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Dor crônica que mais incomoda professores do ensino básico: diferenciais entre distintas regiões do corpo

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor crônica é um evento complexo e multifatorial. Poucas pesquisas compararam a dor crônica conforme as distintas regiões do corpo em professores, população com exigentes cargas de trabalho. Objetivou-se caracterizar a dor crônica referida, por professores, como a que mais incomodava, segundo a região do corpo.

MÉTODOS:

Estudo transversal realizado de 2012 a 2013 com professores dos ensinos fundamental e médio das 20 maiores escolas estaduais de Londrina (PR). Investigou-se a dor crônica (≥6 meses de duração) e a que mais incomodava, na percepção dos professores. Para comparação de proporções utilizou-se o teste Qui-quadrado corrigido (Yates), considerando nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

Entre 958 professores, 408 (42,6%) reportaram dor crônica e as dores que mais incomodavam localizavam-se principalmente em membros superiores, cabeça, membros inferiores e coluna lombar (n=321). A dor na região da cabeça destacou-se por maior duração, por ser classificada como intensa/insuportável e por interferir no lazer e trabalho dos professores em maior proporção. Dor em membros superiores e inferiores dificultaram o sono dos docentes em maior frequência. Professores com dor na coluna lombar tiveram maior proporção de afastamento do trabalho acima de 30 dias comparados àqueles com dor em outros locais do corpo.

CONCLUSÃO:

Observaram-se diferenças da dor que mais incomodava professores conforme as regiões do corpo. A dor na região da cabeça destacou-se pela duração, intensidade intensa/insuportável e por interferir no lazer/trabalho dos professores em maior proporção.

Descritores:
Dor crônica; Professor; Saúde ocupacional

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic pain is a complex and multifactorial event. Very few research compare chronic pain according to the body region in teachers, a population with demanding workloads. The objective was to characterize the most uncomfortable chronic pain, reported by teachers, according to the body region.

METHODS:

A cross-sectional study conducted from 2012 to 2013 with K-12 teachers from the 20 largest state schools in Londrina (PR). Chronic pain (≥6-month duration) and the one that bothered the most were investigated. The Chi-square test (Yates) was used to compare the proportions of teachers with and without chronic pain, with a significance score of 5%.

RESULTS:

Among the 958 teachers, 408 (42.6%) reported chronic pain, and the most disturbing pain were located mainly in the upper limbs, head, lower limbs and lower back (n=321). Pain in the head region stood out for its longer duration, being classified as intense/unbearable and for strongly interfering with teachers’ leisure and work. Pain in the upper and lower limbs frequently made it difficult for teachers to sleep. Teachers with low back pain had a greater proportion of leave of absence above 30 days compared to those with pain in other body sites.

CONCLUSION:

We observed differences in the most uncomfortable pain according to the regions of the body. Pain in the head region stood out for its duration, intense/unbearable intensity and for interfering in teachers’ leisure/work in greater proportion.

Keywords:
Chronic pain; Occupational health; Teachers

INTRODUÇÃO

A dor é um fenômeno complexo e multifatorial, capaz de prejudicar o indivíduo física11 van Tilburg MA, Spence NJ, Whitehead WE, Bangdiwala S, Goldston DB. Chronic pain in adolescents is associated with suicidal thoughts and behaviors. J Pain. 2011;12(10):1032-9. e psicologicamente22 Oladeji BD, Makanjuola VA, Esan OB, Gureje O. Chronic pain conditions and depression in the Ibadan Study of Ageing. Int Psychogeriatr. 2011;23(6):923-9.. O enfoque na literatura sobre dor em professores, população com exigentes cargas de trabalho, está nas desordens musculoesqueléticas, as quais possuem elevada prevalência33 Ceballos AG, Santos GB. Factors associated with musculoskeletal pain among teachers: sociodemographics aspects, general health and well-being at work. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3):702-15., e é explorada, principalmente, como dor na coluna lombar44 Anuar NF, Rasdi I, Saliluddin SM, Abidin EZ. Work task and job satisfaction predicting low back pain among secondary school teachers in Putrajaya. Iran J Public Health. 2016;45(1):85-92.,55 Erick PN, Smith DR. A systematic review of musculoskeletal disorders among school teachers. BMC Musculoskelet Disord. 2011;12(1):260-71..

Revisão sistemática da literatura realizada por Erick e Smith55 Erick PN, Smith DR. A systematic review of musculoskeletal disorders among school teachers. BMC Musculoskelet Disord. 2011;12(1):260-71. encontrou prevalências de dor musculoesquelética entre docentes variando de 39 a 95%, com principal localização nas regiões de coluna torácica, pescoço e membros superiores. Essa variação nas prevalências reflete diversidades quanto aos critérios metodológicos adotados nas diferentes pesquisas, como importante variação do tamanho amostral, do nível de ensino em que atuam os docentes entrevistados, bem como da localização do fenômeno doloroso e do tempo considerado para definição de dor, crônica ou aguda.

Poucos estudos abordam especificamente a dor crônica em professores conforme definição recomendada pela International Association for the Study of Pain (IASP) para fins de pesquisas epidemiológicas, ou seja, dor com duração de seis meses ou mais66 IASP. International Association for the Study of Pain. Classification of Chronic Pain.. 2012 [cited 2016 08 de agosto de 2016]; 2: [Available from: http://www.iasp-pain.org/PublicationsNews/Content.aspx?ItemNumber=1673&navItemNumber=677.
http://www.iasp-pain.org/PublicationsNew...
. Ainda, poucos comparam as características da dor crônica conforme a região do corpo afetada, o que poderia direcionar medidas preventivas específicas55 Erick PN, Smith DR. A systematic review of musculoskeletal disorders among school teachers. BMC Musculoskelet Disord. 2011;12(1):260-71..

Dessa forma, esta pesquisa buscou caracterizar a dor crônica referida como a que mais incomodava, segundo a região do corpo, em professores da rede estadual de ensino em um município do Sul do Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de estudo epidemiológico do tipo transversal, o qual faz parte de projeto intitulado “Saúde, estilo de vida e trabalho de professores da rede pública do Paraná - PRÓ-MESTRE” - do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL). O local de estudo foi o município de Londrina, situado ao norte do Estado do Paraná e com população projetada de 515.707 habitantes no ano de 2012.

Para esta pesquisa foram selecionadas as 20 escolas da zona urbana do município com maior número de professores (cerca de 70% dos professores dos ensinos fundamental e médio), distribuídas em todas as regiões da zona urbana. O tamanho amostral foi calculado para que houvesse poder estatístico suficiente para as análises das associações planejadas pelo estudo maior (PRÓ-MESTRE).

O instrumento para a coleta de dados foi composto por formulário (para anotação dos dados obtidos por entrevistadores) e por questionário, respondido pelo próprio professor após a entrevista. A aplicação do questionário teve o objetivo de preservar a privacidade do professor em questões mais sensíveis, como, por exemplo, renda familiar. Todos os entrevistadores foram previamente treinados e um estudo piloto foi conduzido em município vizinho para treinamento prático dos entrevistadores, readequação do instrumento e para melhor conhecimento da logística para a abordagem dos professores. A coleta de dados aconteceu de agosto a dezembro de 2012 e de fevereiro a junho de 2013.

Foram incluídos professores com vínculo temporário ou definitivo com a rede estadual de ensino, e que atuavam no ensino básico regular (médio e fundamental). Não foram incluídos educadores com atuação exclusiva em outras modalidades de ensino (por exemplo, educação de jovens e adultos), readaptados ou afastados da função, aqueles com tempo de profissão menor que um ano e com diagnóstico de neoplasia maligna, pela diferença existente entre dor oncológica e não oncológica.

Caracterizaram-se como perdas: (1) professores que não aceitaram participar da pesquisa; (2) professores cujo contato não foi possível após a quinta tentativa; (3) professores que se encontravam afastados por motivo de licença, independentemente do tipo, e que não retornaram em até 30 dias após o encerramento da coleta; e (4) entrevistas cujas informações sobre dor eram ignoradas, isto é, não foram preenchidas pelo entrevistador.

A dor crônica foi definida conforme recomendação internacional para pesquisas científicas, isto é, com seis meses ou mais de duração66 IASP. International Association for the Study of Pain. Classification of Chronic Pain.. 2012 [cited 2016 08 de agosto de 2016]; 2: [Available from: http://www.iasp-pain.org/PublicationsNews/Content.aspx?ItemNumber=1673&navItemNumber=677.
http://www.iasp-pain.org/PublicationsNew...
. Para sua identificação, os professores foram questionados: “Você sofre de algum tipo de dor crônica, ou seja, dor que o(a) incomoda há seis meses ou mais? Caso o professor respondesse positivamente, o entrevistador mostrava um cartão com a figura do corpo humano e solicitava que o entrevistado apontasse os locais em que sentia dor, sendo admitidas múltiplas localizações. Os professores que referiram dor crônica foram inquiridos também sobre a localização da dor que mais os incomodava, sendo admitida uma única resposta, posteriormente classificada conforme as regiões do corpo. As variáveis estudadas foram divididas em: (1) características demográficas e hábitos de vida: sexo, faixa etária, índice de massa corporal (IMC), baseado em peso e altura autorreportados, e atividade física; (2) características e consequências da dor crônica que mais incomodava, na percepção do professor: tempo, frequência e intensidade da dor, interferência da dor no lazer e no trabalho, e dificuldade para dormir devido à dor; (3) absenteísmo e capacidade para o trabalho: falta ao trabalho por problemas de saúde, tempo de afastamento do trabalho por problemas de saúde, e capacidade para o trabalho, na percepção do entrevistado, quanto às exigências físicas e mentais (muito boa, boa, moderada, baixa e muito baixa); e (4) tratamento da dor: procura médica para tratamento da dor, recomendação de tratamento médico e tratamento sem indicação médica. Todas as questões usadas neste estudo foram elaboradas pela equipe de pesquisa do PRÓ-MESTRE, com base na literatura.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEL sob o parecer CAAE nº 01817412.9.0000.5231. Todos os professores entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Análise estatística

O programa Epi Info® versão 3.5.4 foi usado para dupla digitação dos dados e o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 19.0 para depuração e tabulação. Os professores que referiram dor que mais os incomodava em distintas regiões de corpo (cabeça, coluna lombar, membros superiores e membros inferiores) foram comparados com a população que não referiu dor, conforme características demográficas, de estilo de vida, absenteísmo e capacidade para o trabalho. Utilizou-se o teste Qui-quadrado com correção de Yates para essas comparações, considerando-se que houve diferenças estatisticamente significativas quando o valor de p<0,05. As características e consequências da dor e com relação a tratamento foram tratadas de forma descritiva, em números absolutos e percentuais.

RESULTADOS

Dos 1.505 docentes com vínculo profissional nas instituições selecionadas, não foram incluídos 254 por atuarem apenas em outras modalidades de ensino e 125 por estarem readaptados ou afastados da função, restando 1.126 educadores elegíveis. Desses, houve perdas de 65 professores que se encontravam em licença e não retornaram em até 30 dias após o término da coleta de dados, 63 que se recusaram a participar da pesquisa, 20 que não foram localizados após a quinta tentativa e quatro por não terem registro sobre dor crônica, totalizando 974 docentes. Foram excluídos outros nove docentes com tempo de profissão menor que um ano e sete com diagnóstico de neoplasia maligna, resultando na população final de 958 professores. A dor crônica foi referida por 408 (42,6%) docentes.

Dos 408 professores com dor crônica, seis não souberam definir em qual local do corpo se situava a dor que mais incomodava, restando 402 docentes. Essa exclusão foi necessária porque as perguntas subsequentes eram direcionadas a apenas uma região do corpo. As regiões reportadas como as que apresentavam dor que mais incomodava foram membros superiores (94; 23,4%), cabeça (91; 22,6%), membros inferiores (72; 17,9%) e coluna lombar (64; 15,9%), totalizando 321 professores. Somente professores com dores localizadas nessas regiões foram analisados, devido ao reduzido número de casos que referiram dores em outras regiões do corpo.

Comparativamente à população sem dor, as mulheres predominaram entre aqueles que referiram dor que mais incomodava na cabeça (87,9%; p<0,001) e nos membros superiores (81,9%; p<0,001, enquanto a proporção de homens foi maior entre os com dor na coluna (43,7%; p=0,039). A proporção de professores com idade acima de 50 anos foi significativamente maior entre aqueles que referiram dor em membros inferiores (30,6%; p=0,030), bem como daqueles com IMC classificado como sobrepeso/obesidade (71,8%; p<0,001) (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas, índice de massa corporal e atividade física dos professores conforme a região do corpo com dor crônica que mais incomoda, Londrina (PR), 2012-2013

Entre os professores que referiram que a dor que mais os incomodava localizava-se na cabeça, elevado percentual referiu que essa dor durava mais de 10 anos (46,2%), com ocorrência semanal (51,1%) e de intensidade intensa a insuportável (65,9%). Os professores com dor em membros superiores e inferiores afirmaram existência dessa dor principalmente entre seis meses e cinco anos (71,3 e 72,3%, respectivamente), com frequência diária e de intensidade moderada a insuportável. Os docentes que referiram dor na coluna lombar reportaram duração principalmente até dois anos (31,3%), com episódio álgico diário a semanal e de intensidade moderada. A dor na região da cabeça foi, proporcionalmente, a mais referida como interferindo no lazer e no trabalho dos professores. A dor em membros superiores e inferiores dificultaram o sono dos docentes em maior proporção (Tabela 2).

Tabela 2
Características e consequências da dor crônica que mais incomoda professores conforme região do corpo, Londrina (PR), 2012-2013

O percentual de faltas ao trabalho por motivo de saúde foi maior entre educadores com dor, independentemente da região analisada, em comparação àqueles sem dor (Tabela 3). Os professores que referiram dor que mais incomodava na coluna lombar afastaram-se do trabalho com maior frequência, acima de 30 dias, comparativamente à população sem dor (p<0,05). Quanto à capacidade para o trabalho considerando as exigências físicas, observou-se maior proporção de respostas “baixa/muito baixa” entre educadores com dor crônica em membros superiores (14,9%; p<0,001). Houve maior proporção de professores com dor na cabeça que refeririam “baixa/muito baixa” capacidade para o trabalho quanto às exigências mentais, em comparação aos professores que não referiram dor, porém sem significância estatística (p=0,063).

Tabela 3
Absenteísmo e capacidade para o trabalho de professores conforme a região do corpo com dor crônica que mais incomoda, Londrina (PR), 2012-2013

Os professores com dor crônica em membros superiores foram os que, proporcionalmente, mais demandaram atenção médica nos 12 meses que antecederam a pesquisa (63,8%) e que receberam recomendação de tratamento (Tabela 4). O alívio da dor com fármacos foi mais frequentemente citado por docentes com dor na região da cabeça (70,5%). Os professores com dor em membros inferiores referiram, em maior proporção, melhora com tratamento não farmacológico (33,3%). O alívio da dor após tratamento médico foi relatado, com maior frequência, por professores com dor na coluna lombar (58,6%). A realização de tratamento sem indicação médica predominou entre aqueles com dor na região da cabeça (56,0%).

Tabela 4
Tratamento da dor crônica que mais incomoda os professores conforme a região do corpo, Londrina (PR), 2012-2013

DISCUSSÃO

Nesta pesquisa, a dor crônica na região da cabeça, ainda que relatada com menor frequência semanal, foi a mais reportada como intensa/insuportável e com maior interferência no lazer e no trabalho. A predominância desse tipo de dor no sexo feminino, principalmente quando há diagnóstico de enxaqueca, é consenso na literatura, um resultado que não é exclusivamente identificado em professores77 Buse DC, Manack AN, Fanning KM, Serrano D, Reed ML, Turkel CC, et al. Chronic migraine prevalence, disability, and sociodemographic factors: results from the American Migraine Prevalence and Prevention Study. Headache. 2012;52(10):1456-70.

8 Diener HC, Solbach K, Holle D, Gaul C. Integrated care for chronic migraine patients: epidemiology, burden, diagnosis and treatment options. Clin Med. 2015;15(4):344-50.
-99 Pahim LS, Menezes A, Lima R. Prevalência e fatores associados à enxaqueca na população adulta de Pelotas, RS. Rev Saúde Publica. 2006;40(4):692-8.. No presente estudo, não foi determinado o local específico de origem da dor na região da cabeça, o que dificulta comparações. Alterações vocais, por exemplo, são frequentemente observadas nessa categoria profissional, pela intensa utilização da voz como instrumento de trabalho1010 Ferreira LP, Giannini SP, Alves NL, Brito AF, Andrade BM, Latorre MD. Voice disorder and teaching work ability. Rev CEFAC. 2016;18(4):932-40..

A dor na região da cabeça foi a que, proporcionalmente, mais gerou automedicação. O recurso farmacológico para alívio da dor, seja por indicação médica ou por automedicação, é frequentemente utilizado quando se trata de quadro intenso e incapacitante. A automedicação tem raiz cultural e está relacionada à dificuldade de acesso à atenção médica. O desafio torna-se maior quando o objetivo é aliviar dores de cabeça, por serem geralmente intensas, mas com boa resposta terapêutica farmacológica por meio de fármacos de baixo custo e fácil aquisição1111 Arrais PS, Coelho HL, Batista M, Carvalho ML, Righi RE, Arnau JM. Perfil da automedicação no Brasil. Rev Saúde Pública. 1997;31(1):71-7.,1212 Leite SN, Vieira M, Veber AP. Estudos de utilização de medicamentos: uma síntese de artigos publicados no Brasil e América Latina. Ciênc Saúde Colet. 2008;13(Suppl):793-802..

O uso de fármacos sem prescrição e acompanhamento médico pode trazer reações de hipersensibilidade, dependência, sangramento digestivo, síndrome de abstinência, resistência bacteriana, e ainda aumentar o risco de determinadas neoplasias e mascarar a evolução de algumas doença1313 Aquino DS. Por que o uso racional de medicamentos deve ser uma prioridade? Ciênc Saúde Colet. 2008;13(Suppl):733-6.. Além disso, o professor é visto como modelo por seus alunos, os quais podem reproduzir práticas e comportamentos observados. Nesse contexto, o hábito da automedicação deve ser desencorajado para que não seja perpetuado pelos discentes ou por outras pessoas que convivem com os professores. Outras pesquisas também ressaltam a elevada frequência de automedicação em casos de cefaleias1111 Arrais PS, Coelho HL, Batista M, Carvalho ML, Righi RE, Arnau JM. Perfil da automedicação no Brasil. Rev Saúde Pública. 1997;31(1):71-7.,1414 Oliveira AL, Pelógia NC. Cefaleia como principal causa de automedicação entre os profissionais da saúde não prescritores. Rev Dor. 2011;12(2):99-103..

Quanto à dor crônica em membros superiores e inferiores, posturas e condições laborais inadequadas são frequentemente associadas ao seu surgimento e perpetuação1515 Chaiklieng S, Suggaravetsiri P. Risk factors for repetitive strain injuries among school teachers in Thailand. Work. 2012;41(Suppl 1):2510-5.,1616 Korkmaz NC, Cavlak U, Telci EA. Musculoskeletal pain, associated risk factors and coping strategies in school teachers. Sci Res Essays. 2011;6(3):649-57.. Enquanto não há adequação das condições trabalhistas, educadores buscam adaptações para tentar garantir qualidade de vida e força laboral. Mas, quando esse esforço supera as capacidades físicas e mentais, o equilíbrio emocional é descompensado, com manifestação nos diversos sistemas orgânicos. O sofrimento do sistema musculoesquelético, nessas situações, é consenso em pesquisas, sendo os membros superiores e inferiores amplamente prejudicados nessa profissão55 Erick PN, Smith DR. A systematic review of musculoskeletal disorders among school teachers. BMC Musculoskelet Disord. 2011;12(1):260-71..

Nesta pesquisa, os docentes que referiram dor crônica que mais incomodava nos membros superiores e inferiores referiram, em proporção mais elevada, maior dificuldade para dormir, mas, por se tratar de estudo transversal, não há como estabelecer relação de causalidade nessa associação. A relação entre condições crônicas dolorosas e distúrbios do sono pode ser bidirecional, podendo a pior qualidade do sono também agravar o processo álgico1717 Moldofsky H. Sleep and pain. Sleep Med Rev. 2001;5(5):385-96.,1818 Finan PH, Goodin BR, Smith MT. The association of sleep and pain: an update and a path forward. J Pain. 2013;14(12):1539-52..

A incapacidade funcional quando há acometimento dos membros por dor crônica é destacada em alguns estudos1919 Branco JC, Silva F, Jansen K, Giusti PH. Prevalência de sintomas osteomusculares em professores de escolas públicas e privadas do ensino fundamental. Fisioter Mov. 2011;24(2):307-14.,2020 Mango MS, Carilho MK, Drabovski B, Joucoski E, Garcia MC, Gomes AR. Análise dos sintomas osteomusculares de professores do ensino fundamental em Matinhos (PR). Fisioter Mov. 2012;25(4):785-94., assim como a necessidade de atendimento médico2121 Carvalho AJ, Alexandre NM. Sintomas osteomusculares em professores do ensino fundamental. Rev Bras Fisioter. 2006;10(1):35-41.,2222 Blyth FM, March LM, Brnabic AJ, Cousins MJ. Chronic pain and frequent use of health care. Pain. 2004;111(1):51-8.. Não é surpreendente que pessoas com dor crônica procurem assistência médica com maior frequência que as demais2222 Blyth FM, March LM, Brnabic AJ, Cousins MJ. Chronic pain and frequent use of health care. Pain. 2004;111(1):51-8.,2323 Gerdle B, Björk J, Henriksson C, Bengtsson A. Prevalence of current and chronic pain and their influences upon work and healthcare-seeking: a population study. J Rheumatol. 2004;31(7):1399-406.. Nesse contexto, uma pesquisa australiana realizada por Blyth et al.2222 Blyth FM, March LM, Brnabic AJ, Cousins MJ. Chronic pain and frequent use of health care. Pain. 2004;111(1):51-8. identificou que o processo álgico crônico, quando interfere significativamente nas atividades da vida diária, pode aumentar o número de consultas médicas em até cinco vezes, e o de hospitalizações em até duas vezes, mesmo controlando as análises por possíveis variáveis de confusão.

O alívio da dor nesses pacientes é um desafio, pois normalmente são pessoas que passam por longo processo doloroso, e apresentam sofrimento psíquico e comprometimentos físico e laboral, além de descrença terapêutica por resultados prévios insatisfatórios. Essas condições podem favorecer a não adesão ao tratamento médico e estimular a realização de terapêuticas alternativas de eficácia não comprovada ou a prática de automedicação2424 Kurita GP, Pimenta CA. Adesão ao tratamento da dor crônica: estudo de variáveis demográficas, terapêuticas e psicossociais. Arq Neuro-Psiquiatr. 2003;61(2-B):416-25.. Como estratégia adjuvante, a busca de tratamentos alternativos vem ganhando destaque entre esses indivíduos2525 Yeng LT, Stump P, Kaziyama HH, Teixeira MJ, Imamura M, Greve JM. Medicina física e reabilitação em doentes com dor crônica. Rev Med. 2001;80(spe2):245-55..

A ocorrência de sintomas osteomusculares localizados na coluna lombar é encontrada em diversos estudos com professores2121 Carvalho AJ, Alexandre NM. Sintomas osteomusculares em professores do ensino fundamental. Rev Bras Fisioter. 2006;10(1):35-41.,2626 Cardoso JP, Ribeiro IQ, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJ. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):604-14.. A maior prevalência dessa dor em mulheres foi encontrada neste e em outros trabalhos2626 Cardoso JP, Ribeiro IQ, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJ. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):604-14.,2727 Silva MC, Fassa AG, Valle NC. Dor lombar crônica em uma população adulta do Sul do Brasil: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública. 2004;20(2):377-85.. Entretanto, nesta pesquisa, comparativamente a dores em outros locais do corpo, houve maior proporção de homens com dor na coluna lombar. Já Yue, Liu e Li2828 Yue P, Liu F, Li L. Neck/shoulder pain and low back pain among school teachers in China, prevalence and risk factors. BMC Public Health. 2012;12(1):789-96. não observaram diferença entre os sexos, mas associaram o IMC ≥ 28kg/m2 como fator de risco para a dor na coluna lombar. Apesar do tempo de existência dessa dor ser proporcionalmente menor em relação às demais regiões do corpo analisadas, sua ocorrência é preocupante pelo caráter incapacitante. Neste estudo, professores com dor nessa região do corpo apresentaram, em maior proporção, faltas ao trabalho com duração superior a 30 dias, corroborando resultados que revelam associação entre lombalgia e elevadas taxas de absenteísmo por longo tempo2929 Axén I, Leboeuf-Yde C. Trajectories of low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2013;27(5):601-12..

Assim como a dor crônica nas demais regiões do corpo, a lombalgia requer terapêutica farmacológica e não farmacológica, sendo alvo de diversas pesquisas científicas3030 Brazil A, Ximenes AC, Radu AS, Fernades A, Appel C, Maçaneiro C, et al. Diagnóstico e tratamento das lombalgias e lombociatalgias. Rev Bras Reumatol. 2004;44(6):419-25.

31 Montenegro SM. Análise da hidroterapia em mulheres com dor lombar e relação com as atividades da vida diária. Fisioter Bras. 2014;15(4):263-8.

32 Rosa R, Dias CP, Roncada C. Efeitos da acupuntura na redução da dor lombar: uma revisão sistemática. Rev Pesqui Fisioter. 2016;6(2):167-78.
-3333 Shaheed CA, Maher CG, Williams KA, Day R, McLachlan AJ. Efficacy, tolerability, and dose-dependent effects of opioid analgesics for low back pain: a systematic review and meta-analysis. JAMA Intern Med. 2016;176(7):958:68.. Entretanto, por ser uma dor complexa e multifatorial, capaz de gerar elevados gastos públicos e repercutir negativamente na qualidade de vida do trabalhador, requer cuidadosa atenção para seu manuseio. Estudos que aprofundem o conhecimento sobre as condições que se associam à lombalgia crônica, por meio de variáveis de ajuste relevantes, são necessários para planejamento de ações mais específicas e direcionadas.

Alguns investimentos em saúde ocupacional poderiam minimizar os relatos de dor crônica em diversas regiões do corpo. A estrutura física do colégio deve ser planejada e/ou remodelada para que sempre haja opções de acessibilidade, e os mobiliários e equipamentos precisam estar de acordo com a necessidade ergonômica do docente. Deve-se incentivar estratégias que minimizem o sedentarismo, garantindo espaços físicos e horários reservados para a prática de atividade física. Programas dentro do ambiente escolar para prevenção e controle da dor precisam ser prioritários, com inclusão de profissionais capacitados em técnicas de relaxamento, alongamento e fortalecimento muscular. Outra vertente é o investimento em reabilitação dos professores com dor crônica já instalada. Terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas são indicadas para a recuperação da autoconfiança e encorajamento na execução das atividades diárias1616 Korkmaz NC, Cavlak U, Telci EA. Musculoskeletal pain, associated risk factors and coping strategies in school teachers. Sci Res Essays. 2011;6(3):649-57.,1919 Branco JC, Silva F, Jansen K, Giusti PH. Prevalência de sintomas osteomusculares em professores de escolas públicas e privadas do ensino fundamental. Fisioter Mov. 2011;24(2):307-14.,2525 Yeng LT, Stump P, Kaziyama HH, Teixeira MJ, Imamura M, Greve JM. Medicina física e reabilitação em doentes com dor crônica. Rev Med. 2001;80(spe2):245-55..

CONCLUSÃO

Nesta pesquisa, as regiões do corpo com dor crônica que mais incomodou os professores foram membros superiores, cabeça, membros inferiores e coluna lombar. A dor na região da cabeça destacou-se pelo longo período de duração, pela intensidade percebida como intensa/insuportável e por interferir no lazer e trabalho dos professores em maior proporção que as demais regiões. A dor crônica em membros superiores e inferiores dificultaram o sono dos docentes com maior frequência.

Os professores com dor crônica na coluna lombar tiveram maior proporção de afastamento do trabalho acima de 30 dias em comparação àqueles com dor em outros locais do corpo. É importante que pesquisas futuras procurem compreender melhor a relação entre as condições de trabalho e a dor na região da cabeça, por ser talvez a que mais traga prejuízos aos docentes.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2017
  • Aceito
    10 Abr 2018
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