RESUMO
Justificativa e objetivos A dor de dente é um marcador de falha na assistência e na resolutividade, e por isso é um indicador da vigilância de saúde bucal na Atenção Primária à Saúde (APS). O objetivo deste estudo foi analisar a notificação de dor de dente na APS entre as Unidades Federativas (UF) e regiões geográficas brasileiras ao longo de 10 anos.
Métodos O estudo ecológico utilizou dados secundários sobre a vigilância da dor de dente extraídos em abril de 2024, por meio do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica, referente aos dados anuais (janeiro-dezembro) de 2014 a 2023. Os dados populacionais foram extraídos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Foi calculada ocorrência, taxa anual e variação anual percentual.
Resultados Em 10 anos foi notificado dor em 46.514.494 dentes. A menor taxa anual foi de 2,63 dentes por 1.000 habitantes/ano em 2014, e a maior 35,81, em 2023. As menores taxas foram nas UFs: RO, RR, RJ e DF, e as maiores no AC, AL, RN e TO. Entre as regiões geográficas, as menores taxas foram no Sudeste e Sul, e as maiores taxas no Nordeste e no Norte. Houve aumento percentual da dor de dente no Brasil, com exceção do ano de 2020 (-23,3%). Entre as regiões, verificou-se redução apenas no Sudeste, entre 2017-2016 (-14,9%).
Conclusão A dor de dente apresentou alta taxa de ocorrência e aumento anual na APS no Brasil, com exceção do ano de 2020, com disparidades marcantes entre as UFs e as regiões brasileiras.
Descritores:
Atenção Primária à Saúde; Odontalgia; Vigilância em Saúde Pública
DESTAQUES
Houve alta taxa de ocorrência anual de notificação da dor de dente na Atenção Primária à Saúde no Brasil no tempo avaliado.
A taxa de ocorrência anual de notificação da dor de dente apresentou redução apenas em 2020, em decorrência da pandemia de COVID-19, mas a partir de 2021 apresentou taxas mais altas do que no período pré-pandêmico
Houve evidentes disparidades na taxa de notificação de ocorrência de dor de dente entre as Unidades Federativas e regiões geográficas brasileiras, sendo menores nas regiões Sul e Sudeste, e maiores nas regiões Norte e Nordeste
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES Toothache is a marker of failure in care and resolution, and therefore it is an indicator of oral health surveillance in Primary Health Care (PHC). The objective of the present study was to analyze the toothache notification in PHC among the Brazilian states and geographic regions over ten years.
METHODS The ecological study used secondary data extracted in April 2024 on toothache surveillance, through the Health Information System for Primary Care, referring to the annual data (January-December) from 2014 to 2023. Population data were extracted from the Brazilian Institute of Geography and Statistics. The occurrence, annual rate, and annual percentage variation were calculated.
RESULTS In ten years, pain was reported in 46,514,494 teeth. The lowest annual rate was 2.63 teeth per 1,000 inhabitants/year in 2014, and the highest 35.81, in 2023. The lowest rates were in the following states: RO, RR, RJ, and DF, and the highest in AC, AL, RN, and TO. Among the geographic regions, the lowest rates were in the Southeast and South, and the highest rates in the Northeast and North. There was a percentage increase in toothache in Brazil, with the exception of 2020 (-23.3%). Among the regions, a reduction was only observed in the Southeast between 2017-2016 (-14.9%).
CONCLUSION Toothache had a high rate of occurrence and an annual increase in PHC in Brazil, except for 2020, with marked disparities between states and Brazilian regions.
Keywords:
Primary Health Care; Toothache; Public Health Surveillance
HIGHLIGHTS
There was a high annual occurrence rate of toothache notification in Primary Health Care in Brazil in the time evaluated.
The annual occurrence rate of toothache notification decreased only in 2020, as a result of the COVID-19 pandemic, but from 2021 onwards it returned to higher rates than in the pre-pandemic period
There were clear disparities in the rate of notification of toothache occurrence between the states and geographic regions of Brazil, with lower rates in the South and Southeast, and higher rates in the North and Northeast
INTRODUÇÃO
No Brasil, o atendimento odontológico historicamente foi marcado por uma abordagem focada em tratamentos mutiladores, curativos e tecnicistas. Isso ocorreu devido às práticas adotadas pelos profissionais da área e à falta de políticas públicas de saúde1 . Assim, as ações se concentravam em grupos prioritários e em procedimentos limitados, como as extrações dentárias, que eram frequentemente utilizadas para solucionar os problemas bucais dos pacientes1 . Esse cenário é reforçado pelo fato de que a procura por serviços de saúde bucal ainda está relacionada a dor, urgências ou necessidade de tratar cáries e doenças periodontais2,3 .
No Brasil, a partir de 1990, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), buscou-se reduzir os desafios e garantir a integralidade e a universalização do cuidado1 , incluindo a saúde bucal. Em 2001, foram criadas as equipes de Saúde Bucal (eSBs) dentro da Estratégia de Saúde da Família (ESF), e em 2004 a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) foi implantada. Esses avanços levaram à expansão das eSBs e à reorganização dos serviços com foco na Atenção Primária à Saúde (APS)4-6 , com destaque para a importância de ampliar o acesso da população às ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal, especialmente com a inclusão do cirurgião-dentista nas equipes multiprofissionais das unidades de saúde em todo o país4 .
Ao considerar a dinâmica do modelo estabelecido pelo SUS, que se baseia na Vigilância em Saúde7 , observa-se que a APS tem utilizado indicadores, incluindo os de saúde bucal, para monitorar e desenvolver intervenções mais eficazes. Vale destacar que o objetivo da vigilância em saúde bucal é analisar o perfil epidemiológico das doenças e problemas, permitindo identificar, compreender, discutir e enfrentar os fatores que afetam a qualidade de vida da população8 .
Para reconhecer adequadamente o processo de saúde e doença, é fundamental usar ferramentas que reúnam informações sobre as condições de saúde individuais e coletivas dos usuários do SUS. O Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB), criado em 2013 e tornado compulsório a partir de janeiro de 2016, possibilitou a coleta simultânea de dados tanto para a organização do financiamento dos serviços quanto para a adesão aos programas e estratégias da PNSB. Isso inclui o uso de indicadores que mostram a dor de dente como a principal razão pela busca por atendimento odontológico8 .
Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo analisar a notificação de dor de dente na APS em diferentes Unidades Federativas (UFs) e e regiões geográficas brasileiras ao longo de 10 anos.
METODOS
Desenho do estudo e aspectos éticos
O presente estudo, do tipo série temporal, foi realizado com dados secundários disponibilizados pelo Ministério da Saúde por meio do SISAB9 , além de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10,11 . Por tratar de dados secundários de domínio público, este estudo não necessitou da apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa.
Fonte de extração de dados
As extrações de dados foram realizadas por dois pesquisadores, em abril de 2024, em duas bases de dados diferentes. Para a variável da dor de dente foi extraído o número absoluto de casos notificados anuais (janeiro a dezembro) de dor de dente, entre os anos de 2014 a 2023, no endereço eletrônico do SISAB9 .
O SISAB é um sistema integrado de informações sobre APS, responsável por coletar dados que os municípios devem fornecer obrigatoriamente. Esses dados são obtidos por meio de diferentes plataformas, como a Coleta de Dados Simplificada (CDS - disponível online e offline), o Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), dispositivos Android® ou por meio de sistemas próprios que utilizam a tecnologia de transporte Apache THRIFT. Para mais detalhes sobre o processo de validação dos dados é possível consultar a Nota Técnica sobre os dados enviados ao SISAB12 .
O profissional, durante o preenchimento da ficha clínica eletrônica do usuário, deve assinalar a opção de seleção referente às condições de vigilância em saúde bucal percebidas no momento da consulta clínica13 . O Ministério da Saúde preconiza seis indicadores de vigilância em saúde bucal na APS, a saber: abscesso dento alveolar, alteração em tecidos moles, dor de dente, fenda/fissuras lábio-palatais, fluorose dentária moderada/grave e traumatismo dento-alveolar. No entanto, previstas as especificidades de cada indicador, o presente estudo optou por pesquisar apenas um deles, a dor de dente.
Os dados populacionais foram extraídos da estimativa populacional para o período de 2014 a 2021, enquanto para os anos de 2022 e 2023 foram utilizados os dados do Censo 2022-2023 do IBGE10 .
Análise dos dados
Os dados brutos foram organizados em planilhas do Excel (Microsoft). Os dados foram apresentados por meio de frequência absoluta, taxa anual e variação anual percentual. As taxas anuais dos casos notificados de dor de dente na APS foram calculadas da seguinte forma (Equação 1):
A constante (× 1.000) foi padronizada considerando que houvesse ao menos uma taxa anual de referência expressa em um número inteiro. A variação anual percentual dos valores absolutos da produção odontológica da Atenção Básica foi calculada da seguinte forma (Equação 2):
RESULTADOS
Em um período de 10 anos foram notificadas dores em 46.514.494 dentes no Brasil. A menor taxa anual registrada foi de 2,63 dentes por 1.000 habitantes em 2014, enquanto a maior taxa, de 35,81, ocorreu em 2023. Durante esse período houve um aumento percentual no número de casos de dor de dente, exceto em 2020, quando houve diminuição de 23,3% (Figura 1).
Série temporal da taxa de ocorrência anual e variação anual percentual de notificação da dor de dente na Atenção Primária à Saúde no Brasil, 2014-2023. O Distrito Federal apresenta resultados apenas após o ano de 2016. Fonte: Ministério da Saúde9 , Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística10 .
As menores taxas foram nas UFs: Rondônia (RO), Roraima (RR), Rio de Janeiro (RJ) e Distrito Federal (DF). Por outro lado, as maiores taxas foram encontradas nas UFs: Acre (AC), Alagoas (AL), Rio Grande do Norte (RN) e Tocantins (TO - Figura 2).
Série temporal da taxa de ocorrência anual de notificação da dor de dente na Atenção Primária à Saúde por Unidade Federativa no Centro-Oeste (A), Nordeste (B), Norte (C), Sudeste (D) e Sul (E); 2014-2023. *O Distrito Federal apresenta resultado apenas após o ano de 2016. Fonte: Ministério da Saúde9 , Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística10 .
Entre as regiões geográficas houve menores taxas no Sudeste (2014-2015 e 2017-2023) e no Sul (2016), e maiores taxas no Nordeste (2014 a 2022) e no Norte (2023 - Figura 3).
Série temporal da taxa de ocorrência anual de notificação da dor de dente na Atenção Primária à Saúde por região geográfica brasileira entre 2014-2023. Os dados do Distrito Federal não estão inclusos na região Centro-Oeste nos anos de 2014 e 2015, uma vez que não são apresentados no Sistema de Informação. Fonte: Ministério da Saúde9 , Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística10 .
Nos anos iniciais analisados (2015 e 2016), a variação percentual anual foi expressiva, com aumentos superiores a 100%. A única variação negativa ocorreu em 2020, em comparação a 2019, afetando todas as regiões geográficas do Brasil. Além disso, a região Sudeste também registrou uma variação percentual negativa entre 2016 e 2017, com uma queda de 14,9% (Tabela 1).
Variação anual percentual do número absoluto de casos notificados da dor de dente na Atenção Primária à Saúde por região geográfica brasileira 2014-2023.
DISCUSSÃO
Este estudo revelou um aumento significativo nas notificações de dor de dente na APS ao longo dos anos. Embora os dados epidemiológicos indiquem uma redução na prevalência de doenças bucais, como cárie e doença periodontal, a dor de dente ainda é muito comum na população brasileira14,15 . Isso demonstra que, apesar dos esforços em prevenção e promoção de saúde, a procura por atendimento de urgência odontológica continua frequente nos serviços públicos de saúde bucal3,16 .
O aumento no número de notificações de dor de dente pode refletir outros fatores, além do crescimento real dos casos. A partir de 2016 houve um aumento expressivo na taxa de notificação de dor de dente, que pode estar relacionado à melhoria nos processos de registro, e não necessariamente a um aumento real de ocorrências. Embora o SISAB tenha começado a substituir o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) a partir da Portaria GM/MS nº 1.412, de 10 de julho de 2013, foi em janeiro de 2016 que a transição se consolidou17 . A partir dessa data foi efetivada a Portaria nº 1.113 de 31, de julho de 201518 , que tornou obrigatório o envio de dados exclusivamente pelo SISAB, que passou a ser o sistema de informação oficial da APS, essencial para fins de financiamento e adesão aos programas da Política Nacional de Atenção Básica. Nesse contexto, o Ministério da Saúde determinou que as Unidades Básicas de Saúde adotassem o sistema e-SUS APS, utilizando o CDS, o PEC ou aplicativos móveis. O não cumprimento dessa exigência acarretaria a perda de repasses do SUS para a Atenção Básica19 . Esse processo pode ter incentivado a adoção de recursos tecnológicos, melhorias na conexão e capacitação das equipes, contribuindo para o aumento das notificações no SISAB.
O aumento no número de casos notificados de dor de dente ao longo do tempo também pode estar relacionado à expansão das equipes de saúde bucal. Um estudo mostrou que a cobertura de saúde bucal na APS cresceu mais do que a população no mesmo período20 . Isso significa que o aumento da cobertura levou a mais atendimentos. Embora a expansão tenha ocorrido principalmente entre as equipes de saúde bucal da Estratégia de Saúde da Família, incluindo uma população historicamente excluída, é importante considerar que muitos buscam o serviço em situações de dor3,16 .
As dificuldades de acesso e a alta demanda para consultas odontológicas e procedimentos preventivos ou tratamentos iniciais podem levar à procura por atendimentos de urgência ou emergência3 . Um estudo apontou que, entre 2008 e 2018, houve uma tendência de redução na realização de ações coletivas, preventivas individuais, restaurações e exodontias no SUS, enquanto os procedimentos protéticos apresentaram aumento21 . Esses dados reforçam a necessidade de repensar a lógica de atenção, indo além da simples expansão quantitativa e focando também na melhoria da qualidade e da resolutividade dos serviços do SUS.
No presente estudo observou-se que apenas em 2020 houve redução no número de casos notificados de dor de dente no Brasil, tanto nas regiões geográficas quanto nas unidades federativas. Esse dado está alinhado com o impacto da pandemia de COVID-19 na produção, provisão e atendimento odontológico, inclusive na APS22 .
Embora o atendimento odontológico durante a pandemia tenha sido restrito a casos de urgência ou emergência, incluindo dor de dente, outros fatores reduziram ainda mais a capacidade de atendimento. Entre esses fatores estão o afastamento de profissionais por risco ou contaminação, a relocação para a linha de frente, a escassez de materiais, a diminuição da capacidade de atendimento devido ao distanciamento físico e ao aumento do intervalo entre consultas, além da criação de pontos de atendimento mais distantes22,23 . Esses elementos provavelmente influenciaram a decisão de muitos usuários de não buscar o serviço público no primeiro ano da pandemia. Além disso, o impacto foi variável entre as localidades, devido ao retorno gradual das atividades, que dependia das decisões dos gestores de saúde locais, baseadas no quadro epidemiológico de cada região24 .
O presente estudo observou que as maiores taxas de notificação de dor de dente ocorreram nas regiões Norte e Nordeste, destacando-se os estados do Acre (AC), Alagoas (AL), Rio Grande do Norte (RN) e Tocantins (TO). Em contrapartida, as menores taxas foram registradas em estados como Rondônia (RO), Roraima (RR), Rio de Janeiro (RJ) e no Distrito Federal (DF). É importante notar que o DF não divulgou dados nos primeiros dois anos da análise, o que pode ter gerado subnotificação para o Centro-Oeste. Além disso, a região Centro-Oeste foi a que menos expandiu suas equipes de saúde bucal, conforme apontado por outro estudo6 .
As desigualdades entre as unidades federativas brasileiras podem ser explicadas por diversos fatores geográficos, econômicos, sociais, culturais e políticos. O formato tripartite de financiamento e gestão do SUS também contribui para essa variação, pois a adesão às políticas do Ministério da Saúde depende da capacidade de gestão local e das contrapartidas financeiras e formativas municipais e estaduais25,26 . Nesse contexto, a vigilância em saúde desempenha um papel importante na redução dessas desigualdades, conforme evidenciado pelos indicadores.
Quanto às regiões geográficas, o Norte e o Nordeste apresentaram as maiores taxas de notificação de dor de dente, enquanto o Sul e o Sudeste registraram as menores. Essa disparidade pode estar ligada tanto à disponibilidade de serviços quanto às condições epidemiológicas mais desfavoráveis em áreas de maior vulnerabilidade socioeconômica, como o Nordeste, que tem as maiores taxas de ocorrência. Embora o Nordeste tenha a maior cobertura populacional de equipes de saúde bucal na APS vinculadas à ESF, a região também enfrenta as maiores necessidades em saúde bucal, devido a maior dependência do SUS, alta demanda epidemiológica e condições socioeconômicas precárias27 . Isso destaca a importância de estratégias específicas para ampliar o acesso e atender adequadamente essa população.
Por outro lado, o Sudeste, apesar de ter baixa cobertura da ESF28 , apresenta as menores taxas de notificações e maior prevalência de equipes de saúde bucal que realizam procedimentos preventivos, em conformidade com o modelo sanitarista que visa o bem-estar da população29 . A região também possui um alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e melhores condições socioeconômicas, em contraste as regiões Norte e Nordeste, onde as condições socioeconômicas são mais desfavoráveis. Essa disparidade evidencia como as desigualdades socioeconômicas refletem diretamente em desigualdades de saúde30 .
A literatura mostra que o SUS ainda está influenciado por um modelo curativista-biomédico, que reduz o processo saúde-doença a uma perspectiva predominantemente fisiológica31 . Isso evidencia a necessidade de repensar o modelo de cuidado em saúde bucal oferecido. Como indicam os resultados deste estudo, a intencionalidade da ESF como forma de reorganização do modelo de atenção, com foco na prevenção e promoção da saúde, não está sendo plenamente atendida. Mesmo em regiões ou UFs com ampla cobertura da ESF observou-se elevado número de pessoas com dor de dente, sugerindo que o sistema está atuando de forma mais curativa do que preventiva. Isso revela uma falta de resolutividade, ao tratar apenas a doença e não considerar o usuário de forma integral.
Este estudo possui limitações por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, disponibilizados pelo Ministério da Saúde, com informações disponíveis limitadas. Embora os resultados tenham abrangência nacional, não há certeza sobre o processo de capacitação dos profissionais para seu correto preenchimento, principalmente porque os indicadores de vigilância em saúde não são de preenchimento obrigatório, e por isso os dados podem apresentar subnotificação.
Além disso, esta pesquisa utilizou dados provenientes de prontuários eletrônicos preenchidos por cirurgiões-dentistas vinculados às equipes de saúde bucal, considerando apenas usuários da APS do SUS que buscaram atendimento odontológico. Dessa forma, excluiu-se informações sobre indivíduos que não foram atendidos ou que procuraram outros tipos de serviços públicos, como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou Unidades Hospitalares. Apesar dessa limitação, este estudo ofereceu um panorama valioso da vigilância da dor de dente na APS e destacou a importância de incorporar novas fontes de dados e pontos de atenção que atendam essa condição.
É importante ressaltar que os dados sobre dor de dente são extremamente relevantes para a vigilância da saúde bucal da população, pois fornecem informações cruciais para avaliar a estrutura organizacional da APS. Além disso, esses dados podem contribuir para a implementação de novas políticas de saúde, considerando fatores contextuais que afetam a qualidade de vida da população, como aspectos socioeconômicos e comportamentais relacionados à saúde bucal e geral. Isso fortalece as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde dos indivíduos. No entanto, estudos futuros podem avaliar com maior precisão a implantação da política pública de saúde bucal na perspectiva da vigilância em saúde da dor dentária.
CONCLUSÃO
A taxa de dor de dente apresentou alta ocorrência no Brasil e houve um aumento anual na notificação de casos na Atenção Primária à Saúde, exceto em 2020, decorrente da pandemia de COVID-19.
Em relação às unidades federativas e regiões geográficas brasileiras, são evidentes as disparidades, sendo as taxas menores entre UFs nas regiões Sul e Sudeste, e as maiores nas regiões Norte e Nordeste.
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Fontes de fomento: não há.
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Editado por
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Editor associado responsável:
Luci Mara França Correia https://orcid.org/0000-0002-4977-255X
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
30 Ago 2024 -
Aceito
26 Nov 2024