Open-access Correlação entre níveis de atividade física, gravidade da doença e intensidade da dor em mulheres com fibromialgia

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:  Atualmente existem evidências conflitantes tanto para a atividade física quanto para o exercício físico na relação com o impacto da fibromialgia (FM). O objetivo deste estudo foi correlacionar níveis de atividade física, gravidade da doença e dor em mulheres com FM.

MÉTODOS:  Trata-se de um estudo transversal com 93 mulheres diagnosticadas com FM, com média de idade de 49,1±10,3 anos. O Questionário Revisado de Impacto da Fibromialgia (FIQR) foi utilizado para avaliar o impacto da doença no estado de saúde das mulheres. Para avaliar o nível de atividade física, utilizou-se a versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ). A Escala Numérica de Avaliação da Dor (END) foi utilizada para avaliar a intensidade da dor das participantes.

RESULTADOS:  Diferenças significativas foram encontradas entre os grupos, no tocante a gravidade dos sintomas (F = 9,471; p<0,001; n2=0,174) e intensidade da dor (F = 5,074; p=0,008; n2=0,101), desfavoráveis ao grupo sedentário (p<0,05). Correlações inversas significativas foram encontradas em avaliações de níveis de atividade física em intensidades leve e moderada, FIQR e dor (rs = -0,20 a -0,30).

CONCLUSÃO:  Mulheres sedentárias são impactadas de maneira muito severa pela doença e podem apresentar níveis mais elevados de dor. Correlações fracas e moderadas entre os níveis de atividade física, impacto da doença e intensidade da dor sugerem que a prática de atividade física em intensidades leve e moderada pode ser uma intervenção importante no tratamento da FM.

Descritores:
Dor; Exercício Físico; Fibromialgia

DESTAQUES

Mulheres com fibromialgia apresentaram baixos níveis de atividade física

Mulheres sedentárias com fibromialgia apresentaram maior intensidade da dor e gravidade dos sintomas comparadas as mulheres com maiores níveis de atividade física

Maior frequência e duração da prática de atividades físicas de intensidade leve e moderada possivelmente contribuem para a melhora dos sintomas da fibromialgia, incluindo a dor

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:  Currently, there is conflicting evidence regarding both physical activity and exercise in relation to the impact of fibromyalgia (FM). The aim of this study was to correlate levels of physical activity, disease severity, and pain in women with FM.

METHODS:  This is a cross-sectional study with 93 women diagnosed with FM, with an average age of 49.1±10.3 years. The Revised Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQR) was used to assess the impact of the disease on the women’s health status. To evaluate the level of physical activity, the short version of the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) was used. The Numeric Pain Rating Scale (NPRS) was used to assess the intensity of the participants’ pain.

RESULTS:  Significant differences were found between the groups in terms of symptom severity (F = 9.471; p<0.001; n2=0.174) and pain intensity (F = 5.074; p=0.008; n2=0.101), which were unfavorable to the sedentary group (p<0.05). Significant inverse correlations were found in assessments of physical activity levels at light and moderate intensities, FIQR and pain (rs = -0.20 to -0.30).

CONCLUSION:  Sedentary women are severely impacted by the disease and may experience higher levels of pain. Weak to moderate correlations between physical activity levels, disease impact, and pain intensity suggest that engaging in physical activity at light and moderate intensities may be an important intervention in the management of FM.

Keywords:
Fibromyalgia; Pain; Physical exercise

HIGHLIGHTS

Women with fibromyalgia had low levels of physical activity

Sedentary women with fibromyalgia had greater pain intensity and symptom severity compared to women with higher levels of physical activity

Greater frequency and duration of light and moderate intensity physical activity may help to improve fibromyalgia symptoms, including pain

INTRODUÇÃO

A fibromialgia (FM) é a terceira doença musculoesquelética crônica mais comum, após a dor lombar e a osteoartrite. A prevalência varia de acordo com o país e os critérios de diagnóstico, situando-se entre 0,4% e 8,8%, com média mundial de 2,7%1. No Brasil, a FM afeta 2% da população, sendo 5,5 mulheres para cada homem2.

Dor crônica generalizada, fadiga física e mental e distúrbios do sono são os sintomas mais comuns, enquanto disfunções cognitivas e autonômicas, depressão e ansiedade também são relatados em pacientes com FM3,4,5. Devido aos múltiplos sintomas e à baixa evidência de biomarcadores específicos6, o diagnóstico é clínico, utilizando critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia (American College of Rheumatology - ACR), que incluem o índice de dor generalizada, a escala de gravidade de sintomas persistente por um período mínimo de três meses e a ausência de outra condição de saúde que explique a dor7.

Apesar dos avanços na identificação e na prevalência dos sintomas de FM, a etiologia permanece incerta. Fatores genéticos, trauma e estresse, anormalidades neuroendócrinas, perturbação na regulação da dor e sensibilização central são evidenciados como possíveis fatores influenciadores8. O tratamento é caracterizado por intervenções integradas e multidisciplinares, utilizando fármacos como antidepres-sivos e anticonvulsivantes, e métodos não farmacológicos9.

Entre as formas não farmacológicas, a educação do paciente e a prática de atividades físicas são altamente recomendadas10. No entanto, quando comparadas a adultos saudáveis, mulheres com FM, devido aos múltiplos sintomas, incluindo dor generalizada, têm mostrado níveis mais baixos de atividade física11. A maioria dos estudos têm investigado programas de exercícios estruturados, e indicam que modalidades como o treinamento aeróbio e o treinamento de força, podem ser efetivos na redução dos sintomas, incluindo a dor, e na melhora da qualidade de vida (QV)12.

Um estudo13 relatou que a escolha de um determinado tipo de exercício deve ser baseada em evidências, e que as barreiras para o envolvimento e a acessibilidade também devem ser consideradas na FM. Além disso, parece que são necessários mais estudos para determinar as variáveis mais apropriadas de atividade física e exercício, como frequência e duração, para alcançar os melhores resultados em termos de QV, capacidade funcional e redução da dor.

Poucos estudos têm investigado a relação entre FM e o componente total da atividade física, representado por exercícios estruturados e por atividades do dia a dia como trabalhos domésticos, subir e descer escadas, deslocamentos habituais etc., que podem influenciar os níveis de atividade física. Nessa perspectiva, os desfechos dos estudos são conflitantes. Por exemplo, melhorias nos sintomas e redução da dor em indivíduos fisicamente ativos foram relatadas14. Por outro lado, os níveis de atividade física podem estar associados à função física, mas não à dor15.

Contudo, estudos que avaliaram essa relação entre atividade física e FM são importantes para fornecer informações adequadas para o manejo da doença e o estabelecimento de diretrizes assertivas e incentivos para a prática de atividades físicas. Portanto, o objetivo deste estudo foi correlacionar níveis de atividade física, gravidade da doença e dor em mulheres com FM. A hipótese inicial é que quanto menos ativos forem os indivíduos, mais severos serão os sintomas da FM e a dor.

MÉTODOS

Este estudo é caracterizado como transversal e observacional. Mulheres com FM foram recrutadas no Projeto de Extensão para Apoio às Pessoas com Fibromialgia (PAPEF) da Universidade Cesumar (UNICESUMAR), ou entre aquelas que agendaram uma consulta especializada em Reumatologia no Sistema Único de Saúde (SUS), na Unidade Básica de Saúde Aclimação e no Hospital Municipal na cidade de Maringá, no período de 1 a 30 de julho de 2022. Posteriormente, para a coleta de dados, foi agendada uma reunião presencial no Laboratório Interdisciplinar de Intervenção em Promoção da Saúde (LIIPS) da UNICESUMAR, entre os dias 1 e 30 de agosto de 2022. A amostra foi recrutada por conveniência e apenas mulheres participaram devido à maior prevalência da FM em comparação com homens. Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: mulheres com idade entre 20 e 70 anos e diagnosticadas com FM por um médico especialista, de acordo com os critérios do ACR de 20107; índice de dor generalizada ≥ 7 e escala de gravidade dos sintomas ≥ 5, ou índice de dor generalizada ≥ 3 — 6 e escala de gravidade dos sintomas ≥ 9; presença dos sintomas por pelo menos 3 meses; e a ausência de outra condição de saúde que explique a dor. Os critérios de exclusão foram: ter uma doença aguda ou terminal, como câncer, acidente vascular cerebral, doença cardíaca recente, ou ter esquizofrenia. Um total de 93 mulheres foram elegíveis para constituir a amostra.

Fontes de dados/medições

As informações sociodemográficas foram coletadas por meio de um questionário estruturado autoaplicável, abrangendo os seguintes dados: nome, idade, diagnóstico de FM, uso de fármacos e comorbida-des associadas. Todos os participantes foram orientados a preencher corretamente as informações, e todas as dúvidas foram esclarecidas. Para medir a altura dos participantes foi utilizado um estadiômetro Sanny com precisão de 0,1 cm (modelo padrão, ES 2030, São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil). O peso corporal foi medido em uma balança mecânica (modelo Welmy® com capacidade de 300 kg e precisão de 100 g, Modelo 104A, Santa Bárbara do Oeste, São Paulo, Brasil), conforme o protocolo estabelecido por um estudo de referência16. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como a massa corporal (kg) dividida pela altura ao quadrado (m2) e classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)17: <18,5 = abaixo do peso; 18,5 — 24,9 = normal; 25,0 — 29,9 = sobrepeso; e > 30 = obesidade.

Para avaliar o impacto da FM no estado de saúde das mulheres, foi utilizado o Questionário Revisado de Impacto da Fibromialgia (FIQR), traduzido e validado para a população brasileira18. Trata-se de um questionário autoadministrado, composto por 21 perguntas individuais, com opções de resposta em uma escala de 0 a 10 pontos. A pontuação total varia de 0 a 100, dividida em 3 domínios: função (0 a 30), impacto geral (0 a 20) e sintomas (0 a 50). Uma pontuação mais alta indica um maior impacto da doença. Os seguintes pontos de corte foram utilizados para indicar o grau de gravidade da doença: muito leve/leve 0-40, moderada 41-63, grave 64-82 e muito grave >8319. Para avaliar o nível de atividade física, foi utilizada a versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), validado para a população brasileira20. A versão curta possui sete perguntas para estimar o tempo gasto por semana em diferentes dimensões de atividade física, como caminhada e esforço físico, com intensidades leve, moderada e vigorosa; além do tempo dedicado a atividades passivas realizadas na posição sentada. Participantes foram classificados de acordo com as seguintes recomendações de grupos: 1 - Muito Ativo: aquele que cumpriu as recomendações de: a) vigoroso: ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos por sessão; b) vigoroso: ≥ 3 dias/semana e ≥ 20 minutos por sessão, mais (+) moderado e/ou caminhada: ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos por sessão; 2 - Ativo: aquele que cumpriu as recomendações de: a) vigoroso: ≥ 3 dias/semana e ≥ 20 minutos por sessão; ou b) moderado ou caminhada: ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos por sessão; ou c) qualquer atividade adicional: ≥ 5 dias/semana e ≥ 150 minutos/ semana (caminhada + moderado + vigoroso); 3 - Irregularmente Ativo A: aquele que atende a pelo menos um dos critérios de recomendação em relação à frequência ou duração da atividade: a) frequência: 5 dias/ semana ou b) duração: 150 minutos/semana; 4 - Irregularmente Ativo B: aquele que não atendeu a nenhum dos critérios de recomendação em termos de frequência ou duração. 5 - Sedentário: aqueles que não realizaram nenhuma atividade física por pelo menos 10 minutos contínuos durante a semana. Para as análises, as participantes foram divididas em 3 grupos: ativo (muito ativo e ativo); irregularmente ativo (irregularmente ativo A e B); e sedentário.

A Escala Numérica de Avaliação da Dor (END) foi utilizada para avaliar a intensidade da dor das mulheres com FM. Ela é composta por uma escala numérica de 0 a 10, na qual uma pontuação de 0 indica ausência de dor, enquanto uma pontuação de 10 representa dor mais intensa. A escala apresenta boa confiabilidade quando utilizada em distúrbios de dor crônica, incluindo a FM21.

Todos os procedimentos foram previamente informados às participantes, que assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para inclusão na pesquisa. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNICESUMAR. CAAE: 58445822.0.0000.5539.

Análise estatística

Os resultados foram apresentados como média ± desvio padrão (DP). O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para avaliar a normalidade dos dados. Para a comparação dos parâmetros antropométricos, da gravidade dos sintomas e da intensidade da dor nos grupos de mulheres, de acordo com o nível de atividade física do IPAQ (sedentárias, irregularmente ativas e ativas), utilizou-se a ANOVA com pós-teste de Tukey. O tamanho de efeito foi estimado utilizando o Eta ao quadrado (n2) e os seguintes pontos de corte foram utilizados22: pequenos (n2<0,01), médios (n2 entre 0,02 e 0,06) e grandes (n2>0,14). Para as correlações, devido às variáveis relacionadas ao nível de atividade física (frequência e duração) apresentarem distribuição não normal, utilizou-se a correlação de Spearman (rs). A magnitude das correlações foi classificada como: fraca (0,10 a 0,29), moderada (0,30 a 0,49) e forte (acima de 0,49)22. O software utilizado foi o SPSS versão 29.0 (Somers, NY, EUA), com um nível de significância aceito de p≤0,05.

RESULTADOS

A tabela 1 apresenta características as demográficas e antropométricas, a intensidade da dor e o impacto da fibromialgia da amostra. Noventa e três mulheres com FM foram avaliadas. As mulheres foram classificadas com excesso de peso de acordo com o IMC encontrado e apresentaram um nível elevado de dor. O impacto da FM avaliado pelo FIQR mostrou-se grave.

Tabela 1
Características antropométricas, dor e FIQR das mulheres da amostra (n=93)

A tabela 2 apresenta a classificação das mulheres de acordo com o nível de atividade física. Apenas 29% das mulheres foram consideradas ativas. A maioria da amostra foi classificada como irregularmente ativa (44,1%), e 26,9% das mulheres foram classificadas como sedentárias.

Tabela 2
Classificação dos grupos de acordo com os níveis de atividade física

A tabela 3 mostra a comparação entre as mulheres classificadas de acordo com os níveis de atividade física, para dados antropométricos, FIQR e intensidade da dor. Diferenças significativas foram encontradas entre as médias dos grupos para gravidades dos sintomas (FIQR e domínios), com estimativas de tamanho de efeito (n2) que variaram de 0,134 a 0,174 e intensidade da dor (END) de n2=0,101. Houve diferenças significativas (p<0,05) entre os grupos ativo versus sedentário para as variáveis: dor (-1,2 pontos), pontuação total do FIQR (-15,8 pontos), função do FIQR (-5,1 pontos), impacto geral do FIQR (-4,5 pontos) e sintomas do FIQR (-6,2 pontos). Para as mesmas variáveis, houve diferenças significativas entre os grupos irregularmente ativos versus sedentários: dor (-1,4 pontos), pontuação total do FIQR (-18,4 pontos), função do FIQR (-6,1 pontos), impacto geral do FIQR (-4,6 pontos) e sintomas do FIQR (-7,7 pontos). Não houve diferenças entre os grupos para idade e dados de composição corporal.

Foram encontradas as seguintes correlações significativas (p<0,05), porém de fracas a moderadas, entre os níveis de atividade física (frequência e duração), dor e FIQR (tabela 4): para atividades leves, dor e FIQR com frequência (dias) e duração (minutos por dia); para atividades moderadas, dor com duração e FIQR com frequência e duração; dor e FIQR com frequência e duração total da atividade física por semana. Tanto para a dor quanto para o FIQR, não foram encontradas correlações significativas com atividades vigorosas.

Tabela 3
Análise de variância dos dados antropométricos, dor e FIQR dos grupos, de acordo com os níveis de atividade física
Tabela 4
Correlações entre frequência e duração da atividade física com a intensidade da dor e FIQR total

DISCUSSÃO

Considerando que a maioria das mulheres não atendeu aos critérios, como frequência e/ou duração, para serem classificadas como ativas, o presente estudo demonstrou que mulheres com FM apresentam baixos níveis de atividade física, e as sedentárias são gravemente impactadas pela doença, apresentando níveis mais elevados de dor. Maior frequência e duração da prática em atividades físicas de intensidades leves e moderadas foram inversamente correlacionados com a gravidade dos sintomas e a intensidade da dor. Os achados atuais confirmam essa hipótese.

Estudos têm enfatizado a importância da atividade física e que indivíduos com FM têm níveis mais baixos em comparação com pessoas saudáveis11,23. Além disso, níveis mais elevados de atividades físicas e exercícios podem estar associados a melhora nos sintomas, redução da depressão, melhora da função física e da QV12.

Um estudo24 com 408 mulheres com FM relatou correlações inversas entre o FIQR e o nível de atividade física, e demonstrou que mulheres sedentárias e insuficientemente ativas são severamente im-pactadas pela doença. No presente estudo, as mulheres sedentárias, em comparação com as ativas e irregularmente ativas, apresentaram maior impacto da FM, enquanto não foram observadas diferenças significativas entre as mulheres ativas e irregularmente ativas.

Semelhante ao FIQR, no resultado da dor as mulheres sedentárias apresentaram níveis significativamente mais elevados, mas não foram encontradas diferenças entre ativas e irregularmente ativas, demonstrando que quando se trata de atividade física, de acordo com recomendações internacionais, qualquer gasto de energia além do repouso pode impactar positivamente a saúde e a QV25.

Como exemplo, um estudo26 demonstrou que apenas 20 minutos de uma sessão de atividade física de intensidade moderada (65%-70% do VO2 pico) resultaram em redução de 5% nas células imunológicas produtoras da citocina pró-inflamatória TNF. A redução aguda nas respostas inflamatórias durante a atividade física pode ser um fator importante no tratamento de indivíduos com condições de dor crônica, como a FM. Alguns dos mecanismos evidenciados que podem beneficiar indivíduos com FM por meio da prática de atividades físicas incluem: secreção de opioides endógenos e o efeito antinociceptivo na dor crônica; modulação do sistema imunológico na dor local e sistêmica, bem como no sistema nervoso central (SNC), liberando citocinas anti-inflamatórias. No SNC, a atividade física regular reduz a ativação da glia e das citocinas inflamatórias27,28. Apesar dos achados presentes em relação à dor, estudos anteriores são conflitantes nessa questão. A dor generalizada é um importante fator limitante quando relacionada à prática de atividades físicas, o que pode contribuir para um estilo de vida sedentário, piorando o estado de saúde e a QV29. Indivíduos com FM caracterizados como ativos parecem modular a dor de maneira mais adequada, e a atividade física foi positivamente associada às respostas cerebrais evidenciadas durante a distração da dor11,30.

Por outro lado, um estudo15 encontrou associação com função e fadiga, mas não com dor, sensibilidade relacionada e fatores psicológicos. Outro estudo27 realizou uma revisão sistemática com pesquisas que investigaram a relação entre atividade física e exercício com dor crônica em adultos, incluindo FM, e demonstrou que a prática de atividades físicas é potencialmente benéfica, embora as evidências de benefício sejam de baixa qualidade e inconsistentes. No entanto, intervenções físicas parecem não causar lesões aos participantes. As razões para essas discrepâncias nos resultados dos estudos não são claras, mas podem estar relacionadas a diferenças metodológicas na avaliação dos níveis de atividade física (por exemplo, questionários de autorrelato versus acelerometria), aos níveis de gravidade de FM nas amostras e a métodos de avaliação da dor (por exemplo, END e Escala Analógica Visual versus subescalas de questionários de avaliação de QV, como SF36 e WHOQOL).

Frequência e duração da atividade são componentes importantes usados como critérios para estabelecer os níveis de atividade física20. Tanto a frequência como a duração total na semana foram correlacionadas inversamente de forma fraca a moderada, com a pontuação do FIQR, e a percepção da dor neste estudo, ou seja, é possível que níveis mais altos de atividade física podem representar menor gravidade da doença e dor.

Quando se categoriza por intensidade, maior frequência e duração (minutos/dia) nas atividades leves (exemplo: caminhada) e atividades moderadas (exemplo: trabalhos domésticos, carregamento de pesos leves) foram inversamente correlacionadas com FIQR e dor, exceto frequência e dor nas atividades moderadas. Apesar de significativa, a magnitude das correlações foi de fraca a moderada, portanto maior engajamento em atividades leves e moderadas possivelmente contribuem para menos sintomas em mulheres com FM. Em relação à inexistência de correlação entre frequência e dor nas atividades moderadas, é possível que com um maior dispêndio energético por minuto, comparado a atividades leves, independentemente da frequência mas relativo à duração, pode-se alcançar resultados satisfatórios no impacto da dor27.

Um estudo24 demonstrou que níveis mais elevados de atividades leves estão associados a menores níveis de dor, fadiga e impacto geral em mulheres com FM, porém, em contrapartida ao presente estudo, também demonstrou correlações com atividades vigorosas. Apesar dos possíveis benefícios de atividades vigorosas, a prática de atividades nas intensidades leve e moderada é amplamente recomendada31 e pode promover maior adesão quando comparada a atividades vigorosas, devido ao medo de exacerbação dos sintomas e principalmente da dor32. Atividades de baixa intensidade podem melhorar variáveis psicológicas, percepção da dor e QV em mulheres com FM33.

É importante enfatizar que o presente estudo não diferenciou modalidades de exercício, como treinamento aeróbio, treinamento de força etc., mas sim exemplos de autorrelatos de frequência e duração nas categorias de atividades físicas, como leve, moderada e vigorosa, potencialmente elevando seus valores. Diante da relevância significativa da prática específica de modalidades de exercício, como treinamento aeróbio e de força, evidências apontam para uma redução na percepção da dor e na melhoria na QV12, enquanto o tamanho do efeito pode variar de acordo com os tipos de exercícios. Em geral, são recomendadas frequências de 2 a 3 dias por semana e duração superior a 20 minutos por dia, dependendo da intensidade e dos tipos de atividades físicas, para o melhor manejo da FM10. Intervenções com o objetivo de promover e incentivar a prática de atividades físicas em mulheres com FM são importantes, potencialmente contribuindo para a melhora dos sintomas, incluindo a dor e a QV.

O presente estudo possui diversas limitações. Trata-se de um estudo transversal, portanto não se pode determinar causalidade. Um questionário de autorrelato foi utilizado para avaliar o nível de atividade física, o que pode resultar em superestimação dos dados. Além disso, apenas as atividades realizadas nos últimos 7 dias foram relatadas, o que pode não representar a atividade física habitual dos participantes. Apenas mulheres com FM foram avaliadas, portanto os dados não podem ser extrapolados para homens ou mulheres com FM que tenham outras condições médicas, como câncer, acidente vascular cerebral, doença cardíaca recente e esquizofrenia, de acordo com os critérios de exclusão deste estudo. Por fim, não foi criado um grupo de controle e os dados foram comparados com a literatura.

Como perspectivas futuras, esta pesquisa, além de avaliar os níveis de atividade física resultantes da demanda de energia de todas as atividades, sugere uma especificação por modalidades de exercícios, como, por exemplo, treinamento de força e treinamento aeróbio. Isso permite correlacionar essas modalidades com a gravidade dos sintomas, incluindo a dor. Além disso, o tempo gasto em atividades sedentárias, como o tempo em posição sentada e deitada, pode ser avaliado e correlacionado com o impacto na saúde das mulheres. Por fim, a inclusão e comparação com um grupo de controle são fortemente recomendadas.

CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou que mulheres com FM apresentam baixos níveis de atividade física, enquanto mulheres sedentárias são severamente impactadas pela doença e podem apresentar níveis mais elevados de dor. Correlações inversas significativas, fracas e moderadas, entre níveis de atividade física, impacto da doença e dor, sugerem que a prática de atividade física em intensidades leve e moderada pode ser uma intervenção importante no tratamento da FM. Estudos futuros são necessários para confirmar ou contrastar os presentes achados.

  • Fontes de fomento:
    não há.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao Dr. Bráulio Henrique Mag-nani Branco e a toda a equipe do Laboratório Interdisciplinar de Intervenção em Promoção da Saúde da Universidade Cesumar pelo apoio durante a pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2024
  • Aceito
    20 Set 2024
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