Open-access Comportamento de suínos da raça Moura em sistema silvipastoril

Resumo

A produção animal vislumbra conciliar sustentabilidade e eficiência. Nesse contexto, os sistemas silvipastoris emergem como uma alternativa promissora e pouco explorada. Este estudo exploratório avaliou o comportamento de suínos da raça Moura, criados em sistema silvipastoril, em meio à floresta de araucárias e campos nativos. O comportamento foi avaliado por meio de um etograma, quantificando os hábitos dos animais na floresta. O etograma possibilitou a análise das atividades dos animais, fornecendo informações sobre o seu comportamento social, alimentar e geral. Como resultado, a avaliação comportamental evidenciou que os suínos se mostraram aptos a consumir pastagem e pinhão em areas abertas sob as araucarias. Além disso, não foram detectados comportamentos anômalos ou estereotipias nos animais criados no sistema silvipastoril, indicando melhor qualidade de vida e bem-estar dos animais criados soltos. Por fim, o sistema silvipastoril se mostrou uma alternativa para a criação de suínos, proporcionando um ambiente mais natural, com maior diversidade alimentar, menor índice de comportamentos negativos e, consequentemente, melhor bem-estar para os animais.

Palavras-chave: agrofloresta; araucária; etologia; suinocultura

Abstract

Animal production aims to reconcile sustainability and efficiency. In this context, silvopastoral systems emerge as a promising and little explored alternative. This exploratory study evaluated the behaviour of Moura pigs, raised in a silvopastoral system, in the middle of the Araucaria forest and native fields. Behaviour was assessed using an ethogram, to quantify the animals’ habits in the forest. This made it possible to analyze the animals’ activities, providing information about their social, feeding and general behaviour. As a result, the behavioural evaluation showed that the pigs were able to consume pasture and pine nuts in open areas under the araucaria trees. Furthermore, no anomalous behaviours or stereotypies were detected in animals raised in the silvopastoral system, indicating a better quality of life and well-being of animals raised in a free-range environment. Finally, the silvopastoral system proved to be an alternative for pig farming providing a more natural environment, with greater dietary diversity, a lower rate of negative behaviours and, consequently, improved well-being for the animals.

Keywords: agroforestry; araucaria; ethology; pig farming

1. Introdução

O sistema extensivo de criação de suínos é feito em grandes áreas de terra, onde estes permanecem totalmente soltos, sem nenhuma aplicação de tecnologia, podendo existir simultaneamente com culturas vegetais perenes, e todos os animais de todas as categorias e idades ocupam a mesma area, disputando o mesmo alimento(1).

Sob uma perspectiva preservacionista, observa-se que a produção de suínos que abastece os mercados locais e regionais brasileiros, parcialmente se origina destes sistemas de produção mais simples. As raças suínas nacionais que se destacam nestes sistemas são Piau, Nilo-Canastra, Monteiro, Pereira, Sorocaba, Macau, Pirapitinga, Caruncho e Moura, dentre outras, bem como seus cruzamentos, que tradicionalmente são criados soltos. Essas raças, em sistema de produção extensivos por pequenos produtores rurais, alimentam-se principalmente de pasto e outros alimentos naturais, o que confere à carne um sabor característico e diferenciado. Os produtores atendem às expectativas de um mercado crescente, que valoriza a produção de alimentos saudaveis e sustentaveis(2).

Entre as raças nacionais, destaca-se na Região Sul do Brasil a raça Moura, descendente de antigas linhagens ibéricas. Criada de forma tradicional ao longo das gerações, essa raça apresenta um excelente marmoreio em sua carne, além de cor vermelha intensa, textura e sabor muito apreciados, que a tornam um produto de alto valor na gastronomia e na produção de embutidos finos(3).

Como apresentado em pesquisas anteriores, essa qualidade superior da carne suína Moura em relação à carne do suíno industrial é fortemente influenciada pela alimentação do animal(4). Quando livres na natureza(5), os porcos consomem espontaneamente uma grande variedade de alimentos, incluindo forrageiras, raízes, insetos e grãos. Essa dieta variada pode contribuir significativamente para o marmoreio, o sabor e a qualidade da carne. Como exemplo, na Península Ibérica, o porco da raça Alentejana é criado em sistema semelhante ao silvipastoril e há indícios de que este sistema influencie nas características organolépticas do presunto. Esse sistema, que integra árvores, pastagens e animais, oferece uma abordagem sustentavel e ambientalmente favoravel para a produção de suínos(6).

Não obstante, o bem-estar animal se configura como um dos elementos centrais na criação de suínos, devendo ser considerado desde o nascimento até o abate do animal(7). Alguns trabalhos(8) reforçam que o bem-estar animal esta intimamente relacionado ao equilíbrio entre o animal e seu meio ambiente, de modo que qualquer dificuldade no processo de adaptação é indicativo de falhas nesse quesito. A preservação da floresta permite ao suíno em liberdade um amplo repertório comportamental exploratório que não é reproduzido por suínos criados em sistema que utilizam o confinamento(9).

Considerando o disposto até então, bem como diante da escassez de informações detalhadas sobre o tema e considerando a importância da preservação de uma raça brasileira, torna-se crucial aprofundar o conhecimento sobre o comportamento dos suínos Moura criados em sistemas silvipastoris. Compreender como esses animais se locomovem, interagem com o meio ambiente e entre si, além de seus padrões alimentares, é fundamental para garantir o seu bem-estar e otimizar a produção animal.

Dessa forma, este estudo exploratório teve como objetivo registrar e descrever comportamentos que nunca foram documentados na raça Moura em ambiente silvipastoril, contribuindo para um conhecimento mais abrangente da sua etologia e de alguns aspectos relacionados ao bem-estar no sistema silvipastoril. Além disso, o estudo objetiva documentar a alimentação dos suínos com pinhão, o que no futuro podera contribuir para introdução de práticas de manejo mais adequadas para a preservação da raça Moura em sistemas de produção sustentaveis.

2. Material e métodos

A presente pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), da Universidade Federal da Fronteira Sul, sob a inscrição CEUA nº 8390050721, respeitando as normativas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA).

2.1 Sistema silvipastoril

A fazenda do estudo esta no município de Bom Retiro, SC, na Serra Catarinense, Região Sul do Brasil. O clima da região, segundo a classificação de Köppen-Geiger, é mesotérmico úmido (Cfb), com verões frescos e invernos frios. A temperatura média do município é de 15,6°C, variando de -10 a 18°C, com geadas, nevadas e sincelo (nevoeiro congelado) no inverno, com precipitação média de 1.386 mm/ano. O solo é caracterizado como Cambissolo, argiloso, com floresta subtropical altimontana(10).

Os porcos Moura são criados em um único piquete, cercado em alguns pontos do perímetro e na frente Oeste. A porção final da propriedade é estreita, em forma de cunha, e nela se encontram duas formações geológicas em desnível, que além de delimitar a propriedade, apresentam uma grande quantidade de araucárias, que produzem pinhão a partir do final de março.

Nesse ambiente ainda foram vistos representantes arbóreos típicos da região serrana catarinense dispersos na floresta, como cambará (Moquiniastrum polymorphum), pau-andrade (Persea pyrifolia), casca de anta (Drimys winteri), canela (Cinnamomum verum), imbuia (Ocotea porosa), cedro (Cedrela fissilis) e bracatinga (Mimosa scabrella), destacando-se os capões de araucarias (Araucaria angustifolia).

2.2 Animais e Manejo

Este estudo teve à disposição 250 suínos da raça Moura, de diferentes idades (6,5 ± 2,5 meses) e fases de crescimento, soltos em campo de piquete único de 79,23 hectares de campo nativo. Na fazenda em que a pesquisa foi realizada também haviam alguns animais cruzados, que eram produzidos por porcas da raça Moura com machos Duroc. Criados em um sistema silvipastoril, aos animais era fornecido, de manhã e à tarde, em cocho coletivo coberto, uma mistura de milho não-transgênico triturado, farelo de trigo e abóboras picadas.

Durante o dia, os porcos tinham livre acesso ao campo nativo e aos recursos florestais, o qual era compartilhado com 55 bovinos. Durante a noite a maior parte dos animais dormiam em abrigo coletivo e alguns grupos permaneciam no campo/floresta. A água provinha de riachos naturais e de córregos. Todos os animais foram vermifugados e vacinados contra doenças infecciosas, incluindo a leptospirose, pleuropneumonia infecciosa, pneumonia enzoótica e doença de Glässer.

2.3 Observação comportamental

Foram adotadas medidas para observar o comportamento in loco e ad libitum, dentre as quais, o cuidado com as rotas percorridas, a fim de evitar a sobreposição de locais e de animais já observados no dia. Para os deslocamentos foi utilizada a montaria a cavalo, a fim de minimizar as interferências, pelo fato dos suínos estarem habituados com essa espécie no campo e pelas longas distâncias que o observador teve que percorrer.

Dada a grande área a ser coberta bem como a vasta presença de cobertura florestal, foi desenvolvida uma metodologia específica para este trabalho. O método de observação direto foi utilizado para descrever o comportamento dos grupos dos suínos, que estavam distribuídos em uma área de pastagem/floresta de 79,23 hectares. O observador permaneceu acampado em barraca suspensa por um período de dois dias ininterruptos (48 horas) do mês de maio de 2022, acompanhando os porcos Moura em montaria a cavalo, o que permitiu a aproximação dos suínos em até cerca de dois metros de distância. Tal conduta teve por iniciativa além de identificar os grupos de animais (aqui definidas como famílias), permitiu descrever possíveis comportamentos crepusculares e noturnos dos suínos. Uma vez identificada e analisada uma família, era feita a identificação de outra e assim sucessivamente.

Conforme os porcos eram localizados, realizava-se a aproximação cautelosa e a anotação dos comportamentos de cada animal. A cada indivíduo localizado foi relacionado o comportamento que apresentava, com base em uma lista de comportamentos previamente elaborada de acordo com a Tabela 1. O grupo ou o indivíduo foi acompanhado até que ocorresse a mudança de atividade ou a saída do campo de visão do observador(11).

Tabela 1
Etograma para análise comportamental em suínos criados em sistema extensivo silvipastoril.

Após anotados os comportamentos, o observador se retirava do local, em direção diferente àquela dos porcos registrados. Logo, quando identificado outro grupo não analisado, em outro lugar, havia nova aproximação, sempre com o cuidado de evitar uma repetição de animais. O procedimento foi replicado nos dois dias, sendo reiniciada a contagem no segundo dia.

Neste trabalho não foi possível quantificar o tempo destinado a cada atividade, mas sim as atividades desempenhadas pelos animais no momento em que eram encontrados, não computando a existência de diferenças entre os comportamentos ou entre os dias, dando o enfoque descritivo do trabalho.

2.4 Analise estatística

A análise estatística quantitativa foi realizada através do cálculo das frequências relativas em porcentagem, de eventos e estados comportamentais, utilizando-se a amostragem ad libitum e a amostragem comportamental, onde o observador registrou tudo aquilo que achou especificamente relevante(12). Considerando que o rebanho da espécie animal estudada era composto por inúmeros indivíduos, e que obviamente não se podia estudar todos eles, optou-se por estudar a amostragem do comportamento ad libitum tendo em vista que uma unidade ciomportamental como se pode observar no piloto ocorria diversas vezes ao longo do dia de observação por um número consideravel de animais, senão todos.

Em alguns casos como na amostragem da frequência de retorno para a sede da fazenda durante o período da safra de pinhões, os dados foram ordenados como média das frequências em dias aleatórios do mês, mais ou menos os erros padrão da médias e os testes aplicados foram analise de variância seguida do teste de Dunnett utilizando o software Graph Pad Prism 8.0.

3. Resultados e discussão

3.1 Comportamento de suínos em pastagem nativa com acesso à floresta

Os suínos são animais gregários, sociáveis e hierárquicos linearmente o que determina a formação de grupos bem estabelecidos. Na população em estudo nos grupos formados não existiam machos íntegros, não sendo observado o estabelecimento de lideranças clássicas como aquelas que ocorrem na presença de cachaços. A hierarquia era determinada por indivíduos variados como fêmeas adultas ou machos adultos castrados na liderança dos grupos familiares.

Em 48 horas de observação foram encontrados 138 suínos, sem distinção de idade, sexo ou peso. Destes, foram contabilizados 66 suínos no primeiro dia e 72 suínos no segundo dia. Essa amostra representa que 55,2% dos indivíduos da população total que foram submetidos ao etograma.

Um repertório variado de atitudes foi observado. O principal comportamento apresentado pelos animais durante a observação foi o de pastejar sem deambulação. Foram encontrados 21 animais pastando em um sítio de pastejo no primeiro dia e 23 animais no segundo dia. A Figura 1 apresenta as frequências dos principais comportamentos observados em dois dias ininterruptos de observação.

Figura 1
Atividades comportamentais desempenhadas por suínos criados soltos em áreas de pastagem nativa, em dois dias ininterruptos. O eixo das ordenadas demonstra as percentagens de animais encontrados em determinada atividade, o eixo das abscissas representa o comportamento expresso.

Além das atividades comportamentais esperadas previamente pelos autores, outros comportamentos tornaram-se evidentes. Foi observado um comportamento de deslocamento coletivo em grupos de 3 a 4 animais, que saíam da area de arraçoamento no início da manhã em direção ao pastejo por diferentes trajetos. Notou-se, neste estudo, que, logo após a alimentação matutina, os porcos saiam espontaneamente para o campo e durante a movimentação, todos os suínos deslocavam-se em filas, compondo grupos com diferentes idades e sexos, sem apresentar quaisquer sinais de conflitos, mesmo com a ausência de laços familiares.

Neste estudo, um grupo de 14 porcos Moura separou-se dos demais nos dois dias em que foram acompanhados. No final de cada tarde, o grupo se dividia em dois: os suínos juvenis menores se separaram dos maiores. Os porcos segregados se abrigaram durante à noite em um local que continha uma espécie de cama de grama seca (Figura 2). Nos dois dias observados, os porcos iniciaram a movimentação em direção ao local de descanso por volta das 17h40 , permanecendo lá durante a noite e saindo ao amanhecer.

Figura 2
Fotografia noturna de um grupo de porcos da raça Moura agrupados em cama de palha de grama durante a noite (Fonte: Acervo dos Autores).

Enquanto os demais porcos retornavam à sede da fazenda para o arraçoamento rotineiro, um grupo permaneceu no campo mesmo à noite. Essa escolha intrigante pode sugerir que a disponibilidade de alimentos naturais no ambiente pode ter reduzido a dependência desses animais da alimentação fornecida pelos humanos(13). Foi realizada uma avaliação paralela, através da contagem dos animais que retornaram à sede da fazenda à noite, nos meses de março a julho, correspondente à safra de pinhões. Houve uma frequência menor de indivíduos que permanecem no campo durante à noite no mês de maio em particular, em comparação com os demais meses do ano, chegando a valores de 50% dos dos suínos que retornaram à sede da fazenda durante a noite (Figura 3).

Figura 3
Frequência de retorno no período noturno de porcos da raça Moura para a sede da fazenda durante os meses de safra do pinhão. As colunas representama média de 8 a 10 frequências relativas coletadas em dias aleatórios do mês vigente e as barras verticais os erros padrão das medias. ** P< 0,01; **** P< 0,0001. Difere significantemente. Teste de Dunnett.

Essa decisão dos animais, observada no fim da tarde, pode ter sido motivada por outros fatores além da abundância de comida na floresta, como a dificuldade de retorno em virtude da distância de 2.178 metros até a sede da fazenda.

3.2 Alimentação da raça Moura na Mata das Araucarias

Este estudo exploratório foi conduzido já no final da temporada de pinhões, ou seja, final de maio/início de junho. Consequentemente, grande quantidade das pinhas produzidas naquele ano de 2022 já haviam caído ao solo e sido consumidas. Apesar disso, durante o estudo, uma grande quantidade de animais foi observada comendo pinhão (Figura 4) em áreas abertas sob as araucárias (11,8%) e a maior parte estava pastando (32,59%). Este comportamento observado esta descrito na literatura histórica e os dados encontrados reforçam que a manutenção dos suínos em pastagem é adequada para atender a demanda nutricional essencial(14,15,16).

Figura 4
Porco juvenil da raça Moura em sistema silvipastoril se alimentando de pinhão sob araucárias (Fonte: Acervo dos Autores).

Também foi observada uma frequência de 15,55%, de suínos dormindo ou deitados durante o dia próximos a locais com maior quantidade de pinhas. Outro comportamento alimentar do porcos Moura foi o de pastar caminhando. Eles caminhavam entre cinco a dez passos, comiam uma porção de grama e seguiam pela trilha até outro pinheiro. Há indícios desta descrição apenas em livros que tratam da tematica dos tropeiros de porcos na Região Sul do Brasil(17).

Em todo o ambiente e no trajeto entre a sede da fazenda e a área com maior concentração de araucárias frutificadas evidenciou-se um padrão de comportamento de pastar e coletar recursos no solo, sem perder a formação do pequeno grupo constituído. Em poucos momentos os animais fuçaram. Esse comportamento se apresentou com menor frequência que o esperado, talvez por conta da preferência pelo consumo do pinhão(18).

3.3 Bem-estar da Raça Moura em sistema silvipastoril

Esses porcos não apresentaram comportamentos anômalos ou estereotipias comportamentais semelhantes àquelas observadas na suinocultura industrial (ex: brigas, canibalismo de cauda, etc) devido à relação positiva que estabeleceram com o meio ambiente.

No contexto da liberdade física dos suínos, este estudo verificou que os animais saem espontaneamente da area de alimentação e se dirigem ao pasto em pequenos grupos (Figura 5). Contrastando com os sistemas intensivos de criação, onde os animais permanecem em ambientes fechados com espaço limitado, propensos a situações de estresse, o sistema silvipastoril proporcionou completa liberdade de locomoção e autonomia para a busca de alimento(19).

Figura 5
Grupo de suínos Moura pastando e caminhando em sistema silvipastoril, dispondo de completa liberdade de locomoção na busca por recursos no solo (Fonte: Acervo dos Autores).

Durante o acompanhamento em dois dias, 15,55% dos animais foram observados dormindo. Esse comportamento espontâneo pode indicar satisfação nutricional e conforto ambiental, além de fazer parte do repertório natural e do ciclo circadiano desses animais. Avaliando o comportamento dos porcos no sistema silvipastoril, considerando a liberdade de locomoção, a expressão de comportamentos naturais e a ocupação do ambiente, pôde-se inferir que os animais obtiveram alimentos de maneira eficiente e sem esforços demasiados(15).

As interações entre os porcos foram positivas (1,48%), configurando movimentos de cheirar e encostar o nariz nos outros indivíduos. A agressividade, comportamento presente nos alojamentos de confinamento, não foi detectada. Mesmo o rebanho sendo formado por um grupo heterogêneo, não foram constatados comportamentos aversivos exagerados, nem interações anômalas, o que permitiu considerar o alcance de resultados estaveis de bem-estar nessa população(20).

O sistema silvipastoril, com seu ambiente enriquecido, reduz alguns fatores que prejudicam o bem-estar dos animais. Estudos demonstram que suínos em ambientes enriquecidos apresentam níveis mais baixos de estresse em comparação com animais confinados(21). No entanto, alguns indicadores de bem-estar são difíceis de mensurar no sistema silvipastoril. Por exemplo, não podemos garantir com certeza se o estresse gerado pela busca ativa por alimento é menor do que o estresse em sistemas intensivos, quando ha oferta de alimento ad libitum(22).

Além disso, outros indicadores de bem-estar podem ser afetados negativamente. Qualquer desequilíbrio pode afetar até a disponibilidade de recursos alimentares, vindo a requisitar aumento da exploração do ambiente pelos suínos. Quando confinados em sistemas intensivos, os animais são submetidos a condições adversas, assim, mudam o seu comportamento de uma forma geral e principalmente em relação a ingestão de alimentos, que é alterada, ocorrendo então queda em seus índices zootécnicos, principalmente pelas alterações nos habitos de alimentação(23).

Um exemplo de condição adversa é o estresse térmico gerado pelo frio abaixo das temperaturas de conforto, onde o crescimento dos animais torna-se lento e, com o decréscimo das temperaturas, a eficiência da conversão alimentar é reduzida(26). Os suínos apresentam o aparelho termorregulador pouco desenvolvido, mas são resistentes ao frio quando adultos, o que dificulta a sua adaptação aos trópicos(24).

Por se tratar de uma raça de origem européia, rústica e prolifica, a raça Moura ao longo do tempo se adaptou muito bem ao clima semi-temperado da Região da Serra Catarinense(4). Não foi observado sofrimento térmico de animais juvenis ou adultos, mesmo em condições climaticas adversas como geadas e temperaturas negativas. Durante o período de coleta de dados a temperatura estava amena e girava em torno de 12 a 15ºC com tempo ensolarado. Claro que o dinamismo do ambiente, com mudanças repentinas nos elementos estruturais naturais do sistema silvipastoril podem ser prejudiciais. Proporcionar sombra, abrigo e proteção é importante em um ambiente que sempre está se modificando(25).

Como a área total é extensa e compartilhada com outras espécies animais, a qualidade da pastagem, dos pinhões e a disponibilidade de recursos hídricos são dinâmicas e nem sempre podem favorecer os suínos. Desse modo, a alteração desses elementos pode afetar o comportamento e o bem-estar dos animais, requerendo pesquisas complementares(22,23,26).

4. Conclusão

A raça Moura demonstrou adaptação ao sistema de produção extensivo silvipastoril, nas condições deste estudo, além do que, apesar da distância percorrida diariamente pelos animais, alimentaram-se de pinhas e pastagem nativa, mantendo bom escore corporal, e não demonstraram comportamentos repetitivos e nem interações anômalas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2024
  • Aceito
    10 Jun 2024
  • Publicado
    13 Set 2024
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