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Relação entre a intensidade de dor lombar crônica e limitações geradas com os sintomas depressivos

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O envelhecimento agrega em aumento da prevalência de doenças crônicas e prejuízo funcional. Os sintomas depressivos e a dor crônica lombar afetam um número crescente de idosos e se tornam temas importantes de investigação. Este estudo teve como objetivo identificar a relação entre a intensidade de dor lombar crônica, sua incapacidade gerada e a presença de sintomas depressivos em idosos independentes para as atividades básicas de vida diária.

MÉTODOS:

O estudo é de caráter descritivo, quantitativo e de corte transversal. Foi analisada uma amostra de idosos independentes com quadro de dor lombar crônica (n=46) cadastrados nas Unidades Saúde da Família do município de São Carlos, SP. Para a coleta foram utilizados: Ficha de Caracterização, Escala Multidimensional de Avaliação da Dor, Questionário de Incapacidade de Roland-Morris e a Escala de Depressão Geriátrica. Os dados obtidos foram digitados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) for Windows para realização de análises descritivas e análise correlacional de Spearman. Os preceitos éticos do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas com seres humanos foram respeitados.

RESULTADOS:

A intensidade mais frequente de dor percebida pelos idosos foi a intensa (43,5%, n=20), precedida pela moderada (41,3%, n=19). A maioria dos idosos descreve a dor lombar como dolorosa, persistente e desconfortável. O escore total médio de depressão foi de 4,37 pontos (Md=4,00; DP =2,67, xmín =0,00, xmáx =11,00).

CONCLUSÃO:

As análises correlacionais evidenciaram que existe relação significativa e diretamente proporcional entre a intensidade da dor lombar e o número de sintomas depressivos de magnitude fraca, e uma relação significativa e diretamente proporcional entre o número de incapacidades/limitações provocadas pela dor lombar e o número de sintomas depressivos de magnitude moderada.

Descritores:
Depressão; Dor crônica; Dor lombar; Gerontologia; Incapacidade; Saúde do idoso

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Aging adds to the prevalence of chronic diseases and functional impairment. Depressive symptoms and chronic low back pain affect an increasing number of elderly people and become important research topics. This study aimed to identify the relationship between chronic low back pain intensity, its generated disability, and the presence of depressive symptoms in independent elderly people for basic daily activities.

METHODS:

The study is descriptive, quantitative, and cross-sectional. A sample of independent elderly patients with chronic low back pain (n=46) enrolled in the Family Health Units of the city of São Carlos, SP, Brazil, was analyzed. For collection, we used the Characterization Sheet, Multidimensional Pain Rating Scale, Roland-Morris Disability Questionnaire, and the Geriatric Depression Scale. The data obtained were input in the Statistical Package for Social Sciences software (SPSS) for Windows to perform the descriptive and Spearman correlational analysis. The ethical precepts for research with humans of the National Health Council were respected.

RESULTS:

The most frequent pain intensity perceived by the elderly was intense (43.5%, n=20), preceded by moderate pain (41.3%, n=19). Most of the elderly describe low back pain as persistent, painful, and uncomfortable. The mean total depression score was 4.37 points (Md=4.00, SD=2.67, xmin = 0.00, xmax = 11.00).

CONCLUSION:

Correlational analyses showed that there is a significant directly proportional relationship between the intensity of low back pain and the number of weak depressive symptoms, and a significant directly proportional relationship between the number of disabilities/limitations caused by low back pain and the number of moderate depressive symptoms.

Keywords:
Chronic pain; Depression; Disability; Gerontology; Health of the elderly; Low back pain

INTRODUÇÃO

A população mundial encontra-se em processo de transição demográfica o que acarreta a inversão da pirâmide etária11 Closs VE, Schwanke CH. A evolução do índice de envelhecimento no Brasil, nas suas regiões e unidades federativas no período de 1970 a 2010. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):443-58.. Dados evidenciam que esse aumento passou de 62,57 anos em 1980 para 73,17 anos em 2009. Estima-se que essa expectativa poderá chegar a 81,29 anos em 2050, ocasionando um aumento significativo na proporção de idosos na população22 Santos CT. Envelhecimento no Brasil: da formulação de políticas à estruturação de serviços de saúde integrais. Tempus, Actas de Saúde Colet. 2014;8(1):65-70..

Apesar do processo de envelhecimento não estar, necessariamente, relacionado a doenças e incapacidades, as doenças crônico-degenerativas são frequentemente encontradas entre o público idoso. Assim, há um crescente número de indivíduos que apesar de viverem mais, apresentam condições crônicas, levando à maior necessidade de aprimorar o conhecimento dos fatores que incidem sobre a prevalência das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) associadas à idade33 Leandro LA, Teive HA. Fatores associados ao desempenho funcional de idosos portadores da doença de Parkinson. Rev Kairós Gerontol. 2017;20(2):161-78..

A depressão é um grave problema de saúde na população geral e em idosos, sendo definida e diagnosticada pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V) como uma doença mental que pode levar a agravos de doenças crônico-degenerativas ou incapacitantes e comprometem a qualidade de vida44 Vilela ALS. Manual prático de Geriatria. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2017. 57-76p.,55 World Health Organization. Dementia [acesso em 8 maio de 2019] disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs362/en/;2016.
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
. Alexopoulos et al.66 Alexopoulos GS, Abrams RC, Young RC, Shamoian CA. Cornell Scale for Depression in Dementia. Biol Psychiatry. 1988;23(3):271-84. descreveram a perda de interesse em atividades habituais, perda de apetite, dificuldade de adormecer, aumento da irritabilidade, da ansiedade e da ideação suicida como os principais sintomas depressivos em idosos.

Lawrence et al.77 Lawrence V, Murray J, Banerjee S, Turner S, Sangha K, Byng R, et al. Concepts and causation of depression: a cross-cultural study of the beliefs of older adults. Gerontologist. 2006;46(1):23-32. apontaram que o conceito de depressão varia em diferentes grupos étnicos e etários, podendo ser confundido na população geral como mau humor, desesperança e estado de preocupação. Um estudo de revisão realizado em 2011 observou que a depressão em idosos está associada à maior incidência de comprometimento cognitivo, que por sua vez, pode ser um preditor de demência88 Engmann B. Mild cognitive impairment in the elderly: a review of the influence of depression, possible other core symptoms, and diagnostic findings. GeroPsych: J Gerontopsychol Geriatr Psychiatry. 2011;24(2):71-6.. De acordo com Hayde99 Hayde L. Examining the Association of Intergenerational Relationships and Living Arrangement on Depression Prevalence in Home Health and Hospice Patients Age 65 and Older. Thesis, Georgia: State University; 2019., embora os idosos apresentem maior probabilidade de desenvolvimento de depressão, ela não é parte normal do envelhecimento99 Hayde L. Examining the Association of Intergenerational Relationships and Living Arrangement on Depression Prevalence in Home Health and Hospice Patients Age 65 and Older. Thesis, Georgia: State University; 2019..

Além da depressão, a dor é uma condição clínica comum na velhice, frequentemente subestimada e subtratada1010 Gomes JC, Teixeira MJ. Dor no idoso. Rev Bras Med. 2007;63(11):45-54.. A International Association for The Study of Pain (IASP) define dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada à lesão tecidual real ou potencial e definida como dor contínua ou recorrente de duração mínima de três meses. Esse sintoma é uma experiência individual que interfere no bem-estar e pode comprometer de modo direto a capacidade funcional1111 Merskey H, Bogduk N. Classification of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms. IASP Pain Terminology. 1994. 240p.,1212 Dellaroza MS, Pimenta CA, Lebrão ML, Duarte YA. [Association of chronic pain with the use of health care services by older adults in Sao Paulo]. Rev Saude Publica. 2013;47(5):914-22. Portuguese..

Considerando os critérios estabelecidos pela IASP - ausência de base biológica aparente e duração por três meses ou mais, “a prevalência de dor crônica na população geral de países desenvolvidos aponta uma média de 35,5%, variando de 11,5 a 55,5%, sendo de característica intensa em 11% dos adultos”1313 de Figueiredo VF, Pereira LS, Ferreira PH, Pereira AM, de Amorim JS. Incapacidade funcional, sintomas depressivos e dor lombar em idosos. Fisioter Mov. 2013;26(3):549-57..

A dor lombar (DL) é definida como uma dor, tensão ou rigidez localizada na região compreendida entre as últimas costelas e a linha glútea1313 de Figueiredo VF, Pereira LS, Ferreira PH, Pereira AM, de Amorim JS. Incapacidade funcional, sintomas depressivos e dor lombar em idosos. Fisioter Mov. 2013;26(3):549-57.. Classificada como específica, quando os sintomas são causados por condições clínicas definidas, ou como não específica, quando o mecanismo da dor não é claramente definido.

A coluna vertebral é uma das estruturas musculoesqueléticas que mais sofre alterações morfológicas, acarretando limitações físicas com o envelhecimento, sendo a região lombar apontada como causa mais frequente de algias musculoesqueléticas1414 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9..

No Brasil, estima-se que cerca de 30 a 40% da população sejam acometidas por dor crônica1414 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9., sendo que idosos queixam-se duas vezes mais de dor1414 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9., tornando-se esse sintoma um desafio para os profissionais da saúde, especialmente pelo fato de a dor ser um fator subjetivo1515 Bottega FH, Fontana RT. Pain as the fifth vital sign: use of the assessment scale by nurses in general hospital. Texto Contexto Enferm. 2010;19(2):283-90..

No idoso é frequente que sintomas depressivos e DL levem à maior suscetibilidade à incapacidade funcional, com prejuízos nas funções do corpo, dificuldades no desempenho das atividades cotidianas e restrição na participação social1313 de Figueiredo VF, Pereira LS, Ferreira PH, Pereira AM, de Amorim JS. Incapacidade funcional, sintomas depressivos e dor lombar em idosos. Fisioter Mov. 2013;26(3):549-57.. Contudo, estudos têm mostrado que 30 a 60% dos indivíduos com DL apresentam sintomas depressivos que influenciam diretamente o tempo de recuperação1313 de Figueiredo VF, Pereira LS, Ferreira PH, Pereira AM, de Amorim JS. Incapacidade funcional, sintomas depressivos e dor lombar em idosos. Fisioter Mov. 2013;26(3):549-57..

Diante o exposto, este estudo teve como objetivo averiguar se permanece a relação entre DL e sintomas depressivos em idosos que não têm prejuízos nas atividades básicas de vida diária (ABVD). Outro aspecto interessante seria avaliar e caracterizar, por meio de metodologia específica e padronizada, a incapacidade que a DL crônica traz para o idoso.

MÉTODOS

Estudo descritivo, quantitativo e de corte transversal, realizado na cidade de São Carlos, um município de porte médio, localizado no interior do estado de São Paulo. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, o número total de habitantes desse município era de 221.950 e o total de pessoas com 60 anos ou mais era de 28.868, o que correspondia a aproximadamente, 13% da população total1616 Demografia e Saúde. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (Org.) [acesso em 25 janeiro de 2019] disponível em: (http://www.atlasbrasil.org.br/2013/).
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/...
. O município contava com 14 Unidades de Saúde da Família (USF) na zona urbana e duas unidades na zona rural, com uma cobertura de 39.768 habitantes1717 Dados da Cidade. Prefeitura Municipal de São Carlos. [acesso em 30 novembro de 2018] disponível em: http://www.saocarlos.sp.gov.br/.
http://www.saocarlos.sp.gov.br/...
.

O levantamento dos possíveis participantes foi realizado junto às USF e a coleta de dados foi realizada por integrantes de um Grupo de Pesquisa “Saúde e Envelhecimento”.

Os participantes desta pesquisa foram 46 idosos independentes, segundo o Índice de Katz, que relatavam quadro de dor lombar crônica (DLC) nas regiões 30 e 31 do item “Localização de dor” da Escala Multidimensional de Avaliação da Dor (EMADOR).

Os critérios de inclusão para os idosos foram ter 60 anos ou mais; ser cadastrado em uma das USF do município de São Carlos; conviver com outro idoso independente na mesma casa; ser independente para as ABVD; relatar quadro de DLC; ser capaz de compreender as questões da entrevista; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A partir do número total aproximado de idosos atendidos nas USF do município de São Carlos - 5130, calculou-se que 351 idosos constituiriam uma amostra com nível de confiança de 95% e margem de erro de 5,0%. Esse cálculo foi realizado por meio da plataforma Survey Monkey ®, disponível em <https://pt.surveymonkey.com/mp/sample-size-calculator/#>. Dessa forma, dados de 351 idosos foram analisados, porém apenas 46 apresentavam DL crônica e atendiam os critérios de inclusão (Figura 1). O tamanho da amostra corrobora dados da literatura, uma vez que 13,11% dos idosos apresentavam DLC.

Figura 1
Composição da amostra

GDS = Escala de Depressão Geriátrica; EMADOR = Escala Multidimensional de Avaliação da Dor.


A figura 1 representa o esquema de composição da amostra a partir da coleta realizada pelo Grupo de pesquisa “Saúde e Envelhecimento”.

Foi solicitada a cada uma das USF uma relação dos domicílios com dois ou mais idosos cadastrados na área de abrangência com seus respectivos nomes, idade e endereço. De posse dessa lista, as casas foram visitadas e os moradores foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa.

Todos os participantes foram informados dos objetivos do trabalho, consultados sobre a disponibilidade em participar do estudo e assegurados do sigilo das informações individuais. Os instrumentos escolhidos para a coleta de dados foram validados para a cultura brasileira e são amplamente utilizados no meio acadêmico-científico.

É importante salientar que os indivíduos somente participaram da pesquisa após o TCLE. Não foi observado qualquer tipo de lesão física ou psíquica em se tratando dos procedimentos descritos neste estudo. Foi assegurado ao participante, a qualquer momento durante a coleta de dados, o direito de interromper sua participação sem compromisso de justificativa.

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas realizadas por integrantes do referido Grupo de Pesquisa no domicílio dos idosos, ou em locais previamente combinados segundo conveniência dos participantes.

Um dos instrumentos de coleta utilizado foi a ficha de Caracterização do Idoso. Trata-se de um questionário construído para este projeto que teve como finalidade a coleta de dados demográficos do participante.

Também foi utilizada a Escala Multidimensional de Avaliação da Dor (EMADOR), validada para a língua portuguesa em 2010, com o objetivo de legitimar de forma subjetiva e estatística a avaliação da dor. O instrumento possui descritores que possibilitam analisar as dimensões sensitiva, afetiva e cognitiva da dor. Trata-se de um instrumento rápido, prático, confiável, sensível e válido. O estudo de Sousa et al.1818 Sousa FF, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR). Rev Latino-Am Enfermagem. 2010;18(1):3-10. evidenciou que as mensurações apresentam o rigor metodológico, replicabilidade para a pesquisa científica, possibilidade de acompanhamento e análise dos mecanismos de ação de diferentes fármacos e de outras condutas terapêuticas.

É composto por quatro partes. A primeira, rastreia e caracteriza a dor (ausência ou presença de dor, tipo de dor: crônica ou aguda). A segunda, é a Escala de Intensidade Numérica da Dor na qual o participante indica qual é a intensidade de sua dor numa escala de zero a 10, sendo que zero indica “sem dor”, 10 “dor máxima”. Há uma classificação da dor derivada por esses escores: nenhuma (zero pontos), leve (1 a 3 pontos), moderada (4 a 6 pontos), intensa (7 a 9 pontos) e insuportável (10 pontos).

A terceira parte classifica a dor segundo descritores preestabelecidos. Neste estudo foram utilizados apenas os descritores da dor crônica, a saber: deprimente, persistente, angustiante, desastrosa, prejudicial, dolorosa, insuportável, assustadora, cruel e desconfortável. A última parte do instrumento se refere à localização da dor, utilizada como critério de inclusão para seleção da amostra. Apenas indivíduos com dores nas regiões 30 e 31 participaram deste estudo1818 Sousa FF, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Escala multidimensional de avaliação de dor (EMADOR). Rev Latino-Am Enfermagem. 2010;18(1):3-10..

O Roland Morris Disability Questionnaire (RMDQ), desenvolvido por Roland e Morris em 1983 para avaliar a incapacidade funcional relacionada à dor em indivíduos com lombalgia. O interesse a nível mundial pelo instrumento tem sido crescente, encontrando-se validado em 17 países1919 Monteiro J, Faísca L, Nunes O, Hipólito J. [Roland Morris disability questionnaire - adaptation and validation for the Portuguese speaking patients with back pain]. Acta Med Port. 2010;23(5):761-6. Portuguese..

O questionário é constituído por 24 perguntas de resposta dicotômica (sim ou não) e o resultado corresponde à soma das respostas sim. Esse resultado pode variar entre zero e 24, sendo que a pontuação zero indica uma pessoa “sem limitações”, 24 “limitações muito graves”1919 Monteiro J, Faísca L, Nunes O, Hipólito J. [Roland Morris disability questionnaire - adaptation and validation for the Portuguese speaking patients with back pain]. Acta Med Port. 2010;23(5):761-6. Portuguese..

A Escala de Depressão Geriátrica (GDS) é um dos instrumentos mais frequentemente utilizados para a detecção de sintomas depressivos em idosos. Diversos estudos demonstraram que a GDS oferece medidas válidas e confiáveis para a avaliação de transtornos depressivos. Além disso, versões reduzidas da GDS com 1, 4, 10, 15, e 20 questões (em contraste com as 30 questões da versão original) vêm sendo utilizadas de forma cada vez mais frequente. O uso dessas versões reduzidas na prática clínica é ainda mais atraente, uma vez que o tempo gasto com sua aplicação pode ser substancialmente reduzido2020 Almeida OP, Almeida SA. [Reliability of the Brazilian version of the abbreviated form of Geriatric Depression Scale (GDS) short form]. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2B):421-6. Portuguese..

Esta pesquisa utilizou a escala de 15 perguntas. As variações de pontuação são consideradas: normal (de zero a 5 pontos), depressão leve (6 a 10 pontos) e depressão grave (11 a 15 pontos)2121 Ortiz BR, Wanderley KS. Reflexões sobre o uso da Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15) em idosos hospitalizados. Rev Kairós Gerontol. 2013;16(3):307-16..

Foram respeitados todos os preceitos éticos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas com seres humanos2222 Resolução 466/2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Conselho Nacional de Saúde. 2012..

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), parecer 711.592 e faz parte das atividades de um Grupo de Pesquisa do qual o aluno e o orientador participam2323 Silveira MM, Pasqualotti A, Colussi EL, Vidmar MF, Wibelinger LM. Abordagem fisioterápica da dor lombar crônica no idoso. Rev Bras Ciên Saúde. 2011;8(25):56-61..

Análise estatística

Os dados obtidos foram digitados em um banco de dados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) for Windows para realização de análises descritivas para caracterizar o perfil dos idosos, a dor, as incapacidades causadas pela dor e os sintomas depressivos dos idosos; análise correlacional de Spearman para identificar a relação entre a intensidade da dor, incapacidade gerada pela DL crônica e o número de sintomas depressivos dos idosos.

RESULTADOS

Os 46 idosos entrevistados contavam com apoio social familiar, na figura de outro idoso que morava na mesma casa. Esse recorte foi considerado devido à importância desse tipo de apoio quando se estuda variáveis com componente afetivo como depressão e percepção de dor. Nenhum idoso deste estudo morava sozinho e todos contavam com um idoso independente para lhe fazer companhia.

A amostra era predominantemente do sexo feminino (89,1%, n=41), branca (78,3%, n=36), casada (95,7%, n=44), aposentada (52,2%, n=24), católica (63,0%, n=29), com baixa escolaridade (80,4% tinham até a 4ª série do antigo primário, n=37; ou média de 3,59 anos de escolaridade - Md=4,00; DP=2,90, xmín = 0, xmáx =12) e sem plano de saúde (84,8%%, n=39).

A média das idades era de 67,02 anos (Md=65,00; DP=5,54, xmín =60, xmáx =81). Os idosos tinham 4,56 filhos (Md=4,00; DP=2,62, xmín = 0, xmáx =4) e renda mensal de R$577,24 (Md=558,50; DP=841,67, xmín =0, xmáx = 4500,00). Valor do salário mínimo em 2014: R$724,00.

As proporções detalhadas das variáveis categóricas dos participantes são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos idosos segundo as variáveis de caracterização. São Carlos, 2014

A intensidade mais frequente de dor percebida pelos idosos foi a intensa (43,5%, n=20), precedida pela moderada (41,3%, n=19). A distribuição dos idosos segundo a intensidade da dor percebida está apresentada na tabela 2.

Tabela 2
Distribuição dos idosos segundo a intensidade da dor percebida. São Carlos, 2014

No que tange à caracterização da dor, os descritores mais frequentes foram: desconfortável (93,5%, n=43), dolorosa (91,3%, n=42) e persistente (76,1%, n=35). A distribuição dos idosos segundo a caracterização da dor é apresentada na tabela 3.

Tabela 3
Distribuição dos idosos segundo a caracterização da dor. São Carlos, 2014

Dos 46 idosos entrevistados apenas 2,2% (n=1) apresentaram indícios de depressão grave, 28,3% (n=13) apresentaram depressão leve e 69,5% (n=32) obtiveram pontuação considerada normal. O escore total médio obtido por meio da GDS foi de 4,37 pontos (Md=4,00; DP = 2,67, xmín= 0,00, xmáx =11,00). Vale ressaltar que os três itens apresentados com maior frequência foram: 11 (Você acha maravilhoso estar vivo?), 7 (Você se sente feliz a maior parte do tempo?) e 1 (Você está satisfeito com a sua vida?) relacionados à felicidade e satisfação com a vida.

A distribuição dos idosos segundo a percepção da depressão é apresentada na tabela 4.

Tabela 4
Dados descritivos de depressão dos idosos. São Carlos, 2014

O escore médio de incapacidades (limitações) relacionadas à DL, nas regiões 30 e 31, obtido por meio do RMDQ foi de 11,391 pontos (Md=10,500; DP = 7,188, xmín=0,00, xmáx =24,00). Vale ressaltar que os três itens de maior frequência relacionados à interrupção de tarefas básicas por causa da dor foram: 15 - meu apetite não é muito bom por causa das minhas dores (82,6%, n= 38); 19 - por causa da dor me visto com ajuda de outras pessoas (80,4%, n=37) e 20 - fico sentado a maior parte do dia por causa da minha dor (76,1%, n=35) (Tabela 5).

Tabela 5
Dados descritivos de incapacidade/limitação relacionada a dor lombardos idosos. São Carlos, 2014

As análises correlacionais evidenciaram que existe uma relação significativa e diretamente proporcional entre a intensidade da DL e o número de sintomas depressivos de magnitude fraca (rho=0,302, p=0,041) (Figura 2).

Figura 2
Relação entre intensidade da dor lombar e o número de sintomas depressivos de idosos

As análises correlacionais evidenciaram que existe uma relação significativa e diretamente proporcional entre o número de incapacidades/limitações provocadas pela DL e o número de sintomas depressivos de magnitude moderada (rho=0,403, p=0,005) (Figura 3).

Figura 3
Relação entre a o número de incapacidades/limitações provocadas pela dor lombar e o número de sintomas depressivos de idosos

DISCUSSÃO

A predominância do sexo feminino da amostra era esperada, uma vez que a literatura aponta que as mulheres tendem a apresentar maior prevalência de dor quando comparada aos homens. Alguns autores supõem que as mulheres têm maior predisposição às lombalgias devido a particularidades anátomo-funcionais, tais como: menor estatura, menor massa muscular; menor densidade óssea, fragilidade articular e menor adaptação ao esforço físico2323 Silveira MM, Pasqualotti A, Colussi EL, Vidmar MF, Wibelinger LM. Abordagem fisioterápica da dor lombar crônica no idoso. Rev Bras Ciên Saúde. 2011;8(25):56-61..

O significado da dor pode ser influenciado por questões culturais e sociais que acabam por permitir à mulher uma expressão ou manifestação mais aberta ou de aceite da dor, enquanto encorajam os homens a subvalorizá-la2424 Zavarize SF, Wechsler SM. Perfil criativo e qualidade de vida: implicações em adultos e idosos com dor lombar crônica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):403-14..

Uma vez que a amostra era constituída por idosos com apoio social familiar na figura de outro idoso que morava na mesma casa, era esperado que a maioria fosse casada. Pode-se dizer que o perfil dos idosos da amostra era típico da literatura: mulher, com menos de 75 anos, casada, com baixa renda e pouca escolaridade. Estudos recentes sobre idosos atendidos em USF relatam esse mesmo perfil2525 Poubel PB, Lemos EL, Araújo FC, Leite GG, Freitas IS, Silva RM, et al. Autopercepção de saúde e aspectos clínico-funcionais dos idosos atendidos em uma unidade básica de saúde no norte do Brasil. J Health Biol Sci. 2017;5(1):71-8.,2626 Ximenes MA, Vescovo RM, Manchini RF, Conti MH, Souza LC. Qualidade de vida dos idosos participantes do Projeto "Unidos da Melhor Idade" do Município de Fernão, SP, Brasil. Rev Kairós Gerontol. 2017;20(1):427-52..

O predomínio acentuado do sexo feminino ocorre em consequência da mortalidade masculina, caracterizando a feminização do envelhecimento. A baixa escolaridade, sobretudo entre as mulheres, é uma realidade uma vez que no passado, a valorização da educação feminina era voltada para os cuidados e afazeres domésticos2727 Alvarenga MR, Oliveira MA, Faccenda O. Sintomas depressivos em idosos: análise dos itens da Escala de Depressão Geriátrica. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):497-503..

A etnia branca, a aposentadoria e a religião católica predominantes estão em consonância com os dados demográficos dos idosos brasileiros e de caracterização da literatura2828 Branco CO, Reis JF, Sarmento MS, Feitosa CD, Figueiredo ML, Sales JC. Elderly women assisted in primary healthcare: sociodemographic and economic analysis. Rev Enferm UFPI. 2017;6(2):44-50.,2929 Nunes MG, Leal MC, Marques AP, Mendonça SS. Idosos longevos: avaliação da qualidade de vida no domínio da espiritualidade, da religiosidade e de crenças pessoais. Saúde Debate. 2017;41(115):1102-15.. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2015, a maioria dos brasileiros (45,22%) se declaravam como brancos e, dentre os idosos, 75,6% eram aposentados e/ou pensionistas11 Closs VE, Schwanke CH. A evolução do índice de envelhecimento no Brasil, nas suas regiões e unidades federativas no período de 1970 a 2010. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):443-58..

Sendo a religião católica predominante no Brasil3030 Fernandes S. Interpretações Sobre o Censo da Igreja Católica e a Mudança. Rev Interd em Cult e Soc (RICS), São Luís. 2015;1(1)185-202., a amostra se alinhou a esse dado e 97,80% dos idosos afirmaram ter alguma religião, fato apontado como positivo pela literatura. Segundo Nunes et al.2929 Nunes MG, Leal MC, Marques AP, Mendonça SS. Idosos longevos: avaliação da qualidade de vida no domínio da espiritualidade, da religiosidade e de crenças pessoais. Saúde Debate. 2017;41(115):1102-15., existe relação entre religiosidade, bem-estar e qualidade de vida. Uma revisão sistemática conduzida por Amorim et al.3131 Amorim DN, Silveira CM, Alves VP, Faleiros VP, Vilaça KH. Associação da religiosidade com a capacidade funcional em idosos: uma revisão sistemática. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(5):721-35. evidencia que a religiosidade está associada de forma significativa e positiva à capacidade funcional de idosos.

O fato observado de não possuir plano de saúde, somado à renda considerada insuficiente, reafirmam a importância do Sistema Único de Saúde, especialmente da atenção básica para o atendimento dos idosos com queixas de DL que necessitam de um acompanhamento contínuo3232 de Sousa Mata M, da Costa FA, de Souza TO, de Sousa Mata AN, Pontes JF. [Pain and functionality in primary health care]. Cien Saude Colet. 2011;16(1):221-30. Portuguese.,3333 Martinez JE, Macedo AC, Pinheiro DF, Novato FC, Jorge CM, Teixeira DT. Perfil clínico e demográfico dos pacientes com dor musculoesquelética crônica acompanhados nos três níveis de atendimento de saúde de Sorocaba. Acta Fisiátr. 2004;11(2):67-71..

A DL foi percebida pela maioria dos idosos como intensa ou moderada. Dados provenientes do estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE), que teve como objetivo identificar as condições de vida e de saúde de idosos residentes na América Latina e Caribe, evidenciaram resultados semelhantes dos idosos com dor crônica, 45,8% relataram sentir dores moderadas e 27,55% sentiam dores intensas1212 Dellaroza MS, Pimenta CA, Lebrão ML, Duarte YA. [Association of chronic pain with the use of health care services by older adults in Sao Paulo]. Rev Saude Publica. 2013;47(5):914-22. Portuguese..

É sabido que a DLC pode levar a deficiências tanto no desempenho funcional quanto na capacidade física, restringindo principalmente as atividades ocupacionais e de lazer, e ameaçando a independência do idoso para realizar suas atividades de vida diária2323 Silveira MM, Pasqualotti A, Colussi EL, Vidmar MF, Wibelinger LM. Abordagem fisioterápica da dor lombar crônica no idoso. Rev Bras Ciên Saúde. 2011;8(25):56-61.. Sendo a amostra composta em sua totalidade por idosos com DL, esperava-se uma grande prevalência das intensidades insuportável e intensa. Porém, os resultados mostraram que a dor intensa precedida pela moderada foram as mais prevalentes.

Foram encontrados poucos estudos que utilizavam os descritores do EMADOR, o que dificultou a comparação dos dados. Nessa pesquisa, os idosos classificaram a dor principalmente como desconfortável (93,5%), dolorosa (91,3%) e persistente (76,1%)3434 Pelegrin AK, Moura Siqueira HB, Garbi MO, Saltareli S, Sousa FF. Evaluation and measurement of pain in the aging process. Psychol Neurosci. 2014;7(3):349-54., sendo avaliados 46 idosos residentes em Instituições de Longa Permanência, que classificaram a dor como intensa (30,43%) e o descritor mais citado pelos participantes foi “dolorosa”.

Dos 46 idosos entrevistados, apenas 2,2% apresentaram indícios de depressão grave, 28,3% apresentaram depressão leve e 69,5% obtiveram uma pontuação considerada normal. A literatura destaca a associação dos sintomas depressivos com as variáveis sociodemográficas, indicando que as desigualdades sociais influenciam as condições de vida e de saúde e podem contribuir para o aparecimento desses sintomas. Baixa escolaridade, idade e perda econômica foram as variáveis sociodemográficas associadas aos sintomas depressivos3535 Borges LJ, Benedetti TR, Xavier AJ, d'Orsi E. Associated factors of depressive symptoms in the elderly: EpiFloripa study. Rev Saude Publica. 2013;47(4):701-10. English, Portuguese.. Indivíduos com baixa escolaridade têm maior risco à sintoma depressivo, sinalizando que a alta escolaridade é um fator protetor. O nível educacional possibilita que o indivíduo amplie os recursos de enfrentamento às situações estressantes da vida3535 Borges LJ, Benedetti TR, Xavier AJ, d'Orsi E. Associated factors of depressive symptoms in the elderly: EpiFloripa study. Rev Saude Publica. 2013;47(4):701-10. English, Portuguese..

Em indivíduos de faixa etária mais elevada, há um decréscimo nas condições físicas, sobretudo naqueles que apresentam problemas de coluna. Além disso, estudos comprovam que indivíduos com mais de 60 anos se queixam duas vezes mais que indivíduos com menos de 60 anos de idade2424 Zavarize SF, Wechsler SM. Perfil criativo e qualidade de vida: implicações em adultos e idosos com dor lombar crônica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):403-14..

A DL é um problema muito comum. Um estudo realizado na Holanda relatou, para DL ciática, uma incidência de 11,6 por 1.000 pessoas por ano, estando a sua ocorrência associada à idade, aptidão física, tabagismo, excesso de peso corporal e força das costas e dos músculos abdominais, fatores psicológicos como a depressão, fatores ocupacionais e psicossosiais3636 Woolf AD, Pfleger B. Burden of major musculoskeletal conditions. Bull World Health Organ. 2003;81(9):646-56.. Outro estudo com a finalidade de analisar a relação entre presença e gravidade da depressão e lombalgia em uma população geral na Coreia, concluiu que a prevalência de depressão é significativamente superior em coreanos com lombalgia em comparação a indivíduos sem lombalgia (20,3 e 4,5%, respectivamente) e que esse tipo de dor pode ser considerado fator de risco para depressão3737 Park SM, Kim HJ, Jang S, Kim H, Chang BS, Lee C, et al. Depression is closely associated with chronic low back pain in patients over 50 years of age: a cross-sectional study using the Sixth Korea National Health and Nutrition Examination Survey (KNHANES VI-2). Spine. 2018;43(18):1281-8..

Sobre as incapacidades/limitações relacionadas à DL, 82,6% dos idosos relataram sofrer perda de apetite devido à dor; 80,4% disseram que devido à dor é necessário a ajuda de outras pessoas com a vestimenta e por fim; 76,1% ficam sentados a maior parte do tempo devido à dor. Contudo, concluiu-se que a dor afeta diretamente a vida do indivíduo, e que sua intensidade pode dificultar as realizações das atividades cotidianas, podendo gerar incapacidade funcional e depressão1313 de Figueiredo VF, Pereira LS, Ferreira PH, Pereira AM, de Amorim JS. Incapacidade funcional, sintomas depressivos e dor lombar em idosos. Fisioter Mov. 2013;26(3):549-57.. Outro trabalho realizado com uma amostra heterogênea com média de idade de 59,1 anos, demostrou que indivíduos com DL inespecífica apresentam risco mais elevado para incapacidade com o avanço da idade3838 Wettstein M, Eich W, Bieber C, Tesarz J. Pain intensity, disability, and quality of life in patients with chronic low Back pain: does age matter? Pain Med. 2018;20(3):464-75..

Uma metanálise realizada no ano de 2004 teve como objetivo identificar a epidemiologia da dor na depressão. Observou que cerca de 75% dos indivíduos deprimidos que compuseram as amostras queixavam-se de sintomas físicos dolorosos, como dores de cabeça, epigástricas, no pescoço e nas costas, bem como apontaram a presença de dor generalizada não específica. Contudo, a presença de sintomas álgicos foram preditores de maior gravidade quanto aos desfechos da depressão3939 Lépine JP, Briley M. The epidemiology of pain in depression. Human Psychopharmacol. 2004;19(Suppl1):S3-7..

Estudos que avaliaram a incapacidade relacionada à DL, por meio do RMDQ, não foram específicos para a avaliação da população idosa, e evidenciaram menores escores de incapacidade. Nogueira e Navega4040 Nogueira HC, Navega MT. Influência da Escola de Postura na qualidade de vida, capacidade funcional, intensidade de dor e flexibilidade de trabalhadores administrativos. Fisioter Pesqui. 2011;18(4):353-8. avaliaram 31 trabalhadores do setor administrativo com idade média de 31,81±8,33 anos e constataram que os escores de incapacidade foram de 1,06±1,65 pontos. Outros autores, ao analisarem indivíduos com DL crônica não específica, com idade entre 18 e 75 anos evidenciaram índices de incapacidade de 7,77±5,5 pontos4141 Bento AA, Paiva AC, Siqueira FB. Correlação entre incapacidade, dor - Roland Morris, e capacidade funcional - SF-36 em indivíduos com dor lombar crônica não específica. E-scientia. 2009;2(1):1-18.. Um trabalho analisou prontuários de 244 pacientes com lombalgia crônica com idade média de 46,8±11,90 anos, variando de 18 a 73 anos, e os índices de incapacidade foram de 6,9±3,94242 Trivedi MH. The link between depression and physical symptoms. Prim Care Companion J Clin Psychiatry. 2004;6(Suppl1):12-6.. Visto que os escores de incapacidade dessa pesquisa foram expressivamente superiores (M=11,39 pontos; =DP=7,19), pode-se inferir o ônus da DL em idosos4343 Tsukimoto GR, Riberto M, Brito CA, Battistella LR. Avaliação longitudinal da Escola de Postura para dor lombar crônica através da aplicação dos questionários Roland Morris e Short Form Health Survey (SF-36). Acta Fisiátr. 2006;13(2):63-9..

A relação significativa e diretamente proporcional entre DL, número de incapacidades/limitações provocadas e o número de sintomas depressivos corroboram a existência de um modelo de depressão no idoso relacionado à dor. Idosos que não eram deprimidos antes do quadro, passam a apresentar o sintoma depressivo por causa da dor crônica. O relato ruim/muito ruim sobre a própria saúde pode ser entendido como sintoma depressivo em alguns casos. A depressão é importante marcador de incapacidade do idoso, pois afeta a saúde de modo geral e, consequentemente, a capacidade funcional3535 Borges LJ, Benedetti TR, Xavier AJ, d'Orsi E. Associated factors of depressive symptoms in the elderly: EpiFloripa study. Rev Saude Publica. 2013;47(4):701-10. English, Portuguese..

Por sua vez, componentes emocionais envolvidos no processo de dor crônica podem expressar-se, algumas vezes, de maneira mais significativa que os componentes sensitivos. Emoções e valores simbólicos influenciam a percepção da dor, descaracterizando a proporcionalidade entre estímulo doloroso e a dor percebida pelo indivíduo. Depressão, ansiedade e estresse, associados à mudança de tônus muscular e fatores hormonais, acarretam fadiga e, consequentemente, aumento do quadro doloroso. Isso justifica a importância de se investigar, além das questões meramente físicas e objetivas, os aspectos emocionais e as características de personalidade do indivíduo2424 Zavarize SF, Wechsler SM. Perfil criativo e qualidade de vida: implicações em adultos e idosos com dor lombar crônica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):403-14..

Segundo Trivedi4242 Trivedi MH. The link between depression and physical symptoms. Prim Care Companion J Clin Psychiatry. 2004;6(Suppl1):12-6. depressão e dor compartilham a mesma via neuroquímica mediada pelos neurotransmissores serotonina e norepinefrina, indicando que a depressão e os sintomas físicos dolorosos devem ser tratados em conjunto. O autor, no entanto, afirma não ser recomendada uma abordagem única que pode resultar em remissão incompleta e mau prognóstico. É necessário escolher intervenções eficazes que promovam a eliminação dos sintomas físicos dolorosos associados à depressão, a fim de garantir a remissão e o retorno ao pleno funcionamento do indivíduo.

Desse modo, é de suma importância a atenção da família, fonte da principal rede de apoio, e de profissionais qualificados no processo de acompanhamento da dor crônica, uma vez que o estudo mostra relação entre essa variável e a depressão. Fatores esses que quando não dada a devida atenção, pode afetar a qualidade de vida e desencadear ainda, outros fatores numa espiral descendente.

Estudos aprofundados no tema permitiriam maior racionalização das medidas terapêuticas e elaboração de estratégias de prevenção e controle da dor. O prolongamento da vida com manutenção da capacidade funcional reduz os custos com cuidados médicos, diminui o uso de serviços hospitalares e de cuidados domiciliares4444 Braga IB, Santana RC, Ferreira DM. Depressão no idoso. Rev Multisciplinar Psicol. 2015;9(26):142-51..

Esta pesquisa não permitiu fazer generalizações e extrapolações gerais devido a algumas limitações metodológicas. Trata-se de uma experiência pontual, com a participação de idosos de uma única cidade do interior do estado de São Paulo, atendidos especificamente nas USF. O número relativamente pequeno de participantes se deu pela rigidez dos critérios de inclusão e exclusão que garantem minimização dos vieses, mas reduzem o tamanho da amostra. Seria interessante contemplar idosos da comunidade de forma geral, em amostras robustas e análises comparativas, além das correlacionais apresentadas. Além disso, a inespecificidade da DL precisa ser considerada e pesquisas futuras poderiam abordar dores lombares com origens patológicas específicas.

CONCLUSÃO

Existiu uma relação significativa e diretamente proporcional entre a intensidade da dor crônica na região lombar e o número de sintomas depressivos. Em consonância, existe também uma relação significativa entre a quantidade de incapacidades/limitações provocadas pela dor e os sintomas depressivos.

Os idosos, em sua maioria, descrevem a DL como dolorosa persistente e desconfortável. Os resultados apontam que maiores intensidades da dor afetam negativamente o apetite, as relações interpessoais e a mobilidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2019
  • Aceito
    21 Maio 2019
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