RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS A Doença de Camurati-Engelmann (DCE), ou Displasia Diafisária Progressiva, é uma síndrome genética rara, caracterizada por hiperostose progressiva periostal e endostal, principalmente nas diáfises dos ossos. A doença pode cursar com quadro álgico de difícil controle, mesmo em vigência de tratamento convencional com corticosteroides e anti-inflamatórios não esteroides (AINES), secundariamente à hiperostose diafisária e redução do canal medular, sendo necessária, nos casos mais graves, a descompressão cirúrgica. O objetivo deste estudo foi descrever o caso de uma paciente com diagnóstico de DCE, tendo sido realizado o bloqueio simpático venoso (BSV) através de infusão por via venosa de lidocaína, cetamina e sulfato de magnésio associado ao uso de opioide para tratar o quadro de dor crônica intensa e refratária aos diversos tratamentos experimentados, trazendo à tona novas propostas terapêuticas álgicas para essa doença rara.
RELATO DO CASO Trata-se de uma paciente do sexo feminino, 38 anos, com diagnóstico de DCE aos 16 anos de idade, portadora de quadro álgico crônico intenso generalizado, limitação funcional e tratamentos anteriores sem sucesso. Foi submetida a BSV seriado semanal, associado ao uso de opioide, resultando em importante redução na intensidade da dor, melhora da limitação física e aumento do intervalo entre as crises. Este relato é inédito, não havendo descrição anterior dessa associação terapêutica para o controle da dor.
CONCLUSÃO A associação do bloqueio simpático venoso ao uso de opioide pode ser uma opção segura de tratamento da dor refratária causada pela DCE.
Descritores:
Analgésicos opioides; Doenças raras; Dor crônica; Lidocaína; Síndrome de Camurati-Engelmann
DESTAQUES
Paciente portadora da Doença de Camurati-Engelmann, uma síndrome rara, com quadro de dor intensa em membros superiores, inferiores, coluna vertebral, face e cefaleia, sem resposta ao tratamento convencional com corticosteroides e anti-inflamatórios não esteroides
Alívio da dor com bloqueio simpático venoso semanalmente associado a um opioide
Nova perspectiva de alívio da dor
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES Camurati-Engelmann Disease (CED) or Progressive Diaphyseal Dysplasia is a rare genetic syndrome, characterized by progressive periosteal and endostal hyperostosis mainly in bone diaphysis. CED can presents intense pain that is difficult to control with conventional treatment using corticosteroids and non-steroidal anti-inflammatory drugs (NSAIDs), which may be secondary to diaphyseal hyperostosis and narrowed medullary canal, and in most severe cases, there is a need surgical decompression. The aim of this study was to report the case of a patient diagnosed with CED, in whom sympathetic venous blockade (SVB) was performed by intravenous infusion of lidocaine, ketamine and magnesium sulfate associated with opioids to treat severe chronic pain refractory to several usual treatment methods, bringing to light new therapeutic proposals for pain in this rare disease.
CASE REPORT A female patient, 38 years old, diagnosed with CED at 16 years old, with intense chronic widespread pain, functional limitation and previous unsuccessful treatments. She underwent a serial intravenous infusion of lidocaine, ketamine, and magnesium sulfate associated with opioid use, resulting in a significant reduction in pain intensity, improvement in physical limitation and increasing the interval between pain attacks. This report is unprecedented, with no previous description of this therapeutic approach to control pain in this disease.
CONCLUSION Treatment with intravenous infusion of lidocaine, ketamine and magnesium sulfate associated with opioid can be a safe option for treating refractory pain related to CED.
Keywords:
Carmurati-Engelmann syndrome; Chronic pain; Lidocaine; Opioid analgesics; Rare diseases
HIGHLIGHTS
Patient with Camurati-Engelmann disease, a rare syndrome with severe pain in the upper limbs, lower limbs, spine, face and headache, with no response to conventional treatment with corticosteroids and non-steroidal anti-inflammatory drugs
Pain relief with weekly sympathetic venous blockade associated with opioid
A new perspective on pain relief
INTRODUÇÃO
A doença de Camurati- Engelmann (DCE), ou Displasia Diafisária Progressiva, é uma doença rara do metabolismo ósseo, de herança genética autossômica dominante. Essa síndrome pertence ao grupo das hiperostoses craniotubulares, caracterizando-se por uma formação óssea endostal e periostal progressiva e simétrica, principalmente na diáfise dos ossos longos, de forma simétrica, determinando espessamento da cortical, alargamento diafisário e estreitamento do canal medular1-5 . Essa doença tem penetrância variável, podendo acometer vários membros de uma família ou ser um caso isolado1,2 . As manifestações clínicas mais frequentes são dor nos membros atingidos, às vezes incapacitante, marcha bamboleante (miopática), fraqueza muscular proximal e fadiga fácil.
A DCE é causada pela mutação no gene codificador da subunidade ß1 do Transforming Growth Factor -TGF ß1, localizado no cromossomo 19, um importante mediador do remodelamento ósseo, conduzindo a um aumento da atividade dessa molécula e a um desequilíbrio do turnover ósseo. O diagnóstico é baseado na história do paciente, através de achados clínicos e radiológicos característicos com espessamento cortical diafisário bilateral e simétrico. Não há prova laboratorial específica, o diagnóstico complementa-se com a pesquisa genética do gene TGF ß12,4 . É de grande relevância a inclusão da displasia óssea como diagnóstico diferencial em quadros de dores inespecíficas em membros. Não há um tratamento específico; em geral são usados corticosteroides e os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) para o controle da doença e da dor1-5 .
O objetivo deste estudo foi relatar o caso de uma mulher jovem com diagnóstico de DCE recebido na adolescência, diante dos desafios do tratamento da dor causada pela doença. Foi realizado BSV através da infusão intravenosa de lidocaína, cetamina e sulfato de magnésio6-13 , associado ao uso de opioide4 , no manejo da dor óssea intensa e refratária ao tratamento convencional, associação terapêutica inédita, sem descrição anterior, trazendo à tona novas propostas terapêuticas contra a dor para essa doença rara.
RELATO DO CASO
Inicialmente, todas as informações clínicas foram coletadas após autorização da Diretoria Clínica e obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todos os dados pessoais foram preservados.
Trata-se de uma paciente do sexo feminino, 38 anos, auxiliar de limpeza, filha de pais não consanguíneos, submetida a uma cirurgia bariátrica aos 33 anos, índice de massa corporal (IMC): 41, portadora de hipertensão arterial, asma brônquica, transtorno depressivo, síndrome do pânico, ex-etilista, que teve o diagnóstico de DCE aos 16 anos de idade, após 11 anos do início do quadro álgico, baseado em achados clínicos e imagenológicos.
A paciente referiu que aos 5 anos iniciou um quadro de dor intensa nos joelhos e nos calcanhares, descrita como profunda, que piorava com movimentos, com deambulação limitante pela dor, necessitando internação hospitalar por uma semana. Foi medicada com analgésicos, recebendo alta posteriormente sem investigação.
Aos 7 anos ela apresentou um novo episódio de dor intensa nos joelhos e tornozelos, impossibilitando-a de caminhar, sendo aventada a hipótese diagnóstica de febre reumática (FR), passando a usar penicilina benzatina profilática até os 14 anos de idade. Nessa ocasião teve início também um quadro de dor na tíbia esquerda, antebraços e mão direita, contínua, não articular, mencionada como dor óssea e muscular, que piorava com movimentos e exposição ao frio.
Aos 15 anos, a hipótese de FR foi descartada por um reumatologista, após realizar 2 biópsias ósseas na tíbia com resultado de esclerose óssea cortical, sendo então encaminhada à Clínica de Doenças Hereditárias, que emitiu o seguinte relatório:
Exame Físico: bom estado geral, sem acometimento cognitivo, observou-se obesidade e assimetria de membro inferior direito, com menor diâmetro que o membro inferior esquerdo (secundário à marcha). Ecocardiograma: hipertrofia concêntrica de ventrículo direito. Ecografia abdominal: normal. Radiografia de membros inferiores: espessamento periostal/cortical em diáfises de tíbias, maior à direita, alargamento diafisário distal femoral bilateral. Radiografia de coluna: escoliose. Biópsia tibial: esclerose óssea cortical. Cintilografia óssea: mostrou hipercaptação heterogênea do radiofármaco de grau acentuado em ossos longos dos membros superiores (MMSS), dos membros inferiores (MMII) e pé esquerdo. Dosagem sérica de Ca+2, fósforo inorgânico, fosfatase alcalina, hemograma, TSH, T3 e T4, urina 1 com resultados normais. ASLO = normal. IGE = 992 UI/mL (normal até 128 UI/mL), VHS = 20 mm/h (criança até 10 mm/h, mulheres até 20 mm/h), Proteína C Reativa = 120 mg/dL (normal abaixo de 1mg/dL) e Mucoproteínas = aumentadas. Fator Reumatóide = negativo, FAN = não reagente.
Foi concluído, após exaustiva revisão, que a hipótese mais plausível seria de displasia diafisária do tipo Camurati-Engelmann.
A história clínica, os achados clínicos, radiológicos e a cintilografia óssea levaram ao diagnóstico de DCE no ano de 2002. Embora tenha sido avaliada pela Clínica de Doenças Hereditárias, o teste genético não foi realizado. A paciente referiu mais dois casos semelhantes na família, com diagnósticos clínico-radiológicos de DCE (tia materna e irmão da avó materna). A paciente foi acompanhada pela Reumatologia e Ortopedia ao longo dos anos.
Após toda essa história clínica, a paciente foi encaminhada ao Serviço de Dor pela Reumatologia aos 38 anos. A queixa principal era dor difusa crônica generalizada, há 12 anos, de difícil manejo, com acompanhamento psiquiátrico. A paciente referiu ter um quadro de cefaleia frontal e occipital constante, dor na face e no ouvido à esquerda, assim como dor óssea e muscular intensa em braços, antebraços, mãos, quadris, joelho direito, pernas, tornozelos, dorso dos pés e em toda a coluna vertebral, com piora na movimentação e exposição ao frio, sem fator de melhora, com fraqueza muscular e fadiga, e com grande limitação na realização das atividades diárias e profissionais.
Ao exame físico ela apresentava-se normotensa, com frequência cardíaca = 76bpm, Sat O2 = 96%; em regular estado geral, eupneica, com obesidade mórbida, fala lentificada e sem comprometimento cognitivo. Ausculta cardiovascular normal; ausculta pulmonar com presença de sibilos esparsos bilateralmente; abdome globoso e indolor; reflexos osteotendíneos normais; diminuição da força proximal de MMSS e MMII; edema discreto nas pernas; pés supinados; coluna vertebral com discreta escoliose e limitação importante da extensão; dor à palpação na face, úmeros, tíbias distais e na coluna vertebral; marcha lenta e bamboleante.
A paciente referiu escore de dor na escala numérica verbal (ENV) = 8. Em uso de dipirona, paracetamol, gabapentina 600 mg/dia, ciclobenzaprina 10 mg/dia, topiramato 100 mg/dia, risperidona 4 mg/dia, amplictil 50 mg/dia, clonazepam 2 mg/dia, venlafaxina OD 225 mg/dia, hidroclorotiazida 25 mg/dia, AINES orais e injetáveis e uso de betametasona 3 mg intramuscular nas crises.
Ressonância magnética nuclear da coluna lombar: hipertrofia degenerativa das interapofisárias lombares, abaulamento discal difuso com impressão dural e bases foraminais no nível L3-L4.
Cintilografia óssea recente: aumento heterogêneo da concentração do radiofármaco em grau moderado nas diáfises das tíbias, e em menor grau na calota craniana, ombros, úmeros, rádios, ulnas, coluna vertebral, articulações sacroilíacas, coxofemorais, fêmures, joelhos e ossos do tarso, bilateralmente, interpretado como aumento difuso da atividade osteogênica nos segmentos descritos (Figura 1).
Cintilografia óssea: aumento heterogêneo e moderado da concentração do radiofármaco nas diáfises das tíbias, e em menor grau em calota craniana, ombros, úmeros, rádios, ulnas, coluna vertebral, articulações sacroilíacas, coxofemorais, fêmures, joelhos e ossos do tarso bilateralmente. O detalhe na figura mostra o lado lateral do braço direito e do braço esquerdo.
Radiografias de MMSS e MMII recentes: espessamento e esclerose corticais nas diáfises dos ossos longos, com estenose do canal medular (Figuras 2 e 3).
(A) Radiografia de membros superiores direito e esquerdo em AP com espessamento da cortical e esclerose dos ossos longos úmeros, rádios e ulnas; (B) Radiografia de fêmur direito e esquerdo (em AP) com distribuição simétrica do espessamento da cortical e estenose do canal medular.
(A) Radiografia de tíbia e fíbula com presença de reação periostal, espessamento cortical, esclerose diafisária e deformidade óssea da tíbia; (B) Radiografia de tíbia e fíbula, poupando as metáfises e epífises distais.
Radiografia de crânio sem alteração, embora a cintilografia mostre comprometimento na calota craniana (Figura 4).
Radiografia de crânio (AP e perfil) sem evidência de anormalidade, embora a Cintilografia óssea da paciente evidencie aumento de atividade osteoblástica na calota craniana. Esse aumento pode ser notado mesmo antes da esclerose se tornar visível radiologicamente.
Como tratamento para o quadro álgico relevante foi proposta a realização do BSV, constituído por lidocaína 2 mg/kg, cetamina 0,1 a 0,3 mg/kg, MgSO4 a 10% 1-2 g, semanalmente, sem limitação do número de sessões, administrado ambulatorialmente com bomba de infusão por duas horas, sob monitorização multiparamétrica.
Além das sessões foi prescrito buprenorfina adesivo 10 mg, a dose de gabapentina foi aumentada para 900 mg/dia, com encaminhamento à fisioterapia e à hidroterapia ao sair da fase aguda. Houve melhora importante das dores difusas no primeiro ciclo com 3 sessões. A ENV passou de 8 para 4, permanecendo dor moderada controlada por 3 meses. Na sequência, foi realizado o 2º ciclo com 10 sessões, com redução de ENV 8 para 3 por um período de 5 meses. A paciente encontra-se atualmente no 3º ciclo. Após o término de cada sessão ela obtém uma ENV de 0 a 2. A buprenorfina foi substituída por tramadol 100 mg de 8/8h, após 6 meses de uso, devido à falta de distribuição do fármaco na instituição. Com a redução da dor houve melhora na mobilidade da paciente, que passou a realizar pequenas caminhadas de 10 minutos (5 vezes na semana) e iniciou sessões de hidroterapia duas vezes por semana.
DISCUSSÃO
Este estudo descreveu um caso de paciente de 38 anos com diagnóstico de DCE realizado na adolescência, com apresentação clínica, características radiológicas, cintilográficas e dificuldade no controle da dor causada pela doença. O seu diagnóstico foi baseado nos achados clínicos e radiológicos característicos e específicos, de acordo com um estudo de referência2,4 . Passou por avaliação genética que concluiu ser compatível com a doença, porém sem a realização do teste genético para TGF ß1, embora a análise genética constitua uma ferramenta adicional para a confirmação do diagnóstico5 .
A DCE é uma síndrome genética rara com mutação heterozigótica, de expressividade fenotípica bastante variada, produzindo diferentes quadros clínicos, com pouco mais de 300 relatos na literatura mundial1,4 .
A DCE é marcada radiologicamente por uma displasia óssea esclerosante resultante de uma mutação em um gene localizado no cromossomo 19 que codifica TGF ß1, um importante mediador do remodelamento ósseo, produzindo uma expressão errônea dessa molécula, levando à redução da atividade osteoclástica e ao aumento da atividade osteoblástica, com predomínio de deposição óssea intramembranosa2 .
Os pacientes afetados apresentam acometimento de ossos do crânio e da diáfise dos ossos longos, poupando as metáfises e epífises que são de formação óssea endocondral, como foi observado na paciente. Os achados da cintilografia óssea foram úteis, mostrando aumento de captação do radiofármaco em várias áreas do corpo, incluindo o crânio, que apresentou uma imagem radiológica normal. A cintilografia óssea é um importante método para o acompanhamento da evolução da doença, pois a hipercaptação do marcador radioativo pode ser percebida mesmo antes que a esclerose seja visível radiologicamente1-4 .
Os sintomas podem ter início na infância ou em qualquer fase da vida; o paciente apresenta dor óssea envolvendo frequentemente ossos longos bilateralmente e o crânio, secundária a hiperostose diafisária característica específica, acompanhada por fraqueza muscular proximal, cefaleia, marcha alterada e fadiga fácil. A progressão da doença pode acometer também com as metáfises poupando as epífises; pode haver esclerose de base de crânio, acometimento de ossos como quadril, face, mandíbula, caixa torácica, vértebras e compressão de nervos1-5 . Os exames laboratoriais podem estar alterados, como fosfatase alcalina, hipocalcemia, hiperfosfatemia e aumento de velocidade de hemossedimentação3 .
Há grande dificuldade na realização do diagnóstico, muitas vezes levando ao equívoco, como mostrou este caso, em que a paciente foi diagnosticada e tratada para FR.
É relevante o diagnóstico diferencial com outras displasias que cursam com osteoesclerose e/ou hiperostose2-4 , como doença de Ribbing-Fairbank (displasia epifisária múltipla), doença de Van Buchem (hiperostose cortical generalizada, que afeta principalmente o crânio, a mandíbula com alargamento característico, clavícula, costelas e menos frequentemente ossos longos), displasia craniodiafisária (esclerose generalizada, principalmente dos ossos do crânio e face, com anormalidades faciais), displasia fibrosa poliostótica (substituição óssea por tecido fibroso), doença de Paget óssea e osteopetrose (aumento da densidade óssea de forma difusa, acometendo epífise, metáfise e diáfise).
Não há tratamento específico e a dor habitualmente é controlada com o uso de corticosteroides (prednisolona com dose de 0,5-1 mg/kg/dia) e AINES, e em casos muito graves, pode-se optar por cirurgia para descompressão do canal medular3,4 . Os corticosteroides têm um certo papel de reduzir a densidade óssea pela redução da proliferação, diferenciação e formação óssea de osteoblastos e promovem a proliferação e diferenciação dos precursores de osteoclastos3,4 , devendo-se levar em consideração os riscos dos efeitos colaterais desses fármacos com o uso a longo prazo.
Há relatos na literatura sobre a eficácia no alívio da dor óssea de diferentes fármacos combinados à terapia convencional, tais como a calcitonina como analgésico e a losartana como antagonista do TGF ß11 . Um estudo fez uso de dose única de ácido zoledrônico 5 mg intravenoso, resultando em alívio imediato da dor, conseguindo retirar o esteroide após 6 meses e obtendo remissão da dor com etoricoxibe 60 mg/dia1 . Outro estudo alcançou um controle adequado da dor somática persistente aos tratamentos convencionais com uso de opioide, hidrocodona 500mg, de 8 em 8 horas, em uma paciente portadora de DCE4 . O manejo da dor e a capacitação física são aspectos essenciais da abordagem do paciente com DCE.
Para a paciente deste estudo, optou-se por intervenção com BSV composto por lidocaína, cetamina e sulfato de magnésio, semanalmente, e pelo uso de opioide diante do quadro de dor crônica intensa, intratável e com limitação física com os tratamentos previamente experimentados.
O BSV é uma terapia usada para dor refratária de diversas naturezas, nociceptiva, somática/visceral, neuropática e nociplástica, sem descrição prévia para o tratamento da dor causada pela DCE6-10 . Um estudo retrospectivo investigou o efeito da infusão intravenosa de lidocaína com cetamina em 319 pacientes, com um total de 2995 infusões em portadores de diversos tipos de dor crônica refratária: dor neuropática, pós-cirúrgica crônica ou pós-traumática crônica, dor crônica primária, dor oncológica e síndrome dolorosa regional complexa, concluindo ser uma combinação segura, mostrando benefícios na redução da dor a curto prazo e redução moderada a longo prazo10 . De acordo com outro estudo, a cetamina e o magnésio são dois antagonistas principais do receptor N-metil-D-Aspartato (NMDA), utilizados no tratamento da dor pós-operatória e de diversas condições de dor aguda e crônica13 . Há inúmeras teorias sobre os mecanismos de ação antinociceptiva dos fármacos utilizados no BSV, assim como uma ampla base de evidências que apoia os seus usos.
A lidocaína é um anestésico local amplamente usado para diversas finalidades, como anestesia regional, antidisrítimico e analgésico para dor neuropática periférica e central. A administração de lidocaína venosa reflete seu mecanismo multifatorial, decorrente da interação com os canais de Na+ e interação direta e indireta com diferentes receptores e vias de transmissão nociceptiva, embora o mecanismo farmacológico ainda não seja bem compreendido, resultando em seus efeitos potenciais6-9 . Dentre seus efeitos anti-inflamatórios pode-se citar a inibição da produção e migração de citocinas pró-inflamatórias, granulócitos e da liberação de enzimas lisossômicas. Os efeitos anti-hiperalgésicos compreendem a modulação dos receptores NMDA através de um efeito semelhante ao da glicina e a redução do aumento da excitabilidade mediada pelo cálcio dos neurônios nociceptivos centrais.
A inibição da transmissão nociceptiva é mediada pela monoetilglicinexilidida, um metabólito ativo da lidocaína que inibe o transportador 1 da glicina, levando ao aumento das concentrações extracelulares de glicina, um neurotransmissor inibitório, podendo reduzir a transmissão nociceptiva.
O estímulo das vias descendentes inibitórias pode aumentar a acetilcolina no líquido cefalorraquidiano através dos receptores muscarínicos (M3) e nicotínicos, podendo aumentar a atividade da via inibitória descendente.
Em resumo, a lidocaína possui as seguintes características: agonista muscarínico, redução da produção de aminoácidos excitatórios, redução da produção de tromboxano A2, liberação de endorfinas, redução de neurocininas, liberação de adenosina trifosfato. Quanto à sensibilização central, sugere-se uma ação anti-hiperalgésica periférica da lidocaína na dor somática e central na dor neuropática, com resultante bloqueio da hiperexcitabilidade central6-8 .
A cetamina é um derivado da fenciclidina, descrita como um anestésico dissociativo, cujo bloqueio supraespinhal da subunidade NR2B do NMDA é considerado o efeito antinociceptivo mais importante. No entanto os efeitos analgésicos imediatos são provavelmente mediados por uma combinação de sensibilização do sistema opioide e antinocicepção através da ação aminérgica (inibição da recaptação da serotonina e noradrenalina e sua ativação). Os efeitos antineuropáticos podem depender de uma combinação de ação imediata mediada por um receptor NMDA e por canais de nucleotídeos cíclicos ativados por hiperpolarização (HCN1), podendo ter efeitos anti-inflamatórios inibindo o recrutamento das células inflamatórias, a produção de citocinas e regulando negativamente os mediadores inflamatórios9-11 .
O magnésio é o quarto cátion mais comum no organismo, sendo o segundo íon intracelular mais comum. O magnésio é considerado um antagonista não competitivo dos receptores NMDA na medula espinhal, desempenhando um importante papel na prevenção da sensibilização central e na atenuação da hipersensibilidade da dor estabelecida. O magnésio tem efeitos anti-inflamatórios, reduzindo os níveis plasmáticos de interleucina -6 (IL -6) e o fator de necrose tumoral alfa nos pós-operatório. O magnésio tem efeito antagonista alfa-adrenérgico e inibe a secreção neuroendócrina de cálcio, o que pode ter um impacto no processo nociceptivo12,13 .
A combinação da lidocaína por via venosa com opioide tem sido utilizada para o controle de dor intensa em vários casos, incluindo dor oncológica8 . Seu emprego no caso deste estudo mostrou ser uma opção segura e efetiva no controle da dor nociceptiva somática, oferecendo um certo conforto à paciente ao melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida.
Os fármacos explicitados acima, corroborando toda a literatura vigente para tratamento de diferentes diagnósticos de síndromes dolorosas, foram devidamente empregados para o tratamento da dor na DCE.
CONCLUSÃO
O quadro álgico da DCE pode ser de difícil manejo com o emprego dos AINES e corticosteroides. A intervenção com BSV e opioide associada à reabilitação física mostrou ser uma alternativa segura para o controle da dor nociceptiva somática e mista, refratária aos tratamentos convencionais, promovendo a redução do uso e dos efeitos causados por esses fármacos, melhorando a qualidade de vida da paciente, prolongando intervalos sem dor e evitando futuras recidivas dolorosas.
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Fontes de fomento:
não há.
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Editado por
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Editor associado responsável:
Anita Perpetua Carvalho Rocha de Castro https://orcid.org/0000-0002-1451-8164
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Jun 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
01 Maio 2024 -
Aceito
29 Mar 2025








