Open-access O Método Terapia Ocupacional Dinâmica como referencial teórico-metodológico para práticas em telessaúde: um estudo qualitativo

Resumo

Introdução  A telessaúde foi impulsionada na terapia ocupacional no contexto da pandemia de covid-19. A literatura indica a necessidade de construção de práticas criativas, menos burocráticas e centradas na pessoa. O Método Terapia Ocupacional Dinâmica (MTOD) propõe uma prática não protocolar, dinâmica e situada, podendo oferecer pistas sobre como avançar na incorporação do uso de tecnologias de comunicação e informação.

Objetivo  Analisar os desafios, aprendizados e estratégias de terapeutas ocupacionais na oferta de atendimentos on-line sustentados pelo MTOD.

Método  Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória com 13 terapeutas ocupacionais que trabalham com o MTOD, por meio de um formulário de caracterização e de entrevistas semiestruturadas analisadas tematicamente.

Resultados  A maioria das participantes se identifica como mulher cisgênera, branca, residente no estado de São Paulo, havendo também participantes do Rio de Janeiro e do Ceará, com mais de 20 anos de experiência profissional, atuando como trabalhadoras autônomas em prática privada, em diferentes campos de atuação e com distintas faixas etárias. Os resultados qualitativos abordam: inseguranças e abertura para novas aprendizagens na cibercultura; novas habilidades para uma inclusão digital singular e situacional por meio de ações educativas; as singularidades do sujeito alvo e o trabalho com quartos termos; a relação triádica em aglomerados tecnológicos híbridos; e o MTOD como referencial para práticas criativas, flexíveis e seguras.

Conclusão  O MTOD mostrou-se sensível à realidade da prática em telessaúde, sendo utilizado de modo dinâmico e evidenciando versatilidade e adaptabilidade, com respaldo teórico-metodológico para terapeutas ocupacionais. Trata-se de um fenômeno da prática contemporânea e espera-se ampliar as reflexões para o campo profissional e do saber em terapia ocupacional.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Telessaúde; Procedimentos

Abstract

Introduction  Telehealth in occupational therapy expanded significantly during the COVID-19 pandemic. The literature highlights the need to develop creative, less bureaucratic, and person-centered practices. The Dynamic Occupational Therapy Method (MTOD) proposes a non-protocol, dynamic, and situated practice, which may provide insights into advancing the incorporation of communication and information technologies.

Objective  To analyze the challenges, learnings, and strategies of occupational therapists in delivering on-line care supported by the MTOD.

Method  An exploratory qualitative study was conducted with 13 occupational therapists who use the MTOD. Data were collected through a characterization form and semi-structured interviews, which were thematically analyzed.

Results  Most participants identified as cisgender women, white, residing in the state of São Paulo, with additional participants from Rio de Janeiro and Ceará. They had more than 20 years of professional experience, working as self-employed practitioners in private practice, across different fields and with diverse age groups. The qualitative results addressed: insecurities and openness to new learning within cyberculture; new skills for singular and situational digital inclusion through educational actions; the singularities of the target subjects and work with fourth terms; the triadic relationship in hybrid technological clusters; and the MTOD as a framework for creative, flexible, and safe practices.

Conclusion  The MTOD proved to be sensitive to the realities of telehealth practice, being applied dynamically and demonstrating versatility and adaptability, while providing theoretical-methodological support for occupational therapists. As a phenomenon of contemporary practice, it is expected to broaden reflections within both the professional field and the knowledge base of occupational therapy.

Keywords:
Occupational Therapy; Telemedicine; Procedures

Introdução

A telessaúde pode ser compreendida como o uso de tecnologias de informação e comunicação (TICs) para realizar atendimentos em saúde (Bender et al., 2024). Com o avanço tecnológico, essa prática vem sendo discutida nas últimas décadas, inclusive na terapia ocupacional, como modelo alternativo aos atendimentos presenciais (Leidemer & Peruzzolo, 2021; World Federation of Occupational Therapists, 2014; Zahoransky & Lape, 2020). Entretanto, diante dos desafios do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, a profissão, além de refletir sobre sua contribuição no enfrentamento da pandemia, passou a desenvolver novas ações utilizando a tecnologia como recurso para atendimentos e para a continuidade do acompanhamento de sujeitos que necessitam de terapia ocupacional. Essa modalidade era atípica para terapeutas ocupacionais brasileiros, pois não fazia parte da realidade profissional nem do processo de formação.

Em 2020, diante da necessidade mundial de utilizar recursos tecnológicos para os atendimentos em terapia ocupacional, a World Federation of Occupational Therapists (WFOT) atualizou sua declaração de posição (World Federation of Occupational Therapists, 2020). O uso do teleatendimento por profissionais de saúde também foi orientado pela Organização Pan-Americana da Saúde (2020), e o Ministério da Saúde do Brasil, por meio da Lei n.º 13.989/20 (Brasil, 2020a), regulamentou o teleatendimento como estratégia de oferta e continuidade do tratamento aos usuários. Há diversas nomenclaturas utilizadas para esse modelo de trabalho, como telemonitoramento, teleconsulta e teleconsultoria. A World Federation of Occupational Therapists (2020) recomenda o termo telessaúde para os atendimentos de terapia ocupacional que promovem a saúde, independentemente do contexto em que os profissionais exercem sua prática. Práticas de telessaúde podem utilizar diversos recursos, como videoconferência, monitorização remota, interações virtuais usando aplicativos e tecnologias de jogos, além da transmissão de dados. Nesse modelo, é possível realizar avaliação, intervenção, monitorização, supervisão e consultoria (World Federation of Occupational Therapists, 2020).

Os atendimentos em telessaúde devem seguir os mesmos padrões dos serviços prestados presencialmente, cumprindo todos os regulamentos jurisdicionais, institucionais e profissionais, e seguindo as políticas que regem a prática da terapia ocupacional em cada país (World Federation of Occupational Therapists, 2020). No Brasil, o Código de Ética e Deontologia da terapia ocupacional proibia a prestação de consulta terapêutica ocupacional de forma não presencial. Contudo, em 2020, com a pandemia, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, por meio da Resolução n.º 5167, revogou essa normativa (Brasil, 2020b).

Diversos estudos nacionais e internacionais (Almathami et al., 2020; Caetano et al., 2020; Hung & Fong, 2019; Núñez & Águila, 2024a, 2024b; Zahoransky & Lape, 2020) destacam benefícios (menores custos, ampliação do acesso e intervenções centradas na realidade do domicílio e dos cuidadores) e barreiras (acesso à internet, disponibilidade de equipamentos e materiais, aceitação da telessaúde e inadequação do espaço físico ou relacional) no uso de recursos de telessaúde.

Núñez e Águila (2024a) detalham os obstáculos identificados por estudantes e docentes de terapia ocupacional, usuários do serviço e membros da equipe no Chile na implementação de práticas de telessaúde durante a pandemia de covid-19, tais como inadequações do espaço físico para tratar de questões íntimas, intromissão familiar e dificuldades para aquisição de materiais. Por outro lado, esses autores também identificaram que a família pode atuar como coterapeuta, que houve ganhos na realização de atividades cotidianas e que foi possível oferecer apoio emocional diante do sofrimento produzido pela pandemia. Em um estudo com estudantes em formação no período da pandemia, Núñez e Águila (2024b) destacam a

ocorrência de aprendizagens significativas, como a construção de vínculos, o desenvolvimento de práticas criativas e flexíveis e a apropriação de recursos de TICs.

No Brasil, durante o período pandêmico, houve avanços em pesquisas qualitativas, com relatos de casos e experiências de terapeutas ocupacionais na modalidade de telessaúde (Chalegre & Melo, 2021; Fernandes et al., 2021; Ferrari et al., 2022; Ricci et al., 2020; Santos et al., 2021). Embora a prática da telessaúde seja relativamente recente, a experiência durante a pandemia mostrou ser possível alcançar diferentes segmentos da população. Esse novo cenário de prática e seus desafios, possivelmente acelerados pelas imposições da pandemia de covid-19, colocam-nos diante do fenômeno da cibercultura. A cibercultura é a cultura que emerge com o uso da internet e influencia os modos de subjetivação, afetando nossa participação social (Ferigato et al., 2017). Atualmente, nossa vida está imersa na cibercultura, e esse contexto traz novas demandas para a terapia ocupacional. Se, por um lado, é preciso considerar a exclusão social dos “desconectados”, por outro, há abertura para a criação de novas estratégias de intervenção que incorporem todas as ferramentas disponíveis para promover a emancipação e a inserção social dos sujeitos, considerando não apenas o acesso à internet, mas também as habilidades de interpretação e manipulação da informação (Ferigato et al., 2017).

Para tanto, é preciso considerar que o ambiente virtual faz parte da realidade. Segundo Lévy (1996), o virtual não se opõe ao real, mas precisa ser pensado como atual. Mesmo após a intensificação da virtualização do cotidiano com a pandemia de covid-19, ainda tendemos a pensar que estar virtualmente presente é não estar realmente presente, em razão da separação entre espaço físico e a diferença posta entre tempo e espaço. No entanto, Lévy (1996) discute que, quando estamos sincronizados virtualmente com o outro, apesar dessas diferenças, criamos um espaço real, onde produzimos novos meios de interação no tempo e no espaço. A virtualização do corpo e dos sentidos implica que cada corpo passe a integrar um imenso hipercorpo híbrido e mundializado, e nossos sentidos se envolvam no compartilhamento de fotos, vídeos e áudios. A questão dos limites entre o privado e o público se mistura, e nada está claramente definido (Lévy, 1996).

Dessa forma, pensar a terapia ocupacional nos tempos de cibercultura demanda ir além da aquisição de recursos tecnológicos para tratamento. É necessário situar-se mais amplamente na cultura contemporânea. Nesse contexto, terapeutas ocupacionais são chamadas a aprimorar suas competências digitais (Madsen et al., 2020).

Conforme Proffitt et al. (2021), é preciso avançar no conhecimento sobre o uso da telessaúde para avaliação e intervenção em terapia ocupacional, alinhando-se aos estudos sobre cibercultura e às atividades cotidianas das pessoas acompanhadas. As reflexões de Scott (2020) sobre o aprendizado da profissão durante a pandemia apontam a necessidade de sermos mais criativos e menos burocráticos, valorizando o cuidado centrado na pessoa, oferecendo atendimento de novas maneiras, como a telessaúde, e considerando os determinantes sociais da saúde.

Segundo Scott (2020), durante a pandemia a profissão obteve reconhecimento ao colocar a dimensão das ocupações como questão de saúde, evidenciando sua competência e a necessidade de avançar nos conhecimentos. Nesse sentido, o Método Terapia Ocupacional Dinâmica (MTOD), um método específico de terapia ocupacional que defende uma prática não protocolar, dinâmica e situada, centrada na singularidade dos sujeitos (Benetton et al., 2021), oferece pistas sobre como a terapia ocupacional poderá avançar na incorporação do uso das TICs nos atendimentos. Profissionais que adotam o MTOD usaram a modalidade de telessaúde durante e após a pandemia de COVID-19? Quais reflexões elas vêm fazendo a esse respeito?

Método Terapia Ocupacional Dinâmica

O MTOD vem sendo desenvolvido desde a década de 1970 por Jô Benetton e colaboradoras, sustentado na investigação da prática clínica para a produção de teorias explicativas dos fenômenos e de metodologias que embasam a assistência em terapia ocupacional. Seu delineamento ocorreu a partir da a tese de doutorado de Jô Benetton, em 1994, e foi refinado após seu pós-doutorado, em 2000 (Marcolino & Fantinatti, 2014).

No MTOD, a relação triádica – composta pelos termos terapeuta ocupacional, sujeito-alvo e atividades – constitui o núcleo central para o desenvolvimento das ações de cuidado. Essa relação é sustentada em um setting que abarca tanto a objetividade (os materiais, a sala, o ambiente externo) quanto a subjetividade presentes (Benetton, 1994). O setting é construído na relação particular entre a terapeuta ocupacional, o sujeito-alvo e as atividades, de modo que pode ser levado para onde essa relação se estabelecer (Benetton, 2006), extrapolando os espaços físicos das salas e instituições.

Como primeiro termo da relação triádica, a terapeuta ocupacional precisa conhecer a cultura em que vive, sendo de sua responsabilidade colocar a relação triádica em movimento e sustentar o processo terapêutico (Benetton et al., 2021). Para tanto, Benetton (1994) apresenta a importância do desenvolvimento de um olhar perscrutador, que busca por informações. Trata-se de um olhar investido de afeto e atento às ocorrências, que possibilita apreender elementos para, futuramente, utilizá-los na comunicação (Benetton, 1999). Não se trata apenas de localizar a observação no olhar, mas incluir todo o corpo e a percepção nesse processo investigativo e de cuidado, de modo indissociável (Benetton, 2023).

O segundo termo da relação triádica, o sujeito-alvo, é alguém que tem alguma necessidade ou desejo de fazer terapia ocupacional (Benetton, 1994). Nesse sentido, a compreensão de suas necessidades e desejos não ocorre por meio do diagnóstico médico-clínico ou das demandas dos serviços, mas pela elaboração de um diagnóstico situacional (Benetton, 1994; Benetton et al., 2021). O diagnóstico situacional tem por objetivo conhecer o sujeito-alvo por meio da descrição da situação atual em que se encontra, abrangendo seu cotidiano, suas atividades, necessidades, desejos e relações (Marcolino, 2016).

As atividades, por sua vez, constituem o terceiro termo da relação triádica (Benetton, 1994). Elas reúnem, ao mesmo tempo, uma dupla função: sustentar a ação educativa na terapia ocupacional – pois é por meio delas que se instaura uma relação afetiva de aprendizagem – e cumprir a função terapêutica, possibilitando aprender a fazer o que se precisa e se deseja fazer. Todo esse processo é dinâmico e iterativo (Araujo et al., 2024).

O estabelecimento e o manejo da relação triádica permitem ao sujeito-alvo vivenciar novas experiências e novas formas de se relacionar, em um espaço de historicidade no qual as atividades consideradas importantes passam a ser realizadas no cotidiano, resultando em processos de ampliação de espaços saudáveis (Benetton, 1994). Para muitas pessoas, esse trabalho de ampliação da participação demanda envolver, na relação triádica, outras pessoas significativas e relevantes para a vida do sujeito-alvo. Essas pessoas são chamadas a compor a relação e, assim, consideradas quartos termos. Nesse caso, não se trata apenas de orientar familiares, professores ou equipe, mas de compor novos movimentos com essas pessoas, movimentos construtivos de novas associações que permitam o sujeito-alvo ser, fazer e se relacionar à sua maneira (Marcolino et al., 2020).

Um primeiro estudo sobre o uso do MTOD na modalidade de telessaúde foi apresentado por Ferrari et al., (2022). Trata-se da análise da atuação em terapia ocupacional com um grupo de um hospital-dia de saúde mental, diante da realidade enfrentada pelos pacientes ao se adaptarem à nova rotina sem o deslocamento diário ao hospital, no contexto da pandemia de covid-19. O artigo descreve o processo grupal, que se inicia com o ensino do uso da plataforma on-line e passa a funcionar de maneira criativa, com atividades escolhidas pelos participantes. As possibilidades de atividades foram ampliadas pelo uso do compartilhamento de tela e de recursos de outros aplicativos virtuais para interação. Ferrari et al. (2022) destacam ainda a aquisição de habilidades da terapeuta ocupacional para gerenciar atividades on-line, garantindo flexibilidade e inclusão dos participantes.

A necessidade de investigar a prática da terapia ocupacional em telessaúde e de aprofundar as estruturas teórico-metodológicas é apontada por Ferrari et al., 2022 como uma lacuna, indicando pistas que resultaram no desenvolvimento desta pesquisa. Para o MTOD, investigar a prática e seus fenômenos é fundamental para a construção de conhecimento em terapia ocupacional, possibilitando avanços teórico-metodológicos. Este artigo, portanto, discute os resultados de uma pesquisa voltada a compreender como o MTOD vem sendo utilizado na modalidade de telessaúde.

Método

Tipo de pesquisa

Visando compreender os significados e fenômenos vivenciados por terapeutas ocupacionais que utilizam o MTOD em telessaúde, oferecendo uma síntese dessas experiências, adotou-se uma abordagem qualitativa e exploratória para o desenvolvimento da pesquisa. De acordo com Prodanov e Freitas (2013), pesquisas qualitativas exploratórias são especialmente adequadas para fenômenos contemporâneos e complexos, como o uso da telessaúde. Para analisar como o MTOD vem sendo utilizado na modalidade de telessaúde, este estudo buscou acessar reflexões e opiniões de terapeutas ocupacionais sobre suas vivências (Ajjawi et al., 2024).

Aspectos éticos

O estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (parecer n.º 5.867.305). Todos as participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Para ampliar o diálogo com a cibercultura, utilizou-se o conceito de ciborgue, de Haraway (2023), segundo o qual todos somos constituídos por uma rede de associações humanas e não humanas, sendo difícil separar o que é humano em um mundo cada vez mais tecnológico. Assim, para garantir o sigilo das identidades, as participantes foram identificadas por nomes ciborgues gerados por uma inteligência artificial.

Participantes

Participaram da pesquisa terapeutas ocupacionais com formação no MTOD e experiência em atendimentos por telessaúde no Brasil. Os critérios de inclusão foram: ter formação no MTOD e pelo menos um caso atendido em telessaúde. Foram excluídas terapeutas ocupacionais com formação no MTOD que não o utilizavam como referencial teórico. Após a aprovação no CEP, realizou-se contato com a coordenação do Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional (CETO), instituição responsável pela formação especializada no MTDO, oferecida em curso com duração de dois anos. O CETO enviou por e-mail o projeto e o convite de participação às terapeutas ocupacionais formadas. Paralelamente, a pesquisa foi divulgada nas mídias sociais.

Produção dos dados

Os dados foram coletados em duas fases. A primeira consistiu em um questionário on-line, aplicado entre abril e junho de 2023, que reuniu dados numéricos e descritivos sociodemográficos e profissionais (idade, identidade de gênero, cor ou raça, estado e cidade, tempo de atuação, tipo de trabalho, renda, público-alvo, outras pós-graduações, ano de formação no MTOD, tempo de atuação com telessaúde, número de pessoas atendidas, formato de atendimento, aplicativo utilizado), além de dados narrativos sobre desafios e potencialidades percebidos no uso do MTOD na telessaúde, obtidos por meio de duas perguntas abertas. O questionário resultou em 18 respostas, das quais 17 participantes se disponibilizaram a participar da segunda etapa, composta por entrevistas on-line semiestruturadas. Entretanto, somente 13 entrevistas foram realizadas em razão de dificuldades de agenda das demais interessadas. As entrevistas foram conduzidas via Google Meet, gravadas e transcritas com o apoio do software Descript®.

Tanto o questionário de caracterização como o roteiro da entrevista – com questões sobre a experiência em telessaúde (formação, tipo de experiência, principais modificações percebidas, composição do diagnóstico situacional, estabelecimento e manejo da relação triádica, reflexões sobre as atividades e processos de construção de sentidos, experiência atual, desafios e potencialidades, futuro da telessaúde) – foram submetidos à análise de três pesquisadoras do Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental (LaFollia) da UFSCar, recebendo ajustes quanto à ordem das perguntas.

Análise dos dados

Os dados quantitativos do questionário foram analisados apenas de forma descritiva (Gil, 2002). Os dados qualitativos (respostas narrativas do questionário on-line, 13 entrevistas e respectivas transcrições) foram analisados tematicamente em três etapas: pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados (Minayo, 2014). O software Atlas.ti® foi utilizado para organizar, sistematizar e apoiar a análise dos dados qualitativos (Silva Júnior & Leão, 2018). O processo analítico envolveu uma abordagem dedutiva inicial, seguida de uma fase indutiva, na qual os temas foram identificados tanto a partir das respostas diretas às perguntas quanto da análise mais ampla das entrevistas. Ao final, os temas identificados foram examinados à luz da estrutura teórica do MTOD: por exemplo, as informações relativas ao cotidiano das pessoas, ao diagnóstico situacional e ao contexto em que uma se encontrava foram organizadas em torno do tema sujeito-alvo.

Reflexividade

Todas as autoras possuem formação no MTOD, o que poderia introduzir vieses na pesquisa. Para minimizá-los, a equipe adotou uma postura reflexiva durante todo o processo (Stanley & Nayar, 2023). A pesquisa contou com a participação de profissionais sem formação no MTOD em várias etapas, como a apresentação do projeto final no LaFollia, a revisão do roteiro de entrevistas por uma pesquisadora externa e a participação de uma docente não especializada em MTOD na banca do exame de qualificação. Essa abordagem metodológica robusta e reflexiva visou assegurar que a pesquisa fosse conduzida com rigor e imparcialidade, explorando crítica e detalhadamente as nuances da aplicação do MTOD na telessaúde.

Além disso, para aumentar a confiabilidade, os resultados foram encaminhados às participantes por e-mail, com a seguinte solicitação: O que você achou dos resultados desta pesquisa? Eles ajudaram a sistematizar reflexões em torno da prática de telessaúde utilizando o MTOD? Há pontos com os quais você discorda? Das 13 participantes, seis responderam ao e-mail, ressaltando que os resultados foram interessantes e capazes de gerar reflexões significativas em relação ao MTOD. As participantes destacaram que as informações apresentadas estavam alinhadas às suas vivências práticas e estudos, e enfatizaram que o MTOD foi amplamente contemplado na pesquisa, abrangendo suas principais características e aplicabilidade em diferentes contextos terapêuticos.

Resultados

Caracterização das participantes

Dos 13 participantes, um se identificou como homem cisgênero e doze como mulheres cisgêneras, nove participantes se declararam brancas, três pardas e uma preta (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022).

Quanto à localização geográfica, 11 participantes residiam no Estado de São Paulo (sete na capital e quatro no interior), uma no Estado do Rio de Janeiro e uma no Estado do Ceará. Em relação ao tempo de atuação profissional, sete participantes tinham 21 anos ou mais de experiência, dois entre 11 e 20 anos, três entre seis e 10 anos, e somente uma com menos de seis anos de prática. Todas as pessoas participantes atuavam em prática privada (consultórios próprios ou clínicas particulares), e a renda mensal bruta dos participantes entre 4 a 20 salários mínimos, em relação à formação das participantes tivemos a maioria (nove) com especialização ou residência concluídas, três doutorados em andamento e três mestrados concluídos, tivemos participantes formados no MTOD desde 1990, até a mais recente, em 2022 e em relação ao tempo de atuação com telessaúde, a maioria das participantes (12) iniciou atendimento em telessaúde no período da pandemia, mantendo atendimentos em telessaúde após o período pandêmico. Os públicos atendidos pelas terapeutas ocupacionais também foram diversos, abrangendo diferentes áreas de atuação, com destaque para o campo da saúde mental, atendendo a várias faixas etárias - como pode ser visualizado na Tabela 1.

Tabela 1
Público-alvo referido pelas participantes.

Em relação à formação no MTOD, duas participantes se formaram antes de 2000, seis entre 2001 e 2010 e cinco entre 2011 e 2022. Sobre o uso da telessaúde, 11 participantes iniciaram atendimentos durante a pandemia e mantiveram a prática posteriormente; uma começou na pandemia e, à época da pesquisa, realizava exclusivamente atendimentos em telessaúde; e outra atuou com telessaúde apenas durante o período pandêmico.

Resultados qualitativos

Cinco temas foram delineados: 1) Cibercultura: da insegurança à abertura para novas aprendizagens; 2) Ação educativa: inclusão digital singular e situacional; 3) O sujeito-alvo e os quartos termos; 4) A relação triádica na terapia ocupacional on-line; 5) O MTOD como referencial que sustenta a prática em telessaúde.

1. Cibercultura: da insegurança à abertura para novas aprendizagens

Embora nossa vida esteja imersa na cultura inaugurada pelo uso da internet, utilizar TICs na oferta de tratamento em terapia ocupacional não fazia parte da realidade das profissionais brasileiras. Neste tema, as participantes relatam como foram superando inseguranças iniciais e transformando-as em um processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional que lhes permitiu ampliar conhecimentos sobre recursos da cibercultura.

Assim, em razão da pandemia, todas as participantes do estudo apontaram a necessidade de realizar atendimentos em telessaúde, relatando insegurança diante do cenário de calamidade pública e quanto ao uso das TICs na prática profissional.

Um ponto que a gente não pode perder de vista, não foi um projeto que alguém estava tentando estudar esta modalidade, não foi uma oferta, não foi uma escolha, foi quase compulsório. (CybGenius)

Eu estava totalmente despreparada, para mim foi muito angustiante, estava muito insegura. (CyberCore)

Diante da necessidade de utilizar a telessaúde e do despreparo para tal, as terapeutas ocupacionais recorreram à supervisão clínica e a estudos autodirigidos, aprendendo a partir das experiências práticas para aprimorar os atendimentos.

Não tive uma formação específica, mas tive supervisão com terapeuta ocupacional e fui tirando dúvidas [...] e planejando. (ByteSage)

Uma participante relatou ter realizado um curso de formação em telessaúde durante a pandemia, destacando que ele não era específico para terapeutas ocupacionais.

[...] algumas capacitações feitas pela Universidade de São Paulo durante esse período da pandemia, eles iniciaram essa proposta de capacitar para o teleatendimento. Você escolheria a área que queria, área da infância, sofrimento psíquico, luto, [...], todas as profissões da área da saúde, nada específico de Terapia Ocupacional. (Omegaplex)

Inicialmente, a sensação foi de estranheza, como se estivesse faltando no atendimento virtual. Com o tempo, as participantes destacaram muitas aprendizagens, desde explorar quais equipamentos e recursos tecnológicos utilizar até ajustá-los às especificidades dos atendimentos em terapia ocupacional.

Tive mais dificuldade no começo e depois acho que fui aprendendo a fazer. [...] No começo era muito estranho olhar só para essa telinha, eu pensava, será que está prestando atenção em mim? Será que está olhando por uma janela do nada para mim? Parecia faltar alguma coisa. (CybZen) [...] unir o terapeuta com essas questões tecnológicas. Como se faz para virar para ele ver melhor a iluminação? [...] precisa [...] ficar mais atenta a essas questões, que antes eu não conhecia. Por exemplo, o áudio precisa ter equipamento que seja mais preciso, precisei me munir de recursos tecnológicos [...] (RoboTech)

CybZen salientou a importância de, a partir do que vai sendo construído na relação triádica, colocar-se disponível para aprender novas atividades no contexto da telessaúde. Nesse movimento, ela própria se inseriu na cibercultura: tours virtuais a museus, participação em eventos on-line, uso de ferramentas de arquivamento e compartilhamento de dados.

Nunca tinha pensado em fazer um tour virtual para o museu e foi uma das atividades que fiz com o paciente. Eu nunca tinha ido para uma feira de profissões e [...] eu tinha pacientes que estavam para prestar vestibular, então a gente se inscreveu. Essas são atividades que eu não pensei em fazer, mas que estavam dentro do que nós estávamos vivendo [...]. (CybZen) A terapeuta também aprendeu! Eu aprendi a usar o Google Drive, eu tenho uma paciente que a gente vai alimentando o drive com as atividades durante a semana [...] ela falava para mim ‘[...] eu preciso de alguém que pegue na minha mão e me leve junto’. Então, nós tivemos a ideia do drive, que eu alimento colocando algumas perguntas, [...] uma das atividades foi construir o Instagram profissional. Então a gente tem lá no drive: não esquecer de tirar as fotos. (CybZen)

As participantes destacaram que a atenção às novidades da cibercultura ampliou as possibilidades de atividades nos atendimentos.

Sempre que eu sabia de alguma exposição virtual, que estava acontecendo em algum lugar do mundo, eu trazia a sugestão para o grupo, sempre que eu via alguma coisa nova que poderia alimentar o grupo, eu ofertava para eles. (CybPilot)

2. Ação educativa: inclusão digital singular e situacional

A ação educativa no MTOD é uma das funções ligadas às atividades, pois é na abertura para aprender o que se precisa ou se deseja que novos movimentos em direção às transformações necessárias se iniciam. Neste tema, os conteúdos relativos aos processos de ensino-aprendizagem foram organizados, evidenciando a responsabilidade cuidadosa das profissionais para adequar o ambiente virtual – e as aprendizagens necessárias para nele – às realidades e necessidades das pessoas acompanhadas. Além disso, as participantes destacaram a necessidade de aprimoramento de habilidades profissionais (atenção, observação e comunicação), ainda mais requisitadas no ambiente virtual.

Desse modo, a ação educativa das terapeutas ocupacionais esteve sempre centrada nas singularidades de cada caso ou na situacionalidade do contexto: na escolha da plataforma on-line para interação, no processo de ensino-aprendizagem envolvido, na aquisição e aprimoramento das habilidades profissionais e na utilização de outros recursos tecnológicos.

Doze das 13 participantes utilizaram mais de uma plataforma (Google Meet, Skype, Zoom) para realizar os atendimentos, considerando a inclusão digital dos sujeitos, os recursos de cada plataforma e a situação de cada pessoa ou família.

Era misturado! Usei e até hoje uso o Skype. Atualmente uso o Skype e o Google Meet. Na época usava Skype, Meet e Zoom, porque tinha muitos familiares que não sabiam mexer, então eu tinha que ter todos. (NeoCyber)

As ações educativas inicialmente se pautaram na literacia digital, permitindo que os sujeitos alvo se inserissem na cibercultura fundamental não apenas para a realização dos atendimentos em telessaúde, mas também para ampliar as possibilidades de outras atividades e interações durante a pandemia.

A gente fez muito uso dos tutoriais, [...] mostrar na tela o passo a passo, ensinar a atividade. [...] a ação educativa ficou muito presente. Era ação educativa desde o ensinar as atividades [...] até o ensinar como estar nesse ambiente virtual, que privacidade precisavam, [...] como usar os aparatos, como se localizar nas telas. (CybPilot)

O ensino e a realização de atividades imersas na cibercultura já faziam parte dos atendimentos antes da pandemia: comunicação por aplicativos, videochamadas, compras on-line e solicitação de transporte por aplicativo.

Pensando no recorte da inserção digital, eu já vinha num crescente com todos os pacientes antes da pandemia, de favorecer, facilitar, pensar em algumas estratégias para que eles pudessem usar a tecnologia do celular, os aplicativos. Então, [...] ligar por vídeo, [...] usar o WhatsApp, [...] chamar um carro de aplicativo, [...] fazer compras on-line [...] (CyberGenius)

As participantes ressaltaram o quanto as ações educativas sustentaram a função terapêutica, ao ensinar habilidades e atividades novas para o uso de ferramentas no universo digital, sempre centradas no modo como cada pessoa aprendia e em sua realidade.

“[...] não adianta você falar ‘arrasta para cima’, eu sabia que isso não seria inteligível. Então, com cada paciente, fui entendendo e adequando essa linguagem, como para você voltar à tela inicial [...] de uma das pacientes o fundo é a praia, ela tem uma casa de praia, então ‘volta lá na praia’ [...].” (CyberGenius)

Para sustentar a função terapêutica por meio das ações educativas, as participantes apontaram que os atendimentos on-line demandaram aprimoramento de suas próprias habilidades de atenção, observação e comunicação.

As minhas ações ficam muito pautadas em conseguir perceber que quando faço uma ação para ver a reação que está mais associada a essa minha ação, eu tenho que ficar um pouco mais atenta. (RoboTech) Tive mais dificuldade no começo e depois acho que fui aprendendo a fazer. [...] No começo era muito estranho olhar só para essa telinha, eu pensava, será que está prestando atenção em mim? Será que está olhando por uma janela do nada para mim? Parecia faltar alguma coisa. (CybZen)

CybGenius refletiu que, nos atendimentos presenciais, há processos de comunicação não verbal, enquanto nos atendimentos on-line tornou-se necessário checar verbalmente a compreensão do que estava acontecendo.

Talvez no presencial, na relação terapêutica, a gente trocaria um olhar, uma expressão ou a gente iria rir de uma situação que aconteceu ali, e talvez no vídeo tenha que ser dito mais concretamente, expresso com as palavras. (CybGenius) [No atendimento on-line] A gente tem que ajustar a linguagem e a postura em termos de observação. O que passou a ser mais importante é não deixar passar, não assumir que aquilo está sendo compreendido sem checar verbalmente. (CybGenius)

3. O sujeito-alvo e os quartos termos

Neste tema, foram organizados os conteúdos relativos à potência da telessaúde para conhecer melhor a situação de cada pessoa em atendimento, compondo o diagnóstico situacional a partir das percepções sobre o cotidiano da pessoa, da família e de suas relações, especialmente em relação a como cada família vivenciava as sobrecargas e sofrimentos da pandemia de covid-19. Além disso, as participantes relataram que, para além de conhecer, também puderam incluir as pessoas relevantes na própria dinâmica da terapia ocupacional, como um novo termo – o quarto termo – que se soma à relação triádica.

Desse modo, enfatizaram que, nos atendimentos on-line, foi possível ampliar as possibilidades de compor o diagnóstico situacional: conhecer a casa e outros espaços do cotidiano do sujeito-alvo; compreender como se estabeleciam as relações com as pessoas que convivem com ele, já que, geralmente, os atendimentos ocorriam no ambiente doméstico e, muitas vezes, demandavam a presença de familiares ou cuidadores. Assim, tornou-se possível conhecer melhor o cotidiano de toda a família.

[...] você acaba vendo uma dimensão do cotidiano sobre outra perspectiva quando a pessoa está em casa. Então, é interessante perceber os movimentos que acontecem que tem a ver nesse âmbito do privado, [...] o lugar que o sujeito ocupa na família, que tipo de dificuldade que aparece ali [...]. (CyberIntellect) Uma paciente adolescente [...] se queixava muito, [...] da mãe [...] de não ter espaço, que a mãe sempre invadia. Isso fica claro porque, de repente, a gente estava na sessão e a mãe a chamava, não parava para pensar que essa menina estava em atendimento. (CybZen)

Particularmente no período pandêmico, houve sobrecarga das famílias com crianças e pessoas que necessitavam de mais cuidados, como evidencia o relato de CybZen:

[...] na época da pandemia, as mães [...] relatavam uma sobrecarga muito grande. Tinha mãe que falava assim, enquanto deixava a criança uma hora, na terapia elas conseguiam fazer outras coisas e agora? Além de tudo, tinha que fazer as atividades com a terapeuta [...]. (CybZen)

A presença de familiares e de outras pessoas do convívio dos sujeitos-alvo foi um tema recorrente nas falas das participantes. Isso ampliou as possibilidades não apenas de conhecer essas pessoas, mas também de incluí-las na terapia ocupacional, sob a proposição do quarto termo.

Modificar a dinâmica, porque não é mais só eu, o sujeito, as atividades. [...] Então, isso passa a ser algo que compõe o seu raciocínio [...]. Por exemplo, às vezes você tem que pedir para a família: ‘espera um pouquinho, deixa que ele responde, vamos ver para onde ele olha [...]’. Tem o lado positivo disso, que você exerce essa função mais educativa, de [estabelecer] melhores parceiros [...] na comunicação. (CyberIntellect) As famílias estavam diferentes do que pensei, eu acho que seria difícil pela gravidade dos pacientes, mas as famílias estavam super engajadas. [...] as famílias querendo conversar, participar de alguma maneira, sustentar o que a gente estava construindo nos atendimentos. (CyberExplorer)

Ainda sob a perspectiva do quarto termo, todas as participantes relataram ter realizado atendimentos envolvendo outras pessoas relacionadas ao caso, como familiares, equipes multidisciplinares e escolas.

Teve atendimentos às pessoas relacionadas ao caso, outras equipes, familiares e a equipe da clínica. (Omegaplex)

4. A relação triádica na terapia ocupacional on-line

Neste tema, o ambiente virtual foi tomado como objeto de reflexão e explorado em sua potência para instaurar afetos e atividades que transitavam por múltiplos espaços, sem necessidade de delimitar o que era virtual ou presencial.

RoboTech refletiu sobre a virtualidade não a partir da dicotomia presencial/real versus virtual, mas como a condição do atendimento. Comparou esse novo espaço ao estranhamento e desconforto vividos em ambientes institucionais sem espaço próprio para terapia ocupacional, como hospitais fortemente biomédicos.

Exige que a gente tenha mais fôlego, mas acho que também não é diferente de um lugar que no ambiente institucional, asséptico, aquelas salas que são tudo branco, quando eu trabalhei no hospital, eram salas geladas, com cama de ginecologista [...]. Então, eu acho que são essas condições próprias desse atendimento. (RoboTech)

Apesar disso, mesmo na virtualidade, foi possível estabelecer vivências intensas, instaurar movimento e afeto e estruturar rotinas.

No início, as intervenções se davam muito a partir da necessidade de pensar uma rotina mais estruturada, nesse âmbito pandêmico. (CyberExplorer) Ela morava bem afastada no interior, uma parte rural e ela não estava conseguindo fazer nada, [...] estava no momento onde muitas pessoas morriam, todo um processo coletivo também de adoecimento. E ela não conseguia ter forças, sentia muitas dores, até para pegar uma panela para encher de água. Mas foi tão interessante porque fui fazendo todo um trabalho corporal com ela, [...] de ação educativa, [...] para chegar no movimento, para direcionar a sequência na atividade. E ela fazendo, preparando o feijão dela escutando a música que ela gosta, referindo algo que é do afeto dela, como ela estava se sentindo. E ela foi se organizando, se integrando durante o fazer. Mesmo estando ali com ela virtualmente, eu estava ali presente. (CyberArt)

As atividades realizadas na relação triádica foram descritas em múltiplas possibilidades, mesclando ambientes presenciais e virtuais, tanto na casa ou consultório da terapeuta quanto no espaço da pessoa em atendimento.

em atendimento. Assim, atividades exclusivamente virtuais (visitas a museus, jogos via compartilhamento de tela) e atividades não virtuais (lavar roupa, cozinhar) foram descritas, mostrando o movimento da relação triádica a partir das necessidades e desejos em um setting híbrido.

Eu usei [...] muitas atividades que utilizavam recursos de informática, [...] jogos que pudessem ter um compartilhamento de telas, algumas atividades mais baseadas em escolhas que a gente pudesse fazer por um compartilhamento de imagens e de vídeos [...]. (CyberIntellect) Outra situação de fazer algo prazeroso junto, em uma semana extremamente difícil e a culinária já era algo na vida dessa pessoa prazeroso, então eu vinha para o consultório, daí para usar a copa do meu consultório e a pessoa na casa dela. (CyberExplorer) Minha paciente em pós-AVC1 de muitos anos, mas [...] muito insegura para falar e para escrever. [...] o que eu mais queria trabalhar com ela naquele momento [era] que ela pudesse falar [...] quando ela se via não conseguindo falar e não conseguindo escrever o que ela queria, ela entrava em uma angústia e desespero e ela travava. Então o meu objetivo com ela foi ‘vamos conversar?’ Eu ligava para ela no telefone fixo da casa dela e depois a gente passou para o celular, [que] ela podia ter mais mobilidade e mais privacidade. E a gente ficava toda semana [por] uma hora e meia no telefone em sessões semanais [...]. (CybGenius)

Nesse aglomerado de tecnologias, aplicativos de compras e entregas on-line também foram acionados a partir dos desejos e necessidades dos sujeitos-alvo.

Então a gente foi se reinventando, desde comprar material, compartilhando tela com a pessoa, e a pessoa receber os materiais em casa [...] (CyberExplorer) [...] ‘eu preciso comprar um remédio’, e a gente se organizava [...] o Uber [...] pega a receita, compra, deixa na casa. (CybGenius)

Sobre a ampliação de espaços de saúde e atividades no cotidiano, a experiência narrada por CybPilot permite vislumbrar a potência das ferramentas virtuais para expandir-se em outros encontros e atividades, na vida.

A gente montou um grupo conosco e com todos os pacientes. Lá eles se comunicavam, falavam como estavam, faziam perguntas uns para os outros, conversavam entre si. Gradualmente, sem a nossa interferência, sugeriam coisas para serem feitas. [...] um grupo de amigos que se encontram até hoje, começaram virtualmente assistindo filmes juntos. Então teve essa ampliação [...] esses espaços virtuais que eles foram se apropriando, dando conta de lidar com tudo isso, que estavam vivendo. (CybPilot)

Ainda assim, CybPilot compartilhou reflexões de pacientes que distinguiam, com detalhes, as diferenças entre estar em uma relação triádica presencial, recebendo o olhar atento e afetivo da terapeuta, e estar em uma relação virtual.

Para alguns pacientes foi difícil essa adaptação do presencial para o virtual. Lembro de pacientes que falavam ‘tenho muita saudade da sala, do lugar das coisas’. Uma paciente, falava assim, ‘eu sinto muita falta, tudo bem, estou fazendo minhas coisas aqui, fazendo as atividades aqui, mas eu sinto muita falta do seu olhar.’ [...] Ela falava: ‘aqui eu não consigo captar do mesmo jeito seu olhar para o que estou fazendo, para as atividades, porque é diferente’. É diferente você mostrar, diferente de você estar do lado, vendo, podendo acompanhar o tempo todo o processo de realização da atividade. (CybPilot)

5. O MTOD como referencial que sustenta a prática em telessaúde

Este tema reúne reflexões das participantes sobre o MTOD na telessaúde, entendido como um referencial que as ajudou a pensar e fazer terapia ocupacional nesse novo contexto, de modo flexível e criativo. As participantes relataram que não foi necessário modificar a teoria ou a técnica para realizar os atendimentos em telessaúde, pois o MTOD as respaldou teoricamente diante dessa nova modalidade.

Essa possibilidade tão ampla que o MTOD dá, em nenhum momento fiquei preocupada de fazer alguma coisa errada, em nenhum momento fiquei pensando ‘nossa, estou saindo do MTOD, estou inventando um jeito que é inseguro, o qual é arriscado, que não têm raciocínio clínico, que não tem técnica’, durante todo o tempo me senti muito respaldada. (CybGenius)

Os principais aspectos que sustentaram essas afirmações foram: a flexibilidade e a adaptabilidade do MTOD, a segurança e a confiança profissional, bem como uma estrutura teórico-prática robusta que apoia a prática em diversos contextos.

O MTOD sempre propôs essa flexibilidade sobre o contexto, sua população, sobre sujeito alvo. Ele propõe justamente essa provocação de que ele pode ir com o terapeuta onde for, e assim estruturar o conhecimento teórico-prático. Então, existe uma previsão que esse núcleo duro, que essas construções [...] não sofram abalos nas estruturas. (RoboTech)

O MTOD ajuda. Eu, sinceramente, se tivesse outra formação [...] talvez não conseguisse atender dessa forma. Eu não consigo pensar um atendimento rígido, protocolar, que funcione muito nesse esquema da telessaúde. O arcabouço teórico do MTOD permite você transitar por diferentes atividades, por diferentes formas de construção dessa relação, de diferentes espaços criados. [...] (CybZen)

Em relação às atividades na relação triádica, as participantes apontaram que a telessaúde ampliou o que CybPilot chamou de “estatuto da atividade”, expandindo o repertório de atividades das terapeutas ocupacionais e suas reflexões sobre como utilizá-las para colocar a relação em movimento. Para elas, o modo como as atividades são conceituadas e compreendidas no MTOD foi o que sustentou tais ações.

O MTOD prevê que eu possa utilizar atividades virtuais [...], mas como atividades no processo terapêutico, o estatuto da atividade se ampliou, mas estava sustentado no que o MTOD prevê. (CybPilot) Quais atividades seriam possíveis, quais atividades eu poderia talvez provocar, apresentar, às vezes até indicar, quais atividades o outro poderia trazer também [...] para essa relação. Como tudo isso cabe na relação triádica, achei que é possível, mas que talvez eu tenha, com os pacientes, aprendido muitas outras atividades e ampliado o repertório de atividades. (CybZen)

Discussão

A discussão dos achados busca situá-los tanto em relação à estrutura teórico-metodológica do MTOD, destacando aspectos da prática em telessaúde que revelam como se deu seu uso nessa modalidade, quanto no diálogo com a literatura do campo. Compreendemos que se trata de uma temática contemporânea e que nossos achados refletem também uma realidade ampla, independente de especificidades teóricas.

Em relação à formação no MTOD, considerando que seu delineamento final ocorreu a partir do ano 2000 (Marcolino & Fantinatti, 2014), a maioria das participantes formou-se quando o método já estava consolidado. Outro resultado relevante é a diversidade de populações atendidas, o que evidencia que o MTOD é um referencial de terapia ocupacional cuja utilização não se restringe a campos específicos de prática (Benetton et al., 2021).

Entretanto, é possível que o resultado de caracterização mais significativo seja a natureza da prática acessada nesta pesquisa. Em um país de grande dimensão continental e com grande desigualdade social (Agudelo et al., 2020; Ricci et al., 2020), é preciso compreender que os resultados aqui apresentados refletem a realidade de profissionais atuantes na prática privada autônoma. Apenas uma participante da segunda etapa da pesquisa conciliava essa atuação com o trabalho no serviço público. Embora haja escassez de estudos sobre o mercado e a força de trabalho de terapeutas ocupacionais no Brasil, tanto Cestari et al. (2024) quanto Albino et al. (2025) indicam a forte presença de profissionais que utilizam o MTOD em serviços públicos. Ainda assim, é plausível que terapeutas ocupacionais atuantes na prática privada tenham se mobilizado mais a participar de uma pesquisa na temática da telessaúde.

Embora a estrutura governamental brasileira voltada ao uso de TICs na saúde já estivesse em funcionamento antes da pandemia de covid-19 (Brasil, 2011), esse conhecimento não se traduziu em utilização de recursos de telessaúde para o atendimento direto à população (Lisboa et al., 2023). A telessaúde foi oficialmente incorporada como recurso na profissão apenas em resposta às necessidades impostas pela pandemia (World Federation of Occupational Therapists, 2020). Embora outras profissões já utilizassem a modalidade, ela não era usual em muitos países, e todas as participantes relataram sentir-se apreensivas no início dos atendimentos. Isso ocorreu, sobretudo, por se tratar de uma ação compulsória em um momento de calamidade pública e pela necessidade de lidar com uma nova modalidade de atendimento.

Esse cenário dialoga com muitos estudos (Almathami et al., 2020; Ferrari et al., 2022; Madsen et al., 2020; Núñez & Águila, 2024b), que indicam a necessidade de aprimorar competências digitais e reduzir barreiras de acesso. Segundo Proffitt et al. (2021) e Cason (2012), a aprendizagem e a literacia digital são necessidades formativas, e as participantes desta pesquisa mostraram-se ativas ao buscar formação, supervisão e abertura para atividades e recursos da cibercultura. A supervisão, amplamente utilizada na terapia ocupacional, especialmente no Brasil, é considerada essencial para o desenvolvimento profissional no MTDO, como mostra Araujo (2022) em estudo com profissionais experts. Como destacam Anil et al. (2023), a telessaúde demanda tanto conhecimento clínico quanto tecnológico.

Nossos resultados evidenciam o desenvolvimento de habilidades específicas, como a necessidade de estar mais presente e atenta, checando constantemente se a comunicação estava sendo compreendida. Benetton (1994) apresenta a observação perscrutadora como habilidade essencial para o cuidado em terapia ocupacional sustentado pelo MTOD: trata-se de estar presente e captar informações sobre o sujeito-alvo no processo de realização de atividades e de construção da relação triádica, não apenas pela visão, mas por toda a percepção. Assim, o que as participantes relatam indica que a observação perscrutadora na telessaúde exige ainda mais atenção, pois aquilo que se apresenta para ser percebido está na profundidade da tela à frente. Se, por um lado, esse formato permite acessar novos aspectos da realidade (que compõem o diagnóstico situacional), por outro, limita o conhecimento corporificado – fundamental para percepção e comunicação – usual nos atendimentos presenciais.

No que se refere à comunicação, outros estudos também destacam a necessidade de estabelecer práticas eficazes ajustadas ao contexto da telessaúde (Anil et al., 2023; Núñez & Águila, 2024a, 2024b). Para o MTOD, toda ação educativa é inerente à função terapêutica (Benetton, 1994). Isso significa que a transformação e a busca por soluções para as necessidades humanas, quando limitadas em suas atividades, estão centradas no processo de ensinar e aprender na relação triádica (Marcolino, 2007). Essa característica permaneceu presente na telessaúde, uma vez que as ações educativas das participantes se voltaram ao ensino de novas habilidades e atividades, possibilitando o uso de ferramentas digitais de acordo com o modo de aprender e a realidade de cada pessoa.

Como apontam Araujo et al. (2024), o raciocínio ético-estético no MTOD é construído a partir da singularidade e situacionalidade de cada sujeito-alvo. Assim, o cuidado sustentado pelo MTOD, também nesta modalidade, mantém-se alinhado à proposta de oferecer intervenções em centradas na realidade das pessoas (Núñez & Águila, 2024a; Priyadharsini & Chiang, 2020).

Nesse sentido, conhecer o sujeito-alvo é central no desenvolvimento da terapia ocupacional. No MTOD, esse processo ocorre por meio do diagnóstico situacional, que identifica a situação atual do sujeito em seus múltiplos aspectos, limitadores ou ampliadores da realização de atividades. No contexto da telessaúde, as participantes relataram maior possibilidade de compreender o cotidiano do sujeito, especialmente diante da situação de enfrentamento da pandemia de covid-19. Núñez & Águila (2024b) indicam limitações e dificuldades relacionadas aos locais de realização do atendimento de terapia ocupacional em telessaúde, que muitas vezes não são adequados, como falta de espaço na casa para tratar de questões íntimas ou a interferência de familiares nas sessões. Para o MTOD, esses aspectos precisam ser considerados na situação da pessoa e incluídos na análise das necessidades e dos desejos, aprimorando o diagnóstico situacional.

Nessa direção, uma característica destacada pelas participantes foi incluir familiares ou outras pessoas relevantes no cuidado em terapia ocupacional, na função de quarto termo que se soma à relação triádica, como previsto no arcabouço do MTOD (Benetton & Marcolino, 2013), e não apenas sob a ótica da orientação. Sob outra perspectiva, Núñez & Águila (2024a) também evidenciaram essa característica, incluindo familiares como coterapeutas diante da realidade imposta pela pandemia de covid-19. Além disso, a telessaúde facilitou o acesso a outras pessoas associadas ao caso, como escola e outros profissionais, seguindo os pressupostos do MTOD sobre o trabalho com quartos termos. A facilidade do acesso a equipes pela telessaúde também foi apontada em estudos como Caetano et al. (2020), Almathami et al. (2020) e Núñez & Águila (2024b).

As participantes deste estudo também relataram o processo de ampliação do repertório de atividades realizadas virtualmente, o que aumentou as possibilidades de aprendizagem e cuidado. A compreensão de que a terapia ocupacional no MTOD acontece onde a relação triádica acontece, e de que a realização de atividades é propulsora de novos movimentos dessa relação (Benetton et al., 2021) ofereceu a flexibilidade necessária para que as profissionais experimentassem o dinamismo proporcionado pelo ambiente virtual.

Esse achado nos permite discutir o setting no MTOD na modalidade telessaúde. Osetting caracteriza-se como um espaço dinâmico, objetivo e subjetivo, que comporta a relação triádica (Benetton, 2006). Neste estudo, foi possível identificar um setting que se expande em um grande aglomerado que reúne subjetividades e objetividades tecnológicas de diferentes naturezas, criando um espaço real, como propõe Lévy (1996). Os movimentos da relação triádica ocorreram tanto pelo telefone fixo como pelo acesso à tela da outra pessoa. Esses resultados nos ajudam a superar a dicotomia entre presencial, real e virtual. O aglomerado de tecnologias presentes nas falas das participantes sobre suas práticas em telessaúde amplia a compreensão de setting como um espaço subjetivo-objetivo, cuja objetividade incorpora uma multiplicidade de tecnologias digitais interconectadas na medida em que são chamadas a sustentar as atividades realizadas na relação triádica.

Por se tratar de pesquisa exploratória, nem todos os constructos da estrutura teórico-metodológica do MTOD foram abordados em profundidade. Ainda assim, o arcabouço teórico-metodológico do MTOD foi considerado essencial para que as terapeutas ocupacionais participantes sustentassem suas práticas de modo flexível, dinâmico e criativo. Araujo et al. (2024) ressaltam que o MTOD permite integrar diversos elementos fundamentais para a intervenção, promovendo uma abordagem centrada na singularidade do indivíduo e no contexto específico em que se encontra. Esses achados dialogam diretamente com outros estudos sobre telessaúde em terapia ocupacional, como Scott (2020), para quem a telessaúde convoca a ser menos burocráticos e mais criativos e dinâmicos, e Núñez & Águila (2024b), que destacam as aprendizagens relacionadas à criatividade, flexibilidade mental e capacidade de adaptação que a telessaúde demanda.

Assim, ouvir as reflexões das terapeutas ocupacionais que trabalham sob os pressupostos do MTOD significa dar visibilidade ao que se delineia teórica e metodologicamente para esse grupo de profissionais. Entretanto, tais reflexões podem também expressar as vivências de muitas outras terapeutas ocupacionais que, de forma inventiva, assumiram os riscos de sentir e se relacionar on-line. Como enfatiza Benetton (1994), a construção do MTOD se deu a partir da análise dos fenômenos da prática, levando seus construtos teórico-metodológicos a serem sensíveis à realidade da prática de terapia ocupacional. Desse modo, esperamos que nossos resultados evidenciem um fenômeno da prática contemporânea em terapia ocupacional e contribuam para ampliar reflexões no campo profissional e acadêmico da área.

Considerações Finais

Este artigo discute como o MTOD vem sendo utilizado na modalidade de telessaúde. Os pressupostos do MTOD mostraram-se sensíveis à realidade da prática em terapia ocupacional, sendo aplicado de modo dinâmico, evidenciando versatilidade e adaptabilidade, e oferecendo respaldo teórico-metodológico às terapeutas ocupacionais, tanto em seu uso atual quanto em momentos de fragilidade, como o da pandemia de covid-19.

O estudo também avança nas proposições sobre o setting no MTOD, desvelando como a virtualidade abriu novas possibilidades de intervenção, permitindo transcender a dicotomia entre o presencial e o virtual e criar um espaço real e dinâmico, ampliando as possibilidades de reunir diversas tecnologias no sustento da relação triádica – aspecto que se abre a investigações futuras.

Os resultados indicam similaridades com outras pesquisas em relação às necessidades formativas, aprendizagem e literacia no uso de recursos tecnológicos, evidenciando um fenômeno da prática contemporânea em terapia ocupacional. As terapeutas ocupacionais puderam adaptar suas intervenções para atender a um amplo espectro de necessidades, incluindo pessoas com diferentes condições de saúde mental, idosos, crianças e pessoas com deficiência. Estudos futuros podem analisar a efetividade do MTOD na modalidade de telessaúde em populações específicas.

A flexibilidade do MTOD favoreceu a integração de recursos tecnológicos na prática terapêutica, garantindo a continuidade do cuidado. A supervisão profissional desempenhou papel crucial na transição para o ambiente digital. A prática de telessaúde com o MTOD permitiu uma abordagem singularizada, centrada no sujeito e em sua realidade. A presença ativa dos familiares e de equipes multidisciplinares também foi facilitada pela telessaúde.

No presente estudo, houve predominância de terapeutas ocupacionais atuantes na prática privada, limitação que aponta para a necessidade de pesquisas sobre o uso da telessaúde por terapeutas ocupacionais no SUS. Além disso, nem todos os aspectos do MTOD foram explorados pelas participantes em profundidade pelas participantes, como a construção de sentidos por meio das trilhas associativas. Pesquisas que utilizem metodologias capazes de acessar, com maior detalhamento narrativo, a experiência da telessaúde no MTOD são bem-vindas. Da mesma forma, são recomendadas investigações que explorem a percepção e/ou significados que os sujeitos-alvo da terapia ocupacional atribuem aos atendimentos de telessaúde sustentados pelo MTOD.

De todo modo, ainda que a situacionalidade de nossos achados limite qualquer possibilidade de generalização – o que não é o objetivo de uma pesquisa qualitativa exploratória como esta –, eles podem evidenciar um fenômeno da prática contemporânea em terapia ocupacional, fomentando reflexões para outros contextos e referenciais.

  • Como citar:
    Lopes, K. P., Araujo, A. S., & Marcolino, T. Q. (2025). O Método Terapia Ocupacional Dinâmica como referencial teórico-metodológico para práticas em telessaúde: um estudo qualitativo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e4002. https://doi.org/10.1590/2526-8910.cto408740021
  • Disponibilidade de Dados
    Os dados que sustentam os resultados deste estudo estão disponíveis com a autora correspondente, mediante solicitação.
  • Fonte de Financiamento
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

  • Editora de seção
    Profa. Dra. Adriana Miranda Pimentel

Disponibilidade de dados

Os dados que sustentam os resultados deste estudo estão disponíveis com a autora correspondente, mediante solicitação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2024
  • Revisado
    19 Abr 2025
  • Aceito
    05 Ago 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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