Resumo
A hemorragia pulmonar induzida pelo exercício (HPIE) é uma das principais condições respiratórias que requerem acompanhamento clínico na medicina esportiva equina. A traqueoscopia pós-esforço é o diagnóstico de referência, porém, o grau de severidade baseia-se na quantidade de sangue que ascende a árvore traqueobrônquica, podendo não retratar devidamente a injúria pulmonar. Apesar do escore total de hemossiderina (ETH) em lavado bronco alveolar (LBA) ter demonstrado boa sensibilidade para diagnosticar HPIE, proprietários e treinadores de cavalos de corrida costumam relutar em autorizar este procedimento. O uso do lavado traqueal (LT) para avaliar a HPIE pelo ETH foi demonstrado como método diagnóstico alternativo. O presente estudo avaliou a sensibilidade e especificidade do ETH no LT de cavalos Puro Sangue Inglês objetivando estabelecer valores de corte diagnósticos. Os cavalos foram agrupados de acordo com o desenvolvimento atlético, grau endoscópico de HPIE e uso de furosemida. A contagem diferencial de células e as médias de ETH por grupo e por grau endoscópico foram comparadas pelo Teste da Mediana. A sensibilidade e especificidade foram avaliadas por tabela de contingência, e a curva característica de operação do receptor definiu os valores de corte ótimos. Os valores 30, 138 e 246 foram estabelecidos para interpretar os resultados de ETH de acordo com o histórico clínico. ETHs ≥246 podem ser interpretados como evidência de hemorragia pretérita e confirma o diagnóstico de HPIE em animais saudáveis. Este estudo demonstra como a definição de valores de corte apropriados para ETH em LT podem auxiliar no diagnóstico e monitoramento clínico da HPIE.
Palavras-chave:
endoscopia; equino; hemossiderófagos; sangramento pulmonar.
Abstract
Exercise-induced pulmonary hemorrhage (EIPH) is one of the main respiratory conditions that requires clinical follow-up in equine sports medicine. Post exertional airway endoscopy is the reference standard for diagnosing EIPH, however the severity score is based on the amount of blood that ascend the tracheobronchial tree, which might not accurately reflect lung injury. Although the total hemosiderin score (THS) in the bronchoalveolar lavage fluid (BALF) has been shown to have a good sensitivity to diagnose EIPH, racehorse owners and trainers are often reluctant to allow this procedure. The use of the tracheal wash fluid (TWF) to assess EIPH through THS has been demonstrated as an alternative diagnostic approach. The present study evaluated the sensitivity and specificity of THS when applied in TWF samples of Thoroughbred racehorses to establish diagnostic cut-off values. Horses were grouped according to their athletic development, EIPH endoscopic grade, and use of furosemide. Differential cell counts and mean THS by group and by endoscopic grade were compared by the Median Test. Sensitivity and specificity were assessed with a contingency table, and the receiver operating characteristic curve was used to define optimal cut-off values. The cut-off values 30, 138, and 246 were established to interpret THS results according to clinical history. A THS score of ≥246 can be interpreted as evidence of past bleeding and provides unequivocal confirmation of EIPH in healthy animals. This study demonstrates how defining appropriate cut-off values for THS in TWF samples can aid in the diagnosis and monitoring of EIPH in clinical practice.
Keywords:
endoscopy; equine; hemosiderophages; pulmonary bleeding.
1. Introdução
A avaliação endoscópica das vias aéreas anteriores é uma prática usual na clínica médica de cavalos de corrida. Uma das principais condições respiratórias na qual se utiliza este procedimento é a hemorragia pulmonar induzida pelo exercício (HPIE). O diagnóstico da HPIE é crucial, pois essa condição não apenas compromete o bem-estar dos cavalos, como também interfere nos cronogramas de treinamento e pode exigir o uso de medicação prévia à corrida, como a furosemida (em países onde seu uso é permitido), ou ainda pode resultar em penalidades ou desclassificação nas competições (1-5).
A furosemida, um potente diurético de alça e comumente usada para controlar a HPIE nos cavalos de corrida, atua reduzindo as pressões intraluminais dos capilares pulmonares, o que é considerada a causa subjacente dos eventos hemorrágicos (6). Apesar dos benefícios aparentes da furosemida, o mecanismo exato pelo qual o medicamento mitiga a HPIE ainda não foi completamente compreendido e seus possíveis efeitos colaterais sobre o desempenho atlético dos animais que a utilizam ainda são muito debatidos (7,8).
O diagnóstico da HPIE é realizado predominantemente por traqueobroncoscopia, realizada entre 30 e 120 minutos após o exercício intenso ou corrida. A gravidade da hemorragia é então classificada em uma escala de 0 a 4 (1,9). Embora a endoscopia seja uma técnica prática e minimamente invasiva, ela possui limitações. Em particular, a endoscopia das vias aéreas pode não detectar hemorragias que não chegam a ascender pela árvore traqueobrônquica. Esse problema já foi abordado por diversos estudos que demonstraram que alguns cavalos considerados negativos para HPIE no exame endoscópico, apresentaram um número considerável de hemossiderófagos no exame citológico das vias aéreas (10-13).
Apesar de ainda não haver consenso sobre os critérios diagnósticos na avaliação dos hemossiderófagos, Doucet e Viel (10) adaptaram o escore total de hemossiderina (ETH) (16) para o lavado broncoalveolar (BAL) de cavalos Standardbred, demonstrando sua sensibilidade na detecção de HPIE. No entanto, embora tenha apresentado boa sensibilidade (10), os proprietários e treinadores de cavalos de corrida frequentemente relutam em permitir a realização do BAL. Até o momento, a precisão diagnóstica do ETH não foi demonstrada no lavado traqueal (LT). O objetivo do presente estudo foi avaliar a sensibilidade e a especificidade do ETH aplicado a amostras de LT de cavalos de corrida Puro-Sangue Inglês e determinar os valores de ponto de corte diagnósticos ideais no rastreamento da HPIE.
2. Material e métodos
2.1 Ética
Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil (#7207290519, 13 de junho de 2019, e #3213230821, 9 de dezembro de 2021).
2.2 Animais
Em 2019 e 2022 foram selecionados aleatoriamente um ensaio clínico randomizado com um número inicial de 71 cavalos Puro-sangue inglês, não treinados ou em competição, com idades entre 2 e 5 anos. No momento da coleta, os animais estavam alojados no Jockey Club Brasileiro (JCB), na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, onde recebiam ração e água em quantidades semelhantes, eram regularmente vermifugados e vacinados periodicamente contra Influenza, Rinopneumonite, Encefalomielite leste e oeste, Raiva e Tétano.
Os critérios de exclusão foram: histórico de doenças respiratórias (por exemplo, pneumonia) que não HPIE dentro das três semanas anteriores à data da coleta; alterações no exame clínico (tais como, desidratação, claudicação, secreção nasal mucopurulenta, epistaxe, aumento do tempo de recuperação cardiorrespiratória e outras lesões); anormalidades laboratoriais; teste antidoping positivo; uso recente de qualquer tratamento medicamentoso que não seja a furosemida; e cavalos não cooperativos durante o procedimento de endoscopia e na coleta do lavado traqueal (LT), mesmo com uso de cachimbo.
Foram excluídos nove cavalos durante o ensaio: duas potras e um potro com sinais clínicos de infecção respiratória, três cavalos com hiperfibrinogemia, uma égua com indocilidade e dois outros equinos cujas amostras de LT foram inadequadas. Os 62 animais selecionados foram então alocados em grupos (0, 1, 2 e 3) de acordo com seu desenvolvimento atlético (não treinados ou em competição), grau endoscópico de HPIE (9) e como usuários ou não usuários de medicação prévia a corrida (0,5 mg/kg IV de furosemida quatro horas antes da competição).
2.3 Cronologia e formação dos grupos
O grupo 0 (n = 15) incluiu potros de dois anos de idade que ainda estavam sendo domados. Os demais grupos foram formados por animais que já estavam participando de corridas oficiais ou que estavam estreando em competições, de acordo com o histórico clínico de HPIE. A avaliação endoscópica e a coleta do LT do Grupo 0 foram realizadas pela manhã após o retorno da rotina diária de doma, enquanto os demais foram avaliados de 30 a 60 minutos após a competição de corrida oficial, realizada em pistas ovais de grama ou areia no Jockey Club Brasileiro (JCB), na cidade do Rio de Janeiro, Brasil (Fig. 1).
Todos os cavalos deste estudo tiveram amostras de sangue coletadas em tubos a vácuo (Vacutainer, Becton Dickinson) contendo 7,2 mg de ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) para realização de hemograma completo e determinação de proteínas totais e fibrinogênio. No mesmo dia da coleta de sangue também foi realizada a coleta do LT.
Foi verificada a presença de sangue (9) e muco (17) na faringe, laringe, traqueia e brônquios principais em todos os animais, bem como sinais de inflamação das vias aéreas (isto é, hiperresponsividade das vias aéreas, hiperemia, edema de mucosa e carina). O exame endoscópico foi realizado por dois examinadores consecutivamente, no mesmo dia, utilizando um fibroscópio (CF-10L, Olympus Optical do Brasil) com comprimento de trabalho de 168 cm, diâmetro externo de 13,3 mm e canal de trabalho de 3,2 mm. Não ocorreram episódios de hemorragia iatrogênica durante as endoscopias.
De acordo com os exames pós-corrida, os grupos foram assim constituídos: Grupo 1 (n = 15) composto por animais sem histórico de HPIE e que tiveram grau 0 na endoscopia; o Grupo 2 (n = 15) apresentou graus endoscópicos positivos para HPIE e não estava recebendo furosemida; o Grupo 3 (n = 17) eram cavalos com histórico de HPIE em corridas recentes e estavam em tratamento com furosemida conforme estabelecido pela regulamentação brasileira de corridas (3).
Após a formação dos grupos (exames pós corrida), os treinadores foram solicitados a manter os cavalos em repouso, dando-lhes apenas comida e água. O LT foi realizado 24-30 horas após a corrida, que é o intervalo de tempo mínimo para o aparecimento de hemossiderófagos nas vias aéreas após um sangramento pulmonar (18). Esse intervalo de tempo também foi necessário para a obtenção do clearance sistêmico da furosemida (19) nos animais do Grupo 3. A coleta do LT seguiu o método descrito por Whitwell e Greet (20). Com o endoscópio introduzido na narina do cavalo foram instilados, através do canal de trabalho, 20mL de solução salina estéril a 0,9% na traqueia distal e imediatamente aspirados com uso de cateter (EDC190, Mila Supplies). As amostras foram consideradas adequadas quando qualquer turbidez fosse classificada com pelo menos escore 2, ou seja, com um fluido transparente ou levemente opaco com quantidade moderada de partículas em suspensão e/ou grumos de muco (21).
Os LTs foram acondicionados em tubos de centrífuga de polipropileno estéreis de 50mL, que foram imediatamente levados para serem centrifugados a 1.200 x g por 10 min. O sobrenadante foi então descartado e o sedimento celular restante utilizado para realização dos esfregaços lineares. As lâminas de esfregaço foram secas ao ar e fixadas em metanol absoluto por cinco min. Para cada cavalo, pelo menos uma lâmina foi corada com Panóptico rápido® (Laborclin) para contagem diferencial de células. Esta análise citológica foi realizada contando 300 células em microscópio (DM750, Leica Microsystems) com objetiva de imersão em óleo 100x. O infiltrado neutrofílico foi considerado presente quando o percentual de neutrófilos fosse ≥30% (22), o que também foi utilizado como critério de exclusão dos animais no estudo. Outras lâminas foram submetidas ao protocolo de coloração de Azul da Prússia de Perls (PPB) para contagem e pontuação (0 a 4) de macrófagos de acordo com a intensidade da coloração do citoplasma (16). Foram avaliados 100 macrófagos para cada cavalo e o ETH foi calculado com base em Doucet e Viel (10)
2.4 Análise estatística
O teste de Kolmogorov-Smirnov foi realizado para verificação da normalidade dos graus endoscópicos, valores de ETH e variáveis citológicas (muco, degeneração celular, eritrócitos, hemossiderina e porcentagens de macrófagos, neutrófilos, linfócitos, eosinófilos e células epiteliais). O ETH apresentou distribuição normal (P > 0,05) para os grupos 0, 2 e 3 e foi avaliada por ANOVA e Teste t. O Grupo 1 apresentou distribuição não normal (P = 0,013) e foi então comparado com os demais grupos pelo teste de Mann-Whitney. As demais variáveis apresentaram distribuição não normal e foram avaliadas pelo Teste da Mediana.
As contagens diferenciais de células entre os grupos foram comparadas pelo Teste da Mediana. Os valores médios de ETH por grupo e grau endoscópico também foram comparados pelo Teste da Mediana. Através da análise categórica dos resultados da endoscopia, foram estabelecidos critérios de desempenho do teste com uma tabela de contingência (23) para avaliar a sensibilidade e especificidade do ETH nas amostras de LT. A ROC (Receiver Operating Characteristic) foi usada para definir valores de ponto de corte ideais para o ETH nas amostras do LT. Essas análises foram realizadas no IBM SPSS Modeler v. 15.0, e valores de P ≤0,05 foram considerados significativos.
3. Resultados
O total de animais final do estudo foi de 62 cavalos, 36 machos (58%) e 26 fêmeas (42%), com idades entre dois e cinco anos, de diferentes proprietários e treinadores. Os exames endoscópicos tiveram 100% de consenso entre os examinadores. Os graus endoscópicos de HPIE não foram superiores a 3 em todos os grupos. O resultado da contagem diferencial de células não mostrou diferenças estatisticamente significativas (P<0,05) entre os grupos (Tabela 1). No entanto, oito cavalos apresentaram evidência de infiltrado neutrofílico, com apenas um animal (G1-11 na Tabela Suplementar S1) apresentando muco grau 1 em ambos os exames endoscópicos (14).
Valores estatísticos descritivos (mediana, mínimo e máximo) para contagens diferenciais de células (%) em amostras de lavado traqueal de acordo com os grupos observacionais.
Independente do grupo, os hemossiderófagos foram observados em todas as amostras. Os valores médios do ETH por grau de sangramento endoscópico (Tabela 2) e por grupo (Tabela 3) mostraram que o Grupo 0 foi significativamente diferente (P≤0,05) dos demais grupos.
Estatística descritiva da média do escore total de hemossiderina (ETH) de acordo com os graus endoscópicos de sangramento no primeiro exame endoscópico.
Duas curvas ROC (fig. 2) derivadas da sobreposição dos resultados do ETH e da endoscopia consideraram o seguinte: 1) Grupo 0 como verdadeiros cavalos negativos para HPIE, pois nunca haviam sido desafiados com exercícios extenuantes e não apresentavam sangramento visível na endoscopia; 2) Grupos 0 e 1 como animais negativos para HPIE de acordo com a endoscopia. Ambas as inferências apresentaram alto desempenho global (P<0,001) ao considerar diferentes valores de ponte de corte. O grupo 0 sozinho apresentou área sob a curva (AUC) de 0,99, enquanto a combinação dos grupos 0 e 1 apresentou AUC de 0,82 (fig. 2). Apesar disso, ambas as inferências foram estatisticamente diferentes (P ≤0,05; Tabela 4).
Resultados da área sob a curva, erro padrão, significância e intervalo de confiança das curvas ROC (Receiver Operating Characteristic).
Curvas ROC (Receiver Operating Characteristic) derivadas da sobreposição do escore de hemossiderina total (ETH) e dos resultados da endoscopia (sensibilidade versus especificidade 1).
Foi possível estabelecer três valores de corte: 30, 138 e 246 (Tabela 5; Tabela Suplementar S2). O ponto de corte de 30 corresponde a maior especificidade quando a sensibilidade foi 1,0; a sensibilidade e a especificidade apresentaram os maiores valores no ponto de corte de 138; e o ponto de corte de 246 descreveu a maior sensibilidade quando a especificidade foi 1,0.
Variação dos parâmetros diagnósticos de acordo com os grupos e valor de ponto de corte para diagnóstico de hemorragia pulmonar induzida por exercício (HPIE) em cavalos de corrida da raça Puro sangue inglês.
4. Discussão
Desde que Doucet e Viel (10) propuseram pela primeira vez o uso do ETH como um parâmetro diagnóstico complementar para a HPIE, poucos estudos exploraram seu uso na rotina clínica (12,24,25) ou em amostras de LT (11, 14, 15). Considerando que o ETH é um parâmetro diagnóstico inespecífico com baixa especificidade em amostras de LBA (10), focamos na homogeneidade do grupo para atingir o objetivo do nosso estudo. Utilizando uma única raça, uma faixa etária adequada ao período de desenvolvimento atlético, desempenho em corridas e selecionando apenas cavalos saudáveis (Tabela 1), este estudo in situ alcançou um alto índice de acurácia.
Nossos resultados demonstraram que entre os animais com grau 0 endoscópico para HPIE e em competição (Grupo 1), alguns apresentaram valores de ETH associados a episódios recorrentes de HPIE (Tabela 2, Tabela Suplementar S1). Como os hemossiderófagos podem persistir nos pulmões por até três meses (26), o ETH deve ser tratado como um parâmetro de diagnóstico de acompanhamento de forma semelhante à endoscopia. No entanto, diferente da endoscopia, estabelecer o momento específico de coleta de amostras de fluidos das vias aéreas para avaliação do ETH pode não ser apropriado em todas as circunstâncias. Ainda assim, a curta janela diagnóstica da endoscopia apresenta-se como uma limitação para a identificação da HPIE. A evidência de sangramento pregresso no Grupo 1 poderia ser interpretada como evidência de que pelo menos alguns destes cavalos tiveram HPIE nos últimos meses. Variáveis inerentes ao estágio e programação de treinamento individual, bem como ao calendário de competição devem ser consideradas quando ambos os parâmetros diagnósticos forem utilizados juntos.
Em nosso estudo anterior (14), embora os cavalos não medicados e com grau 0 na endoscopia pós-corrida tivessem um valor médio de ETH muito menor do que outros grupos (sangradores e usuários de furosemida), nenhuma diferença significativa foi encontrada entre os grupos. Nesse estudo, os hemossiderófagos também estavam presentes nas amostras de LT de todos os animais, mas houve uma clara diferença significativa entre os valores médios do ETH (Tabela 3) de cavalos que ainda não haviam sido desafiados com exercício extenuante (Grupo 0) e aqueles que já iniciaram suas carreiras atléticas (Grupos 1, 2 e 3). Isto foi ratificado pela AUC de 0,99 (P <0,05; Fig. 2, Tabela 4) quando o Grupo 0 foi plotado na curva ROC como o único grupo verdadeiramente negativo para HPIE (ou seja, não desafiado por exercícios extenuantes). Nossos resultados estão de acordo com Almeida et al. (27), que demonstraram como os meses iniciais do treinamento de corrida influenciam a saúde das vias aéreas de cavalos Puro Sangue Inglês, com hemossiderófagos aparecendo no LT desde o início do treinamento. Este fato sugere que algum grau de hemorragia pulmonar ocorre mesmo com exercício submáximo e reforça como os cavalos de corrida são suscetíveis à HPIE (1,28,29).
A segunda curva, onde os grupos 0 e 1 são considerados negativos para HPIE, produziu uma AUC de 0,82 (P<0,05; Figura 2, Tabela 4). A partir de ambas as curvas ROC, três valores de corte de ETH (30, 138 e 246) foram estabelecidos para avaliação de amostras de LT de animais saudáveis (Tabela 5; Tabela Suplementar S2). O valor de corte de 30 deve indicar que a HPIE está começando a surgir ou que a furosemida está sendo eficaz (ver animal G3-6 na Tabela Suplementar S1). Por outro lado, animais já diagnosticados com HPIE provavelmente apresentarão valor de corte ≥138. Este valor forneceu o melhor posicionamento entre taxas de falsos positivos e falsos negativos e pode indicar que episódios recorrentes de HPIE estão ocorrendo independente da evidência de sangue visível na traqueia à endoscopia pósexercício. Finalmente, o valor de corte de 246 foi o único valor que diferenciou dentre as duas ferramentas diagnósticas (Tabela 5; Figura 2) e fornece evidência inequívoca da HPIE independente do diagnóstico endoscópico. Em nosso estudo, a maioria dos animais que estavam dentro do valor de corte de 246 estavam nos grupos 2 e 3 (Tabela Suplementar S1).
Embora a endoscopia seja uma ferramenta diagnóstica valiosa e de baixo custo na clínica médica equina, como demonstrado aqui e em estudos anteriores de HPIE (10,13,25), o método apresenta uma alta taxa de resultados falso-negativos. Ao comparar os valores médios de ETH por grau endoscópico (Tabela 2) e por grupo (Tabela 3), os animais classificados como grau 0 na endoscopia apresentaram valor médio de ETH superior aos do Grupo 0, o que reforça como a endoscopia por si só não consegue detectar o início precoce da HPIE. Além disso, o Grupo 1 compreendeu cavalos sem história clínica de HPIE, porém seus valores de ETH foram significativamente maiores que os do Grupo 0 e mais próximos dos grupos 2 e 3 (Tabela 3; Tabela Suplementar S1).
Embora a endoscopia seja necessária para avaliar a resposta imediata de um cavalo ao exercício, o ETH fornece um parâmetro diagnóstico complementar adicional para HPIE, pois é um exame mais aprofundado. Vale ressaltar que avaliar o estado geral de saúde do cavalo é de fundamental importância para fornecer uma interpretação precisa do ETH e planejar melhor o condicionamento cardiopulmonar mais adequado. Ressalta-se ainda que animais que apresentem ou estejam em recuperação de alguma doença com risco aumentado de sangramento pulmonar ou que tenham sido submetidos recentemente a cirurgia, devem ser avaliados cuidadosamente e ser incluídas as contagens celulares diferenciais.
5. Conclusão
O presente estudo demonstra a importância de definir valores de ponto de corte apropriados na utilização do ETH como um método de avaliação do LT. Os valores de ponto de corte aqui indicados devem ser considerados parâmetros auxiliares para melhoria no diagnóstico da HPIE baseados nos exames clínicos e endoscópicos prévios. O ETH fornece uma perspectiva adicional para o diagnóstico e monitoramento da HPIE na prática clínica.
Material suplementar
Tabela S1. Variáveis individuais organizadas por grupo endoscópico.
Tabela S2. Variação da sensibilidade e especificidade de acordo com o valor de corte do escore de hemossiderina total (ETH) quando considerados os grupos 0 e 1.
Agradecimentos
Este estudo foi financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ - Bolsa número E-26/010.001900/2015) e pela bolsa de pós-graduação B. Cascardo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Gostaríamos também de agradecer às Médicas Veterinárias (PhD) Liana V. de Gouvêa e (PhD) Márcia Ramos pela assistência técnica.
Declaração de disponibilidade de dados
Os dados serão fornecidos mediante solicitação ao autor correspondente.
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Editado por
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Editor:
Luiz Augusto B. Brito
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
03 Abr 2024 -
Aceito
04 Out 2024 -
Publicado
18 Fev 2025