Resumo
Introdução A Esclerose Múltipla é uma doença autoimune que afeta o Sistema Nervoso Central, que cursa com múltiplos sintomas nas dimensões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais e ocupacionais.
Objetivo Este estudo teve o objetivo de mapear as repercussões da Esclerose Múltipla nas ocupações e atividades de vida diária de pessoas que vivem com Esclerose Múltipla.
Metodologia Foi realizada uma revisão de escopo considerando artigos científicos originais publicados entre janeiro de 2017 e dezembro de 2022.
Resultados A análise dos 14 estudos incluídos apresenta poucas relações entre as ocupações na saúde e o envolvimento ocupacional da pessoa com Esclerose Múltipla, principalmente, em Atividades de Vida Diária e Atividades Instrumentais de Vida Diária. Os resultados originaram a categoria Repercussões da Esclerose Múltipla nas Atividades Diárias da Pessoa que vive com Esclerose Múltipla.
Conclusão Foi possível identificar que os estudos que investigaram as ocupações das pessoas com Esclerose Múltipla relatam limitações quanto ao engajamento no cotidiano e carecem de mais aprofundamento e investigação em diferentes ocupações.
Palavras-chave:
Atividades Cotidianas; Esclerose Múltipla; Terapia Ocupacional
Abstract
Introduction Multiple sclerosis is an autoimmune disease that affects the central nervous system and causes multiple symptoms in the physical, cognitive, sensory, psychosocial, and occupational dimensions.
Objective This study aimed to map the repercussions of multiple sclerosis on occupations in different treatment environments.
Methodology A scope review was carried out considering original scientific articles published in the last five years comprising January 2017 - December 2022.
Results The analysis of the 14 included studies shows reduced relationships between occupations in health and occupational involvement of people with Multiple Sclerosis, mainly in Activities of Daily Living and Instrumental Activities of Daily Living. The results gave rise to the category Repercussions of Multiple Sclerosis on the Daily Activities of People Living with Multiple Sclerosis.
Conclusion It was possible to identify that the studies that investigated the occupations of people with Multiple Sclerosis report limitations regarding engagement in daily life and that they need more depth and investigation in different occupations.
Keywords:
Activities of Daily Living; Multiple Sclerosis; Occupational Therapy
Introdução
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença desmielinizante do Sistema Nervoso Central (SNC) que possui componentes autoimune e degenerativo. A causa da EM ainda é desconhecida, no entanto, há levantamentos sobre o herpesvírus ou retrovírus causando uma reação de autoimunidade que resulte em inflamação causando a destruição da mielina em várias zonas do SNC (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, 2020).
Essa doença comumente afeta pessoas no auge de sua vida produtiva com a identificação dos primeiros sintomas entre 20 e 40 anos de idade. Os sintomas da doença podem ser múltiplos e complexos e se apresentam conforme as regiões mais afetadas do SNC. Sintomas sensoriais podem ser: sensações de dor, ardor, parestesias, perturbações visuais, cegueira parcial, visão enevoada e perda da visão central, além desses, pode haver vertigens. Sintomas motores podem incluir: dificuldade em caminhar e manter o balanço, dificuldade em coordenar os movimentos dos olhos, controle de esfíncteres, tremores. Sintomas na dimensão psicológica, neurológica e cognitiva: depressão, variação no estado de humor, dificuldade em controlar as emoções, como rir ou chorar, diminuição do tempo de reação, processamento rápido da informação visual, aprendizado e memória (Cabeça et al., 2018; Abou et al., 2024; Allataifeh et al., 2020).
Por provocar incapacidade neurológica permanente a longo prazo, pode ser considerada uma das causas comuns de deficiência entre adultos jovens (Lexell et al., 2006), incluindo dificuldades na realização de ocupações. As ocupações se referem a qualquer atividade ou tarefa necessária para a gestão do autocuidado (e.g. comer, vestir-se), da produtividade (e.g. escola, trabalho, atividades domésticas) ou de atividades de lazer (World Federation of Occupational Therapists, 2012; Romero-Ayuso, 2010), e ocorrem ao longo do tempo em diferentes contextos, apresentando objetivos, significados e utilidade para as pessoas.
Para Salas & Lanas (2019), as ocupações são atividades que as pessoas desempenham no dia a dia, são execuções que as pessoas atribuem valor a partir das experiências sensoriais, afetivas, motoras, cognitivas, sociais e espirituais. A ocupação é um movimento constante entre o que somos, o que fazemos e o que buscamos ser, sendo necessária para nossa saúde e bem-estar (Wilcock, 1999).
Nesse sentido, devido aos sintomas da EM, as ocupações podem sofrer interferências e a pessoa pode ter dificuldade de desempenhar tarefas que gosta ou precisa fazer, causando modificações na rotina ocupacional (Preissner et al., 2016). Pessoas com EM podem apresentar restrições à participação em atividades, necessidade de adaptações ou abandono de atividades laborais, além de progressivamente necessitarem de ajuda devido a interferências na cognição e na funcionalidade (Lexell et al., 2006). Cardoso et al. (2024) também apontam sobre modificações, adaptação, transição e ambivalência ocupacional com base no diagnóstico.
Nesse cenário, esta revisão de escopo teve por objetivo mapear as repercussões nas ocupações de pessoas com Esclerose Múltipla.
Método
Protocolo e registro
Este estudo seguiu os critérios estabelecidos na Metodologia JBI para Revisão de Escopo (Peters et al., 2020). Como requisito para sustentar a estratégia de busca, a pergunta de pesquisa foi elaborada pelo acrônimo População, Conceito e Contexto (PPC), definida: O que se sabe da literatura sobre as repercussões da Esclerose Múltipla nas ocupações e atividades de vida diária de pessoas que vivem com Esclerose Múltipla em diferentes ambientes de tratamento? Sendo a população: a Esclerose Múltipla; o conceito: a ocupação e as atividades de vida diária; e o contexto: diferentes ambientes de tratamento.
A checagem dos itens pertinentes ao método escolhido ocorreu pelo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) Checklist por meio dos instrumentos utilizados nas etapas de busca e seleção (PRISMA Statement, 2020). O protocolo da pesquisa foi registrado na base OSF e pode ser verificado pelo registro: 10.17605/OSF.IO/2N7GM. (Cardoso, 2022).
Critérios para seleção
População
Para esta revisão foram considerados estudos que abordem sobre a pessoa com Esclerose Múltipla na perspectiva ocupacional.
Conceito
Para compreender a Esclerose Múltipla na perspectiva da ocupação, entende-se por ocupação os vários fazeres diários, os quais também promovem experiências diferentes durante o fazer (American Occupational Therapy Association, 2020).
Contexto
Devido a variabilidade do quadro clínico, sinais e sintomas da Esclerose Múltipla, interessou ao presente estudo todos os contextos de intervenções, ou seja, hospitalar, ambulatorial, domiciliar, por exemplo.
Tipos de fonte
Para este estudo foram considerados artigos científicos originais publicados nos período de 5 anos, compreendido entre janeiro de 2017 e dezembro de 2022, com abordagem quantitativa, qualitativa ou mista, com a finalidade de identificar evidências atualizadas e para considerar várias abordagens em relação ao tema.
Estratégias de busca
Após definição da estratégia PCC de busca, 2 (dois) pesquisadores realizaram, de modo independente, a busca nas seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual da Saúde - Portal Regional (BVS), SciElo (SciElo.Org), Lilacs, OTseeker e PubMed. Para a busca foram utilizados os seguintes descritores com base no vocabulário estruturado dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e correspondência no Medical Subject Headings (MeSH): Ocupação; Esclerose Múltipla; Atividades cotidianas e, como correspondentes: occupation*; ADL; Activities of Daily Living; Multiple Sclerosis; MS.
A partir desses descritores foram utilizadas as fórmulas de busca nas plataformas selecionadas: Occupation* OR ADL OR activities of daily living e multiple sclerosis OR MS. Todos os artigos encontrados através da busca acima descrita foram organizados de acordo com a descrição abaixo, para identificação de duplicatas e avaliação quanto à adequação aos critérios de inclusão. Na ocorrência de divergência entre os dois pesquisadores, foi realizada reunião de discussão com um terceiro autor.
Organização dos dados
Como instrumentos para identificação, análise e elegibilidade dos dados, foram utilizados três formulários estruturados na plataforma Google forms com itens baseados nas orientações para revisões dos Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Foi utilizado a ferramenta Google Forms pela possibilidade de organizar os dados enviados em planilhas por meio da ferramenta Google Planilhas e assim, concedendo ao pesquisador a organização dos resultados de busca.
O instrumento 1 de identificação continha os itens: Base de Dados; Filtro (Título e Resumo); e Quantitativo identificado. O instrumento 2 continha os itens: Título; Autor; Ano; Objetivo; Motivo da Inclusão; e Observações dos pesquisadores. O instrumento 3 continha os itens: Título; Autores; Delineamento da Pesquisa; Ano; Objetivo; Base de Dados; e Motivo da Inclusão. Foram analisados pelo instrumento 3 os artigos incluídos na segunda análise.
Tratamento dos dados e critérios de exclusão
Após a pesquisa, todos os estudos que passaram pelos instrumentos foram planilhados, em ordem de plataforma de busca, ano, título e objetivo do estudo. Em seguida, os dados foram identificados por letra e número e sequenciados de acordo com o ano de publicação, dos mais recentes para os mais antigos. Todos os estudos identificados na busca foram avaliados por 2 (dois) revisores independentes para o estabelecimento da adequação aos critérios de inclusão para esta revisão. Foram considerados critérios de exclusão dos estudos nesta revisão: não apresentar a perspectiva ocupacional; texto completo não disponível na íntegra; não abordar sobre EM diretamente; e não utilizar a perspectiva ocupacional.
Análise dos dados
Os dados foram analisados por meio de abordagem quanti-qualitativa. Os dados quantitativos foram analisados e apresentados em números e quadros, e os qualitativos, ou seja, os conceitos e definições que respondem a problemática dessa pesquisa de acordo com o contexto, foram organizados em uma categoria de análise seguindo o método de análise de conteúdo (Bardin, 2011).
A análise seguiu os processos da análise de conteúdo que são pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados (Bardin, 2011). A pré-análise é o momento em que os pesquisadores realizam análise geral dos dados; nesta pesquisa, essa etapa ocorreu após a aplicação do instrumento 3, que forneceu os estudos a serem incluídos.
A fase de exploração do material trata do momento de analisar os materiais (Bardin, 2011). Neste estudo, após obter os resultados, que foram os artigos incluídos, a exploração se deu pela leitura dos dados, analisando os conceitos e buscando compreender como os achados poderiam responder à pergunta de pesquisa. Nessa fase de exploração, a utilização de anotações foi um recurso também utilizado pelos pesquisadores para auxiliar na construção das unidades de análise.
O tratamento dos resultados é o momento de tratamento dos dados, de realizar as inferências, interpretar os materiais, captar as informações (Bardin, 2011). Neste estudo, após os dados planilhados, foi possível analisar com mais detalhes os objetivos, os conceitos e as informações de cada estudo e assim organizar os resultados e categorias de análise, os quais serão apresentados nos tópicos a seguir.
Resultados
Após ser aplicada a fórmula de busca nas plataformas selecionadas, foram identificados um total de registros de 3950 artigos, desse quantitativo, pela análise do título e resumo, foram incluídos 27 estudos, os quais foram lidos na íntegra para analisar a elegibilidade para o presente estudo. Nessa etapa, 13 estudos foram retirados pelas razões: duplicados (n = 4), não apresentar a perspectiva ocupacional (n = 7), não disponível na íntegra (n = 1), não abordar sobre EM diretamente e não utilizar a perspectiva ocupacional (n = 1). Assim, 14 estudos atenderam os critérios da pesquisa e foram incluídos. A Figura 1 apresenta o fluxograma que contém o processo de identificação, análise, elegibilidade e inclusão.
Fluxograma da busca de dados. Fonte: Autores, baseado em PRISMA 2020 flow diagram for new systematic reviews which included searches of databases and registers only.
De acordo com os resultados, foi possível identificar que os estudos, em sua maioria (n=9), investigaram e/ou analisaram os impactos da EM nas Atividades de Vida Diária (AVD) ou nas Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD), seja por meio de estudo qualitativo, quantitativo ou misto. Aqueles que não tiveram o enfoque nas ocupações analisadas (AVD e AIVD), se propuseram a investigar questões como a participação social (n=1), fatores contextuais que dificultam as atividades cotidianas (n=1), percepção do cuidado (n=2) e elaboração de um programa de intervenção cognitiva para pessoas com EM (n=1). A Tabela 1 apresenta a organização dos resultados com as informações da referência e objetivo dos estudos selecionados.
Discussão
Por meio dos resultados da revisão de escopo foi possível reunir estudos que, mediante diversos delineamentos de pesquisa, investigaram sobre a relação Ocupação e Esclerose Múltipla (EM). Cabe ressaltar também que, durante o processo de pesquisa, um dos descritores utilizados na fórmula de busca foi o termo “ocupação”. No entanto, esse descritor gerou como resultado estudos que não tinham relação com a perspectiva ocupacional identificada como o contexto desta pesquisa, e sim com atividades laborais e contextos de trabalho, mas sem relação com a análise ocupacional; o descritor que melhor identificou estudos na perspectiva ocupacional foi “Atividades Cotidianas”. Isso quer dizer que, embora trabalho seja uma ocupação descrita nos referenciais utilizados neste estudo, os artigos que abordaram a temática não tinham relação com a terapia ocupacional ou com a perspectiva ocupacional, mas eram escritos e investigados por outros campos de saberes e por outras categorias profissionais, e seu conteúdo não atendia ao referencial teórico e ao objetivo do estudo.
Os resultados apontam para os impactos da EM nas Atividades Diárias. As AVDs e AIVDs são ocupações, de acordo com a American Occupational Therapy Association – AOTA (American Occupational Therapy Association, 2020). No entanto, além dessas duas, a American Occupational Therapy Association (2020) apresenta outras ocupações, sendo: Gestão de saúde, Descanso e sono, Educação, Trabalho, Brincar/jogar, Lazer e Participação social. Faz-se relevante essa consideração para compreendermos que esta revisão de escopo revela que as produções do período de cinco anos analisado nesta pesquisa envolvendo a temática Ocupação e Esclerose Múltipla e seguindo a metodologia proposta apresenta uma tendência de investigação focada em maior frequência (n=9) em duas ocupações (AVD e AIVD), demonstrando uma possível lacuna em outras ocupações.
Diante da maior frequência de estudos em relação a AVD e AIVD, a seguir discutiremos a categoria intitulada “Repercussões da Esclerose Múltipla nas Atividades Diárias da Pessoa que vive com Esclerose Múltipla”, construída e analisada com base nos estudos selecionados e em sua leitura na íntegra, com enfoque nos objetivos.
Repercussões da esclerose múltipla nas atividades diárias da pessoa que vive com esclerose múltipla
As Atividades Diárias podem ser Atividades de Vida Diária (AVD) e Atividades Instrumentais de Vida Diárias (AIVD). As AVDs são atividades orientadas para cuidar do próprio corpo e realizadas por rotina, sendo: tomar banho, higiene sanitária, vestir, comer e engolir, alimentação, mobilidade funcional, higiene pessoal e cuidados pessoais, atividade sexual. As AIVDs são atividades para apoio à vida diária em casa e na comunidade, sendo: cuidar de outros, cuidar de animais de estimação, educação da criança, gestão da comunicação, mobilidade na comunidade e condução, gestão financeira, montar e gerir residência, preparação de refeição e limpeza, expressão religiosa e espiritual, manutenção de segurança e emergência e compras (American Occupational Therapy Association, 2020).
Nesse contexto, três estudos revisados apresentaram que as atividades que mais sofreram impactos na percepção de pessoas com EM foram a mobilidade funcional, as atividades domésticas, o banho e a alimentação (Franco et al., 2022; Jaramillo Buitrago & Pérez Parra, 2021; Allataifeh et al., 2020). Esses impactos são interpretados como negativos, como é o caso no estudo de Jaramillo Buitrago; Pérez Parra, 2021, que utilizou o Índice de Barthel e identificou que, em sua amostra (n=107), a média da pontuação geral nessa avaliação mostrou que as pessoas com EM apresentavam dependência moderada nas AVDs.
Segundo o estudo de Allataifeh et al. (2020), as AIVDs são prejudicadas devido a prejuízos em funções do corpo, tais como equilíbrio alterado, fadiga e cognição deficitária. No estudo de Allataifeh et al. (2020), as avaliações utilizadas foram: Activity Card Sort - versão árabe, Berg Balance Scale, Modified Fatigue Impact Scale, Nine Hole Peg Test, 6-Minute Walk Test, Brief International Cognitive Assessment for Multiple Sclerosis, Stroop test e Hospital Anxiety and Depression Scale.
Quatro estudos analisados na presente revisão apresentaram que os impactos nas atividades ocorrem devido aos sintomas da EM, como a fadiga, e aos déficits cognitivos (Jaramillo Buitrago & Pérez Parra, 2021; Allataifeh et al., 2020; Yazgan et al., 2021; Abdullah et al., 2018). A fadiga dificultava tanto a participação quanto a satisfação, pois interferia na velocidade e na realização das atividades diárias (Jaramillo Buitrago & Pérez Parra, 2021; Allataifeh et al., 2020). Outro fator associado às limitações nas ocupações, foram os déficits cognitivos, que interferiam nas AVDs e em maior proporção em AIVDs (Yazgan et al., 2021; Abdullah et al., 2018). A função cognitiva faz parte das funções do corpo sendo compreendidas como fatores do cliente necessárias para a realização de ocupações. Desse modo, podemos compreender a EM tem interferido nos fatores mencionados (American Occupational Therapy Association, 2020)
O estudo de Jansa et al. (2022) apresentou que o desempenho das AVDs podia ser afetado em todos os estágios da EM e isso também podia ser verificado pelo escore da Escala EDSS, em que quanto mais limitações identificadas pela escala, maiores eram as dificuldades para o desempenho nas AVDs, uma vez que a EDSS acompanhava a diminuição das funções do corpo, como por exemplo as neuro-músculo-esqueléticas e aquelas relacionadas com movimento motoras da pessoa com EM.
No entanto, de acordo com os estudos incluídos nesta revisão (Oliveira-Kumakura et al., 2019; Dehghani et al., 2019; Abdullah et al., 2018; Cowan et al., 2020), existem fatores subjetivos que estão relacionados às dificuldades e limitações no envolvimento ocupacional. Nesse sentido, sentimentos como a incerteza em relação ao curso da doença, o medo de deficiências, do agravo da doença e até mesmo o enfrentamento às concepções sociais, como crenças culturais sobre a deficiência e sobre a doença resultam em dificuldades nas AVDs das pessoas com EM (Dehghani et al., 2019).
Outro fator relacionado ao envolvimento ocupacional e funcionalidade estava relacionado aos melhores perfis socioeconômicos e educacionais. De acordo com Oliveira-Kumakura et al. (2019), esses fatores se apresentaram como protetores para maior índice de funcionalidade e desempenho em ocupações como AVD e AIVD.
Além dos fatores já citados, o desemprego e o casamento foram questões que implicaram na baixa satisfação com a realização das ocupações diárias, demonstrando que além de fatores clínicos, os sociais também são relevantes para o envolvimento e a satisfação ocupacional (Abdullah et al., 2018). Acredita-se que esses fatores podem se relacionar com as obrigações financeiras da família e os cuidados em saúde.
Nesse cenário de múltiplas limitações na funcionalidade e no envolvimento e participação ocupacional, algumas estratégias se apresentaram na literatura como eficazes para reabilitar e manter a saúde das pessoas com EM. As Tecnologias Assistivas (TA) foram consideradas como facilitadores durante atividades diárias, principalmente para pessoas que apresentam limitações relacionadas à mobilidade (Franco et al., 2022).
O investimento em programas voltados para a reabilitação cognitiva de pessoas com EM foi avaliado como oportuno e relevante para as demandas das pessoas com EM (Hynes & Forwell, 2019). Isso porque os aspectos cognitivos foram considerados por pessoas com EM como sendo um fator que limita o envolvimento em ocupações (Yazgan et al., 2021; Allataifeh et al., 2020; Abdullah et al., 2018).
Assim, cabe ressaltar que a vivência da pessoa com EM pode ser permeada com desafios e limitações em relação às suas ocupações diárias. Bravo-González & Álvarez-Roldán (2019) reforçam que a atenção em saúde da pessoa com EM precisa ser integral e com enfoque nos cuidadores, pois as limitações e dificuldades são vivenciadas conjuntamente por essas pessoas.
O estudo de Cowan et al. (2020) também põe em foco a experiência da vivência da pessoa com EM e considera que os impactos negativos da fadiga física e mental; o desejo de maximizar a independência nas atividades da vida diária e minimizar a dependência de outras pessoas; e as percepções de perda são aspectos importantes e devem ser considerados para a definição de estratégias de reabilitação da pessoa com EM.
Sendo assim, os impactos da EM nas atividades diárias estão relacionados com as demandas físicas e os sintomas esperados no curso da doença, como a fadiga; déficits cognitivos e dificuldade na mobilidade; e por aspectos psicoemocionais e sociais, como medo da deficiência e desemprego. Além disso, o cuidado e a reabilitação para melhor participação ocupacional são atravessados por fatores relevantes, como o maior nível de escolaridade e financeiro, a participação em programas de reabilitação cognitiva e o cuidado integral com enfoque no cuidador.
Considerações Finais
Por meio desta revisão, foi possível identificar, na literatura analisada e por meio da metodologia utilizada nesta pesquisa, que grande parte dos estudos se preocuparam em investigar sobre as ocupações AVD e AIVD, o que nos leva a considerar que ainda existem muitas informações da população com EM no campo das ocupações a serem investigadas. Dessa forma, consideramos que o objetivo inicial foi alcançado e apresenta resultados como o enfoque da literatura nos estudos da EM na perspectiva ocupacional e reúne dados sobre os fatores relacionados às repercussões da patologia nas ocupações e AVD das pessoas que vivem com EM, os quais são físicos, cognitivos, psicoemocionais e sociais, além de estratégias relevantes no tratamento.
A análise dos dados foi sensível para refletir sobre a relação das ocupações na saúde e envolvimento ocupacional. Isso porque ao categorizar os estudos pela frequência da temática concluímos, por meio de vários métodos e análise de diversas amostras, que pessoas com EM têm participação ocupacional reduzida, principalmente em AVD e AIVD. Esse fator nos faz refletir se, por serem atividades básicas, as AVDs e as AIVDs seriam as queixas mais frequentes, e as demais, como lazer, atividades religiosas, por exemplo, já não seriam vistas como prioridades por essas pessoas.
Portanto, consideramos que a presente pesquisa se apresenta como uma base potencial para estudiosos do campo ocupação e EM, pois reúne estudos recentes que abordam a temática. Além disso, apresenta como potencialidade em relação à condução as buscas e análise para inclusão e exclusão realizadas por mais de um pesquisador.
Nesse contexto, a partir dos resultados e até o momento da realização desta pesquisa, foi identificado também que apenas um estudo é de origem brasileira, o que aponta para necessidade de mais pesquisas nacionais investigando a questão ocupacional de pessoas com EM.
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Como citar:
Cardoso, J. S., Cunha, I. F. F., Borges, V. M., Cardoso, M. M., Souza, A. M., Bento-Torres, N. V. O., & Corrêa, V. A. C. (2025). Esclerose múltipla e ocupações: uma revisão de escopo. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3871. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAR398538711
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Editado por
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Editora de seção
Profa. Dra. Mariana Midori Sime
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Fev 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
10 Jun 2024 -
Revisado
04 Nov 2024 -
Aceito
29 Nov 2024


