Acessibilidade / Reportar erro

Qualidade de sono e dores musculoesqueléticas em adolescentes: estudo observacional

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

As dores musculoesqueléticas (DME) possuem relação com fatores psicogênicos e qualidade de sono, evidenciando que essa tríade se refere a um processo biopsicossocial. O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre má qualidade de sono e DME em adolescentes.

MÉTODOS:

Realizou-se estudo observacional, com delineamento transversal, no qual foram analisados 545 adolescentes, na faixa etária entre 11 e 15 anos. A qualidade do sono foi avaliada através do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI), a presença de DME pelo Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO), disfunções temporomandibulares pelo Eixo II dos Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular (RDC/TMD) e a sonolência diurna excessiva através da Escala de Sonolência de Epworth (ESE). Para avaliar associação entre duas variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher.

RESULTADOS:

A prevalência da má qualidade do sono, distúrbios do sono, DME e sonolência diurna excessiva foram 66,8, 9,5, 87,5 e 30,5%, respectivamente. Observou-se associação entre qualidade do sono e quantidade de horas de sono por noite [OR=1,49; (1,01 a 2,21)], e entre distúrbios do sono e DME na parte superior das costas [OR=1,9; (1,0 a 3,3)] e nos punhos e mãos [OR=2,8; (1,4 a 5,7)]. No entanto, não foi verificada associação entre qualidade do sono e DME [OR=1,29; (0,76 a 2,17)].

CONCLUSÃO:

Foi verificada associação entre distúrbios de sono e DME, bem como entre qualidade do sono e quantidade de horas dormidas por noite.

Descritores:
Adolescente; Dor musculoesquelética; Transtornos do sono-vigília

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Musculoskeletal pain (MSP) is related to psychogenic factors and quality of sleep, showing that this triad is a biopsychosocial process. The aim of this study was to analyze an association between poor sleep quality and MSP in adolescents.

METHODS:

This study has an observational, cross-sectional character, in which 545 adolescents, aged between 11 and 15 years, were analyzed. Sleep quality was assessed using the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), the presence of MSP using the Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ), temporomandibular disorder using the Axis II of the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) and excessive daytime sleepiness using the Epworth Sleepiness Scale (ESS). Pearson Chi-square or Fishers Exact test were used to assess the association between two categorical variables.

RESULTS:

The prevalence of poor sleep quality, sleep disorders, MSP and excessive daytime sleepiness were, respectively, 66.8, 9.5, 87.5 and 30.5%. An association was observed between the quality of sleep and the number of hours of sleep per night [OR = 1.49; (1.01 to 2.21)], and between sleep disorders and MSP in the upper back [OR=1.9; (1.0 to 3.3)], and the wrists and hands [OR=2.8; (1.4 to 5.7)]. However, there was no association between sleep quality and MSP [OR=1.29; (0.76 to 2.17)].

CONCLUSION:

An association was found between sleep disorders and MSP, as well as between the number of hours slept per night and quality of sleep.

Keywords:
Adolescent; Musculoskeletal pain; Sleep wake disorders

INTRODUÇÃO

O sono é uma condição em que ocorre alteração no estado de consciência, caracterizado pela redução da sensibilidade aos estímulos ambientais e alterações autônomas11 da Mota Gomes M, Quinhones MS, Engelhardt E. Neurofisiologia do sono e aspectos farmacoterapêuticos dos seus transtornos. Rev Bras Neurol. 2010;46(1):5-15.. Por estar relacionado à reparação, proteção e conservação da energia, é considerado um fator importante para manutenção da homeostase e bem-estar da saúde geral do indivíduo22 Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52.. Alterações no seu padrão, advindas de mudanças no estilo de vida, podem resultar em grandes prejuízos, especialmente em adolescentes22 Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52., 33 Segura-Jiménez V, Carbonell-Baeza A, Keating XD, Ruiz JR, Castro-Piñero J. Association of sleep patterns with psychological positive health and health complaints in children and adolescents. Quality Life Res. 2015;24:885-95..

Estudos indicam que essa faixa etária é a mais vulnerável a perturbações do sono, pois é nessa fase em que ocorre maturação do sistema nervoso, além de mudanças biológicas, psicológicas e sociais44 Leger D, Beck F, Richard JB, Godeau E. Total sleep time severely drops during adolescence. PLoS One. 2012;7(10):e45204., 55 Essner B, Noel M, Myrvik M, Palermo T. Examination of the factor structure of the adolescent sleep–wake scale (ASWS). Behav Sleep Med. 2015;13(4):296-307.. Essas condições associadas à falta de atividade física e ao uso demasiado de tecnologia e mídia podem dificultar a ação reparadora do sono e, consequentemente, gerar manifestações dolorosas66 Lima ACS, dos Santos IRDD, Guimarães LA, Queiroz BM. Qualidade do sono, atividade física e uso de tecnologias portáteis entre alunos do ensino médio. Adolesc Saúde. 2018;15(8):44-52.. Além disso, o sono pode se tornar fragmentado, aumentando o número de despertares e comprometendo a saúde física e mental77 Stepanski EJ. The effect of sleep fragmentation on daytime function. Sleep. 2002;25(3):268-76..

Os estudos sugerem que existe uma relação recíproca entre problemas do sono e dor, sendo que a dor pode afetar tanto a qualidade quanto a quantidade de sono e a falta de sono pode aumentar a dor22 Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52.. Partindo dessa premissa, dá-se uma sobreposição substancial entre dores musculoesqueléticas (DME), fatores psicogênicos e qualidade de sono, evidenciando que essa tríade se refere a um processo biopsicossocial88 Brand S, Gerber M, Puhse U, Holsboer-Trachsler E. The relation between sleep and pain among a nonclinical sample of young adults. Eur Arch Psych Clin Neurosci. 2010;260(7):543–51.. Nesse contexto, e considerando o crescente número de indivíduos que relatam má qualidade do sono e DME como queixas, este estudo buscou analisar tais associações em adolescentes.

MÉTODOS

Este estudo seguiu as recomendações do STROBE Statement (Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology)99 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008 Apr;61(4):344-9.. Foi realizado estudo observacional, com delineamento transversal, com 545 estudantes de 11 a 15 anos de idade, de ambos os sexos, matriculados nas escolas da rede pública de ensino da cidade do Recife-PE.

A coleta de dados foi realizada em sala de aula nas escolas públicas da cidade do Recife-PE, no período de outubro a novembro de 2018, sob sigilo, sem a presença de diretor (a) e/ou professores (as), a fim de evitar que o aluno se sentisse constrangido durante o processo de aplicação dos questionários. A tabulação e a análise dos dados foram realizadas entre novembro e dezembro de 2018 pelos pesquisadores do grupo de pesquisa.

Estudantes que estavam realizando algum tratamento direcionado ao distúrbio do sono, DME ou que apresentavam dificuldades cognitivas (referenciados pelos professores) que comprometiam a aplicação dos instrumentos foram excluídos.

A coleta de dados foi realizada através da mensuração de variáveis demográficas, qualidade do sono (Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh - PSQI), sintomas musculoesqueléticos (Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares - QNSO), sintomas de disfunção temporomandibular (Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular – RDC/TMD, Eixo II, questões 3 e 7) e nível de sonolência (Escala de Sonolência de Epworth - ESE). No questionário sociodemográfico, foram incluídas questões sobre idade (em anos), sexo e escolaridade, além de situação marital e profissional do responsável.

Para a avaliação da qualidade do sono, foi utilizada a versão brasileira do PSQI, validado para a população adolescente com faixa etária de 10 a 19 anos de idade1010 Passos MH, Silva HA, Pitangui AC, Oliveira VM, Lima AS, Araújo RC. Reliability and validity of the Brazilian version of the Pittsburgh Sleep Quality Index in adolescents. J Pediatr. 2017;93(2):200-6.. Neste estudo, a qualidade do sono foi categorizada como boa (= 4) e ruim (= 5) (má qualidade do sono + distúrbio do sono). Além disso, foi feita a avaliação dos adolescentes que apresentaram distúrbio do sono.

Para avaliar a presença de sintomas musculoesqueléticos, foi utilizado o questionário geral do QNSO. Este questionário corresponde a uma figura do corpo humano, dividido em 9 regiões e, através de escolhas binárias, o indivíduo responde sobre a ocorrência dos sintomas nos últimos 12 meses e nos últimos 7 dias1111 Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. Validação do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares como medida de morbidade. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):307-12..

A dor orofacial foi avaliada através da questão 3 (‘’Você já teve dor na face, nos maxilares, têmpora, na frente do ouvido ou no ouvido no mês passado”?) e 7 (‘’Como você classifica sua dor facial em uma escala de 0 a 10 no presente momento, isto é, exatamente agora, em que zero significa ‘sem dor’ e 10 a ‘pior dor possível”?) do RDC/TMD1212 Lucena LB, Kosminsky M, Costa LJ, Góes OS. Validation of the Portuguese version of the RDC/TMD Axis II questionnaire. Braz Oral Res. 2006;20(4):312-7..

A sonolência diurna excessiva foi avaliada por meio da ESE, composta por oito situações com objetivo de quantificar as possibilidades de o indivíduo adormecer. Seu score pode variar de 0 a 24 pontos, sendo os valores maiores que 9 considerados sonolência diurna excessiva e acima de 16 sonolência grave1313 Almeida GMF, Silva CP, Schlindwein-Zanini R. Instrumentos de avaliação do sono em adolescentes: revisão da literatura brasileira. 2015. Disponível em: < http://fiepbulletin.net/index.php/fiepbulletin/article/download/5709/12189>.
http://fiepbulletin.net/index.php/fiepbu...
, 1414 Bertolazi NA. Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: Escala de sonolência de Epworth e Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. 2008. Disponível em: < https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14041/000653543.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/hand...
. Para este estudo, a sonolência foi dividida em duas categorias: Sim (=10) e Não (=9).

Para avaliar associação entre duas variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher. Além disso, para avaliar a força das associações, foram obtidos os valores de Odds Ratio (OR) e respectivos intervalos de confiança (IC) de cada categoria em relação à categoria base. A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi de 5%.

Viés

O viés de amostragem foi evitado através da amostragem por conglomerados. Primeiramente, foram definidos os conglomerados: 1 - escola municipal e escola estadual; 2 - turmas. Depois, foi realizada a randomização em duas etapas. Na primeira etapa, foi feita a randomização das escolas municipais e estaduais para assegurar que a pesquisa fosse realizada proporcionalmente à quantidade de escolas nas seis regiões político-administrativas (RPA) para as instituições municipais e, nas áreas territoriais norte e sul, para as instituições estaduais. Na segunda etapa, após a definição das escolas, os alunos foram sorteados, tendo a preocupação da proporcionalidade entre as turmas.

O cálculo amostral foi realizado através do Software estatístico Epi info versão 7, com um IC de 95%, admitindo-se um erro de 5% e um efeito do desenho de 1.5. Utilizando-se uma prevalência de distúrbios do sono na adolescência de 50%, pela possibilidade da realização de múltiplos desfechos, visto que o presente estudo constitui um braço de uma pesquisa maior, obteve-se uma amostra mínima de 574 adolescentes baseado no estudo de Schlarb et al.1515 Schlarb A, Gulewitsch MD, Weltzer V, Ellert U, Enck P. Sleep duration and sleep problems in a representative Sample of german children and adolescents. Health. 2015;7 (11):1397-408.. Além disso, foram acrescidos 20% para compensar possíveis perdas, resultando numa amostra final de 688 adolescentes.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Pernambuco (Brasil), sob o processo número 1.432.302/2016. Todos os voluntários e seus pais ou responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da coleta de dados.

Análise estatística

Para avaliar associação entre duas variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste Exato de Fisher. Para avaliar a força das associações, foram obtidos os valores do OR e respectivos IC de cada categoria em relação à categoria base. A margem de erro utilizada na decisão dos testes estatísticos foi de 5%.

RESULTADOS

Entre os pesquisados, foi possível identificar que mais da metade dos alunos frequentava o turno da tarde (56,0%); a idade mais prevalente foi 13 anos (28,1%) e a distribuição por sexo foi aproximadamente uniforme, ou seja, 50,3% eram do sexo masculino e 49,7% do sexo feminino. Em relação aos responsáveis, 71,9% estavam empregados e 56,7% relataram possuir companheiros.

Observou-se que a maioria dos adolescentes (66,8%) apresentaram qualidade do sono ruim (má qualidade + distúrbio do sono). A sonolência diurna excessiva esteve presente em 30,5% dos adolescentes (sonolência diurna excessiva + sonolência grave), 32,8% dormiam menos de 8 horas por noite e 87,5% referiram dor (Tabela 1).

Tabela 1.
Qualidade do sono, sonolência diurna excessiva, horas de sono, frequência de tosse ou ronco forte e presença da dor

Não foram verificadas associações significativas entre qualidade do sono e características sociodemográficas (turno de aula, faixa etária, sexo, situação marital e profissional do responsável). Observou- se que a variável horas de sono foi a única variável que apresentou associação com a qualidade do sono, OR 1,49 (1,01 a 2,21) (Tabela 2).

Tabela 2.
Avaliação da qualidade do sono segundo as horas de sono, frequência de tosse ou ronco forte, da sonolência diurna excessiva e presença de dor

P1 e P4 foram perguntas do questionário. Este questionário tinha uma imagem do corpo humano, em que o adolescente marcava o local da dor. Portanto, quando ele pergunta: Nos últimos 7 dias, você teve algum problema em? Logo abaixo viria o corpo humano com os locais apontados para o adolescente assinalar.

É possível verificar associação estatisticamente significativa entre distúrbio do sono e dor na parte superior das costas (p=0,038, Tabela 3). Esses adolescentes tinham 1,9 vezes mais chances de ter dor na parte superior das costas em comparação com os que não tinham distúrbios do sono. Verificou-se também associação entre distúrbios do sono e dor nos punhos e mãos (p=0,004), região na qual os adolescentes sem distúrbio do sono tinham quase três vezes mais chances de não apresentarem dor.

Tabela 3.
Avaliação do distúrbio do sono, segundo o local da dor nos últimos 12 meses (P1)

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que distúrbios do sono foram associados à presença de DME e a qualidade do sono foi associada à quantidade de horas de sono por noite. Os resultados foram consistentes com o estudo que abordou a deterioração da saúde física relacionada à dor frente a presença negativa de distúrbios e quantidade de sono1616 Afolalu EF, Ramlee F, Tang NK. Effects of sleep changes on pain-related health outcomes in the general population: a systematic review of longitudinal studies with exploratory meta-analysis. Sleep Med Rev. 2018;39:82-97.. Portanto, esses achados sugerem que a quantidade e o distúrbio do sono são fatores de risco para a DME, assim a hipótese nula desse estudo foi rejeitada.

Observou-se que o percentual de adolescentes com qualidade do sono ruim foi mais elevado entre os que tinham menos de 8 h de sono por noite, o que pode ser explicado por uma relação bidirecional, em que há uma dessincronização entre os relógios biológicos e sociais, de modo que as necessidades impostas pela sociedade ao indivíduo fazem com que eles modifiquem os padrões de sono considerados ideais33 Segura-Jiménez V, Carbonell-Baeza A, Keating XD, Ruiz JR, Castro-Piñero J. Association of sleep patterns with psychological positive health and health complaints in children and adolescents. Quality Life Res. 2015;24:885-95.. Dessa forma, a rotina complexa exige menos horas de sono, o que provoca aumento patológico de secreção noturna do hormônio cortisol, favorecendo, em longo prazo, a instalação de um quadro de estresse subjetivo, depressão e sonolência diurna excessiva1717 Araujo MFMD, Vasconcelos HCAD, Marinho NBP, Freitas RWJFD, Damasceno MMC. Niveis plasmaticos de cortisol em universitários com ma qualidade de sono. Cad Saude Colet. 2016;24(1):105-10..

A priori, achava-se que apenas os adolescentes que estudavam no turno matutino apresentariam qualidade do sono ruim, visto que, com o atraso de fase característico da adolescência, eles dormem tarde; porém, como precisam acordar cedo, acabam dormindo menos horas que o necessário. Entretanto, a presente pesquisa mostrou que mais da metade dos adolescentes frequentavam a escola no período da tarde e apresentavam qualidade do sono ruim. Portanto, estudar a tarde influencia o adolescente a dormir mais tarde ainda, logo, além da quantidade de horas de sono estar relacionada à qualidade do sono, a higiene deste sono também possui grande relevância, uma vez que dormir em ambientes claros proporciona supressão de melatonina, altera o ritmo circadiano, gerando distúrbios do sono1818 Vinstrup J, Jakobsen MD, Calatayud J, Jay K, Andersen LL. Association of stress and musculoskeletal pain with poor sleep: cross-sectional study among 3,600 hospital workers. Front Neurol. 2018;9:968.. Diferentemente de outros estudos, não foi encontrada associação significativa entre má qualidade do sono e presença de tosse ou ronco forte nos adolescentes avaliados1919 Santos Barbosa I, Souza JC, Muller PTG, Brito POC, Augusto CT, Cantarelli AC. Evaluation of the sleep disorders in patients submitted to polissomnography. Res Soc Develop. 2021;10(1):e40110111738., 2020 Loekmanwidjaja J, Carneiro ACF, Nishinaka MLT, Munhoes DA, Benezoli G, Wandalsen GF, Sole D. Distúrbios do sono em crianças com rinite alérgica persistente moderada-grave. Braz J Otorhinolaryngol. 2018;84(2):178-84., 2121 Alencar TC, Batista JFDOL, Toledo JMGF, Silveira MAC, Lyra MCA, Vieira SCM, et al. Associação entre qualidade do sono, bruxismo do sono e sonolência diurna excessiva em adolescentes. Braz J Develop. 2020;6(9):69157-73.. No entanto, vale ressaltar que os sintomas noturnos de ronco, chiado ou tosse são distúrbios do sono que podem acarretar implicações médicas importantes, como a apneia obstrutiva do sono, impactando negativamente na qualidade do sono e comprometendo o desempenho diário2222 Zielinski J, Zgierska A, Polakowska M, Finn L, Kurjata P, Kupsc W, et al. Snoring and excessive daytime somnolence among Polish middle-aged adults. Eur Respir J. 1999;14(4):946-50..

Por sua vez, distúrbios do sono têm sido associados ao prognóstico de DME e, apesar do mecanismo dessa relação ainda não ser claro, acredita-se que a sua causa se dá entre alterações físicas e o sistema opioidérgico, imunológico e endócrino2323 Harrison L, Wilson S, Munafo MR. Exploring the associations between sleep problems and chronic musculoskeletal pain in adolescents: a prospective cohort study. Pain Res Manag. 2014;19(5):e139-e145.. Existe associação entre sono fragmentado e dor, na qual há aumento de citocinas pró-inflamatórias que podem levar à hiperalgesia ou ao aumento da sensibilidade à dor, como também diminuição da grelina, neuro-hormônio responsável pela indução da antinocicepção espinhal e regulação da dor no cérebro2424 Souza Bleyer FT, Barbosa DG, Andrade RD, Teixeira CS, Felden EP. Sleep and musculoskeletal complaints among elite athletes of Santa Catarina. Rev Dor. 2015;16(2):102-8..

Sendo assim, especula-se que o relato das dores na parte superior das costas nos últimos 12 meses anteriores a esta pesquisa se apoie na hipótese de que os distúrbios do sono influenciaram na postura, gerando desequilíbrios musculares. Da mesma forma, pode ter ocorrido o inverso, e o sono alterado também pode ser provocado por uma DME já instalada, decorrente de práticas físicas descompensadas2525 Albuquerque C, Almeida C, Martins R, Cunha M. Determinantes de alterações musculoesqueléticas em adolescentes: implicações para a prevenção. Int J Develop Educ Psychol. 2019;1(2):353-64., 2626 Rocha SS, Mendonca JF, Alencar Junior FGP. Study of the prevalence of etiologic factors in patients with orofacial myofascial pain. Rev Odontol UNESP. 2007;36(1):41-6..

Diferentemente dos achados sobre associação entre dor na parte superior das costas com distúrbios do sono, foi identificada associação entre dores nos punhos e mãos com ausência de distúrbios do sono. Esse fato condiz com estudos que afirmam o uso crescente de aparelhos eletrônicos pelo público adolescente, principalmente antes de dormir e, como consequência, há uma tendência em adquirirem dores nas mãos e punhos, assim como maiores chances de apresentarem má qualidade de sono e sonolência diurna excessiva2727 Freitas CCM, Gozzoli ALDM, Konno JN, Fues VLR. Relação entre uso do telefone celular antes de dormir, qualidade do sono e sonolência diurna. Rev Med. 2017;96(1):14-20., 2828 Silva Bilche Soares AM, Prestes SCC, Prestes MP, Freitas Coelho TR, Lopes AC. O uso excessivo de smartphones em crianças, adolescentes e jovens: sintomas osteomusculares autorreferidos. J Health Sci Inst. 2019;37(3): 246-50..

As perdas amostrais não comprometeram os resultados, visto que o cálculo do tamanho da amostra foi baseado numa prevalência de 50%, vislumbrando a possibilidade de avaliar outros desfechos, uma vez que esta pesquisa fez parte de um estudo maior. No entanto, para as variáveis analisadas nesta pesquisa, a amostra necessária seria de 490, com base no estudo realizado por Schlarb et al.1515 Schlarb A, Gulewitsch MD, Weltzer V, Ellert U, Enck P. Sleep duration and sleep problems in a representative Sample of german children and adolescents. Health. 2015;7 (11):1397-408., cuja prevalência encontrada foi de 23,1%.

As limitações do presente estudo estão relacionadas ao seu delineamento, pois, sendo do tipo transversal, não é possível estabelecer uma relação de causalidade entre as variáveis. Dessa forma, é sugerido que outros estudos nesta temática sejam desenvolvidos em outras instituições escolares brasileiras, públicas e privadas, como também em períodos distintos, de forma que se possa construir um panorama nacional mais consistente deste assunto.

CONCLUSÃO

Existe associação entre distúrbios de sono e DME, assim como entre quantidade de horas dormidas por noite e qualidade do sono em adolescentes. Tais dados sugerem que impactos negativos relacionados ao sono podem influenciar a prevalência de DME e, consequentemente, a qualidade de vida desse grupo populacional.

REFERENCES

  • 1
    da Mota Gomes M, Quinhones MS, Engelhardt E. Neurofisiologia do sono e aspectos farmacoterapêuticos dos seus transtornos. Rev Bras Neurol. 2010;46(1):5-15.
  • 2
    Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52.
  • 3
    Segura-Jiménez V, Carbonell-Baeza A, Keating XD, Ruiz JR, Castro-Piñero J. Association of sleep patterns with psychological positive health and health complaints in children and adolescents. Quality Life Res. 2015;24:885-95.
  • 4
    Leger D, Beck F, Richard JB, Godeau E. Total sleep time severely drops during adolescence. PLoS One. 2012;7(10):e45204.
  • 5
    Essner B, Noel M, Myrvik M, Palermo T. Examination of the factor structure of the adolescent sleep–wake scale (ASWS). Behav Sleep Med. 2015;13(4):296-307.
  • 6
    Lima ACS, dos Santos IRDD, Guimarães LA, Queiroz BM. Qualidade do sono, atividade física e uso de tecnologias portáteis entre alunos do ensino médio. Adolesc Saúde. 2018;15(8):44-52.
  • 7
    Stepanski EJ. The effect of sleep fragmentation on daytime function. Sleep. 2002;25(3):268-76.
  • 8
    Brand S, Gerber M, Puhse U, Holsboer-Trachsler E. The relation between sleep and pain among a nonclinical sample of young adults. Eur Arch Psych Clin Neurosci. 2010;260(7):543–51.
  • 9
    von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008 Apr;61(4):344-9.
  • 10
    Passos MH, Silva HA, Pitangui AC, Oliveira VM, Lima AS, Araújo RC. Reliability and validity of the Brazilian version of the Pittsburgh Sleep Quality Index in adolescents. J Pediatr. 2017;93(2):200-6.
  • 11
    Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. Validação do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares como medida de morbidade. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):307-12.
  • 12
    Lucena LB, Kosminsky M, Costa LJ, Góes OS. Validation of the Portuguese version of the RDC/TMD Axis II questionnaire. Braz Oral Res. 2006;20(4):312-7.
  • 13
    Almeida GMF, Silva CP, Schlindwein-Zanini R. Instrumentos de avaliação do sono em adolescentes: revisão da literatura brasileira. 2015. Disponível em: < http://fiepbulletin.net/index.php/fiepbulletin/article/download/5709/12189>.
    » http://fiepbulletin.net/index.php/fiepbulletin/article/download/5709/12189
  • 14
    Bertolazi NA. Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: Escala de sonolência de Epworth e Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. 2008. Disponível em: < https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14041/000653543.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.
    » https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14041/000653543.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  • 15
    Schlarb A, Gulewitsch MD, Weltzer V, Ellert U, Enck P. Sleep duration and sleep problems in a representative Sample of german children and adolescents. Health. 2015;7 (11):1397-408.
  • 16
    Afolalu EF, Ramlee F, Tang NK. Effects of sleep changes on pain-related health outcomes in the general population: a systematic review of longitudinal studies with exploratory meta-analysis. Sleep Med Rev. 2018;39:82-97.
  • 17
    Araujo MFMD, Vasconcelos HCAD, Marinho NBP, Freitas RWJFD, Damasceno MMC. Niveis plasmaticos de cortisol em universitários com ma qualidade de sono. Cad Saude Colet. 2016;24(1):105-10.
  • 18
    Vinstrup J, Jakobsen MD, Calatayud J, Jay K, Andersen LL. Association of stress and musculoskeletal pain with poor sleep: cross-sectional study among 3,600 hospital workers. Front Neurol. 2018;9:968.
  • 19
    Santos Barbosa I, Souza JC, Muller PTG, Brito POC, Augusto CT, Cantarelli AC. Evaluation of the sleep disorders in patients submitted to polissomnography. Res Soc Develop. 2021;10(1):e40110111738.
  • 20
    Loekmanwidjaja J, Carneiro ACF, Nishinaka MLT, Munhoes DA, Benezoli G, Wandalsen GF, Sole D. Distúrbios do sono em crianças com rinite alérgica persistente moderada-grave. Braz J Otorhinolaryngol. 2018;84(2):178-84.
  • 21
    Alencar TC, Batista JFDOL, Toledo JMGF, Silveira MAC, Lyra MCA, Vieira SCM, et al. Associação entre qualidade do sono, bruxismo do sono e sonolência diurna excessiva em adolescentes. Braz J Develop. 2020;6(9):69157-73.
  • 22
    Zielinski J, Zgierska A, Polakowska M, Finn L, Kurjata P, Kupsc W, et al. Snoring and excessive daytime somnolence among Polish middle-aged adults. Eur Respir J. 1999;14(4):946-50.
  • 23
    Harrison L, Wilson S, Munafo MR. Exploring the associations between sleep problems and chronic musculoskeletal pain in adolescents: a prospective cohort study. Pain Res Manag. 2014;19(5):e139-e145.
  • 24
    Souza Bleyer FT, Barbosa DG, Andrade RD, Teixeira CS, Felden EP. Sleep and musculoskeletal complaints among elite athletes of Santa Catarina. Rev Dor. 2015;16(2):102-8.
  • 25
    Albuquerque C, Almeida C, Martins R, Cunha M. Determinantes de alterações musculoesqueléticas em adolescentes: implicações para a prevenção. Int J Develop Educ Psychol. 2019;1(2):353-64.
  • 26
    Rocha SS, Mendonca JF, Alencar Junior FGP. Study of the prevalence of etiologic factors in patients with orofacial myofascial pain. Rev Odontol UNESP. 2007;36(1):41-6.
  • 27
    Freitas CCM, Gozzoli ALDM, Konno JN, Fues VLR. Relação entre uso do telefone celular antes de dormir, qualidade do sono e sonolência diurna. Rev Med. 2017;96(1):14-20.
  • 28
    Silva Bilche Soares AM, Prestes SCC, Prestes MP, Freitas Coelho TR, Lopes AC. O uso excessivo de smartphones em crianças, adolescentes e jovens: sintomas osteomusculares autorreferidos. J Health Sci Inst. 2019;37(3): 246-50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2021
  • Aceito
    18 Jan 2022
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br