Resumo
No Brasil, a infeção por anemia infecciosa equina (AIE) está disseminada por diversas regiões, com níveis de prevalência variáveis. O objetivo deste trabalho foi determinar as características epidemiológicas que poderiam contribuir para a disseminação da AIE na região oeste do Rio Grande do Sul, Brasil. Para isso, foi aplicado um questionário epidemiológico aos proprietários de equinos que tiveram animais positivos para AIE em suas propriedades no período de 2009 a 2019. Os entrevistados foram contatados por meio de ligações telefônicas, e as perguntas visavam identificar padrões entre as propriedades, sobre o manejo dos animais, a sanidade e o conhecimento do proprietário sobre a infeção. As informações primárias foram obtidas nos arquivos do Serviço Veterinário Oficial (SVO), compiladas e tabuladas. Adicionalmente, o mesmo questionário foi aplicado a propriedades sem registo de infeção, designadas controle. Os resultados foram analisados por meio de regressão logística forward para explorar potenciais associações de risco. De um total de 123 propriedades focais, 28 entrevistas foram completadas, seis foram interrompidas ou recusadas, 55 não responderam aos telefonemas e 34 tinham informação de contato desatualizada. Entre as 30 propriedades controle, 15 concordaram em participar do inquérito. Os resultados sugerem que as práticas de criação, gestão e controle sanitário são semelhantes entre as propriedades foco e as controle. Apenas dois fatores de risco puderam ser distinguidos das propriedades positivas e negativas, sendo estes o trânsito de animais da propriedade e o contato com outros cavalos. Além disso, observou-se que os registos oficiais dos produtores está desatualizado para um número significativo de propriedades.
Palavras-chaves: controle de doenças; cavalo; probabilidade; retrovírus; risco relativo
Abstract
In Brazil, equine infectious anemia (EIA) infection is widespread in various regions, with variable prevalence levels. The objective of this work was to determine the epidemiological characteristics that could contribute to its dissemination on the western border of Rio Grande do Sul, Brazil. To accomplish this, an epidemiological questionnaire was administered to equine owners who had experienced EIA-positive animals on their properties from 2009 to 2019. The interviewees were contacted via phone calls, and the questions aimed to identify patterns among properties, on animal management, health, and owner’s knowledge about the infection. The primary information was acquired from the data of the Official Veterinary Service (OVS) through data compilation and tabulation of the official forms. Additionally, the same questionnaire was applied to properties without records of the infection, as control. The results were analyzed using forward logistic regression to explore potential risk associations. Out of a total of 123 focal properties, 28 interviews were completed, six were interrupted or declined, 55 did not respond to phone calls, and 34 had outdated contact information. Among the 30 control properties, 15 agreed to participate in the survey. The results suggest that breeding, management, and sanitary control practices are Similar between focal and control properties. Only two related risk factors could be distinguished for properties that have never engaged in these practices, which were animal transit outside the property and contact with other horses. In addition, it was observed that the official register is outdated for a significant number of properties.
Keywords: disease control; horse; probability; retrovirus; relative risk
1. Introdução
A anemia infecciosa equina (EIA) é uma enfermidade viral que acomete membros da família Equidae (equinos, asnos, mulas e zebras) (1,2). O vírus (EIAV) pertence à família Retroviridae, gênero Lentivirus, é envelopado, capsídeo cônico e o genoma é composto por duas cópias de RNA fita simples (3,5). A infecção das células da linhagem monocítica-macrocítica pelo EIAV é seguida pela transcrição reversa do RNA genômica e inserção do DNA proviral ao material genético. Esse processo possibilita o desenvolvimento da infecção permanente e a condição portador, que é considerado a principal fonte de infecção (6,7). A transmissão do agente ocorre principalmente pela ação mecânica de insetos hematófagos (Tabanus spp. e Stomoxys spp.) ou pela transmissão iatrogênica (agulhas, seringas e equipamentos) (8). As fêmeas infectadas e gestantes, se desenvolverem episódios febris, podem transmitir o agente via transplacentária (9).
O EIAV possui distribuição mundial e entre os anos de 2007 e 2014 a infecção emergiu em diversos países da Europa (2). No Brasil, o primeiro diagnóstico da infecção foi realizado nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais (6,10,11). Desde então, a infecção está presente em todas as regiões do país com diferentes níveis de ocorrência, que são associadas com forma de criação, clima, presença de vetores e medidas de controle adotadas (12,13,14). No Brasil, o controle da infecção é regido pelo PNSE/MAPA (Programa Nacional de Sanidade Equina, Ministério de Agricultura e Pecuária) (15,16).
Os estados possui legislações específicas para controlar a infecção de acordo com os níveis de infecção e relevância da equideocultura. No Estado do Rio Grande do Sul, a infecção é de notificação obrigatória e o controle é realizado pela permissão de trânsito de animais soronegativos e eutanásia dos animais positivos (14,15). O diagnóstico confirmatório da EIA é realizado pelo exame sorológico de Imunodifusão em Gel de Ágar (IDGA), executado em laboratórios privados credenciados (4,16).
A dificuldade na identificação clínica está associada com a inespecificidade dos sinais, fazendo com que a infecção seja diagnosticada especialmente pela vigilância passiva, por ocasião do exame sorológico para transporte dos animal e emissão da Guia de Transporte Animal (GTA) (17,18). No Rio Grande do Sul, a soroprevalência sempre foi considerada baixa e em 2013 foi estimada em 0,3% (17). Apesar dos índices baixos de prevalência, após 2015 observou-se o aumento na notificação de casos (18). A região oeste do RS possui expressiva população equina e concentrou grande parte dos focos de EIA nos anos de 2018 e 2019 (19).
O objetivo do presente estudo foi caracterizar as propriedades da fronteira oeste do RS, o manejo adotado e, assim, identificar as possíveis formas de transmissão do EIAV, bem como avaliar o nível de conhecimento dos produtores sobre a doença.
2. Material e métodos
2.1 Região do estudo
Foram avaliados os focos de anemia infecciosa equina que ocorreram nos municípios de Quaraí, Maçambara, Barra do Quaraí, Uruguaiana, Itaqui e São Borja. Essa região faz parte da fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os formulários de notificação oficial (FORM-IN e FORM-COM) foram gentilmente cedidos pelo Departamento de Defesa Agropecuária, da Secretaria Estadual Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Estado do Rio Grande do Sul (DDA/SEAPDR-RS). Estes foram revisados e as propriedades que registraram pelo menos um animal diagnosticado com anemia infecciosa equina, entre os anos de 2009 e 2019, foram consideradas na pesquisa.
2.2 Questionário epidemiológico
Com a finalidade de identificar as principais características das propriedades, do rebanho, nível de conhecimento sobre a doença e possíveis formas de transmissão e disseminação do agente, um questionário epidemiológico foi elaborado. O questionário, composto por questões de múltipla escolha e previamente validado, foi aplicado via contato telefônico por dois entrevistadores treinados, e foram realizadas pelos menos três tentativas de contato em horários e dias diferentes (21). Para fins de comparação, 30 propriedades com equinos que nunca registraram casos de EIA foram selecionadas aleatoriamente e também incluídas no estudo. Todas as informações referentes a identificação dos produtores foram omitidas. A aplicação do questionário definitivo ocorreu entre os meses de maio e setembro de 2020. No momento do contato telefônico, o entrevistador se identificou e forneceu informações sobre o estudo, termo de livre consentimento e esclarecimento (TLCE), bem como a confidencialidade das informações fornecidas. Todos os procedimentos foram submetidos e aprovados pelo CEP (Comitê em Ética de Pesquisa da Universidade Federal do Pampa, sob o registro 24280119.9.0000.5323).
2.3 Análise das respostas
As respostas dos entrevistados foram tabuladas em planilha no Microsoft Office Excel (2016) e analisadas por estatística descritiva. Uma análise de regressão logística passoa-passo também foi realizada para a avaliação de fatores associados a AIE. Um teste de razão de verossimilhança da hipótese nula de que o vetor de parâmetros de um modelo estatístico satisfaz alguma restrição suave foi aplicado para saber com que eficácia o modelo descreveu a variável de resultado usando um método Stepwise Forward. Para a análise estatística utilizou-se o programa Stata/Data Analysis version 17.0 (Stata Corporation) e o mapa descritivo foi elaborado com o programa QGIS 3.6 (http://qgis.osgeo.org).
3. Resultados
3.1 Análise descritiva
Entre os anos de 2009 e 2019 foram registradas 125 propriedades positivas para anemia infecciosa equina e 123 incluídas no estudo. Cada propriedade que teve pelo menos um animal positivo foi considerada um foco. Dois focos foram excluídos do estudo, um por ser oriundo de apreensão de animais com origem desconhecida (contrabando) e outro por ausência completa de informações. Entre 2009 e 2015 foram registrados 24 focos e, nos anos de 2016 até 2019 houve o diagnóstico de pelo menos 99 focos. A infecção foi identificada nos municípios de São Borja (n = 71), Itaqui (n = 25), Uruguaiana (n = 19), Barra do Quaraí (n = 4), Quaraí (n = 3) and Maçambará (n = 1). Todos esses municípios estão localizados na fronteira oeste do RS, limítrofes com o Uruguai ou Argentina (Figura 1).
Região oeste do Rio Grande do Sul, Brasil. Munícipios de São Borja (A), Maçambará (B), Itaqui (C), Uruguaiana (D), Barra do Quaraí (E) e Quaraí (F), registraram aumento no número de focos de anemia infecciosa equina entre os anos de 2009 e 2019
Entre as propriedades foco (n = 123) apenas 28 (22,8%) responderam todo o questionário. Todas as 28 propriedades tiveram um foco de AIE + diagnosticado pelo SVO. Seis produtores (4,9%) se negaram ou interromperam, 55 (44,7%) não atenderam telefone e para 34 produtores (27,6%) o número estava errado. Para as 30 propriedades negativas contatadas, 15 (50%) completaram as respostas, três (10%) interromperam ou se negaram a responder e os outros 12 (40%) não atenderam à chamada. Para avaliar o nível de confiabilidade das respostas, foi incluída uma questão sobre ocorrência prévia de casos de AIE na propriedade. Dois (7,1%) produtores das propriedades foco responderam que não tinham registrado casos da infecção, o que demonstra equívoco na resposta. Como esperado, todos os proprietários das propriedades negativas indicaram que nunca tiveram casos de AIE.
O primeiro animal identificado como positivo era um cavalo que possuíra histórico de trânsito e da realização de testes prévios para 50% dos focos (14/28). Para 12 focos (42,8%), o animal inicialmente identificado como positivo não tinha histórico de trânsito e nem de exame prévio, sugerindo que a infecção ocorreu dentro da propriedade, propriedades próximas ou por trânsito ilegal. Ainda, dois proprietários (7,1%) não souberam informar o caso index da propriedade. Todos os focos registraram casos positivos em um só momento, ou seja, após as medidas de saneamento serem aplicadas, a infecção não foi diagnosticada novamente.
As características das propriedades e formas de criação estão apresentadas na Tabela 1. Observa-se que os equinos são utilizados para mais de uma finalidade (trabalho com bovinos e ovinos e participação em rodeios ou desfiles). Esses animais são criados, na grande maioria, em propriedades rurais, porém, uma parcela considerável é criada na região periurbana e em conjunto a outros cavalos. A presença de mutucas foi relatada em pelo menos 60,1% das propriedades foco, que também confirmaram a presença de áreas alagadas e matos (córregos, rios, banhados) em 82,7% das situações, sendo estes, fatores epidemiológicos que propiciam a proliferação desses vetores. O controle destes insetos é realizado somente por 2% das propriedades caracterizadas como foco.
Características das propriedades, origem e utilização dos animais presentes em focos (n = 28) e propriedades negativas (n =15) para Anemia Infecciosa Equina, na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, Brasil.
A forma de criação e manutenção dos equinos são fatores relevantes e podem contribuir para a disseminação da infecção. Na Tabela 2 estão apresentadas as respostas quanto ao compartilhamento do material de montaria, quem é o responsável pelo tratamento de animais enfermos e utilização de material injetável. Todos esses procedimentos são associados com a transmissão do vírus entre animais. Observa-se que existe compartilhamento de material de montaria, reutilização de equipamentos injetáveis e, os cuidados médicos são exercidos por pessoas sem formação na área. Esses procedimentos são comuns a todas as propriedades, sendo relatados pelos produtores das propriedades positivas e negativas.
Características de criação e manejo dos animais presentes em focos (n = 28) e propriedades negativas (n = 15) para Anemia Infecciosa Equina, na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, Brasil.
Os resultados sobre o nível de conhecimento dos proprietários com relação à infecção, doença e formas de transmissão estão apresentados na Tabela 3. Apesar da infecção sofrer controle oficial, sendo necessário o exame sorológico específico de EIAV para trânsito, foi observado que alguns produtores (de ambos os grupos) desconhecem aspectos básicos da doença. Outro fator de destaque é a desconsideração dos prejuízos econômicos causados pelo vírus. Uma característica que merece ser evidenciada é o convívio entre animais hígidos e animais infectados, ocorrido em 17/28 (60,7%) dos focos.
Nível de conhecimento sobre Anemia Infecciosa Equina (EIA) dos criadores de equinos que registraram focos (n = 28) de infecção em comparação com propriedades negativas (n =15).
A movimentação de equinos entre as propriedades e/ou para eventos de aglomeração é importante para a disseminação do agente entre os rebanhos. A GTA tem a finalidade de controlar essas movimentações, bem como impedir que animais soropositivos para EIA sejam transportados. A percepção dos produtores com relação à necessidade de emissão de GTA está apresentada na Tabela 4. A análise das respostas indica que existe desconhecimento sobre os requisitos legais para movimentação de animais. Ainda, pode ser constatado que a movimentação ilegal de animais é uma característica presente na maioria das propriedades, focos ou controles, inclusive para a comercialização.
Reconhecimento da necessidade de solicitação do teste de IDGA para EIA, emissão de GTA e comercialização ilegal de animais entre criadores de equinos que registraram focos (n = 28) de infecção em comparação com propriedades negativas (n =15).
3.2 Fator de risco
Na análise multivariada somente uma variável demonstrou resultados significativo (p > 0,002) e foi incluída no modelo final (Tabela 5). Embora a homogeneidade das respostas dificulte a setorização dos fatores de risco entre propriedades, sugere-se que a movimentação ilegal de equinos entre diferententes localidades e/ou países vizinhos seja a principal causa para a ocorrência da doença. Enquanto isso, o fator determinante para com que o vírus infecte o rebanho de uma propriedade negativa seja a adição de um animal infectado pelo EIAV.
Modelo multivariado ajustado pelo Teste da Razão de Verossimilhança de possíveis fatores de risco para Anemia Infecciosa Equina na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, Brasil.
4. Discussão
A aplicação do questionário epidemiológico possibilitou avaliar aspectos de criação, manejo e cuidados sanitários de propriedades de equinos com diagnóstico positivo de AIE na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, Brasil, onde parte considerável dos focos de EIA são diagnosticados (17,19). Essa região é caracterizada pela produção de bovinos de corte e ovinos, sendo que o rebanho é predominantemente composto por equinos e alguns exemplares de muares e asininos. Os equinos são utilizados para o manejo dos bovinos e ovinos, e auxiliam a percorrer grandes distâncias, uma vez que a maioria das propriedades pratica a pecuária extensiva. Adicionalmente, existe uma ligação cultural afetiva dos proprietários com os cavalos e, a região é reconhecida por possuir vários criatórios de alto padrão genético. Outra característica desta região é a similaridade das atividades econômicas e culturais com as regiões limítrofes da Argentina e Uruguai, o que favorece a movimentação de animais entre os países, muitas vezes de forma ilegal (18).
O questionário epidemiológico foi aplicado via contato telefônico para 153 produtores. A baixa adesão ao contato telefônico pode ser devido a diversos fatores, porém acredita-se que a recusa em responder um número de telefone desconhecido seja o principal. A aplicação de questionários na forma presencial se mostra mais efetiva na obtenção de informações (9). No entanto, devido ao cenário pandêmico em decorrência da Covid-19 esta opção teve que ser descartada. É obrigatoriedade de todo produtor rural realizar cadastro no DSA e manter os dados pessoais e de rebanho atualizados (16). O cadastro atualizado é fundamental para o SVO contatar o produtor ou em casos de emergências sanitárias (20). Porém, em pelo menos 27% das propriedades foco, o contato do produtor estava desatualizado, o que deve ser motivo de preocupação para o Serviço Veterinário Oficial.
A forma e o local de criação dos cavalos não se mostraram muito diferentes entre os dois grupos de propriedades avaliadas (Tabela 1). Uma parcela considerável das propriedades está localizada na cidade ou na periferia. Esse tipo de criação é associada com criadores que utilizam os animais para eventualmente (lazer, cavalgadas, desfiles e/ou rodeios). No entanto, conforme demonstrado anteriormente, esses animais são, muitas vezes, transportados sem exames sanitários e carecem de cuidados veterinários (17). A grande maioria dos equinos é criada com múltiplos propósitos: manejo com animais, participação em eventos de aglomeração (desfile) e provas equestres. Essa característica torna a movimentação dos animais para eventos de aglomeração, que muitas vezes é realizada sem os exames sanitários requeridos (17,21). Ainda, a extensão do prazo de validade do exame sorológico de 60 para 180 dias para o trânsito interestadual é apontado como um dos fatores que favoreceu a disseminação do EIAV nos rebanhos do RS (19). Ainda, como a infecção primária geralmente produz sinais clínicos inespecíficos e passageiros o cavalo recém-infectado recupera-se e torna-se portador. Assim, esse animal ingressa no rebanho ou é transportado sem a realização de um novo teste sorológico (17).
O EIAV é transmitido preferencialmente pela transferência de sangue entre animal infectado para animal susceptível. As principais formas de transmissão incluem: vetores mecânicos, especialmente os Tabanus spp. e Stomoxys spp, denominados de “mutucas” e “mosca-do-estábulo” e forma iatrogênica, incluindo agulhas, seringas, material cirúrgico e de montaria contaminados (1,6). A distribuição e sazonalidade dos vetores na região específica não foi avaliada. No entanto, devido às condições climáticas ao longo do ano, sugere-se que a presença dos vetores se concentre entre os meses de dezembro até abril (24). A localização geográfica da região estudada favorece a ocorrência dos vetores, o que foi confirmado pelo relato da presença desses insetos (19). No entanto, o controle é realizado de forma esporádica. A transmissão do EIAV pelos vetores possui extrema relevância, sendo considerada de extrema relevância na disseminação do agente entre os animais de um rebanho e eventualmente para animais de propriedades próximas (22,25).
A via iatrogênica possui extrema importância, pois tem potencial para transferir maior volume de sangue entre os animais (26). A utilização de materiais injetáveis (agulhas e seringas) descartáveis e sem compartilhamento entre animais é uma medida que evita a disseminação do agente (23). Alguns produtores compartilham esse tipo de material e isto pode ser considerado um ponto crítico favorável à transmissão do agente. Os fatores que contribuem para essa prática incluem a falta de conhecimento e acesso a informações acuradas, assistência veterinária e, consequentemente, a administração de medicação injetável por pessoas não capacitadas (1,10,11).
Durante o período analisado o município de São Borja registrou 71 focos, Uruguaiana e Itaqui relataram 45 focos, sendo que em todos os anos foi possível diagnosticar pelo um caso. Nesses municípios os casos aconteceram ao longo dos dez anos avaliados, com maior número de registros após 2015. Essa distribuição demonstra de forma inequívoca que a região de São Borja possui condições para a manutenção e ocorrência da infecção ao longo dos anos. Nos resultados obtidos não foi possível determinar uma ou as causas que favorecem a ocorrência. Porém, a manutenção do nível de endemicidade pode ser devido à associação de diversos fatores sanitários e de manejo, conforme fora demonstrado.
O ingresso do vírus em um rebanho ocorre preferencialmente pela introdução de um animal infectado com infecção subclínica ou em período de incubação (1). Esse fato é potencializado pela inespecificidade e intensidade dos sinais clínicos. Portanto, o controle do trânsito animal por meio da GTA e mediante exame sorológico negativo para a EIA é uma medida eficaz na vigilância passiva (15, 17). Na região estudada, os animais são utilizados com várias finalidades e muitas delas envolvem a participação em eventos de aglomeração. Esses eventos têm curta duração, muitas vezes reúnem animais transportados sem documentação e acontecem com elevada periodicidade. Ainda, a validade do exame de EIA é de 180 dias, permitindo que um mesmo animal se movimente durante esse período com um único exame, mesmo estando exposto a diversos eventos de risco. Todos esses fatores criam um ambiente de reunião de muitos animais e com diversas origens.
A criação de equideos no Brasil é bastante heterogênea e as diferenças regiões são determinadas pelas raças, espécies, características ambientais e aspectos sócio-culturais do criadores (12,27). Essa diversidade influência na disseminação dos agentes infecciosos e na manifestação das doenças. Os fatores de risco associados com a ocorrêncica da AIE no Brasil tem sido estudado em diferentes populações (6, 8, 10, 13). Nesse estudo, o movimento dos animais e o contato com o cavalos AIE+ foram considerados importantes para a disseminação da infecção. No entanto, transferência de sangue entre animais é necessários para a transmissão do agente. Apesar de não ser considerado um fator de risco na população estudada, a rota iatrogênica é a mais eficiente quando comparado com vetores que são sazonais e menos eficientes (24, 28). A região oeste do Rio Grande do Sul é fronteira com a Argentina e o movimento ilegal de cavalos entre os dois países é frequente. Assim sendo, o risco da transmissão transfronteiriça é elevado, conforme demonstrado anteriormente (17).
5. Conclusão
Apesar da anemia infecciosa equina estar em níveis de prevalência considerados baixos, a infecção está presente em propriedades na fronteira oeste do RS. As principais formas de disseminação do agente infeccioso se caracterizam, principalmente, pela transmissão via vetores e iatrogênica. Ademais, o transporte desses animais sem a Guia de Trânsito Animal (GTA) e, consequentemente, sem diagnóstico negativo para EIA, também implica em um fator que possibilita a propagação do EIAV. Por fim, a similaridade de criação e manejo sanitário dos animais de ambas propriedades, focos e controles, presume que a introdução de um animal positivo no rebanho seria o coeficiente necessário para que ocorra a disseminação do agente infeccioso.
Agradecimentos
Os autores agradecem a colaboração dos produtores rurais e os proprietários de equinos que colaboraram com o estudo, bem como, como os Médicos Veterinários das IDAs de São Borja, Itaqui e Uruguaiana pelo compartilhamento de informações e a M.E.L. Martins pelo auxilio técnico com o QGIs.
Disponibilidade dos dados
Os dados e análises estarão disponíveis se solicitados e podem solicitados mediante contato com o autor correspondente
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Apoio financeiro
RCM recebeu bolsa de mestrado e JCJS recebeu bolsa de doutorado da CAPES. O trabalho foi financiado com recursos próprios do Laboratório de Virologia/UNIPAMPA, PROPPI/UNIPAMPA (Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação, Universidade Federal do Pampa) e foi parcialmente financiado pela “Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior” - Brasil (CAPES) - Código 001.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
14 Mar 2024 -
Aceito
07 Maio 2024 -
Publicado
03 Out 2024