Resumo
Introdução A elevada prevalência de transtornos mentais e crises psicóticas na atualidade é um foco de preocupação social. Considerando os diversos impactos sociais, ocupacionais e cognitivos associados à primeira crise psicótica, destaca-se o papel de terapeutas ocupacionais no tratamento de indivíduos acometidos por esta, uma vez que esses profissionais atuam com a promoção da saúde e bem-estar por meio da participação em atividades e ocupações significativas.
Objetivo Identificar e destacar as abordagens e tipos de atividades utilizadas por terapeutas ocupacionais, os prejuízos enfrentados pela população e os desafios mapeados no atendimento a pessoas pós-primeiras crises psicóticas no Brasil.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, na qual foi realizada uma coleta de dados por meio de formulário on-line com 16 perguntas sobre a formação e atuação de terapeutas ocupacionais com pessoas após sua primeira crise psicótica. Participaram nove terapeutas ocupacionais.
Resultados 66% dos participantes trabalham atualmente com essa população, e o uso da Reabilitação Psicossocial foi prevalente na intervenção dos terapeutas ocupacionais participantes. Os principais desafios apontados foram o estigma, a fragilidade nas políticas públicas e as dificuldades para reinserção social dessas pessoas.
Conclusão A atuação desses profissionais reflete o contexto histórico da terapia ocupacional na saúde mental do Brasil, principalmente no que diz respeito à ênfase na Reabilitação Psicossocial e no trabalho em Centros de Atenção Psicossocial, explorando as práticas e os desafios da terapia ocupacional no país.
Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Transtornos Psicóticos; Saúde Mental
Abstract
Introduction The high prevalence of mental disorders and psychotic crises today is a major social concern. Considering the various social, occupational, and cognitive impacts associated with the first psychotic crisis, the role of occupational therapists in treating individuals affected by it stands out, as these professionals work to promote health and well-being through participation in meaningful activities and occupations.
Objective To identify and highlight the approaches and types of activities used by occupational therapists, the challenges faced by the population, and the obstacles encountered in providing care to individuals after their first psychotic crisis in Brazil.
Methodology This is a descriptive and exploratory research in which data was collected via an online form with 16 questions about the training and practices of occupational therapists working with people after their first psychotic crisis. Nine occupational therapists participated.
Results 66% of the participants currently work with this population, and the use of Psychosocial Rehabilitation was predominant in the interventions of the participating occupational therapists. The main challenges identified were stigma, the fragility of public policies, and difficulties in the social reintegration of these individuals.
Conclusion The work of these professionals reflects the historical context of occupational therapy in mental health in Brazil, especially regarding the emphasis on Psychosocial Rehabilitation and work in Psychosocial Care Centers, exploring the practices and challenges of occupational therapy in the country.
Keywords:
Occupational Therapy; Psychotic Disorders; Mental Health
Introdução
O tratamento psiquiátrico ao longo da história evoluiu de práticas desumanas dirigidas àqueles considerados ameaças à sociedade (De Carlo & Bartalotti, 2001), como o confinamento, a exclusão e a agressão, para ações humanitárias com abordagens mais científicas, cujo objetivo é a promoção do bem-estar psíquico e da inclusão social (Gordon, 2011). Essa mudança é decorrente do processo de Reforma Psiquiátrica, em que o incentivo aos atendimentos psiquiátricos em serviços territoriais e comunitários resultou na criação de novos dispositivos de saúde pública, promovendo a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços de atenção psicossocial territoriais, tendo como núcleo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). As ideias propostas pelo processo da Reforma Psiquiátrica estão voltadas ao incentivo à desinstitucionalização, à reabilitação psicossocial e à inclusão social de pessoas em sofrimento psíquico. Nesse contexto, surgem iniciativas para a inclusão social e ocupacional em uma rede de atenção psicossocial comunitária (Wachholz & Mariotti, 2010). A portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), e apresenta, como exemplos de componentes da rede, a Atenção Básica em Saúde, assim como a atenção psicossocial especializada através do CAPS (Brasil, 2011).
Uma vez que a terapia ocupacional é uma profissão preocupada em promover saúde e bem-estar por meio da ocupação humana (World Federation Of Occupational Therapists, 2012), como foco das intervenções terapêuticas está a ocupação, que engloba as várias atividades que um indivíduo realiza no seu dia a dia, com valor e significado atribuídos por ele ou por sua cultura (Dickie, 2011). Em geral, as pessoas relacionam saúde à sua capacidade de realizar as ocupações diárias normais, ou seja, a saúde favorece a participação em ocupações, assim como o contrário: o engajamento em ocupações colabora com a promoção de saúde (Hocking, 2011). A saúde de um indivíduo também está relacionada ao seu bem-estar.
Numa perspectiva ocupacional, o sentimento de bem-estar é produzido por meio da capacidade de realização de ocupações significativas. Assim, o comprometimento do desempenho ocupacional diminui a sensação de bem-estar e interfere diretamente na saúde do indivíduo, uma vez que é através da participação na ocupação que as pessoas se expressam, desenvolvem habilidades e experimentam prazer (Hocking, 2011). E uma condição que pode afetar várias áreas da vida, causando prejuízos na participação em ocupações de comprometimento do desempenho ocupacional, é a psicose (World Health Organization, 2022).
A psicose se refere a um estado mental no qual a pessoa perde contato com a realidade, tendo dificuldade em diferenciar o que é real do que não é, apresentando sintomas como: delírios; alucinações; fala, pensamentos ou comportamentos desorganizados. A primeira vez que um indivíduo experimenta tais sintomas é chamada “primeira crise psicótica” e ocorre geralmente durante a adolescência e o início da idade adulta (Gouvea et al., 2014). Diversos transtornos mentais possuem a psicose como um componente, porém a esquizofrenia caracteriza-se como o principal deles, devido à sua frequência e relevância clínica (Dalgalarrondo, 2008).
Os transtornos psicóticos são caracterizados por um declínio na funcionalidade e desempenho ocupacional, resultando em uma diminuição da participação social e em atividades produtivas, de lazer e de autocuidado (Masoumi et al., 2018; Izquierdo et al., 2021; Izquierdo et al, 2021; Miley et al, 2021). A primeira crise psicótica, por sua vez, impacta o envolvimento em ocupações importantes e significativas da faixa etária citada (Krupa et al., 2010), como educação, trabalho e lazer (Lloyd et al., 2008).
A primeira crise vem acompanhada de déficits em diversas funções cognitivas, afetando o desempenho ocupacional, entretanto, as alterações nas Funções Executivas (FE) se destacam como as mais significativas na esquizofrenia (Freedman & Brown, 2011; Vieira, 2013; Miley et al., 2020). As FE são componentes da cognição relacionadas ao comportamento orientado a objetivos (Clark et al., 2010; Fuentes et al., 2014) e são constituídas por diversos processos, como memória de trabalho, planejamento, solução de problemas, controle inibitório, flexibilidade cognitiva, categorização, iniciação, atenção sustentada e criatividade (Clark et al., 2010; Fuentes et al., 2014).
Os autores Gard et al. (2012) e Strauss & Gold (2012) como citado em Masoumi et al. (2018) discorrem sobre como alterações nas FE podem ocasionar uma menor participação em atividades significativas e em diversas ocupações, como as atividades instrumentais de vida diária, o trabalho e a educação. Ainda, a disfunção executiva gera dificuldade na organização, planejamento e execução de tarefas, impactando significativamente a vida cotidiana (Clark et al., 2010; Seter et al., 2011; Tostes et al., 2020).
Para além das implicações cognitivas e ocupacionais, indivíduos que tiveram a primeira crise psicótica também lutam contra outra questão impactante: o estigma associado aos transtornos mentais presentes na sociedade. Tal estigma pode ser caracterizado por atitudes e comportamentos negativos direcionados às pessoas com transtornos mentais (Simonsen et al., 2019). Os estigmas afetam significativamente a vida dos indivíduos, principalmente quando internalizados, levando à desvalorização do eu e influenciando na percepção do sujeito sobre si mesmo, promovendo crenças e emoções negativas e criando barreiras na busca por tratamento, no acesso ao cuidado, na autonomia e no envolvimento em ocupações significativas (Rocha et al., 2015; Kular et al., 2019).
Diante das diversas limitações ocasionadas pelas alterações das funções cognitivas, faz-se essencial realizar intervenções o mais breve possível para com esses indivíduos que visem reduzir problemas secundários, como a ruptura de relações sociais e de ocupações, e garantir a preservação de habilidades sociais, favorecendo um melhor prognóstico (Tsuda et al., 2022). Nesse sentido, a reabilitação cognitiva surge como uma importante estratégia de tratamento, auxiliando na melhora do funcionamento executivo e social desses indivíduos (Clark et al., 2010; Miley et al., 2020).
A reabilitação ou remediação cognitiva (RC) é um processo de tratamento ou diminuição dos déficits cognitivos que visa superar ou amenizar as limitações causadas por estes (Ignácio, 2016). A RC é dividida em duas abordagens principais: a restauradora ou curativa, que consiste na reparação de déficits cognitivos, como a atenção, a memória e a função executiva; e a compensatória, que tem como foco as tarefas e funções desejadas ou necessárias pelo indivíduo, utilizando as habilidades cognitivas residuais e recursos do ambiente para treiná-lo e capacitá-lo a desempenhar as atividades (Katz, 2014; Vieira, 2013).
Diversos estudos discorrem sobre os benefícios dessa estratégia desde a primeira crise, apontando melhoras tanto nos aspectos cognitivos, quanto no desempenho de atividades e papéis sociais e ocupacionais (Barlati et al., 2013; Deste et al., 2019; Miley et al., 2020). Em vista disso, destaca-se o papel do terapeuta ocupacional na realização de intervenções focadas no funcionamento cognitivo, uma vez que este tem influência direta no desempenho ocupacional, na autoeficácia, na participação e na qualidade de vida dos indivíduos (Giles et al., 2013).
Além disso, terapeutas ocupacionais utilizam-se de abordagens em suas intervenções de modo a fornecer meios específicos de tratamento de acordo com a necessidade do indivíduo. As abordagens podem ser definidas como modos de colocar a teoria em prática e são a união das experiências e da trajetória vivenciada pelo profissional expressas na prática, (Cruz, 2018), além de considerar o interesse do indivíduo, valorizando seu protagonismo durante todo o processo terapêutico ocupacional. O conhecimento dos desejos e das questões psicossociais do indivíduo permite que o terapeuta ocupacional tenha uma percepção mais abrangente das esferas da vida do indivíduo, assim como do seu repertório ocupacional e sobre como os prejuízos no desempenho ocupacional estão impactando na vida desse sujeito. No tratamento de indivíduos psicóticos, duas abordagens que se destacam são a Abordagem Psicodinâmica e a Abordagem Psicossocial.
A abordagem psicodinâmica, que teve como precursores na terapia ocupacional os Fidlers e os Azimas, nas décadas de 1950 e 1960, traz a ideia de que a atividade possui conteúdo simbólico, sendo uma forma de expressão humana. Para esses autores, a expressão de sentimentos, atitudes e ideias através de ações é mais eficaz do que através da linguagem verbal, a qual está sujeita a defesa de mecanismos mais racionais (Francisco, 2001). Para Meola (2000), a atividade é um instrumento de comunicação, expressão não verbal e criação de vínculos significativos (Costa et al., 2015).
A abordagem psicodinâmica é baseada na ideia de que a ação revela mais do inconsciente do que a palavra, sendo mais fácil a expressão de sentimentos e pensamentos por meio de imagens, desenhos, pintura e outras formas de expressão. Além de possibilitar a compreensão e expressão de desordens internas, as atividades possuem também a função de diminuir a ansiedade através da exposição dos conflitos internos (Oliveira, 2012).
Para Benetton (1991), ações e atitudes são meios de comunicação assim como a linguagem verbal, sendo possível utilizar técnicas associativas por meio desses elementos. A construção de uma trilha associativa entre paciente-atividade-terapeuta favorece o desenvolvimento dos conteúdos internos e externos do indivíduo, possibilitando o processo de tratamento do seu quadro psíquico (Costa et al., 2015). A atividade e a forma em que é realizada pela pessoa permite que o terapeuta ocupacional conheça suas habilidades e aspectos subjetivos, possibilitando a compreensão do estado pessoal e a busca de um processo de comunicação terapeuta-paciente (Marcolino & Fantinatti, 2014). Nessa abordagem a atividade e o terapeuta são recursos terapêuticos (Francisco, 2001), tendo a relação triádica terapeuta-pessoa-atividade como seu núcleo central.
A Reabilitação Psicossocial, por sua vez, visa possibilitar o funcionamento independente na comunidade, permitindo que indivíduos em sofrimento psíquico possam desenvolver ou recuperar habilidades e capacidades necessárias para a vida na comunidade. Essa abordagem busca a inserção social do indivíduo em sofrimento psíquico, produzindo sentido para sua vida e reconstituindo sua rotina, além da reconstrução de valores (Saraceno, 2001; Ballarin & Carvalho, 2014).
De acordo com Ribeiro & Machado (2008), o terapeuta ocupacional pode promover o protagonismo social das pessoas através do uso de atividades que reflitam a vida cotidiana destas, a fim de articular o indivíduo com a comunidade através de espaços de trocas que produzam significação e inserção. A relação do indivíduo com seu território precisa ser considerada para a criação de ações que possibilitem sua entrada nas trocas sociais (Morato & Lussi, 2018).
As intervenções realizadas por terapeutas ocupacionais nas primeiras crises psicóticas ― aquelas que são voltadas ao resgate de atividades produtivas, de lazer e de habilidades de participação social e que garantam uma maior independência ― são importantes nesse contexto (Poon et al., 2010). O terapeuta ocupacional intervém com essa população criando estratégias que visam o resgate e o engajamento em papéis ocupacionais significativos, a reestruturação da rotina, a participação social e a promoção de um estilo de vida saudável (Lloyd et al., 2008; Poon et al., 2010).
Diante disso, o estudo de Poon et al. (2010) retrata a utilização de simulações e treinos de atividades de trabalho e de gerenciamento do lar, e a exploração dos recursos disponíveis na comunidade, favorecendo a autonomia e a descoberta de novos interesses. Zafran et al. (2018), por sua vez, usufruem de narrativas e atividades expressivas ― como pintura, argila e desenhos ― como forma de comunicação alternativa para compreender as experiências e história de vida dos indivíduos.
A elevada prevalência de transtornos mentais e crises psicóticas na atualidade é um foco de preocupação social. As primeiras crises psicóticas vêm acompanhadas de um importante sofrimento mental e de significativas alterações cognitivas, além de causar impacto nas esferas social e ocupacional da vida dos indivíduos. Diante disso, o tema desta pesquisa é de relevância para a terapia ocupacional na área da saúde mental, uma vez que os terapeutas ocupacionais atuam na promoção da saúde e bem-estar por meio da participação em atividades e ocupações significativas. Portanto, reconhecendo as potencialidades do tratamento terapêutico ocupacional em indivíduos que tiveram a primeira crise psicótica, este estudo pretende mostrar a atuação da profissão nesse contexto e identificar os tipos de intervenção utilizadas pelos profissionais terapeutas ocupacionais brasileiros no atendimento a essa população.
Método
Este estudo trata de uma pesquisa descritiva e exploratória para levantamento de dados. A população do estudo consistiu, por conveniência, em nove terapeutas ocupacionais brasileiros que possuíam pelo menos um ano de experiência de trabalho com pessoas que tiveram a primeira crise psicótica.
A coleta de dados foi realizada entre os meses de setembro e outubro de 2023 por meio de um formulário on-line (Google Forms). Utilizando a técnica bola de neve, um formulário de intenção de participação contendo a divulgação e esclarecimentos sobre a pesquisa e, ainda, solicitando a indicação de um colega que pudesse contribuir com o estudo, foi compartilhado por e-mail com cada profissional indicado, isto é, terapeutas ocupacionais que trabalham em saúde mental. Em seguida, os profissionais que demonstraram interesse em participar receberam, por e-mail e Whatsapp fornecidos, o formulário de pesquisa propriamente dito.
Após a concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os participantes responderam um questionário, composto por 16 questões, sendo 11 objetivas e cinco descritivas, sobre a formação acadêmica e o trabalho com pessoas pós-primeira crise psicótica.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) - CAAE Nº 71063323.8.0000.0102.
Os dados foram organizados e analisados quantitativamente por estatística inferencial, e qualitativamente por meio da análise de conteúdo de Bardin.
Resultados
Quatorze terapeutas ocupacionais demonstraram interesse em participar da pesquisa ao responderem o formulário de intenção de participação. Destes, nove profissionais responderam o formulário de pesquisa.
A pesquisa é composta por terapeutas ocupacionais do Brasil, conforme disposto na Tabela 1, abaixo. No que diz respeito ao local de formação, 44,4% dos participantes se formaram na região Sul do país; 44,4% na região Sudeste; e 11,1% nas regiões Norte e/ou Nordeste. Há uma grande variação no ano de formação desses profissionais, havendo um maior número nos anos de 2017 e 2022, com 22,2%. Dos participantes, 78% possuem alguma especialização voltada para a área da saúde mental. Quanto à experiência com pessoas após primeiro episódio psicótico (PEP), 55,6% possuem de 1 a 5 anos de trabalho como terapeuta ocupacional com pacientes pós-primeiro episódio psicótico; 22,2%, de 6 a 10 anos; 11,1%, de 10 a 20 anos; e 11,1% possuem mais de 20 anos de experiência. Por fim, em relação à faixa etária dos indivíduos atendida por esses profissionais, destaca-se jovens com idades entre 18 e 25 anos (55,5%), seguido de indivíduos de 26 a 45 anos (33,3%) e de 46 a 60 anos (11,1%).
Dos participantes, 66,6% trabalham atualmente com essa população. Quanto ao contexto, 89% dos profissionais atuam em instituições públicas, e destes, 66% em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Quanto às abordagens utilizadas, conforme representado na Figura 1, destaca-se a Reabilitação Psicossocial (77,8%), e em relação às intervenções utilizadas por esses profissionais, representadas na Figura 2, evidencia-se um grande uso das Atividades Expressivas e Criativas (88,9%). Sobre as práticas consideradas mais efetivas com o público atendido, destacaram-se as Atividades Expressivas e Criativas, com atividades de artesanato e corporais, e atividades que abordam aspectos cognitivos.
Os achados do estudo, com base nas respostas dos participantes, apontam que as atividades expressivas e criativas eram amplamente adotadas, sendo mencionadas por diferentes participantes como eficazes: as atividades corporais e de artesanato (P2); as atividades expressivas e criativas (P3, P5, P8); e a utilização dessas atividades como um meio de concretizar emoções e sensações, promovendo o vínculo terapêutico (P4). Além disso, foi relatada a realização de oficinas expressivas, de oficinas com música e de oficinas de artesanato (P9).
Com relação às áreas de ocupação (American Occupational Therapy Association, 2020), representadas na Figura 3, é possível observar, por meio dos relatos de terapeutas ocupacionais participantes da pesquisa, um comprometimento em todas as práticas sugeridas após a primeira crise psicótica, porém há um destaque maior nas Atividades Instrumentais de Vida Diária, de Trabalho e de Participação Social. Sobre os principais desafios encontrados pelo público da pesquisa, foi possível destacar nos relatos de P1, P5 e P8:
Inserção em mercado de trabalho (P1).
Dificuldade de inserção no mercado de trabalho e interação social [...] (P5).
[...] O estigma da população atrapalha nos contextos de trabalho formal, o que prejudica em contratação como CLT, por exemplo (P8).
Na análise de conteúdo referente às principais demandas dos indivíduos atendidos pelos terapeutas ocupacionais, foram encontradas quatro categorias principais, que são: os impactos cognitivos; as dificuldades de participação nas atividades de trabalho, atividades de vida diária e atividades instrumentais de vida diária; dificuldades de participação social; e prejuízos na rotina.
Falha na memória, prejuízos no descanso e sono, dificuldade de organização da rotina, déficit de atenção, dificuldade de coordenação motora fina e grossa, dificuldade nas funções executivas e dependência nas atividades de vida diária e instrumentais, prejuízos no autocuidado (P2).
Ainda, coincidindo com P2, a terapeuta P4 também traz os impactos cognitivos como a principal demanda:
Comprometimento cognitivo (memória de trabalho; concentração; comunicação e expressão; percepção sensório-motora), que impacta as AVD, AIVD, Educação e Trabalho (P4).
Outra demanda abordada por um participante é relacionada à Psicoeducação:
Psicoeducação. Muitos não têm noção do seu diagnóstico e nem mesmo tratamento adequado na rede pública e privada. [...] (P7).
Com relação aos principais desafios encontrados na atuação com o público atendido, as categorias mais citadas foram: estigma; políticas públicas; e reinserção social.
Dificuldades de inserção no mercado de trabalho e interação social (P5).
Vulnerabilidade social, preconceito e ausência de rede de apoio (P6).
[...] a pessoa perde seu papel social e há um isolamento de âmbitos familiares e círculos sociais (P8).
A reinserção social, devido estes estigmas [...], ainda necessita de uma reestruturação de políticas públicas para que haja uma maior inclusão efetiva (P8).
[...] Além do manejo diante do estigma de incapacidade ou da loucura (P2).
[...] O estigma é algo que colabora para a não inclusão (P7).
[...] Do preparo das equipes da UBS, porque as primeiras crises surgem no território e essa população busca a UBS. E, claro, do planejamento do percurso do paciente na RAPS, bem fragilizado, sobretudo no CAPS (P4).
Serviços da rede pública que propiciam espaços saudáveis de convivência e fortalecimento de laços sociais (P5).
Discussão
Os resultados desta pesquisa permitiram identificar e caracterizar as principais abordagens e tipos de atividades utilizadas pelas terapeutas ocupacionais participantes do estudo no tratamento de indivíduos que tiveram a primeira crise psicótica. Nesse sentido, a Reabilitação Psicossocial se destaca como a principal abordagem utilizada, sendo mencionada por P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P8.
O contexto histórico da saúde mental no Brasil, a Reforma Psiquiátrica e o consequente incentivo aos atendimentos psiquiátricos em serviços territoriais e comunitários, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), podem estar associados à maior prevalência de terapeutas ocupacionais atuando em CAPS. As ideias propostas pela Reforma Psiquiátrica estão voltadas ao objetivo de reabilitação psicossocial e de inclusão social.
De acordo com Goldberg (2001), o CAPS é um dispositivo que utiliza a Reabilitação Psicossocial como principal abordagem, buscando favorecer o protagonismo social da pessoa em sofrimento psíquico (Santos, 2013). Portanto, a maior presença de terapeutas ocupacionais em CAPS, como observado na pesquisa, pode ter refletido no maior uso da abordagem de Reabilitação Psicossocial. Essa abordagem tem como principais objetivos a promoção da inserção social, o fortalecimento de vínculos sociais, e a reconstrução de valores e significados do indivíduo em sofrimento psíquico. No entanto, as ações de saúde mental e inclusão no Brasil ainda enfrentam desafios (Ballarin & Carvalho, 2014; Morato & Lussi, 2018).
As respostas de profissionais que utilizam a Reabilitação Psicossocial como abordagem destacam os principais desafios enfrentados na promoção da inclusão social de pessoas após a primeira crise psicótica. A partir delas, é possível perceber que os objetivos da abordagem também são os maiores desafios encontrados na atuação.
As respostas dos profissionais entram em consonância com o que é encontrado na literatura, que aponta que uma das maiores dificuldades das pessoas em sofrimento psíquico ainda é a (re)inserção social. A tendência de excluir as pessoas com transtornos mentais vem desde os primórdios, onde todos aqueles considerados uma ameaça à sociedade eram afastados do convívio social, sendo confinados e isolados (De Carlo & Bartalotti, 2001). Esse contexto de exclusão deixou marcas que permanecem até os dias de hoje devido ao estigma e ao preconceito com pessoas com transtornos mentais, resultando em dificuldades de inserção desses indivíduos na sociedade.
O estigma é apresentado como uma das maiores barreiras para a inclusão social da pessoa com transtornos mentais, portanto as ações de saúde mental no Brasil ainda encontram desafios para a implementação da Reabilitação Psicossocial e a inserção social desses indivíduos.
Sobre os elementos mais utilizados nas intervenções, apesar da Reabilitação Psicossocial ser a abordagem mais presente, as Atividades Expressivas e Criativas apareceram como as mais utilizadas e consideradas eficazes na atuação com pessoas após as primeiras crises psicóticas.
Entretanto, essas atividades estão mais relacionadas aos princípios da Abordagem Psicodinâmica, para a qual a atividade é uma forma de expressão humana (Francisco, 2001). A forte presença dessas atividades nas intervenções pode estar relacionada ao próprio contexto histórico da terapia ocupacional na saúde mental no Brasil, o qual teve como grande influência a psiquiatra Nise da Silveira, que revolucionou as práticas em saúde mental no país através da sua abordagem terapêutica ocupacional.
Saraceno (1998) questiona a utilização de atividades como pintura e confecção de artesanatos no contexto de saúde mental como propriamente terapêuticas, argumentando que tais atividades não se convertem por si só em reabilitação. Para ele, embora as atividades expressivas e criativas possam ser poderosas formas de expressão, seu uso precisa ir além da mera prática de artesanato ou artes plásticas. De acordo com o autor, a atividade precisa promover oportunidades para a conquista de cidadania pelo indivíduo; assim, Saraceno defende que o processo de Reabilitação Psicossocial deve buscar mais do que a realização de atividades, ele deve promover oportunidades para a conquista da cidadania do indivíduo, resultando em trocas sociais, estabelecimento de relações sociais e produção de sentido, valor e contratualidade através da atividade. Nesse contexto, Saraceno critica outros modelos tradicionais de reabilitação, destacando a necessidade e a importância de uma abordagem mais ampla que vá além das práticas isoladas. O autor enfatiza que a Reabilitação Psicossocial não deve se limitar apenas a atividades específicas, mas deve ser um processo que possibilite a vivência plena da cidadania pelos indivíduos. Tal crítica aborda sua perspectiva sobre a diferença fundamental em relação aos ideais da Reforma Psiquiátrica e outras abordagens, que podem focar de forma mais excessiva em técnicas ou práticas sem considerar seu impacto mais amplo na cidadania, trazendo à tona pontos de tensionamento entre diferentes abordagens (Morato & Lussi, 2018).
Não obstante, Benetton & Marcolino (2013) ressaltam sua perspectiva sobre a importância da relação entre o sujeito e os produtos dessas atividades, uma vez que para os autores a relevância da atividade terapêutica não se resume apenas à geração de produtos/objetos, mas também à relação que o sujeito estabelece com esses produtos, assim como uma relação no sentido de ter que produzir. Segundo a perspectiva desses autores, a terapia ocupacional utiliza a atividade para promover experiências enriquecedoras no cotidiano do indivíduo, divergindo da visão de outras abordagens e modelos (Morato & Lussi, 2018).
Apesar de muito presente na literatura, a utilização da Reabilitação Cognitiva nas intervenções foi citada apenas por P2, P3 e P4. Os déficits cognitivos são uma característica central dos transtornos psicóticos, e estão presentes antes mesmo dos sintomas da primeira crise se instaurarem, permanecendo durante todo o percurso da doença. Inclusive, esses déficits são citados como principais demandas neste estudo. Trabalhar com as questões cognitivas é essencial para garantir um melhor desempenho, uma vez que os déficits impactam profundamente a vida cotidiana desses indivíduos (Miley et al., 2020). Paradoxalmente, o treino cognitivo foi citado como uma das práticas mais eficazes por P2, P3, P4, P6 e P7, sendo uma intervenção essencial no tratamento de pessoas após as primeiras crises psicóticas, pois trabalha diversas funções cognitivas e habilidades através de exercícios e tarefas funcionais que enfatizam cada componente da cognição (Monteiro & Louzã, 2007; Ignácio, 2016).
As intervenções e abordagens citadas buscam atender as demandas relacionadas, principalmente os impactos cognitivos, a participação em ocupações significativas e necessárias da faixa etária e a estruturação da rotina desses indivíduos, questões que são fortemente prejudicadas após a primeira crise psicótica.
Corroborando as falas de P2 e P4, a falha na memória, os prejuízos no sono, a dificuldade de organização, o déficit de atenção, a dificuldade de coordenação motora, os prejuízos nas funções executivas, a dependência nas atividades de vida diária e instrumentais, e o comprometimento do autocuidado foram relatados como principais impactos cognitivos e funcionais (P2, P4). Esses achados estão alinhados com diversos estudos que destacam as disfunções cognitivas, em especial no funcionamento executivo, e as dificuldades no desempenho ocupacional, principalmente no que diz respeito às Atividades de Vida Diária (AVDs), às Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs), e ao Trabalho e Educação, que estão intimamente relacionadas (Clark et al., 2010; Macedo et al, 2018; Masoumi et al., 2018).
A disfunção executiva é um dos principais fatores que impactam o desempenho ocupacional, uma vez que pode acarretar rigidez mental, dificuldade de atenção e memória, falta de motivação e dificuldade em iniciar e/ou manter uma atividade (Lezak, 2012). Diante disso, há menor participação por parte desses indivíduos em atividades importantes e significativas, desestruturação da rotina, por conta da dificuldade em planejar, organizar e executar tarefas, bem como empobrecimento do repertório ocupacional.
Com relação aos desafios da prática, o estigma foi citado como um dos principais encontrados na atuação das profissionais e na inclusão desses indivíduos. O estigma e o preconceito vivenciados pela pessoa com transtorno mental tem origem em uma construção social, na qual esses indivíduos eram considerados uma ameaça à sociedade e deviam ser excluídos e confinados (De Carlo & Bartalotti, 2001). Tal cultura do manicômio, presente no contexto histórico da psiquiatria no Brasil, disseminou uma visão negativa da pessoa com doença mental e, apesar das mudanças promovidas pela Reforma Psiquiátrica e os consequentes incentivos à inclusão das pessoas com transtornos mentais na sociedade, ainda hoje persistem marcas dessa exclusão social e estigma (Santos, 2013). As participantes destacam a necessidade do manejo do estigma de incapacidade ou de loucura, que leva à exclusão social dificultando a reinserção social desses indivíduos na sociedade.
A rejeição social afeta a autoestima da pessoa em sofrimento psíquico, levando-a a esconder sua doença e dificultando o acesso desse indivíduo a assistências psiquiátricas. A falta de conhecimento e de informações da população sobre transtornos mentais também alimenta o preconceito, devido ao medo do desconhecido e do diferente (Santos, 2013). A fala da participante P7 aborda as demandas relacionadas à Psicoeducação. Isso pode estar relacionado à falta de conhecimento e divulgação de informações para a sociedade sobre os transtornos mentais e seus tratamentos. A participante relata que os próprios indivíduos não possuem conhecimento sobre seu diagnóstico e nem mesmo sobre quais são os tratamentos adequados nas redes públicas e privadas. Essa falta de informação e de acesso é um obstáculo para a inclusão social desses indivíduos, além de contribuir para a perpetuação do estigma na sociedade.
Os resultados da pesquisa demonstram que o preconceito e o estigma dificultam a reinserção social dessas pessoas, além de ser um obstáculo para a procura de tratamento e de diagnóstico de doença mental (Santos, 2013). O estigma afeta principalmente as relações sociais e a busca para ter ou manter emprego (Uemura et al., 2015), o que entra em consonância com os resultados da pesquisa sobre as áreas de ocupações mais comprometidas em indivíduos após a primeira crise psicótica, quais sejam, o Trabalho e a Participação Social.
Os indivíduos com transtornos mentais ainda encontram muitas barreiras e limitações em buscar e manter um emprego, assim como em manter relações sociais (Uemura et al, 2015). O sentimento de ser diferente, o preconceito e o estigma levam à diminuição na motivação em se engajar em atividades importantes e significativas, principalmente as atividades sociais (Izquierdo et al., 2021). A resposta de P8 aborda a dificuldade da pessoa com transtorno mental em conseguir e manter um trabalho formal devido ao estigma presente na sociedade, o que também está de acordo com o estudo de Greatley & Ford (2002), o qual relata que a exclusão social se inicia quando a pessoa recebe um rótulo da doença mental, qualificação discriminatória que contribui para a negação de oportunidades e direitos, tornando-a fadada a um status social desvalorizado, o que dificulta a inserção social e a contratação em trabalhos formais (Santos, 2013).
No que se refere ao resultado da maior presença de terapeutas ocupacionais na rede pública, principalmente em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), é possível dizer que esse aumento está muito relacionado ao contexto histórico-político da saúde mental no Brasil e suas políticas públicas. O sistema psiquiátrico, nos séculos XVII e XVIII, era marcado pela presença de violação de direitos humanos, isolamento social e baixa qualidade de cuidados ofertados à pessoa com transtorno mental. Movimentos e críticas sociais surgiram para questionar e exigir mudanças nesse sistema, buscando a construção de políticas públicas em saúde mental e focando no incentivo à desinstitucionalização. Com a reforma psiquiátrica, houve uma substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços integrais e comunitários, tendo como núcleo os CAPS. Surgem nesse contexto iniciativas para a inclusão social em uma rede de atenção psicossocial. A política de saúde mental no Brasil enfatiza a importância de serviços comunitários e da inclusão social das pessoas com transtornos mentais, o que consequentemente aumenta a atuação de terapeutas ocupacionais e outros profissionais em instituições de rede pública, onde conseguem atuar diretamente com a comunidade no território (Almeida, 2019).
Mesmo com os avanços da rede pública no contexto brasileiro, ainda existem desafios a serem enfrentados. Conforme trazido por P4 e P5 sobre os obstáculos para a atuação com o público da pesquisa, é possível perceber que, apesar do desenvolvimento de uma rede de serviços integrais e comunitários, a incorporação das redes nos territórios aos serviços da rede pública ainda apresenta fragilidades:
[...] Do preparo das equipes da UBS, porque as primeiras crises surgem no território e essa população busca a UBS. E claro, do planejamento do percurso do paciente na RAPS, bem fragilizado, sobretudo no CAPS (P4).
Serviços da rede pública que propiciam espaços saudáveis de convivência e fortalecimento de laços sociais (P5).
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é um conjunto de diferentes dispositivos de atenção, os quais formam uma rede plural e integrada, sendo o CAPS um desses dispositivos, cuja proposta é o trabalho em conjunto com outros serviços de saúde da rede, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS). As USB são a principal porta de entrada dos indivíduos no sistema de saúde e têm como objetivo identificar de forma precoce as pessoas em sofrimento psíquico, realizando encaminhamentos assertivos para uma intervenção efetiva e o mais breve possível para pacientes psicóticos. Entretanto, nota-se uma discrepância entre a proposta das políticas públicas e a realidade observada por esta pesquisa (Brasil, 2022).
Apesar da proposta da RAPS, as respostas de P4 e P5 relatam a fragilidade dessa rede e dos seus serviços, como o despreparo das equipes, a fragilidade dos encaminhamentos, além dos desafios já encontrados nos serviços da rede pública em geral. P4 traz que essa fragilidade é um obstáculo na atuação com pessoas após a primeira crise psicótica, uma vez que a UBS possui uma função importante pelo fato de ser o primeiro equipamento a ser buscado por elas quando as primeiras crises surgem dentro do território (Brasil, 2022).
Esses desafios abordados por P4 e P5 também aparecem na literatura sobre o tema de políticas públicas em saúde mental. De acordo com Dimenstein et al. (2018), apesar dos avanços das políticas públicas em saúde mental, ainda há fragilidades na integração do RAPS, como a fraca articulação com a atenção básica e outros serviços de saúde ― que dificultam a comunicação e coordenação entre serviços ― e dificuldades na articulação das ações intersetoriais. O financiamento insuficiente em serviços de atenção psicossocial, profissionais não capacitados, o estigma e a discriminação dificultam o acesso das pessoas aos serviços do CAPS e são grandes obstáculos para a inclusão social (Peres et al., 2018; Santos, 2013).
É necessário investir na reorientação dos processos de trabalho, por meio do planejamento de ações e compartilhamento de decisões entre as redes. Quando a equipe não possui recursos para resolver uma condição, é fundamental o encaminhamento responsável e assertivo para garantir o acesso a serviços de diferentes níveis de complexidade da rede de atenção à saúde (Dimenstein et al., 2018).
Conclusão
Os resultados deste estudo oferecem uma visão das abordagens e intervenções adotadas por terapeutas ocupacionais a pessoas com primeiras crises psicóticas no Brasil. É possível concluir que a atuação desses profissionais reflete o contexto histórico da terapia ocupacional dentro da saúde mental no país, uma vez que se tem um grande destaque na Reabilitação Psicossocial e no trabalho em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
O estudo partiu da hipótese de que os déficits cognitivos impactam significativamente o desempenho ocupacional dos indivíduos após o primeiro episódio psicótico e que a Reabilitação Cognitiva ocupa um lugar importante no manejo dessa população. No entanto, os achados com a pesquisa revelaram que embora os impactos cognitivos tenham sido identificados como um fator importante no declínio do desempenho ocupacional, a Reabilitação Cognitiva não foi amplamente mencionada pelas participantes.
Além disso, destacou-se a promoção da inclusão social, as dificuldades de inserção no mercado de trabalho e a participação social como os principais desafios enfrentados na prática, o que pode estar relacionado com a percepção e falta de conhecimento da sociedade frente às pessoas com transtornos mentais.
Entretanto, a pequena amostra de participantes nesta pesquisa configura-se como uma limitação do estudo. Apesar disso, o estudo contribuiu para identificar as abordagens e intervenções utilizadas, o que poderá colaborar com o reconhecimento das práticas e desafios da profissão, bem como com futuros estudos sobre a temática, que possui grande relevância dada a escassez de discussões em âmbito nacional sobre a formação e atuação de terapeutas ocupacionais com pessoas após primeira crise psicótica.
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Como citar:
Assunção de Sá, D., Nunes, E. F., & Macedo, M. (2025). Intervenções da terapia ocupacional em pessoas pós-primeiras crises psicóticas no contexto brasileiro. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3838. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO395538381
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Editado por
-
Editora de seção
Profa. Dra. Patrícia Leme de Oliveira Borba
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
25 Abr 2024 -
Revisado
17 Maio 2024 -
Revisado
11 Out 2024 -
Aceito
06 Dez 2024






