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Uso da anestesia multimodal no tratamento da dor pós-operatória

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Hipócrates já dizia há 2400 anos: “aliviar a dor é uma obra divina”. A dor pós-operatória é um sintoma importante por causar repercussões na recuperação do paciente e devido ao risco de cronicidade da dor. Como opção de tratamento, tem-se a analgesia multimodal, sendo mencionada em diversos estudos como a melhor conduta, embora a terapia com opioides ainda seja o principal tratamento para a dor após intervenções cirúrgicas. O objetivo deste estudo foi descrever o uso da anestesia multimodal no tratamento da dor, em especial no pós-operatório.

CONTEÚDO:

Foi realizada uma revisão de literatura sobre estudos que explicitaram a analgesia multimodal e seus componentes, ou que analisaram opções terapêuticas de fármacos. O tema foi abordado a partir de uma consulta de artigos publicados nas bases LILACS, Scielo, Medline e Pubmed, na língua inglesa e em português, entre os anos de 2012 e 2022. As palavras-chaves utilizadas para pesquisa foram: “multimodal analgesia”, “multimodal anesthesia”, “surgical procedures” e “postoperative”. Nos resultados, foram listados exemplos de fármacos que fazem parte da analgesia multimodal em diferentes procedimentos.

CONCLUSÃO:

Nesse sentido, a anestesia multimodal demonstrou seus benefícios para o tratamento da dor no pós-operatório em vários procedimentos cirúrgicos. Contudo, são necessários novos estudos a fim de que esta modalidade seja utilizada de forma mais abrangente.

Descritores:
Anestesia multimodal; Dor; Pós-operatório; Tratamento

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Hippocrates already said 2400 years ago: “relieving pain is a divine work”. Postoperative pain is an important symptom, because it affects the patient’s recovery and because of the risk of pain chronicity. And as a treatment option, there is multimodal analgesia, mentioned in several studies as the best approach, although opioid therapy is still the main treatment for pain after surgical interventions. The objective of this study was to describe the use of multimodal anesthesia in the treatment of pain, especially in the postoperative period.

CONTENTS:

A literature review was performed on studies that explained multimodal analgesia, its components, and which analyzed therapeutic drug options. The theme was approached from a consultation of articles published in LILACS, Scielo, Medline and Pubmed, in English and Portuguese, between the years 2012 and 2022. The keywords used for research were: “multimodal analgesia”, “multimodal anesthesia”, “surgical procedures” “postoperative”. In the results, examples of drugs that are part of multimodal analgesia in different procedures were listed.

CONCLUSION:

In this way, multimodal anesthesia has demonstrated its benefits for the treatment of postoperative pain in various surgical procedures. However, further studies are needed so that this modality can be used more widely.

Keywords:
Multimodal anesthesia; Pain; Postoperative; Treatment

DESTAQUES

Este artigo descreve os componentes da anestesia multimodal e mostra sua eficácia através de procedimentos de analgesia combinada.

Neste artigo se discute a teoria multimodal e a importância do uso racional dos opioides.

INTRODUÇÃO

De acordo com a Associação Internacional para o Estudo da Dor, a dor é definida como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. A dor é considerada uma das principais causas do martírio humano, resultando em incapacidade, o que afeta a qualidade de vida11 Bertoncello KCG, Xavier LB, Nascimento ERP, Amante LN. Dor aguda na emergência: avaliação e controle com o instrumento de MacCaffery e Beebe. J Health Sci. 2016;18(4):251-6..

A dor aguda é causada pela ativação de nociceptores, mediadores químicos e inflamações, que ajudam a prevenir danos nos tecidos. No cenário da dor aguda, ela pode ser classificada como nociceptiva, inflamatória e neuropática. A dor nociceptiva é o resultado da ativação de neurônios sensoriais periféricos de alta frequência, por fortes estímulos nocivos, podendo ser mecânicos, químicos ou térmicos. A dor inflamatória decorre de resposta à inflamação do tecido, resultando na liberação de mediadores inflamatórios sensibilizantes, que geram redução do limiar dos nociceptores presentes no tecido inflamado. A dor neuropática é proveniente da lesão de nervos ou do sistema de transmissão sensorial da medula espinhal ou do cérebro22 Kehlet H, Jensen TS, Woolf CJ. Persistent postsurgical pain: risk factors and prevention. Lancet. 2006;367(9522):1618-25..

A dor é um dos efeitos da maioria dos procedimentos cirúrgicos. No pós-operatório, se não controlada adequadamente, pode se tornar dor crônica, que pode interferir no sono e na atividade física, e impactar negativamente no bem-estar do paciente. O seu controle adequado é importante para prevenir complicações como infarto agudo do miocárdio, arritmia, íleo paralítico, má cicatrização de feridas e insuficiência respiratória33 Safari S, Rokhtabnak F, Djalali Motlagh S, Ghanbari Garkani M, Pournajafian A. Effect of intraperitoneal bupivacaine on postoperative pain in laparoscopic bariatric surgeries. Surg Obes Relat Dis. 2020;16(2):299-305..

O manejo da dor pós-operatória com um único analgésico (abordagem unimodal) tem se mostrado inviável, possivelmente devido ao envolvimento de múltiplos mecanismos. O momento da intervenção analgésica após a estimulação cirúrgica foi investigado porque a administração de analgésicos reduziu a dor até certo ponto, mas teve benefícios insuficientes a longo prazo e não reduziu a hipersensibilidade, o que pode levar à sua cronicidade44 Gan, TJ. Poorly controlled postoperative pain: prevalence, consequences, and prevention. J Pain Res. 2017;10:2287-98..

Nesse sentido, a analgesia multimodal atua de diferentes modos e em diferentes locais no sistema nervoso, com o objetivo do alívio da dor por meio de recursos farmacológicos ou não farmacológicos. Dentre os tratamentos farmacológicos, pode ser citado o uso tradicional de anestésicos locais, antiinflamatórios não esteroides (AINES), opioides e fármacos não tradicionais, como anticonvulsivantes, agonistas alfa2-adrenérgicos e antagonistas do receptor N-metil D-aspartato (NMDA). Dentre as intervenções não farmacológicas, pode-se citar a terapia cognitivo-comportamental, a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS), entre outras55 Manworren RC. Multimodal pain management and the future of a personalized medicine approach to pain. AORN J. 2015;101(3):308-18..

O uso da analgesia multimodal tem se mostrado mais eficaz, reduzindo o uso de opioides e efeitos adversos em comparação com o uso de uma única modalidade66 Chou R, Gordon DB, de Leon-Casasola OA, Rosenberg JM, Bickler S, Brennan T, Carter T, Cassidy CL, Chittenden EH, Degenhardt E, Griffith S, Manworren R, Mc-Carberg B, Montgomery R, Murphy J, Perkal MF, Suresh S, Sluka K, Strassels S, Thirlby R, Viscusi E, Walco GA, Warner L, Weisman SJ, Wu CL. Management of Postoperative Pain: A Clinical Practice Guideline From the American Pain Society, the American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine, and the American Society of Anesthesiologists’ Committee on Regional Anesthesia, Executive Committee, and Administrative Council. J Pain. 2016;17(2):131-57.. A exposição continuada aos opioides reduz seus efeitos analgésicos, de modo que os pacientes necessitam de doses cada vez mais altas, aumentando o risco de dependência, overdose e depressão respiratória, podendo levar a óbito77 Volkow ND, Jones EB, Einstein EB, Wargo EM. Prevention and treatment of opioid misuse and addiction: a review. JAMA Psychiatry. 2019;76(2):208-6..

Os opioides têm sido utilizados há vários anos com a intenção de reduzir a necessidade de agentes hipnóticos e garantir analgesia eficaz88 Wick EC, Grant MC, Wu CL. Manejo da dor pós-operatória multimodal analgesia com analgésicos não opióides e técnicas. Uma revisão. Cirurgia JAMA2017;152(7):691-7.. Contudo, essa categoria de fármacos possui vários efeitos adversos, tais como náuseas, vômitos, constipação e retenção urinária; além de outras limitações, como menor eficácia contra a dor se o paciente está em movimento, atraso na reabilitação pós-operatória e hiperalgesia paradoxal. Além disso, os opioides podem ser causadores de dor aguda e crônica, sendo possível fazer imunomodulação no organismo, o que tem impacto em doenças infecciosas e cancerosas, como também gera dúvidas sobre os opioides serem possíveis causadores de neurotoxicidade99 Beloeil H. Opioid-free anesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2019;33(3):353-60.. Estudos mostram que muitos pacientes inicialmente prescritos para tratar a dor aguda, incluindo a dor pós-operatória, transitaram para a condição de adquirir substâncias no mercado negro, fazendo uso abusivo de fármacos. Sendo assim, as prescrições foram incriminadas no perioperatório e no tratamento de dor crônica. Todos esses motivos explicam a redução da administração de opioides no pós-operatório, assim como durante a anestesia em geral99 Beloeil H. Opioid-free anesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2019;33(3):353-60..

O estudo dos fenômenos álgicos é cada vez mais importante, pois o manejo adequado dos pacientes ainda é considerado um desafio. O fato de avaliações subjetivas serem propensas a erros e resultados com baixa acurácia clínica pode afetar a abordagem sobre a dor e a qualidade de vida do paciente11 Bertoncello KCG, Xavier LB, Nascimento ERP, Amante LN. Dor aguda na emergência: avaliação e controle com o instrumento de MacCaffery e Beebe. J Health Sci. 2016;18(4):251-6..

Dessa forma, a analgesia multimodal, ou analgesia balanceada, surgiu para controlar adequadamente a dor pós-operatória por meio dos efeitos aditivos e sinérgicos de vários analgésicos de baixa dose e técnicas de bloqueio periférico, reduzindo seus efeitos adversos. Assim, o presente estudo teve o objetivo de descrever os benefícios da analgesia multimodal no tratamento da dor pós-operatória, visando descrever os fármacos mais utilizados.

CONTEÚDO

O presente estudo se trata de uma revisão bibliográfica cujo tema foi a anestesia multimodal no tratamento da dor no pós-operatório. Para isso, foi realizada uma busca inicial na base Descritores em Ciência da Saúde (DeCS), disponibilizada pela Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), com as seguintes palavras-chave: “adult and multimodal”, “surgical procedures” e “postoperative”. Por conseguinte, houve o rastreamento das seguintes bases de dados: LILACS, Scielo e Pubmed. Também foram incluídos artigos encontrados na biblioteca virtual do portal da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, julgados relevantes pelos autores deste trabalho.

Os critérios para a inclusão de artigos foram: ensaios clínicos controlados randomizados e relatos de casos que abordassem o uso de anestesia multimodal e o manejo pós-operatório de pacientes adultos submetidos a processos cirúrgicos e ao seu período pós-operatório, a partir de uma consulta de artigos publicados nas línguas inglesa e portuguesa, entre os anos de 2012 e 2022. Para verificar se os artigos atenderam aos critérios de inclusão, primeiramente foram analisados os títulos dos estudos; os aprovados passaram para a leitura dos resumos e, por fim, foi feita uma seleção com base na leitura dos artigos disponíveis na íntegra.

Esta pesquisa excluiu estudos de caso ou estudos realizados com menos de 10 pacientes, estudos que avaliaram outros casos relacionados a dor em pacientes não adultos, como também estudos que não comprovavam o benefício da anestesia multimodal e abordavam somente o uso de opioides.

Foi feita uma análise descritiva dos dados apresentados nos artigos selecionados, sendo essencial para a formulação da discussão desta revisão. Os dados foram recolhidos e apresentados abordando cada estudo analisado, com os fármacos e as doses utilizadas, dependendo do tipo de cirurgia.

Figura 1
Seleção dos artigos utilizados nesta revisão de literatura

RESULTADOS

Anestesia otimizada com protocolo

Em 2001, foi criado o Enhanced Recovery After Sugery (ERAS), termo utilizado para definir as diretrizes da Society for Optimized Recovery After Surgery (Sociedade de Recuperação Otimizada após Cirurgias). O protocolo engloba 23 itens, descrevendo pré, intra e pós-operatório, com recomendações formadas após a revisão de evidências por grupos de especialistas1010 Rodrigues LG, Palotti A. Anestesia multimodal em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica (gastroplastia por bypass gástrico): relato de experiência. Braz J Health Rev. 2022;5(1):507-17.. Os elementos básicos do protocolo estão descritos na tabela 1.

Tabela 1
Elementos básicos das diretrizes do Enhanced Recovery After Sugery (ERAS)

As diretrizes do ERAS fornecem uma abordagem multimodal baseada em evidências para o atendimento cirúrgico e para melhorar os resultados após cirurgias de grande porte. Os principais princípios da recuperação aprimorada consideram reduzir o desarranjo e a resposta ao estresse cirúrgico, o que leva à melhor recuperação, à redução de taxas de complicações e a menor duração das internações hospitalares1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143..

De acordo com o ERAS, uma dor bem controlada, chamada de “quinto sinal vital”, é amplamente reconhecida como uma métrica importante para o sucesso da cirurgia e a recuperação do paciente. A dor pós-operatória é frequentemente subestimada e subtratada, com sequelas a longo prazo. Isso torna o controle da dor uma qualidade importante, meta de melhora individual, institucional e social1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143..

Baseado no ERAS, surgiu o protocolo multimodal educativo chamado Acceleration of Total Postoperative Recovery (ACERTO), para proporcionar uma diminuição do tempo necessário para a recuperação pós-operatória dos pacientes (Figura 2)1010 Rodrigues LG, Palotti A. Anestesia multimodal em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica (gastroplastia por bypass gástrico): relato de experiência. Braz J Health Rev. 2022;5(1):507-17..

Figura 2
Principais condutas abordadas no projeto ACERTO

Para que a utilização desses protocolos tenha um bom aproveitamento, melhorando a recuperação dos pacientes, é importante a ação conjunta de uma equipe multidisciplinar, composta por cirurgiões, anestesiologistas, equipe de enfermagem e equipes assistenciais. Esses protocolos foram criados no intuito de auxiliar na recuperação pós-operatória do paciente, sendo necessária uma aplicabilidade individualizada em cada hospital. Contudo, a utilização desses protocolos se mostra de grande valor, bem como devem ser criados novos protocolos.

Componentes da anestesia multimodal

Como já descrito, a analgesia multimodal envolve o uso de vários mecanismos simultâneos de controle da dor que atuam sinergicamente para aumentar o efeito analgésico e reduzir as doses de qualquer agente único para minimizar o risco de efeitos adversos, usando as doses necessárias e, assim, reduzindo o risco de efeitos adversos dos opioides, que são usuais e causam atrasos na recuperação. Existem muitas vias e mediadores envolvidos na nocicepção e o direcionamento de vários mecanismos pode aumentar a eficácia dos analgésicos ao usar a combinação de anestesia sistêmica e regional1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143.. A analgesia inclui intervenções farmacológicas e não farmacológicas, como exemplificado na tabela 255 Manworren RC. Multimodal pain management and the future of a personalized medicine approach to pain. AORN J. 2015;101(3):308-18..

Tabela 2
Analgesia: intervenções farmacológicas e não farmacológicas. Adaptada55 Manworren RC. Multimodal pain management and the future of a personalized medicine approach to pain. AORN J. 2015;101(3):308-18.

Relacionada à analgesia sistêmica, a anestesia multimodal no cenário do ERAS envolve o uso de combinações de AINES, paracetamol, agentes anticonvulsivantes e bloqueadores dos canais de cálcio, fármacos direcionados a diferentes receptores de dor e vias de transmissão da dor periférica e central1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143..

Tabela 3 Componentes da analgesia sistêmica. Adaptada1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143.

Anti-inflamatórios não esteroides

Bloqueiam a ação enzimática da ciclo-oxigenase (Inibidor de COX-1 e COX-2), reduzem a síntese de prostaglandinas, reduzindo a nocicepção periférica, edema e sintomas associados ao dano tecidual. Exemplos: aspirina, ibuprofeno, diclofenaco, parecocibe e celecoxibe. São recomendados no pós-operatório, eficazes no regime multimodal poupador de opioides para controle de dor aguda; recomendado pela ERAS Society.

Acetaminofeno (paracetamol)

Seu mecanismo de ação não é completamente compreendido. Também é recomendado pelas diretrizes da ERAS Society, contém esquema regular de 15 mg/kg até 1 g, 4 vezes ao dia, por via oral ou intravenosa. É bem tolerado, contudo é hepatóxico em superdosagem.

Opioides

ERAS recomenda o uso de opioides de ação curta (fentanil e alfentanil) e de ação ultracurta (remifentanil via infusão), se necessário, no intraoperatório. A morfina é mais propensa a causar efeitos adversos, como depressão respiratória e náuseas durante a recuperação. Alguns opioides têm sido usados como adjuvantes em anestesia local em bloqueio de campo, assim como em bloqueio do plano transverso do abdômen (TAP) e em baixas doses em raquianestesia ou peridural. Para controle de dor pós-operatória, se possível, recomenda-se evitar o uso; devem ser usados como último recurso.

Antagonistas do receptor N-Metil D-Aspartato

Incluem a cetamina, a memantina e o sulfato de magnésio. A cetamina modula a nocicepção por ligação não competitiva e a inibição alostérica do local do receptor de glutamato excitatório do canal NMDA. Em doses anestésicas a cetamina pode produzir um estado dissociativo, mas em doses menores produz efeitos analgésicos, reduz dor pós-operatória e o uso de opioides. Contudo, no ERAS não se recomenda seu uso rotineiro; uso predominantemente em pacientes com instabilidade cardiovascular.

Gabapentina e pregabalina

Demonstram reduzir a necessidade de opioides, contudo não há evidências suficientes para garantir a inclusão e a recomendação no ERAS até o momento. Os análogos do ácido-g-aminobutírico (GABA), não interagem apenas nos canais de cálcio dependents de voltagem, mas também com receptores NMDA e com proteínas quinase C.

Anestésicos locais

Utilizados para infiltração subcutânea e anestesia regional. Há evidências crescentes do uso de anestésicos locais sistematicamente por via venosa. A lidocaína IV é destaque na ERAS Society, com benefícios de incluir analgesia, anti-hiperanalgesia e propriedades anti-inflamatórias. No entanto, deve-se ter cautela com doses em bolus e infusão para evitar toxicidade.

A analgesia sistêmica é completada pelo uso de injeções ou com infusões de anestésicos locais ao redor de nervos periféricos específicos ou do plexo nervoso, no tecido no local da incisão, nos espaços articulares, nos espaços peritoneais, nos planos teciduais e na via peridural ou subaracnoidea. São utilizados anestésicos locais, a exemplo da lidocaína e bupivacaína, em concentrações e volumes variados, com objetivo de reduzir ou bloquear a transmissão nervosa. Embora a transmissão sensorial seja o alvo, os sistemas nervosos motor e autônomo podem ser afetados, dependendo da dose, e o bloqueio autonômico pode induzir um aumento nas propriedades analgésicas1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143.. Na analgesia peridural torácica e na raquianestesia, há uma infusão de anestésico local por via peridural médio-torácica e subaracnoidea, recomendada para cirurgias de colorretal aberta, cistectomia radical aberta e cirurgia ginecológica geral aberta. No entanto, a recomendação do uso da anestesia peridural torácica (TEA) para cirurgia laparoscópica é mais fraca, como também para cirurgias bariátricas, devido às maiores taxas de complicações relatadas nessa população. Os bloqueios do plano transverso do abdômen e da infiltração contínua de feridas estão incluídos nas diretrizes da ERAS, particularmente para cirurgia abdominal aberta e em casos em que a TEA não é utilizado. A administração intraoperatória em aerossol de anestésico local intraperitoneal não é atualmente recomendada1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143..

O uso racional dos opioides

Para controle de dor pós-operatória, se possível, a ERAS Society recomenda evitar o uso de opioides, os quais devem ser utilizados como último recurso. A resposta ao uso de opioides pode variar muito entre os pacientes, dependendo do metabolismo e da eliminação do fármaco. A suscetibilidade aos efeitos adversos também varia conforme os pacientes, os quais incluem náusea, íleo intestinal, constipação, retenção urinária, hipotensão, depressão respiratória, confusão, alucinações e tolerância. Por essas razões, a analgesia multimodal visa evitar ou reduzir o consumo de opioides por meio da introdução de outros agentes sistêmicos sinérgicos e pelo uso de bloqueios regional ou neuroaxial. Se a dor não for controlada por outro método, os opioides pós-operatórios podem ser administrados, sendo a dose individualizada e não padronizada1111 Beverly A, Kaye AD, Ljungqvist O, Urman RD. Essential elements of multimodal analgesia in enhanced recovery after surgery (ERAS) guidelines. Anesthesiol Clin. 2017;35(2):e115-e143..

Teoria da anestesia multimodal e seus agentes

O sistema nociceptivo do corpo consiste nos nociceptores, nas vias nociceptivas ascendentes e nas vias nociceptivas descendentes. Os corpos celulares surgem no corno dorsal da medula espinhal e enviam um processo axonal para a periferia e outro para a medula espinhal ou para o tronco encefálico. As vidas ascendentes transmitem os estímulos da periferia para a medula espinhal e depois para o tronco encefálico (medula e mesencéfalo), a amígdala, o tálamo e para os córtices sensoriais primários e secundários (Figura 3)1212 Brown EN, Pavone KJ, Naranjo M. Multimodal general anesthesia: theory and practice. Anesth Analg. 2018;127(5):1246-58..

Figura 3
Vias de nocicepção ascendente e descendente. Adaptada1212 Brown EN, Pavone KJ, Naranjo M. Multimodal general anesthesia: theory and practice. Anesth Analg. 2018;127(5):1246-58.

Como existem diferentes neurotransmissores e sinapses neurais mediadoras nas vias ascendentes e descendentes, existem também vários alvos nos quais os agentes antinociceptivos podem atuar para interromper o processamento da informação nociceptiva. O direcionamento simultâneo de múltiplos alvos no sistema nociceptivo é o conceito-chave por trás do desenvolvimento de uma estratégia multimodal para controle nociceptivo e, portanto, anestésico geral multimodal. As vias nociceptivas têm fortes conexões com as vias de excitação, razão pela qual a administração de agentes antinociceptivos diminui a excitação.

Para cada um dos principais estados comportamentais da anestesia geral, essa estratégia define fármacos que são administrados para manter explicitamente esse estado e aquelas que contribuem implicitamente para manter esse estado. Por exemplo: o remifentanil é administrado explicitamente para manter a antinocicepção, mas seus efeitos sedativos contribuem implicitamente para a inconsciência. As principais características dessa estratégia são: tornar o controle da nocicepção um objetivo primário da escolha dos anestésicos usados para manutenção, usando combinações de agentes mecanicamente distintos; aproveitar o fato de que cada anestésico tem um efeito explícito e um implícito na escolha das combinações farmacológicas, principalmente o efeito dos agentes antinociceptivos sobre a inconsciência; tornar o controle multimodal da dor um objetivo fundamental no pós-operatório1212 Brown EN, Pavone KJ, Naranjo M. Multimodal general anesthesia: theory and practice. Anesth Analg. 2018;127(5):1246-58..

Para manutenção da antinocicepção durante a anestesia geral, é possível utilizar simultaneamente vários agentes antinociceptivos, incluindo opioides. O uso de vários agentes antinociceptivos, além de um opioide, cria o efeito poupador de opioides desses agentes. Cada agente tem como alvo um componente diferente do sistema nociceptivo para que, juntos, suprimam mais completamente a transmissão nociceptiva. Os agentes hipnóticos reduzem a capacidade de perceber a dor e, assim, contribuem implicitamente para a antinocicepção1212 Brown EN, Pavone KJ, Naranjo M. Multimodal general anesthesia: theory and practice. Anesth Analg. 2018;127(5):1246-58..

Durante a anestesia geral, a inconsciência é mantida principalmente pelo uso de um único agente titulável, como propofol ou sevoflurano. Os agentes antinociceptivos contribuem profundamente para a inconsciência ao interromper a excitação induzida por nociceptivos. Como cada um dos agentes antinociceptivos diminui a excitação, sua combinação reduz sensivelmente a dose hipnótica necessária para manter a inconsciência. A amnésia é mantida garantindo a inconsciência porque um paciente que está verdadeiramente inconsciente, e não simplesmente insensível, também é aminésico1212 Brown EN, Pavone KJ, Naranjo M. Multimodal general anesthesia: theory and practice. Anesth Analg. 2018;127(5):1246-58..

Um único relaxante muscular (agente anticolinérgico nicotínico) pode ser usado para manter a imobilidade. Os agentes hipnóticos GABAérgicos contribuem para o relaxamento muscular bloqueando os neurônios motores ÿ no nível da medula espinhal. O magnésio, administrado como parte de um regime antinociceptivo, também aumenta significativamente o relaxamento muscular. Nesse caso, a dose de relaxante muscular deve ser reduzida em conformidade1212 Brown EN, Pavone KJ, Naranjo M. Multimodal general anesthesia: theory and practice. Anesth Analg. 2018;127(5):1246-58..

ANESTESIA MULTIMODAL

A partir de uma revisão de artigos, foram coletados dados para descrever os benefícios da anestesia multimodal em diversas cirurgias e procedimentos.

Em um estudo com 40 pacientes submetidos a cirurgia bariátrica por videolaparoscopia, foi observado o uso de cetamina (0,1-0,3 mg/kg/h), lidocaína (1-1,5 mg/kg/h), sulfato de magnésio (30 mg/ kg, em bolus após a indução) e clonidina (1 μg/kg/h, após indução), além de adjuvantes, como AINES e dipirona, caso os pacientes não tivessem contraindicações. Os pacientes foram submetidos a anestesia geral balanceada, com uso de anestésico inalatório (isoflurano ou sevoflurano) com 1 CAM, associado a remifentanil em bomba de infusão contínua (BIC) 0,04-0,25 μg/kg/min). Todos os pacientes fizeram uso de bloqueador neuromuscular e descurarização adequada. As manobras anestésicas foram satisfatórias, com possibilidade de poupar opioide (usado cerca de 0,5-0,7 mg/kg), mantendo boa analgesia pós-operatória1010 Rodrigues LG, Palotti A. Anestesia multimodal em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica (gastroplastia por bypass gástrico): relato de experiência. Braz J Health Rev. 2022;5(1):507-17..

Em estudo controlado randomizado foram incluídos 120 pacientes, agendados para colecistectomia laparoscópica e divididos em 3 grupos. Um grupo recebeu lidocaína a 1 mg/kg e infusão intravenosa contínua com lidocaína a 2 mg/kg/h, um segundo grupo recebeu cetamina a 0,5 mg/kg e o terceiro grupo recebeu infusão intravenosa contínua de sulfato de magnésio a 1,5 g/kg. Os pacientes do grupo lidocaína apresentaram maiores escores de dor no pós-operatório em repouso e ao tossir, e o grupo cetamina apresentou os menores escores de dor. A analgesia de resgate foi dada mais ao grupo lidocaína, e menos ao grupo magnésio. O grupo magnésio recebeu a maior dose de fentanil durante a cirurgia e a menor dose foi recebida pelos pacientes do grupo lidocaína1313 Toleska M, Dimitrovski A, Shosholcheva M, Kartalov A, Kuzmanovska B, Dimitrovska NT. Pain and multimodal analgesia in laparoscopic cholecystectomy. Pril (Makedon Akad Nauk Umet Odd Med Nauki). 2022;43(2):41-9..

Tabela 4 Comprovação da anestesia multimodal
Autores Tipos de cirurgias Fármacos Doses
Rodrigues e Palotti1010 Rodrigues LG, Palotti A. Anestesia multimodal em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica (gastroplastia por bypass gástrico): relato de experiência. Braz J Health Rev. 2022;5(1):507-17. Cirurgia bariátrica Cetamina 0,1-0,3 mg/kg/h
Lidocaína 1-1,5 mg/kg/h
Sulfato de magnésio 30 mg/kg, em bolus após a indução
Clonidina 1 µg/kg/h, após indução
Toleska et al.1313 Toleska M, Dimitrovski A, Shosholcheva M, Kartalov A, Kuzmanovska B, Dimitrovska NT. Pain and multimodal analgesia in laparoscopic cholecystectomy. Pril (Makedon Akad Nauk Umet Odd Med Nauki). 2022;43(2):41-9. Colecistectomia laparoscópica Cetamina 0,5 mg/kg
Sulfato de magnésio Infusão contínua de 1,5 gr/kg
Lidocaína 1 mg/kg e infusão contínua com lidocaína a 2 mg/kg/h
Schoenbrunner, Joshi e Janis1414 Schoenbrunner AR, Joshi GP, Janis JE. Multimodal analgesia in the aesthetic plastic surgery: concepts and strategies. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2022;10(5):e4310. Cirurgia plástica estética Paracetamol 1000 mg a cada 6 horas até 7 dias após cirurgia
Ibuprofeno 600-800 mg a cada 8 horas até 7 dias após cirurgia
Cetorolaco IV (meloxicam) 15-30 mg no intraoperatório
Gabapentina (pregabalina) 300-600 mg a cada 8 horas
Ciclobenzaprina (tizanidina) 2-4 mg até dose máxima de 36 mg em 24 horas
Oxicodona (hidrododona) 5 mg para dor irruptiva
Dong et al.1515 Dong W, An B, Wang Y, Cui X, Gan J. Effect of multimodal analgesia on gynecological cancer patients after radical resection. Am J Transl Res. 2021;13(4):2686-93. Histerectomia radial laparoscópica para malignidades Flurbiprofeno axetil 50 mg por via intravenosa para analgesia preventiva
Ropivacaína 0,5% foi administrado para infltração local da incisão
Flurbiprofeno axetil 100 mg intravenosa após operação
De Jong e Shysh1616 De Jong R, Shysh AJ. Development of a multimodal analgesia protocol for perioperative acute pain management for lower limb amputation. Pain Res Manag. 2018;20:5237040. Amputação de membros inferiores Bupivacaína a 0,125-0,25% Infusão contínua de 1 a 14 ml/H, até 4 a 5 dias no pós-operatório
Paracetamol 4000 mg/dia por 3 a 5 dias
Gabapentina 100 mg
Antagonistas de NMDA (cetamina) 0,1 a 0,2 mg/kg/h por 24 horas a 72 horas para dor aguda
Amitriptilina 25 mg
Forkin et al.1717 Forkin KT, Mitchell RD, Chiao SS, Song C, Chronister BNC, Wang XQ, Chisholm CA, Tiouririne M. Impact of timing of multimodal analgesia in enhanced recovery after cesarean delivery protocols on postoperative opioids: a single center before-and-after study. J Clin Anesth. 2022;80:110847. Cesariana Cetocoralato 30 mg IV na sala de recuperação pós-anestésica
Acetaminofeno + cetorolaco 975 mg pós-operatório + 30 mg IV
Acetaminofeno + cetorolaco 975 mg pós-operatório + 15 mg V a cada 6 h administrados juntos (primeira dose 6 h após a sala de recuperação pós operatória)
Acetaminofeno + naproxeno 975 mg a cada 8 h + 500 mg naproxeno a cada 8 h (administrados juntos)
Singer et al.1818 Singer KE, Philpott CD, Bercz AP, Phillips T, Salyer CE, Hanseman D, Droege ME, Goodman MD, Makley AT. Impact of a multimodal analgesia protocol on inpatient and outpatient opioid use in acute trauma. J Surg Res. 2021;268:9-16. Politrauma Acetaminofeno 975 mg via oral a cada 8 horas
Ibuprofeno 600 mg via oral três vezes ao dia com as refeições
Cetorolaco Injeção 15 mg IV a cada 6 horas
Gabapentina 300 mg via oral a cada 8 horas
Lidocaína 5% adesivo transdérmico 1-3 adesivos diariamente

Em cirurgias plásticas a opção de anestesia multimodal se baseia em fazer analgesia local e ou regional no pré ou intraoperatório com a dosagem máxima necessária, usar paracetamol e AINES no intraoperatório e continuar no pós-operatório, assim como a gabapentina. A ciclobenzaprina e a oxidona são indicadas para pós-operatório. Esses fármacos mostraram menor consumo de opioides e melhor analgesia, o que foi constatado pela abordagem baseada em evidências para o tratamento multimodal da dor nesses tipos de procedimentos1414 Schoenbrunner AR, Joshi GP, Janis JE. Multimodal analgesia in the aesthetic plastic surgery: concepts and strategies. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2022;10(5):e4310..

Uma pesquisa foi projetada para investigar o efeito da analgesia multimodal em pacientes com câncer ginecológico, após ressecção radical. Foram incluídos 98 pacientes com câncer do colo do útero submetidos à ressecção radical laparoscópica. Nesse sentido, 47 pacientes do grupo pesquisa (GP) receberam analgesia multimodal e 51 no grupo controle (GC) receberam analgesia pós-operatória convencional. Esse estudo comprovou que a analgesia multimodal é segura e eficaz para pacientes com neoplasias ginecológicas após ressecção radical laparoscópica. Esse procedimento pode acelerar a recuperação da doença e melhorar a qualidade de vida, o que é digno de aplicação clínica. No entanto, ainda existem algumas deficiências, como tempo experimental curto, falha na investigação de acompanhamento a longo prazo e um pequeno número de experimentos1515 Dong W, An B, Wang Y, Cui X, Gan J. Effect of multimodal analgesia on gynecological cancer patients after radical resection. Am J Transl Res. 2021;13(4):2686-93..

As amputações de membros inferiores são comumente realizadas em indivíduos idosos e com comorbidades significativas. Esses procedimentos podem causar dor após a amputação com um mecanismo fisiopatológico incompletamente compreendido. Apesar desses problemas, fazer uma implementação de estratégia utilizando um protocolo de analgesia multimodal permite o controle da dor nesses múltiplos níveis e vias complexas1616 De Jong R, Shysh AJ. Development of a multimodal analgesia protocol for perioperative acute pain management for lower limb amputation. Pain Res Manag. 2018;20:5237040..

O protocolo Enhanced Recovery After Caesarean (ERAC) visa diminuir a morbidade materna e ajudar na recuperação. A analgesia multimodal é um elemento importante do protocolo ERAC, contudo não existe um consenso sobre o momento da administração de fármacos. Um estudo comparou resultados de dor materna após cesariana programada. No intraoperatório, todos os pacientes receberam raquianestesia com 12,5-15 mg de bupivacaína, misturado com 150-200 ÿg de morfina sem conservantes e 15-20 ÿg de fentanil. Ao término da cirurgia, os pacientes foram transferidos para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e posteriormente para a unidade mãe-bebê. Os pacientes no ERAC 1 (grupo de administração alternada) receberam 30 mg de cetorolaco por via intravenosa na chegada à SRPA. Três horas depois, esses pacientes receberam 975 mg de acetaminofeno por via oral, seguidos três horas depois por 15 mg de cetorolaco por via intravenosa (com esse intervalo fixo continuado por 24 horas). No dia de pós-operatório 2, os pacientes receberam paracetamol 975 mg a cada 8 horas e naproxeno sódico 500 mg a cada 12 horas. Os pacientes do ERAC 2 (grupo de administração combinada) receberam acetaminofeno 975 mg por via oral e cetorolaco 30 mg por via intravenosa na chegada à SRPA. Seis horas depois, os pacientes receberam 975 mg de acetaminofeno por via oral com 15 mg de cetorolaco por via intravenosa em combinação a cada 6 horas. No segundo dia pós-operatório, os pacientes receberam 975 mg de paracetamol combinado e 500 mg de naproxeno sódico por via oral a cada 8 horas. O esquema modificado de analgésicos não opioides envolvendo administração combinada (ERAC 2) versus administração alternada (ERAC 1) de analgesia multimodal resultou em diminuição da utilização total de opioides no pós-operatório. A utilização total de opioides no pós-operatório no grupo ERAC 2 também foi significativamente reduzida em comparação com o grupo pré-ERAC1717 Forkin KT, Mitchell RD, Chiao SS, Song C, Chronister BNC, Wang XQ, Chisholm CA, Tiouririne M. Impact of timing of multimodal analgesia in enhanced recovery after cesarean delivery protocols on postoperative opioids: a single center before-and-after study. J Clin Anesth. 2022;80:110847..

A implementação da analgesia multimodal no cenário do politrauma foi eficaz e reduziu o consumo de opioides, tanto na internação quanto em ambulatório. Com a implementação do protocolo de analgesia multimodal um estudo notou aumento no consumo da gabapentina. Mais estudos devem ser realizados em pacientes com trauma, bem como em pacientes eletivos, para determinar se esses protocolos de analgesia multimodal diminuem a conversão de dor aguda para dor crônica1818 Singer KE, Philpott CD, Bercz AP, Phillips T, Salyer CE, Hanseman D, Droege ME, Goodman MD, Makley AT. Impact of a multimodal analgesia protocol on inpatient and outpatient opioid use in acute trauma. J Surg Res. 2021;268:9-16..

CONCLUSÃO

A analgesia multimodal pode incluir vários componentes farmacológicos, os quais envolvem mecanismos simultâneos de controle da dor que atuam juntos para aumentar o efeito anestésico e reduzir a dosagem de opioides. Dessa forma, esse tipo de analgesia consegue levar ao paciente menos estímulos dolorosos nos pós-operatório, reduzindo o tempo de internação e recuperação, como também levando à diminuição do desencadeamento de dor crônica.

Caminhos de cuidados padronizados, como programas de recuperação aprimorada após a cirurgia, prometem melhorar os resultados perioperatórios. Nesse sentindo, os regimes analgésicos multimodais são um componente essencial dos programas de recuperação aprimorada após a cirurgia, reduzindo potencialmente as complicações e melhorando a recuperação. Embora a analgesia multimodal seja recomendada pela Sociedade Americana de Anestesia Regional e Medicina da Dor (American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine), a administração perioperatória de opioides continua sendo o componente dominante da maioria dos planos de tratamento da dor pós-operatória.

Nesse sentido, é importante que todos os profissionais de saúde estejam cientes das várias opções e intervenções analgésicas disponíveis, a fim de implementar um plano agressivo de controle da dor que promova melhor a recuperação e a reabilitação. O ideal seria criar protocolos de analgesia multimodal com a apresentação de uma compilação de agentes comumente usados que se mostraram eficazes. Assim, é necessária uma investigação mais aprofundada para desenvolver uma visão sobre abordagens adicionais e a criação de protocolos específicos de analgesia multimodal, visando vários procedimentos cirúrgicos.

  • – Fontes de fomento: não há.

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Editado por

Editor associado responsável: Oscar Cesar Pires.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2022
  • Aceito
    05 Out 2023
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