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Análise fenotípica de gêmeas monozigóticas discordantes para disfunção temporomandibular dolorosa. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O desenho da pesquisa com gêmeos monozigóticos discordantes para a doença surgiu como uma ferramenta poderosa para a detecção de fatores de risco fenotípicos. O objetivo deste estudo foi relatar um caso clínico de gêmeas monozigóticas discordantes para disfunção temporomandibular (DTM) dolorosa a partir de análise fenotípica cognitivo-comportamental-emocional entre elas, por meio de comparação de variáveis clínicas de dor, histórico de exposição a procedimentos dolorosos na primeira infância e enfrentamento de dor (autoeficácia e lócus de controle).

RELATO DO CASO:

A gêmea-DTM apresentou diagnóstico de DTM dolorosa (dor miofascial com referência) e articular (deslocamento do disco com redução) segundo os critérios do Critérios de Diagnóstico para Distúrbios Temporomandibulares. A gêmea--controle não apresentou DTM, contudo apresentou manifestação clínica de outras dores crônicas. A gêmea-DTM apresentou limiar de dor à pressão reduzido, hiperalgesia em regiões trigeminais/extra-trigeminais quando comparados à gêmea-controle, que na primeira infância foi mais exposta a procedimentos dolorosos devido a problemas cardíacos congênitos. Ambas apresentaram sensibilização central de acordo com o Inventário de Sensibilização Central, embora a gêmea-DTM apresentou mais pensamentos catastróficos sobre a dor. A gêmea-DTM apresentou lócus de controle interno.

CONCLUSÃO:

Ambas as gêmeas apresentaram fenótipo de dor crônica, apesar do fato de serem discordantes para a DTM. Dentre as avaliações, as que mais diferiram entre o par foram o baixo limiar de dor à pressão e hiperalgesia local presentes na gêmea com DTM. O lócus de controle interno associado à maior sensibilidade indicou melhor enfrentamento da experiência dolorosa para a gêmea-DTM. Uma possível explicação para esta manifestação clínica está pautada na hipótese de que experiências dolorosas na primeira infância vivenciadas por ela tenham moldado um fenótipo de maior sensibilidade com melhor enfrentamento e resiliência frente à condição dolorosa.

Descritores:
Dor crônica; Dor facial; Gêmeos monozigóticos; Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular; Sensibilização do sistema nervoso central

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The design of research with monozygotic twins discordant for the disease has emerged as a powerful tool for the detection of phenotypic risk factors. The aim of this study is to report a clinical case of monozygotic twins discordant for pain-related temporomandibular joint disorder (TMD) from a cognitive-behavioral-emotional phenotypic analysis, from the comparison of clinical variables of pain, history of exposure to painful procedures in early childhood, and coping with pain.

CASE REPORT:

TMD-Twin presented a diagnosis of painful (myofascial pain with referral) and joint (disk displacement with reduction) TMD according to the criteria of the DC/TMD. Control-Twin did not show TMD, however she presented other chronic pains. TMD-Twin showed reduced pressure pain threshold, hyperalgesia in trigeminal and extra-trigeminal regions compared to the Control-Twin. TMD-Twin was more exposed to painful procedures and emotional events due to congenital heart problems. Both had central sensitization based on the Central Sensitization Inventory, although TMD-Twin had more catastrophic thoughts about pain. TMD-Twin presented an internal locus of control.

CONCLUSION:

Both monozygotic twins presented a chronic pain phenotype, although they were discordant with the TMD-related pain. The main differences were the lower pressure pain threshold and higher hyperalgesia locally presented by TMD-Twin. The internal locus of control indicates greater pain sensitivity, with better coping of the painful experience for the TMD-Twin. One possible explanation for this clinical condition can be that painful experiences in early childhood have shaped a phenotype of greater sensitivity with better coping and resilience to the painful condition.

Keywords:
Chronic pain; Facial pain; Monozygotic twin; Temporomandibular joint disorders; Central nervous system sensitization

INTRODUÇÃO

A desordem temporomandibular (DTM) pode ser compreendida como uma síndrome de dor musculoesquelética orofacial, que afeta principalmente as mulheres. É caracterizada por sinais e sintomas orofaciais, geralmente fáceis de administrar e/ou que se autorresolvem. Entretanto, uma parcela da população desenvolve um desequilíbrio no sistema endógeno de modulação da dor, resultando em um manejo desafiador. Nestes casos, a associação de alterações multissistêmicas, mudanças de comportamento, estado emocional e interações sociais são frequentemente observadas11 Ohrbach R, Dworkin SF. The Evolution of TMD Diagnosis: Past, Present, Future. J Dent Res 2016;95(10):1093-101.,22 Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, et al. Painful Temporomandibular Disorder: Decade of Discovery from OPPERA Studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.,33 Sessle BJ. Chronic orofacial pain: models, mechanisms, and genetic and related environmental influences. Int J Mol Sci. 2021;22(13):7112.. Assim, os sintomas da DTM devem ser entendidos como uma resposta individual complexa e específica, com sinais e sintomas individualizados, que podem ser amplificados ou atenuados, dependendo da composição genética e de fatores epigenéticos44 Diatchenko L, Anderson AD, Slade GD, Fillingim RB, Shabalina SA, Higgins TJ, et al. Three major haplotypes of the beta2 adrenergic receptor define psychological profile, blood pressure, and the risk for development of a common musculoskeletal pain disorder. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet. 2006;141B(5):449-62.,55 Meloto CB, Serrano PO, Ribeiro Dasilva MCR, Rizzatti-Barbosa C. Genomics and the new perspectives for temporomandibular disorders. Arch Oral Biol. 2011;56(11)1181-9.,66 Smith SB, Maixner DW, Greenspan JD, Dubner R, Fillingim RB, Ohrbach, R et al. Potential genetic risk factors for chronic TMD: genetic associations from the OPPERA case control study. J Pain. 2011;12(11):T92-T101.,77 Nissenbaum J, Devor M, Seltzer Z, Gebauer M, Michaelis M, Tal M, et al. Susceptibility to chronicpain following nerve injury is genetically affected by CACNG2. Genome Res. 2010;20(9):1180-90..

Estudos sobre gêmeos têm desempenhado um papel essencial em estimar a fração hereditária de centenas de características fenotípicas e condições patológicas. O projeto de pesquisa com gêmeos monozigóticos (MZ) discordantes para a doença surgiu como uma poderosa ferramenta para a detecção de fatores de risco fenotípicos, pois permite a redução de uma gama de fatores de confusão desconhecidos tipicamente encontrados em estudos populacionais, especialmente em pesquisas relacionadas à epigenética88 Vitaro F, Brendgen M, Arseneault L. The discordant MZ twin method: one step closer to the holy grail of causality. Int J Behav Dev. 2009;33:376-82.. Gêmeos MZ compartilham um genótipo comum, ao mesmo tempo que, em sua maioria, não são idênticos. Vários tipos de discordância fenotípica podem ser observados, tais como diferenças na suscetibilidade a doenças e uma ampla gama de características antropomórficas. Há várias explicações possíveis para estas observações, mas uma delas é a existência de diferenças epigenéticas99 Kuratomi G, Iwamoto K, Bundo M, Kusumi I, Kato N, Iwata N, et al. Aberrant DNA methylation associated with bipolar disorder identified from discordant monozygotic twins. Mol Psychiatry. 2008;13(4):429-41.,1010 Bell JT, Spector TD. A twin approach to unravelling epigenetics. Trends Genet. 2011;27(3):116-25..

Considerando a complexidade dos fatores envolvidos na manifestação da DTM, o objetivo deste estudo foi relatar um caso clínico de gêmeas MZ discordantes para a dor relacionada à DTM a partir de sua análise fenotípica cognitivo-comportamental-emocional, a comparação das variáveis clínicas da dor, e o histórico de exposição a procedimentos dolorosos na primeira infância e o enfrentamento da dor (autoeficácia e lócus de controle).

RELATO DO CASO

Este relato de caso é parte de uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras -Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo) sob o protocolo CAAE 98129918.6.0000.5407. A diretriz CaRe (Case Report) foi usada para preparar este manuscrito e garantir a precisão, transparência e utilidade dos relatos de caso1111 Riley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, Kiene H, Helfand M, Altman DG, Sox H, Werthmann PG, Moher D, Rison RA, Shamseer L, Koch CA, Sun GH, Hanaway P, Sudak NL, Kaszkin-Bettag M, Carpenter JE, Gagnier JJ. CARE guidelines for case reports: explanation and elaboration document. J Clin Epidemiol. 2017 May 18. pii: S0895-4356(17)30037-9..

Informações das pacientes

Gêmeas 1 e 2, 20 anos, monozigóticas idênticas, estudantes universitárias, solteiras, vivendo na mesma família desde o nascimento até o momento atual.

Principais questões/sintomas e achados clínicos

A gêmea 1 apresentou diagnóstico de DTM dolorosa (dor miofascial com referência) articular (deslocamento do disco com redução) de acordo com os Critérios de Diagnóstico para Distúrbios Temporomandibulares (DC/TMD - versão para português brasileiro)1212 Ohrbach R, editor. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders: Assessment Instruments. Version 15 May 2016. [Critérios de Diagnóstico para Desordens Temporomandibulares: Protocolo Clínico e Instrumentos de Avaliação: Brazilian Portuguese Version 25 May 2016] Pereira Jr. FJ, Gonçalves DAG, Trans. http://www.rdc-tmdinternational.org Accessed on 27 Oct 2021.
http://www.rdc-tmdinternational.org...
. Além disso, ela relatou um histórico de otite recorrente e dificuldades no desenvolvimento da fala, apesar de não ter sofrido nenhuma lesão na região da articulação temporomandibular (ATM) durante o parto.

A gêmea 2 não apresentou a DTM de acordo com o mesmo protocolo de avaliação clínica, mas relatou uma condição dolorosa por aproximadamente 10 anos, incluindo os seios paranasais, as têmporas próximas aos olhos, a região frontal da cabeça e os músculos do trapézio. Ela também relatou ter a síndrome das pernas inquietas e o ovário policístico.

Linha do tempo

A gêmea 1 (gêmea-DTM) relatou ter um problema cardíaco congênito e, devido a isso, foi submetida a três cirurgias cardíacas durante a primeira infância. Além disso, ela tinha um baixo peso ao nascer e foi mantida na incubadora por dois meses. Tais condições de saúde a expuseram a mais procedimentos dolorosos (cirurgias, suturas, acesso venoso, injeções, entre outros) e eventos emocionais marcantes (incubadora, hospitalização, entre outros) do que a gêmea 2 (gêmea-controle).

Avaliação diagnóstica e métodos

As gêmeas foram avaliadas de acordo com:

  • Lista de Verificação de Comportamentos Orais - versão para português brasileiro11 Ohrbach R, Dworkin SF. The Evolution of TMD Diagnosis: Past, Present, Future. J Dent Res 2016;95(10):1093-101.,1313 Barbosa C, Manso MC, Reis T, Soares T, Gavinha S, Ohrbach R. Cultural equivalence, reliability, and utility of the Portuguese version of the Oral Behaviours Checklist. J Oral Rehabil. 2018;45(12):924-931.: a soma das pontuações para ambas foi alta, totalizando 29 para a gêmea com dor relacionada à DTM e 32 para a gêmea-controle (Tabela 1). De acordo com as pontuações totais, ambas as gêmeas apresentaram um possível bruxismo de vigília.

  • Limiar de Dor à Pressão (PPT): seus valores em áreas do trigêmeo (temporais anteriores, masseter e ATM) e de áreas extra-trigeminais (trapézio, epicôndilo lateral e joelho) foram comparados bilateralmente (compressão digital IDDK algometer™, Kratos, Cotia, São Paulo, Brasil). A gêmea-DTM apresentou menor PPT para todas as áreas avaliadas em comparação com a gêmea-controle, ou seja, maior sensibilidade à dor nas áreas trigeminais e extra-trigeminais (Figura 1).

  • A presença de hiperalgesia também foi analisada com o mesmo algômetro. Foi aplicada uma compressão constante (5 segundos) de 1,5 kg/f em cada ponto trigeminal e 2 kg/f em cada ponto extra-trigeminal. Uma pontuação representando a intensidade percebida da dor sentida foi solicitada (escala analógica visual - zero a 10). A gêmea--DTM relatou maior intensidade de dor durante o exame, especialmente nas áreas do trigêmeo e no trapézio, região comparada à gêmea-controle, indicando um maior nível de hiperalgesia1414 Campi LB, Jordani PC, Tenan HL, Camparis CM, Gonçalves DA. Painful temporomandibular disorders and central sensitization: implications for management-a pilot study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2017 Jan;46(1):104-110. doi: 10.1016/j. ijom.2016.07.005. Epub 2016 Aug 21. PMID: 27553896.
    https://doi.org/10.1016/j. ijom.2016.07....
    (Figura 2).

  • Inventário Breve de Dor (IBD - Versão Reduzida, em português1515 Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011 Apr;19(4):505-11. doi: 10.1007/s00520-010-0844-7. Epub 2010 Mar 10. PMID: 20221641.
    https://doi.org/10.1007/s00520-010-0844-...
    ): as pontuações estão representadas pela média dos valores atribuídos em cada dimensão de percepção (Tabela 2).

  • Escala de Locus de Controle da Dor - Forma C (PLOC-C, versão portuguesa1616 Araújo LG, Lima DMF; Sampaio RF; Pereira LSM. Pain Locus of control scale: adaptation and reliability for elderly. Braz J Phys Ther. October 2010; 14(5):438-445. DOI: 10.1590/S1413-35552010000500014.
    https://doi.org/10.1590/S1413-3555201000...
    ): observou-se que a gêmea-DTM tinha um locus de controle maior interno e em outras pessoas (parentes, amigos) do que a gêmea-controle, sendo o lócus de controle de ambas as iguais em outros profissionais de saúde e ao acaso (Tabela 2).

Tabela 1
Lista de Verificação de Comportamentos Orais: pontuações para cada item e soma total para as gêmeas

Figura 1
Limiar de dor à pressão para as áreas trigeminais e extra-trigeminais na comparação entre as gêmeas

Figura 2
Avaliação de hiperalgesia para as áreas trigeminais e extra--trigeminais na comparação entre as gêmeas

Tabela 2
Caracterização cognitivo-comportamental-emocional de cada irmã gêmea investigada de acordo com os protocolos de avaliação
  • Questionário Central de Sensibilização (Inventário de Sensibilização Central do Português Brasileiro - BP-CSI)1717 Caumo W, Antunes LC, Elkfury JL, Herbstrith EG, Busanello Sipmann R, Souza A, et al. The Central Sensitization Inventory validated and adapted for a Brazilian population: psychometric properties and its relationship with brain-derived neurotrophic factor. J Pain Res. 2017; 10:2109-122.: a gêmea-DTM teve uma pontuação de 45 e a gêmea-controle de 52 (Tabela 2). O número de locais dolorosos nas regiões trigeminais foi contado, marcado com um “X” em um mapa da dor do complexo cranioencefálico. A gêmea-DTM marcou 6 pontos, e a gêmea-controle marcou 7 pontos, diferindo sua localização (Tabela 2).

  • Escala de Catastrofização da Dor (PCS)1818 Sullivan MJL. The Pain Catastrophizing Scale: User Manual. 2009. 36 p.: a gêmea-DTM teve níveis de catastrofização mais altos, considerados como um fator de alto risco para dor crônica e ruminação, bem como impotência, do que a gêmea-controle (Tabela 2).

  • Escala de Consciência da Atenção Plena (MAAS) - versão brasileira1919 Barros VV, Kozasa, EH, Souza, IC, Ronzani, TM. Validity evidence of the Brazilian version of the Five Facet Mindfulness Questionnaire (FFMQ). Psicol Teor Pesq. 2014;30(3):317-27.: observou-se que o traço de atenção plena era maior na gêmea--DTM (Tabela 2).

Desafios diagnósticos e diagnósticos (incluindo outros diagnósticos considerados)

No início, o instrumento DC/TMD permitiu a confirmação da DTM em uma das gêmeas e no controle não. A expectativa inicial era de que a controle não apresentasse nenhuma condição dolorosa ou fenótipo de dor. Entretanto, apesar da ausência do diagnóstico de DTM, a gêmea-controle apresentava dor crônica de cefaleia primária. Isto foi um desafio para entender como diferentes diagnósticos de dor crônica poderiam se manifestar fenotipicamente em cada uma das gêmeas, considerando que ambas têm o mesmo genótipo.

DISCUSSÃO

Gêmeos idênticos (monozigóticos) sempre intrigaram pesquisadores, já que eles têm o mesmo genótipo ao nascer e desenvolvem fenótipos diferentes ao longo de suas vidas, tornando-se indivíduos completamente diferentes. Na última década, vários estudos com gêmeos monozigóticos discordantes foram publicados, pois com esta metodologia é possível estabelecer um desenho de estudo de caso-controle no qual uma série de variáveis são controladas, pois são compartilhadas entre os irmãos: material genético, ambiente social (se criados pela mesma família), idade, sexo, entre muitos outros2020 Hellman A, Chess A. Extensive sequence-influenced DNA methylation polymorphismin the human genome. Epigenetics Chromatin. 2010;3(1):11.,2121 Zwijnenburg PJ, Meijers-Heijboer H, Boomsma DI. Identical but not the same: the value of discordant monozygotic twins in genetic research. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet. 2010;153B(6):1134-49.,2222 Tan Q, Christiansen L, von Bornemann Hjelmborg J, Christensen K. Twin methodology in epigenetic studies. J Exp Biol. 2015;218(Pt 1):134-9..

A gêmea-DTM teve maior sensibilidade à dor (menor PPT) e hiperalgesia nas áreas trigeminais e extra-trigeminais quando comparada à gêmea-controle, indicando um quadro de dor crônica generalizada33 Sessle BJ. Chronic orofacial pain: models, mechanisms, and genetic and related environmental influences. Int J Mol Sci. 2021;22(13):7112.. Estas descobertas apontam para o fato de que a experiência nociceptiva vai além dos componentes genéticos herdados e é modulada por uma série de variáveis biopsicossociais, tais como atenção, avaliação com atribuição de significado cognitivo e emocional de sensações percebidas, o papel da doença em relação às normas e expectativas sociais e ao comportamento, muitas vezes mal-adaptativo22 Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, et al. Painful Temporomandibular Disorder: Decade of Discovery from OPPERA Studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.. O PPT e hiperalgesia reduzidos também foram identificados em regiões não afetadas por DTM dolorosas, indicando uma falta de modulação e controle da dor descendente. Além disso, os resultados do questionário CSI para ambas sugerem uma sensibilização central do sistema de dor, o que justifica a presença de dor referida à palpação encontrada na gêmea-DTM. Além disso, a gêmea-DTM apresentou pontuação total do IBD e de percepção de dor interferências com valores mais altos que a gêmea-controle, mas com um nível inferior de percepção sensorial da dor, representando uma interpretação cognitiva da experiência de dor talvez indicando uma maior resiliência adquirida por experiências dolorosas anteriores. Talvez, neste caso, a diferença tenha sido os vários procedimentos dolorosos na primeira infância aos quais a gêmea-DTM foi submetida. Nesse caso, é interessante notar que a intensidade sensorial da dor foi invertida para a percepção de interferência na vida das gêmeas. A gêmea-controle, que tinha maior percepção sensorial, apresentou menor percepção de interferência, e a gêmea-DTM, com menor percepção sensorial, apresentou uma maior percepção de interferência da dor nas atividades diárias, corroborando o conceito de multidimensionalidade da experiência dolorosa.

Observou-se que a gêmea-DTM teve mais pensamentos catastróficos relacionados à ruminação e impotência, com pontuações que sugerem um alto risco de cronicidade dolorosa. O fator de ruminação parece estar relacionado à atenção excessiva da paciente ao evento doloroso e o fator de impotência relacionado a uma autoavaliação da incapacidade de lidar com este valor de ameaça. A magnificação, por outro lado, com uma pontuação elevada para a gêmea-controle de acordo com o 75º percentil previamente estabelecido, diz respeito à magnitude da importância atribuída aos possíveis riscos de agravamento da condição, reiterando a ideia de que ela é também uma paciente com dor crônica, embora isto não se manifeste no sistema estomatognático2323 Suvinen TI, Reade PC, Hanes KR, Könönen M, Kemppainen P. Temporomandibular disorder subtypes according to self-reported physical and psychosocial variables in female patients: a re-evaluation. J Oral Rehabil. 2005;32(3):166-73.,2424 Zhi D, Aslibekyan S, Irvin MR, Claas SA, Borecki IB, Ordovas JM, et al. SNPs located at CpG sites modulate genome-epigenome interaction. Epigenetics. 2013;8(8):802-6..

O lócus de controle da dor foi semelhante entre as gêmeas, diferindo principalmente na dimensão do lócus de controle interno, maior para a gêmea-DTM. Isto demonstra maior responsabilidade interna para lidar com a dor do que a gêmea-controle. Talvez o traço mais pronunciado de atenção plena possa contribuir para um enfrentamento mais autônomo e otimista no gerenciamento do próprio corpo, enquanto também pode levar a pensamentos fixados sobre o estado doloroso e sua expectativa de melhora ou agravamento, relacionados com a catastrofização da dor. É possível que o aumento ou a diminuição da dor também esteja relacionado à atenção, dependendo de para onde o foco é direcionado. Neste caso, a intervenção baseada na atenção plena contribuiria com treinamento em não julgamento e equanimidade da atenção para diferentes sensações corporais, por exemplo2525 Baer RA, Smith GT, Lykins E, Button D, Krietemeyer J, Sauer S, et al. Construct validity of the five-facet mindfulness questionnaire in meditating and non-meditating samples. Assessment. 2008;15(3):329-42.,2626 Chiesa A, Serretti A. A systematic review of neurobiological and clinical features of mindfulness meditations. Psychol Med. 2010;40(8):1239-52..

Conhecer os níveis do traço de atenção plena em pessoas com DTM dolorosa pode elucidar, pelo menos em parte, o nível de consciência sobre pensamentos e comportamentos e processos internos resultantes da presença da dor. Além disso, também traz uma perspectiva positiva para o manejo das DTM crônicas dolorosas, contemplando o modelo biopsicossocial, com resultados neurofisiológicos e epigenéticos1818 Sullivan MJL. The Pain Catastrophizing Scale: User Manual. 2009. 36 p.,1919 Barros VV, Kozasa, EH, Souza, IC, Ronzani, TM. Validity evidence of the Brazilian version of the Five Facet Mindfulness Questionnaire (FFMQ). Psicol Teor Pesq. 2014;30(3):317-27.. Um nível mais alto do traço de atenção plena foi observado na gêmea-DTM, na qual o fator de ruminação parece estar relacionado à excessiva atenção da paciente ao evento doloroso e o fator de impotência relacionado a uma autoavaliação da incapacidade de lidar com o valor de ameaça, ambos apresentados por ela também1818 Sullivan MJL. The Pain Catastrophizing Scale: User Manual. 2009. 36 p.,2727 Sullivan MJ, Thorn B, Rodgers W, Ward C. A path model of psychological antecedents of pain experience: clinical and experimental findings. Clin J Pain. 2004;20(3):164-73.. A partir de uma visão mais ampla, esta desregulação multissistêmica do organismo leva a seu desequilíbrio interno, ou seja, à doença, na qual a percepção da dor, acompanhada da atribuição de significado cognitivo e emocional, é a principal motivação para busca de ajuda profissional2727 Sullivan MJ, Thorn B, Rodgers W, Ward C. A path model of psychological antecedents of pain experience: clinical and experimental findings. Clin J Pain. 2004;20(3):164-73.. Por outro lado, esta ajuda profissional tem seu papel bem executado quando o olhar se volta para o controle da dor e para aliviar o sofrimento daqueles que a procuram, para aliviar os sintomas primários e prevenir as consequências da dor não resolvida, já que um atraso no tratamento pode deprimir o sistema imunológico2828 Stålnacke C, Ganzer N, Liv P, Wänman A, Lövgren A. Prevalence of temporomandibular disorder in adult patients with chronic pain. Scand J Pain. 2020;21(1):41-7.,2929 Chichorro JG, Porreca F, Sessle B. Mechanisms of craniofacial pain. Cephalalgia. 2017;37(7):613-26..

Os pontos fortes deste caso estão relacionados à possibilidade de aplicar instrumentos específicos para analisar um modelo cognitivo-comportamental-emocional ligado a condições de dor crônica. Mas houve limitações relacionadas à ausência de análises genéticas e epigenéticas, que poderiam esclarecer características específicas no DNA de cada gêmea.

CONCLUSÃO

Este relato de caso mostrou que, embora as gêmeas sejam discordantes para a DTM dolorosa, a gêmea-controle também tem um fenótipo de dor crônica, baseado na análise cognitivo-comportamental-emocional. Entre as avaliações realizadas, a maior diferença entre o par foi o limiar de dor à pressão e hiperalgesia das regiões trigeminal e extra-trigeminal, e o lócus de controle interno, o que indica uma maior sensibilidade à dor, com um melhor enfrentamento da experiência dolorosa para a gêmea-DTM. A análise genética e epigenética poderia destacar outras particularidades destas manifestações. Este estudo pressupõe que a exposição a experiências dolorosas na primeira infância tornou a gêmea-DTM mais sensibilizada e moldou sua capacidade de enfrentamento da experiência de dor relacionada à DTM.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2021
  • Aceito
    08 Abr 2022
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