Acessibilidade / Reportar erro

Impacto da dor aguda e adequação analgésica em pacientes hospitalizados

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor é um sintoma frequente no ambiente hospitalar. O estudo objetivou identificar o impacto da dor aguda sobre as atividades de vida diária e analisar a adequação analgésica.

MÉTODOS:

Estudo transversal desenvolvido em seis unidades de um Hospital Universitário. Os pacientes foram avaliados quanto à presença e intensidade da dor e prejuízos às atividades de vida diária. A adequação analgésica foi avaliada pelo Índice de Manejo da Dor. A associação entre a dor e as características sociodemográficas e clínicas foi investigada por meio do teste Qui-quadrado. Um modelo de regressão logística foi aplicado para avaliar o impacto da intensidade da dor nas atividades.

RESULTADOS:

Foram avaliados 134 pacientes, com média de idade de 53 anos. No momento da entrevista 37 (27,6%) participantes referiram dor e 58 (45,7%) relataram dor nas 24h que antecederam a entrevista. A intensidade média da dor foi 6,6±2,4 e a dor foi mais frequente em pacientes do Pronto Atendimento, Unidade de Terapia Intensiva e Clínica Médica. Houve associação entre dor e sexo feminino e não foi encontrada associação com unidade de internação, diagnóstico e especialidade. A dor afetou a capacidade de comer (p=0,036) e dormir (p=0,008). A maior parte das prescrições (68%) estava inadequada à intensidade da dor.

CONCLUSÃO:

A frequência de dor foi alta e a incidência maior no sexo feminino, afetando de modo significativo a capacidade de comer e dormir. A prescrição de fármacos era inadequada à intensidade da dor em mais da metade dos pacientes, indicando a necessidade de aprimorar os protocolos de controle da dor.

Descritores:
Analgesia; Dor; Dor aguda; Enfermagem

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Pain is a frequent symptom in the hospital environment. The study aimed to identify the impact of acute pain on activities of daily living and to analyze analgesic adequacy.

METHODS:

Cross-sectional study carried out in six units of a University Hospital. Patients were assessed for the presence and intensity of pain and impact on activities of daily living. Analgesic adequacy was assessed by the Pain Management Index. The association between pain and sociodemographic and clinical characteristics was investigated using the Chi-square test. A logistic regression model was applied to assess the impact of pain intensity on activities.

RESULTS:

134 patients, mean age 53 years, were evaluated. At the moment of the interview 37 (27.6%) participants reported pain and 58 (45.7%) reported pain in the 24 hours before the interview. The average pain intensity was 6.6±2.4 and the pain was more frequent in patients in the Emergency Department, Intensive Care Unit and Internal Medicine. There was an association between pain and the female sex and there was no association with hospitalization unit, diagnosis, and specialty. Pain affected the ability to eat (p=0.036) and sleep (p=0.008). Most prescriptions (68%) were unsuitable for pain intensity.

CONCLUSION:

Frequency of pain was high, was more prevalent in women, and significantly impaired the ability to eat and sleep. Inadequacy of the analgesic regimen regarding intensity of pain was found in more than half of the patients, indicating that it's necessary to improve pain control in the hospital environment.

Keywords:
Acute pain; Analgesia; Pain; Nursing

INTRODUÇÃO

A dor aguda tem importante função de alerta e a crônica é um problema de saúde pública global11 Goldberg DS, McGee SJ. Pain as a global public health priority. BMC Public Health. 2011;11(1):770.. No ambiente hospitalar a dor pode resultar da doença em si, de processos diagnósticos ou de intervenções terapêuticas e pode ser fonte de estresse para os pacientes, podendo prolongar a internação ou induzir outras morbidades, aumentando os custos do tratamento22 Polomano RC, Dunwoody CJ, Krenzischek DA, Rathmell JP. Perspective on pain management in the 21st century. Pain Manag Nurs. 2008;9(1 Suppl):S3-S10..

A dor aguda contribui para a sua cronificação, provoca repercussões físicas e psicológicas, resultando em sofrimento, insatisfação com o atendimento, maior tempo de recuperação e maior risco de complicações33 Williamson KJ, Stram ML. The Epidemiology of Inadequate Control of Acute Pain. In: Abd-Elsayed A. (eds) Pain. Springer, Cham. 2019. 1005-7p. https://doi.org/10.1007/978-3-319-99124-5_214.
https://doi.org/10.1007/978-3-319-99124-...

4 Tighe P, Buckenmaier III CC, Boezaart AP, Carr DB, Clark LL, Herring AA, et al. Acute pain medicine in the United States: a status report. Pain Med. 2015;16(9):1806-26.

5 Dunwoody CJ, Krenzischek DA, Pasero C, Rathmell JP, Polomano RC. Assessment, physiological monitoring, and consequences of inadequately treated acute pain. J Perianesth Nurs. 2008;9(1 Suppl):S15-S27.
-66 Meissner W, Coluzzi F, Fletcher D, Huygen F, Morlion B, Neugebauer E, et al. Improving the management of post-operative acute pain: priorities for change. Curr Med Res Opin. 2015;31(11):2131-43.. O controle adequado da dor é um indicador de qualidade da assistência e direito humano fundamental, mas apesar dos esforços, seu manejo ainda é um desafio no contexto hospitalar22 Polomano RC, Dunwoody CJ, Krenzischek DA, Rathmell JP. Perspective on pain management in the 21st century. Pain Manag Nurs. 2008;9(1 Suppl):S3-S10.,33 Williamson KJ, Stram ML. The Epidemiology of Inadequate Control of Acute Pain. In: Abd-Elsayed A. (eds) Pain. Springer, Cham. 2019. 1005-7p. https://doi.org/10.1007/978-3-319-99124-5_214.
https://doi.org/10.1007/978-3-319-99124-...
,77 Cousins MJ, Lynch ME. The Declaration Montreal: access to pain management is a fundamental human right. Pain. 2011;152(12):2673-4.,88 Damico V, Murano L, Cazzaniga F, Dal Molin A. Pain prevalence, severity, assessment, and management in hospitalized adult patients: a result of a multi-center cross-sectional study. Ann Ist Super Sanita. 2018;54(3):194-200..

Conhecer o impacto da dor aguda e a adequação analgésica em pacientes hospitalizados pode contribuir para melhorar a assistência, assim, este estudo objetivou identificar o impacto da dor aguda sobre as atividades de vida diária de pacientes internados e analisar a adequação analgésica.

MÉTODOS

Estudo transversal, realizado nas Unidades de Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Recuperação Pós-Anestésica (RPA), Pronto Socorro Adulto, Unidade de Terapia Intensiva e Hospital-Dia (UTI) de Hospital Universitário da cidade de São Paulo com 110 leitos. Foram incluídos todos os pacientes adultos internados que preencheram os seguintes critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, capacidade de verbalização e compreensão preservadas, estar internado nos dois dias estabelecidos para a coleta de dados. Os pacientes internados nas UTIs e RPA deveriam, também, ter pontuação na Richmond Sedation and Agitation Scale (RASS) entre +1 e -2 para a inclusão no estudo.

A coleta de dados foi realizada por equipe treinada usando instrumento com dados sociodemográficos, clínicos e de tratamento. A intensidade da dor foi avaliada pela escala visual numérica (EVN)99 Karcioglu O, Topacoglu H, Dikme O, Dikme O. A systematic review of the pain scales in adults: which to use? Am J Emerg Med. 2018;36(4):707-14.. O impacto da dor nas atividades de vida diária como andar, sentar, comer, dormir, escovar os dentes, evacuar, mexer na cama, pentear o cabelo e respirar fundo/tossir foi avaliado respondendo ''sim'' ou ''não'' à pergunta: a dor que você sentiu nas últimas 24h dificultou alguma dessas atividades?

A adequação analgésica foi avaliada pelo Índice de Manejo da Dor (IMD)1010 Cleeland CS, Gonin R, Hatfield AK, Edmonson JH, Blum RH, Stewart JA, et al. Pain and its treatment in outpatients with metastatic cancer. N Engl J Med. 1994;330(9):592-6., que compara a potência do analgésico prescrito à intensidade da dor, pela fórmula IMD = potência analgésica (PA) - intensidade da dor (ID).

A PA foi classificada como: zero = nenhum analgésico prescrito; 1 = analgésico anti-inflamatório não hormonal (AINH); 2 = opioide fraco (p. ex.: tramadol, codeína); 3 = opioide forte (p. ex.: morfina, meperidina). A intensidade da dor foi classificada da seguinte maneira: zero = sem dor; 1 = dor leve (1-3); 2 = dor moderada (4-6); 3 = dor intensa (7-10). No IMD os escores resultantes variam de -3 a +3, sendo que valores negativos indicam inadequação analgésica e pontuação zero ou positiva representa sua adequação.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem e do Hospital Universitário da USP (Parecer: 1.596.360). Os participantes que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram incluídos no estudo.

Análise estatística

Os dados foram inseridos em planilha eletrônica e analisados em programa estatístico. Após a verificação de normalidade o teste Qui-quadrado foi utilizado para avaliar a associação da dor com as variáveis sociodemográficas e clínicas. Um modelo de regressão linear simples foi aplicado para avaliar o impacto da intensidade da dor nas atividades de vida diária. Para todas as análises foram considerados significativos valores de p<0,05.

RESULTADOS

Considerando a ocupação máxima dos leitos de adultos no Hospital Universitário em dois dias de coleta de dados seria possível alcançar uma população de 220 pacientes. Foram excluídos do estudo pacientes que recusaram participar (9,8%), que não atenderam aos critérios de inclusão (14,2%), que estavam fora da unidade de origem no momento da coleta de dados (7,0%) e os que participaram do estudo no primeiro dia de coleta de dados e permaneciam internados (8,1%), sendo incluídos 134 pacientes que preencheram os critérios de inclusão, o que representa 60,9% da ocupação máxima dos leitos nos dois dias de coleta.

A idade média foi de 53±19,4 anos, a maioria do sexo masculino (56,7%), internados nas unidades de Clínica Cirúrgica (31,3%), Clínica Médica (30,6%), Pronto Socorro (15,7%), RPA (9,7%), UTI (8,2%) e Ginecologia (4,5%). Em relação à especialidade, 53,4% dos pacientes estavam aos cuidados da Clínica Médica, 25,9% da Cirurgia Geral, 15,3% da Ortopedia e 5,4% da Ginecologia.

A prevalência de dor no momento da entrevista foi de 27,6% e nas últimas 24h foi 45,7%. A prevalência foi maior entre as mulheres (60,0%), em pacientes internados no Pronto Atendimento (68,8%), UTI (54,5%) e Clínica Médica (46,3%).

A intensidade média da dor foi de 6,6±2,4. Dor leve foi observada em 10,1% dos pacientes, dor moderada em 34,8% e dor intensa em 55,1%. A dor foi mais frequente em região abdominal (33,3%), membros inferiores (17,5%) e cabeça (12,7%), e era intermitente em 57,4% e contínua em 42,6% dos pacientes.

Houve associação da dor com o sexo feminino (p=0,005), mas não houve associação com a unidade de internação (p=0,177), diagnóstico (p=0,220) e especialidade médica (p=0,708).

As atividades mais afetadas pela dor foram movimentar na cama (61,2%), dormir (56,7%), andar (52,2%), sentar (37,3%) e comer (32,8%). A análise de regressão linear avaliou o impacto da intensidade da dor em cada uma das atividades de vida diária e mostrou impacto significativo da intensidade da dor na capacidade de comer e dormir. As demais atividades analisadas não foram afetadas significativamente pela presença de dor (Tabela 1).

Tabela 1
Análise do impacto da dor nas atividades

A análise da adequação analgésica indicou que a maior parte das prescrições estava inadequada à intensidade da dor, com potência analgésica inferior à esperada. Os esquemas analgésicos utilizados no hospital foram bastante variados e os mais frequentes foram a associação da dipirona ou paracetamol a opioide fraco (39,0%), analgésicos em monoterapia (28,8%) e analgésicos associados ou não a anti-inflamatórios não hormonais (AINHs) e opioides fracos (13,6%) (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição dos esquemas analgésicos e adequação analgésica segundo o Índice de Manejo da Dor

DISCUSSÃO

Os dados mostraram que 45,7% dos pacientes avaliados apresentaram dor nas últimas 24h, à semelhança de outros estudos que avaliaram o impacto da dor aguda em adultos hospitalizados88 Damico V, Murano L, Cazzaniga F, Dal Molin A. Pain prevalence, severity, assessment, and management in hospitalized adult patients: a result of a multi-center cross-sectional study. Ann Ist Super Sanita. 2018;54(3):194-200.,1111 Silva EJ, Dixe MA. Prevalência e características de dor em pacientes internados em hospital português. Rev Dor 2013;14(4):245-50.

12 Ramia E, Nasser SC, Salameh P, Saad AH. Patient perception of acute pain management: data from three tertiary care hospitals. Pain Res Manag. 2017:2017:7459360.
-1313 Tegegn HG, Gebreyohannes EA. Adequacy of cancer pain management and pain interference with daily functioning among patients visiting the oncology ward of an Ethiopian University. J Glob Oncol. 2017;3(2 Suppl):35s..

Revisão que analisou a dor aguda em pacientes internados e envolveu 14 estudos com 23.523 pacientes mostrou que 37,7 a 84,0% apresentaram dor nas últimas 24h e destes 9,0 a 36,0% relataram dor intensa1414 Gregory J, McGowan L. An examination of the prevalence of acute pain for hospitalised adult patients: a systematic review. J Clin Nurs. 2016;25(5-6):583-98.. No entanto, no presente estudo a frequência de dor intensa foi ainda mais elevada (55,1%).

Dor aguda é razão de grande desconforto, agitação e estresse para o paciente, família e equipe de saúde. O paciente com dor tem prejuízos na funcionalidade física e na qualidade de vida, recuperação mais lenta e maior risco de complicações55 Dunwoody CJ, Krenzischek DA, Pasero C, Rathmell JP, Polomano RC. Assessment, physiological monitoring, and consequences of inadequately treated acute pain. J Perianesth Nurs. 2008;9(1 Suppl):S15-S27.,66 Meissner W, Coluzzi F, Fletcher D, Huygen F, Morlion B, Neugebauer E, et al. Improving the management of post-operative acute pain: priorities for change. Curr Med Res Opin. 2015;31(11):2131-43.,1515 Gan TJ. Poorly controlled postoperative pain: prevalence, consequences, and prevention. J Pain Res. 2017;10:2287-98..

A intensidade e duração da dor aguda aumentam o risco de cronificação da dor1515 Gan TJ. Poorly controlled postoperative pain: prevalence, consequences, and prevention. J Pain Res. 2017;10:2287-98.,1616 Pozek JPJ, Beausang D, Baratta JL, Viscusi ER. The acute to chronic pain transition: can chronic pain be prevented? Med Clin North Am. 2016;100(1):17-30.. Na atualidade o controle da dor aguda é possível pela grande disponibilidade de analgésicos de classe e potência variadas, que podem ser associados a métodos não farmacológicos, de forma a potencializar a analgesia1717 Schug SA, Palmer GM, Scott DA, Halliwell R, Trinca J. Acute pain management: scientific evidence, 20ª ed. 2015. Med J Aust. 2016;204(8):315-7.,1818 Cuomo A, Bimonte S, Forte CA, Botti G, Cascella M. Multimodal approaches and tailored therapies for pain management: the trolley analgesic model. J Pain Res. 2019;12:711-4., portanto não há justificativa científica ou ética para que a dor não seja adequadamente tratada e os profissionais e instituições devem estar conscientes e preocupados no controle adequado da dor, seja aguda ou crônica.

A análise dos dados mostrou associação entre dor e sexo feminino, o que também foi evidenciado em outros estudos que investigaram dor em pacientes hospitalizados88 Damico V, Murano L, Cazzaniga F, Dal Molin A. Pain prevalence, severity, assessment, and management in hospitalized adult patients: a result of a multi-center cross-sectional study. Ann Ist Super Sanita. 2018;54(3):194-200.. Compreender a diversidade da dor e as respostas ao tratamento nos subgrupos mulheres, crianças, idosos e minorias étnicas foram fatores apontados como prioridade de pesquisa para prevenção da dor e seu impacto1919 Gatchel RJ, Reuben DB, Dagenais S, Turk DC, Chou R, Hershey AD, et al. Research agenda for the prevention of pain and its impact: report of the work group on the prevention of acute and chronic pain of the Federal Pain Research Strategy. J Pain 2018;19(8):837-51..

A elevada incidência de dor em mulheres é conhecida e parece estar relacionada à biologia feminina, fatores cognitivos e sociais como menor renda, menor acesso ao sistema de saúde e menor respeito à sua queixa de dor, resultando em prescrições ou reajuste de dose insuficientes2020 Fillingim RB. Individual differences in pain: understanding the mosaic that makes pain personal. Pain. 2017;158(Suppl 1):S11-8,2121 Dedicação AC, Sato TO, Avila MA, Moccellin AS, Saldanha ME, Driusso P. Prevalence of musculoskeletal pain in climacteric women of a Basic Health Unit in São Paulo/SP. Rev Dor. 2017;18(3):212-6.. Estudos indicam que há especificidades na representação neural da dor no córtex cerebral, diferenças no funcionamento do sistema imunológico, além de fatores hormonais que explicam a dor mais frequente e a menor tolerância à dor no sexo feminino2121 Dedicação AC, Sato TO, Avila MA, Moccellin AS, Saldanha ME, Driusso P. Prevalence of musculoskeletal pain in climacteric women of a Basic Health Unit in São Paulo/SP. Rev Dor. 2017;18(3):212-6.

22 Sorge RE, Totsch SK. Sex differences in pain. J Neurosci Res. 2017;95(6):1271-81.
-2323 Becker B, McGregor AJ. Men, women, and pain. Gend Genome. 2017;1(1):46-50.. Entre os aspectos cognitivos, as mulheres demonstram maior tendência a pensamentos catastróficos e ruminação, já em relação ao sistema de modulação da dor, observou-se menor eficiência do sistema de inibição endógena da dor entre as mulheres2121 Dedicação AC, Sato TO, Avila MA, Moccellin AS, Saldanha ME, Driusso P. Prevalence of musculoskeletal pain in climacteric women of a Basic Health Unit in São Paulo/SP. Rev Dor. 2017;18(3):212-6.,2222 Sorge RE, Totsch SK. Sex differences in pain. J Neurosci Res. 2017;95(6):1271-81..

No presente estudo não se encontrou associação entre a presença de dor e a unidade de internação ou tipo de diagnóstico, assim como em estudo multicêntrico realizado na Itália, que investigou a dor em adultos hospitalizados88 Damico V, Murano L, Cazzaniga F, Dal Molin A. Pain prevalence, severity, assessment, and management in hospitalized adult patients: a result of a multi-center cross-sectional study. Ann Ist Super Sanita. 2018;54(3):194-200..

O principal objetivo deste estudo foi analisar o impacto da dor aguda nas atividades diárias do paciente. Os achados mostraram que embora os pacientes tenham relatado maior frequência do impacto da dor em atividades gerais como capacidade de se movimentar na cama, dormir e andar, apenas a capacidade de comer e dormir apresentaram associação com a intensidade da dor, indicando que foram as atividades mais afetadas pela dor. Resultados semelhantes foram encontrados em pesquisa realizada na Islândia, a qual mostrou que a dor moderada e intensa interferiu nas atividades gerais e no sono2424 Zoëga S, Sveinsdottir H, Sigurdsson GH, Aspelund T, Ward SE, Gunnarsdottir S. Quality pain management in the hospital setting from the patient's perspective. Pain Pract. 2015;15(3): 236-46..

Doença e dor ocasionam grande desgaste ao organismo e o sono é fundamental para a restauração das funções psíquicas e físicas2525 Buysse DJ. Sleep health: can we define it? Does it matter? Sleep. 2014;37(1):9-17.. No ambiente hospitalar o sono é prejudicado pelo ruído, luminosidade, interrupções, perda de privacidade e estranhamento da cama, entre outros fatores2626 Costa SV, Ceolim MF. Fatores que interferem na qualidade do sono de pacientes internados. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):46-52.. A dor ativa o sistema reticular ascendente e desperta o paciente ou resulta em sono não reparador2727 Boakye PA, Olechowski C, Rashiq S, Verrier MJ, Kerr B, Witmans M, et al. A critical review of neurobiological factors involved in the interactions between chronic pain, depression, and sleep disruption. Clin J Pain. 2016;32(4):327-36..

A associação entre dor e prejuízo no sono e seu impacto negativo sobre o humor, tolerância, atenção e na cooperação no tratamento, entre outras, está amplamente descrito na literatura2727 Boakye PA, Olechowski C, Rashiq S, Verrier MJ, Kerr B, Witmans M, et al. A critical review of neurobiological factors involved in the interactions between chronic pain, depression, and sleep disruption. Clin J Pain. 2016;32(4):327-36.

28 Manzoli JPB, Correia MDL, Duran ECM. Definição conceitual e operacional das características definidoras do diagnóstico de enfermagem Padrão de Sono Prejudicado. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3105.
-2929 Moreno CRDC, Santos JLF, Lebrão ML, Ulhôa MA, Duarte YAD. Problemas de sono em idosos estão associados a sexo feminino, dor e incontinência urinária. Rev Bras Epidemiol. 2019;21(Suppl 2):e180018.. Talvez não seja possível interferir em fatores no ambiente hospitalar que prejudicam o sono, mas é possível controlar a dor para melhorar o sono e, portanto, ajudar no restabelecimento do paciente.

Pesquisa que avaliou a interferência da dor nas atividades de pacientes oncológicos, em contexto ambulatorial, concluiu que o impacto da dor nas atividades aumentou de modo proporcional ao aumento na intensidade da dor, à semelhança do presente estudo3030 Te Boveldt N, Vernooij-Dassen MJFJ, Burger N, Ijsseldijk M, Vissers K, Engels Y. Pain and its interference with daily activities in medical oncology outpatients. Pain Physician 2013;16(4):379-89.. As atividades mais afetadas pela dor intensa em pacientes com câncer foram o sono e atividade geral3030 Te Boveldt N, Vernooij-Dassen MJFJ, Burger N, Ijsseldijk M, Vissers K, Engels Y. Pain and its interference with daily activities in medical oncology outpatients. Pain Physician 2013;16(4):379-89..

Pesquisa multicêntrica, que também avaliou pacientes com câncer, explorou a interferência da intensidade da dor nas atividades de vida diária e evidenciou maior impacto da dor nas atividades de trabalho e geral e na capacidade de andar3131 Shi Q, Mendoza TR, Dueck AC, Ma H, Zhang J, Qian Y, et al. Determination of mild, moderate, and severe pain interference in patients with cancer. Pain 2017;158(6):1108-12..

Outro aspecto avaliado foi a adequação analgésica, sendo evidenciado que a maior parte das prescrições estava inadequada à intensidade da dor (68%). Dados semelhantes foram observados em estudo brasileiro que encontrou inadequação analgésica em 72% das prescrições3232 Sousa-Muñoz RLD, Rocha GES, Garcia BB, Maia AD. Prevalência de dor e adequação da terapêutica analgésica em pacientes internados em um hospital universitário. Medicina (Ribeirão Preto). 2015;48(6):539-48.. Pesquisa realizada na Etiópia, que avaliou a adequação analgésica em enfermaria oncológica também evidenciou que 65% das prescrições apresentavam potência analgésica inferior ao esperado1313 Tegegn HG, Gebreyohannes EA. Adequacy of cancer pain management and pain interference with daily functioning among patients visiting the oncology ward of an Ethiopian University. J Glob Oncol. 2017;3(2 Suppl):35s..

O subtratamento da dor, relacionado ao uso de analgésicos com potência insuficiente para a intensidade da dor, tem sido descrito por diversos autores3333 Reis-Pina P, Lawlor PG, Barbosa A. Adequacy of cancer-related pain management and predictors of undertreatment at referral to a pain clinic. J Pain Res. 2017;10:2097.,3434 García CA, Garcia JBS, Rosario Berenguel Cook MD, Colimon F, Flores Cantisani JA, Guerrero C, et al. Undertreatment of pain and low use of opioids in Latin America. Pain Manag. 2018;8(3):181-96.. As razões para tal descompasso podem ser diversas: avaliação inadequada da intensidade da dor; avaliação inadequada do alívio obtido com o tratamento e fraca comunicação entre profissionais, resultando em não reajuste da prescrição; medo ou desconhecimento da correta prescrição dos opioides e pequena valorização pelos profissionais do sofrimento e prejuízos advindos da dor, resultando em descaso com o tratamento.

Cabe ressaltar que o IMD é um índice conservador, pois leva em conta só a potência do analgésico e não a dose ou a associação de analgésicos, que têm efeito somatório. Neste estudo, os esquemas mais frequentes foram analgésicos associados a opioides fracos e analgésicos em monoterapia. Esquemas de analgesia incluindo apenas analgésicos também foram observados em outros estudos realizados em hospitais universitários, nos quais 42,7 a 87,8% das prescrições não incluíam opioides3232 Sousa-Muñoz RLD, Rocha GES, Garcia BB, Maia AD. Prevalência de dor e adequação da terapêutica analgésica em pacientes internados em um hospital universitário. Medicina (Ribeirão Preto). 2015;48(6):539-48.,3535 Ribeiro SBF, Pinto JCP, Ribeiro JB, Felix MMS, Barroso SM, Oliveira LFD, Sousa FA. Dor nas unidades de internação de um hospital universitário. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(5):605-11..

Apesar da predominância da associação entre analgésicos e opioides fracos, este estudo evidenciou grande variedade de esquemas analgésicos, nem sempre atendendo às recomendações da escada analgésica da Organização Mundial de Saúde3636 Vargas-Schaffer G. Is the WHO analgesic ladder still valid? Twenty-four years of experience. Can Fam Physician. 2010;56(6):514-7..

A analgesia multimodal é recomendada para manejo da dor, pois atua por diversos mecanismos de modulação da dor e pode reduzir os efeitos adversos, contribuindo para o controle da dor e para a recuperação dos pacientes3737 Helander EM, Menard BL, Harmon CM, Homra BK, Allain AV, Bordelon GJ, et al. Multimodal analgesia, current concepts, and acute pain considerations. Curr Pain Headache Rep. 2017;21(1):3.. As falhas identificadas na terapêutica analgésica sugerem a necessidade de treinamento das equipes médicas e de enfermagem e o desenvolvimento de protocolos de analgesia padronizados, que permitam reajustes para o resgate rápido e eficaz.

Entre as limitações deste estudo destaca-se o fato de que a coleta de dados foi realizada apenas em um hospital e somente em dois dias, em diferentes semanas, o que pode ter influenciado o tipo de procedimento realizado e as características dos pacientes internados. Outra limitação é o desenho transversal, que não permite estabelecer relações causais entre as variáveis.

CONCLUSÃO

A frequência de dor foi alta e a incidência maior no sexo feminino, afetando de modo significativo a capacidade de comer e dormir. A prescrição de fármacos era inadequada à intensidade da dor em mais da metade dos pacientes, indicando a necessidade de aprimorar os protocolos de controle da dor.

  • Fontes de fomento: CNPq, Edital Universal, Processo 421457/2016-3

AGRADECIMENTOS

Ao apoio financeiro do CNPq, Edital Universal, Processo 421457/2016-3, que possibilitou a realização deste estudo.

REFERENCES

  • 1
    Goldberg DS, McGee SJ. Pain as a global public health priority. BMC Public Health. 2011;11(1):770.
  • 2
    Polomano RC, Dunwoody CJ, Krenzischek DA, Rathmell JP. Perspective on pain management in the 21st century. Pain Manag Nurs. 2008;9(1 Suppl):S3-S10.
  • 3
    Williamson KJ, Stram ML. The Epidemiology of Inadequate Control of Acute Pain. In: Abd-Elsayed A. (eds) Pain. Springer, Cham. 2019. 1005-7p. https://doi.org/10.1007/978-3-319-99124-5_214
    » https://doi.org/10.1007/978-3-319-99124-5_214
  • 4
    Tighe P, Buckenmaier III CC, Boezaart AP, Carr DB, Clark LL, Herring AA, et al. Acute pain medicine in the United States: a status report. Pain Med. 2015;16(9):1806-26.
  • 5
    Dunwoody CJ, Krenzischek DA, Pasero C, Rathmell JP, Polomano RC. Assessment, physiological monitoring, and consequences of inadequately treated acute pain. J Perianesth Nurs. 2008;9(1 Suppl):S15-S27.
  • 6
    Meissner W, Coluzzi F, Fletcher D, Huygen F, Morlion B, Neugebauer E, et al. Improving the management of post-operative acute pain: priorities for change. Curr Med Res Opin. 2015;31(11):2131-43.
  • 7
    Cousins MJ, Lynch ME. The Declaration Montreal: access to pain management is a fundamental human right. Pain. 2011;152(12):2673-4.
  • 8
    Damico V, Murano L, Cazzaniga F, Dal Molin A. Pain prevalence, severity, assessment, and management in hospitalized adult patients: a result of a multi-center cross-sectional study. Ann Ist Super Sanita. 2018;54(3):194-200.
  • 9
    Karcioglu O, Topacoglu H, Dikme O, Dikme O. A systematic review of the pain scales in adults: which to use? Am J Emerg Med. 2018;36(4):707-14.
  • 10
    Cleeland CS, Gonin R, Hatfield AK, Edmonson JH, Blum RH, Stewart JA, et al. Pain and its treatment in outpatients with metastatic cancer. N Engl J Med. 1994;330(9):592-6.
  • 11
    Silva EJ, Dixe MA. Prevalência e características de dor em pacientes internados em hospital português. Rev Dor 2013;14(4):245-50.
  • 12
    Ramia E, Nasser SC, Salameh P, Saad AH. Patient perception of acute pain management: data from three tertiary care hospitals. Pain Res Manag. 2017:2017:7459360.
  • 13
    Tegegn HG, Gebreyohannes EA. Adequacy of cancer pain management and pain interference with daily functioning among patients visiting the oncology ward of an Ethiopian University. J Glob Oncol. 2017;3(2 Suppl):35s.
  • 14
    Gregory J, McGowan L. An examination of the prevalence of acute pain for hospitalised adult patients: a systematic review. J Clin Nurs. 2016;25(5-6):583-98.
  • 15
    Gan TJ. Poorly controlled postoperative pain: prevalence, consequences, and prevention. J Pain Res. 2017;10:2287-98.
  • 16
    Pozek JPJ, Beausang D, Baratta JL, Viscusi ER. The acute to chronic pain transition: can chronic pain be prevented? Med Clin North Am. 2016;100(1):17-30.
  • 17
    Schug SA, Palmer GM, Scott DA, Halliwell R, Trinca J. Acute pain management: scientific evidence, 20ª ed. 2015. Med J Aust. 2016;204(8):315-7.
  • 18
    Cuomo A, Bimonte S, Forte CA, Botti G, Cascella M. Multimodal approaches and tailored therapies for pain management: the trolley analgesic model. J Pain Res. 2019;12:711-4.
  • 19
    Gatchel RJ, Reuben DB, Dagenais S, Turk DC, Chou R, Hershey AD, et al. Research agenda for the prevention of pain and its impact: report of the work group on the prevention of acute and chronic pain of the Federal Pain Research Strategy. J Pain 2018;19(8):837-51.
  • 20
    Fillingim RB. Individual differences in pain: understanding the mosaic that makes pain personal. Pain. 2017;158(Suppl 1):S11-8
  • 21
    Dedicação AC, Sato TO, Avila MA, Moccellin AS, Saldanha ME, Driusso P. Prevalence of musculoskeletal pain in climacteric women of a Basic Health Unit in São Paulo/SP. Rev Dor. 2017;18(3):212-6.
  • 22
    Sorge RE, Totsch SK. Sex differences in pain. J Neurosci Res. 2017;95(6):1271-81.
  • 23
    Becker B, McGregor AJ. Men, women, and pain. Gend Genome. 2017;1(1):46-50.
  • 24
    Zoëga S, Sveinsdottir H, Sigurdsson GH, Aspelund T, Ward SE, Gunnarsdottir S. Quality pain management in the hospital setting from the patient's perspective. Pain Pract. 2015;15(3): 236-46.
  • 25
    Buysse DJ. Sleep health: can we define it? Does it matter? Sleep. 2014;37(1):9-17.
  • 26
    Costa SV, Ceolim MF. Fatores que interferem na qualidade do sono de pacientes internados. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):46-52.
  • 27
    Boakye PA, Olechowski C, Rashiq S, Verrier MJ, Kerr B, Witmans M, et al. A critical review of neurobiological factors involved in the interactions between chronic pain, depression, and sleep disruption. Clin J Pain. 2016;32(4):327-36.
  • 28
    Manzoli JPB, Correia MDL, Duran ECM. Definição conceitual e operacional das características definidoras do diagnóstico de enfermagem Padrão de Sono Prejudicado. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3105.
  • 29
    Moreno CRDC, Santos JLF, Lebrão ML, Ulhôa MA, Duarte YAD. Problemas de sono em idosos estão associados a sexo feminino, dor e incontinência urinária. Rev Bras Epidemiol. 2019;21(Suppl 2):e180018.
  • 30
    Te Boveldt N, Vernooij-Dassen MJFJ, Burger N, Ijsseldijk M, Vissers K, Engels Y. Pain and its interference with daily activities in medical oncology outpatients. Pain Physician 2013;16(4):379-89.
  • 31
    Shi Q, Mendoza TR, Dueck AC, Ma H, Zhang J, Qian Y, et al. Determination of mild, moderate, and severe pain interference in patients with cancer. Pain 2017;158(6):1108-12.
  • 32
    Sousa-Muñoz RLD, Rocha GES, Garcia BB, Maia AD. Prevalência de dor e adequação da terapêutica analgésica em pacientes internados em um hospital universitário. Medicina (Ribeirão Preto). 2015;48(6):539-48.
  • 33
    Reis-Pina P, Lawlor PG, Barbosa A. Adequacy of cancer-related pain management and predictors of undertreatment at referral to a pain clinic. J Pain Res. 2017;10:2097.
  • 34
    García CA, Garcia JBS, Rosario Berenguel Cook MD, Colimon F, Flores Cantisani JA, Guerrero C, et al. Undertreatment of pain and low use of opioids in Latin America. Pain Manag. 2018;8(3):181-96.
  • 35
    Ribeiro SBF, Pinto JCP, Ribeiro JB, Felix MMS, Barroso SM, Oliveira LFD, Sousa FA. Dor nas unidades de internação de um hospital universitário. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(5):605-11.
  • 36
    Vargas-Schaffer G. Is the WHO analgesic ladder still valid? Twenty-four years of experience. Can Fam Physician. 2010;56(6):514-7.
  • 37
    Helander EM, Menard BL, Harmon CM, Homra BK, Allain AV, Bordelon GJ, et al. Multimodal analgesia, current concepts, and acute pain considerations. Curr Pain Headache Rep. 2017;21(1):3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2020
  • Aceito
    26 Jul 2020
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br