os já citados e acrescido o de acurácia científica. Os questionários de pacientes e profissionais consistiram de 22 e 24 questões, respectivamente. Ao final das questões de cada domínio era disponibilizado um espaço opcional para comentários e/ou sugestões de ajustes pelos juízes.

Figura 1A
Questionário para pacientes
Figura 1B
Questionário para profissionais de saúde

O escore final dos questionários se baseou no I-IVC. Foram contabilizados o total de respostas que categorizavam os itens avaliados da cartilha como satisfatórios. A análise foi realizada para cada domínio do questionário e ao final o valor do I-IVC total foi calculado, obtendo-se o valor de 88 e 92% para pacientes e profissionais de saúde, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Valores do Índice de Validade de Conteúdo por itens dos avaliadores por domínio

DISCUSSÃO

Este estudo buscou validar um material socioeducativo sobre DC no formato de uma cartilha que havia sido desenvolvida em estudo prévio1414 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP, Baptista AF. Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica. Rev Dor. 2017;18(3):199-211., a fim de verificar se ela poderia ser aplicada como recurso de educação em saúde, na perspectiva dos pacientes e de profissionais especializados. Os escores finais da avaliação atingiram nível de excelência na concordância dos juízes e indicaram que a cartilha EducaDor é válida e pode ser utilizada como recurso terapêutico.

Diversos fatores têm sido apontados como preditores para DC, dentre eles, ser do sexo feminino e ter baixo grau de escolaridade2020 Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Prevalence of chronic pain and associated factors in the population of Salvador, Bahia. Rev Saude Publica. 2009;43(4):622-30. English, Portuguese.,2121 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SS, Caiaffa WT, Souza MF, Bernal RT. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s. English, Portuguese.. As diferenças na percepção dolorosa entre sexos são bastante evidenciadas na literatura2222 Palmeira CC, Ashmawi HA, Posso IP. Sexo e percepção da dor e analgesia. Rev Bras Anestesiol. 2011;61(6):820-8.

23 Greenspan JD, Craft RM, LeResche L, Arendt-Nielsen L, Berkley KJ, Fillingim RB, et al. Studying sex and gender differences in pain and analgesia: a consensus report. Pain. 2007;132(Suppl 1):S26-45.

24 Unruh AM. Gender variations in clinical pain experience. Pain. 1996;65(2-3):123-67.
-2525 Riley J 3rd, Robinson ME, Wise EA, Myers CD, Fillingim RB. Sex differences in the perception of noxious experimental stimuli: a meta-analysis. Pain. 1998;74(2-3):181-7.. Estudos experimentais com animais de laboratório2626 Fillingim RB, Gear RW. Sex differences in opioid analgesia: clinical and experimental findings. Eur J Pain. 2004;8(5):413-25.,2727 Thompson AD, Angelotti T, Nag S, Mokha SS. Sex-specific modulation of spinal nociception by alpha2-adrenoceptors: differential regulation by estrogen and testosterone. Neuroscience. 2008;153(4):1268-77. e humanos2828 Lira MO, Carvalho MF. Dor aguda e relação de gênero: diferentes percepções em homens e mulheres. Rev Rene. 2013;14(1):71-81. sustentam a hipótese de que as mulheres possuem maior percepção à dor, por encontrarem-se mais expostas a determinadas situações como dismenorreia e parto. O grau de instrução inferior a 11 anos tem sido apontado como o maior fator de risco para essa condição2929 Sardá Jr JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari Ali. Preditores biopsicossociais de dor, incapacidade e depressão em pacientes brasileiros com dor crônica. Rev Dor. 2012;13(2):111-8.. As características sociodemográficas da amostra de pacientes entrevistados foram compatíveis com o perfil citado nesses estudos prévios. Justamente por esse perfil, o uso de materiais socioeducativos pode ser fundamental para o letramento em saúde, o que pode ter impacto no alívio da dor3030 Santos ML, Paixão RL, Osorio-de-Castro CG. Avaliação da alfabetização em saúde do sujeito de pesquisa. Rev Redbioética/UNESCO. 2013;1(7):84-95..

Os profissionais entrevistados atribuíram 100% de acurácia científica ao material avaliado. Esse escore inspira confiança para a adoção imediata do material por outros profissionais na prática clínica. Profissionais cuidadosos têm incertezas frente ao reforço de crenças errôneas comumente encontradas em sites e materiais instrutivos não embasados em ciência. Devido à característica multifatorial da DC e às informações disponíveis na internet, o enfrentamento do problema tem sido um desafio para os profissionais de saúde99 Louw A, Zimney K, O'Hotto C, Hilton S. The clinical application of teaching people about pain. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):385-95.. O conhecimento sobre a dor com embasamento científico surge como uma estratégia coadjuvante ao tratamento de pessoas com DC. Programas de educação em dor utilizam abordagens que permitem transmitir informações sobre etiologia, nosologia e fisiopatologia da dor. Esse tipo de abordagem possibilita instrumentalizar pacientes para maior consciência dos diferentes fatores causais e agravantes. O simples conhecimento atua nas representações sociais e nas experiências da doença, facilitando sua recuperação3131 Gazzinelli MF, Gazzinelli A, Reis DC, Penna CM. [Health education: knowledge, social representation, and illness]. Cad Saude Publica. 2005;21(1):200-6. Portuguese..

A facilidade de leitura e a impressão foram os itens mais bem avaliados, tanto por profissionais como por pacientes. Esse resultado demonstra que é necessário um cuidado com o material impresso para que ele tenha durabilidade suficiente para ser consultado diversas vezes e cumpra sua finalidade88 Moseley GL, Nicholas MK, Hodges PW. A randomized controlled trial of intensive neurophysiology education in chronic low back pain. Clin J Pain. 2004;20(5):324-30.. Uma revisão sistemática3232 Vieira A, Braga RM, Bartz PT, Candotti CT. Efetividade da escola postural em portadores de dor lombar crônica inespecífica. Acta Fisiatr. 2012;19(3):184-91. apontou que programas socioeducativos têm influência na melhora da dor, do movimento, além de promover diminuição de incapacidades e de utilização de serviços de saúde. O reconhecimento da qualidade da cartilha "EducaDor" pode indicar que essa ferramenta pode ser um auxílio no tratamento da DC no Brasil, devido aos aspectos biopsicossociais envolvidos1414 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP, Baptista AF. Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica. Rev Dor. 2017;18(3):199-211..

A elaboração de material educativo impresso é um meio de comunicação entre profissional e paciente que requer, além da clara identificação do público alvo, uma forma direta e intuitiva para transmitir o conteúdo abordado. Para despertar e manter o interesse do leitor devem ser considerados a linguagem, o layout e a ilustração. É a ilustração, no entanto, que vai, em grande parte, garantir a legibilidade e a compreensão de um texto3333 Moreira MF, Nóbrega MM, Silva MI. Comunicação escrita: contribuição para a elaboração de material educativo em saúde. Rev Bras Enferm. 2003;56(2):184-8.. No domínio do questionário intitulado como "conteúdo", pacientes e profissionais foram indagados sobre a clareza do objetivo da cartilha, à compreensão do texto, ordem dos textos e necessidade de informações. Cerca de 87% dos pacientes e 92% profissionais julgaram o conteúdo como satisfatório. No entanto, a ilustração revelou o menor escore na visão dos pacientes (84%). Ainda que seja um nível bastante satisfatório, edições futuras devem considerar a possibilidade de aperfeiçoamento das ilustrações. Limitar o número de ilustrações, trazê-las de forma simples e representativa, enfatizando pontos importantes na descrição do texto, elencando eventos da vida real, são estratégias que facilitam na transmissão do conteúdo ao leitor. Sendo assim, pessoas com baixa escolaridade podem se beneficiar por meio desses materiais e tipos de linguagem3333 Moreira MF, Nóbrega MM, Silva MI. Comunicação escrita: contribuição para a elaboração de material educativo em saúde. Rev Bras Enferm. 2003;56(2):184-8..

A "EducaDor" buscou abranger de forma clara e detalhada o conceito de dor, abordando a dor aguda e crônica, suas características e diferenças, processamento, formas de enfrentamento e crenças errôneas que pacientes e cuidadores têm acerca da dor. Até o momento não foram encontradas cartilhas educativas validadas para pacientes com DC no Brasil. Entretanto, diversos materiais educativos estão disponíveis em sites para essa população. Além de abordar conceitos, esses materiais também discorrem sobre a qualidade do sono, ansiedade e tratamentos farmacológicos ou não. Evidências crescentes mostram que conhecer a neurofisiologia da dor faz com que o paciente com DC diminua a incapacidade e a catastrofização, aumentando os movimentos físicos e a adesão a terapêuticas variadas3434 Louw A, Puentedura EL. Therapeutic neuroscience education, pain, physiotherapy and the pain neuromatrix. Int J Health Sci. 2014;2(3):33-45.. Apesar da "Educador" não abordar os tratamentos para a DC, os assuntos são discorridos a partir de histórias, dúvidas e medos relatados por essa população. O texto apresenta relatos de experiências de sujeitos que convivem com a dor, fazendo com que o leitor se identifique com o conteúdo exposto.

Como limitação, pode-se citar a realização dessa validação em apenas um centro de referência em dor, situado em Salvador, Bahia, que apresenta características socioculturais específicas. Além disso, o reduzido número de profissionais de saúde entrevistados pode não expressar o que especialistas de outras regiões considerariam como relevante. Sugere-se que a cartilha EducaDor seja validada em outros centros de dor de outras regiões brasileiras e que o efeito sobre a intensidade e outros fenômenos relacionados à DC sejam testados em um ensaio clínico randomizado.

CONCLUSÃO

A cartilha EducaDor foi considerada válida pela confiabilidade reconhecida por pacientes que sofrem com dor crônica e por profissionais especializados no seu tratamento, quanto ao seu conteúdo, incluindo a linguagem adotada, os temas abordados e as ilustrações.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Williams AC, Craig KD. Updating the definition of pain. Pain. 2016;157(11):2420-3.
  • 2
    Teixeira M, Teixeira W, Santos F, Andrade D, Bezerra S, Figueiró J, et al. Epidemiologia clínica da dor músculo-esquelética. Rev Med. 2001;80(spe1):1-21.
  • 3
    Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Chronic pain and gender in Salvador population, Brazil. Pain. 2008;139(3):498-506.
  • 4
    Ferreira Kdos S, Oliver GZ, Thomaz DC, Teixeira CT, Foss MP. Cognitive deficits in chronic pain patients, in a brief screening test, are independent of comorbidities and medication use. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(5):361-6.
  • 5
    McGillion MH, Watt-Watson J, Stevens B, Lefort SM, Coyte P, Graham A. Randomized controlled trial of a psychoeducation program for the self-management of chronic cardiac pain. J Pain Symptom Manage. 2008;36(2):126-40.
  • 6
    Haugli L, Steen E, Laerum E, Nygard R, Finset A. Learning to have less pain - is it possible? A one-year follow-up study of the effects of a personal construct group learning programme on patients with chronic musculoskeletal pain. Patient Educ Couns. 2001;45(2):111-8.
  • 7
    Moseley L. Combined physiotherapy and education is efficacious for chronic low back pain. Aust J Physiother. 2002;48(4):297-302.
  • 8
    Moseley GL, Nicholas MK, Hodges PW. A randomized controlled trial of intensive neurophysiology education in chronic low back pain. Clin J Pain. 2004;20(5):324-30.
  • 9
    Louw A, Zimney K, O'Hotto C, Hilton S. The clinical application of teaching people about pain. Physiother Theory Pract. 2016;32(5):385-95.
  • 10
    Meeus M, Nijs J, Oosterwijck J, Van Alsenoy V, Truijen S. Pain physiology education improves pain beliefs in patients with chronic fatigue syndrome compared with pacing and self-management education: a double-blind randomized controlled trial. Arch Phys Med Rehabil. 2010;91(8):1153-9.
  • 11
    Ryan RM, Weinstein N, Bernstein J, Brown KW, Mistretta L, Gagné M. Vitalizing effects of being outdoors and in nature. J Environ Psychol. 2010;30(2):159-68.
  • 12
    Gallagher L, McAuley J, Moseley GL. A randomized-controlled trial of using a book of metaphors to reconceptualize pain and decrease catastrophizing in people with chronic pain. Clin J Pain. 2013;29(1):20-5.
  • 13
    van Ittersum MW, van Wilgen CP, van der Schans CP, Lambrecht L, Groothoff JW, Nijs J. Written pain neuroscience education in fibromyalgia: a multicenter randomized controlled trial. Pain Pract. 2014;14(8):689-700.
  • 14
    Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP, Baptista AF. Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica. Rev Dor. 2017;18(3):199-211.
  • 15
    Joventino ES, Oriá MO, Sawada NO, Ximenes LB. Apparent and content validation of maternal self-efficiency scale for prevention of childhood diarrhea. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(1):371-9.
  • 16
    Doak CC, Doak LG, Root JH. Learner Verification and Revision of Materials. In: Doak, CC, Doak LG, Root JH. Teaching Patients with Low Literacy Skills. 1996. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott Company; 1996. 167-88p.
  • 17
    Alexandre NM, Coluci MZ. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3061-8.
  • 18
    Polit, DE, Beck CT. Essentials of Nursing Research. 6th Ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2006.
  • 19
    Coluci MZ, Alexandre NM, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2015; 20(3):925-36.
  • 20
    Sá K, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Prevalence of chronic pain and associated factors in the population of Salvador, Bahia. Rev Saude Publica. 2009;43(4):622-30. English, Portuguese.
  • 21
    Malta DC, Oliveira MM, Andrade SS, Caiaffa WT, Souza MF, Bernal RT. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s. English, Portuguese.
  • 22
    Palmeira CC, Ashmawi HA, Posso IP. Sexo e percepção da dor e analgesia. Rev Bras Anestesiol. 2011;61(6):820-8.
  • 23
    Greenspan JD, Craft RM, LeResche L, Arendt-Nielsen L, Berkley KJ, Fillingim RB, et al. Studying sex and gender differences in pain and analgesia: a consensus report. Pain. 2007;132(Suppl 1):S26-45.
  • 24
    Unruh AM. Gender variations in clinical pain experience. Pain. 1996;65(2-3):123-67.
  • 25
    Riley J 3rd, Robinson ME, Wise EA, Myers CD, Fillingim RB. Sex differences in the perception of noxious experimental stimuli: a meta-analysis. Pain. 1998;74(2-3):181-7.
  • 26
    Fillingim RB, Gear RW. Sex differences in opioid analgesia: clinical and experimental findings. Eur J Pain. 2004;8(5):413-25.
  • 27
    Thompson AD, Angelotti T, Nag S, Mokha SS. Sex-specific modulation of spinal nociception by alpha2-adrenoceptors: differential regulation by estrogen and testosterone. Neuroscience. 2008;153(4):1268-77.
  • 28
    Lira MO, Carvalho MF. Dor aguda e relação de gênero: diferentes percepções em homens e mulheres. Rev Rene. 2013;14(1):71-81.
  • 29
    Sardá Jr JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari Ali. Preditores biopsicossociais de dor, incapacidade e depressão em pacientes brasileiros com dor crônica. Rev Dor. 2012;13(2):111-8.
  • 30
    Santos ML, Paixão RL, Osorio-de-Castro CG. Avaliação da alfabetização em saúde do sujeito de pesquisa. Rev Redbioética/UNESCO. 2013;1(7):84-95.
  • 31
    Gazzinelli MF, Gazzinelli A, Reis DC, Penna CM. [Health education: knowledge, social representation, and illness]. Cad Saude Publica. 2005;21(1):200-6. Portuguese.
  • 32
    Vieira A, Braga RM, Bartz PT, Candotti CT. Efetividade da escola postural em portadores de dor lombar crônica inespecífica. Acta Fisiatr. 2012;19(3):184-91.
  • 33
    Moreira MF, Nóbrega MM, Silva MI. Comunicação escrita: contribuição para a elaboração de material educativo em saúde. Rev Bras Enferm. 2003;56(2):184-8.
  • 34
    Louw A, Puentedura EL. Therapeutic neuroscience education, pain, physiotherapy and the pain neuromatrix. Int J Health Sci. 2014;2(3):33-45.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Aceito
    10 Dez 2018
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br