Resumo
Introdução Na terapia ocupacional brasileira, diversas formas de expressar e compreender seu objeto de intervenção e elementos constituintes são observadas. Contudo, a literatura revela uma produção escassa de estudos sobre como os terapeutas ocupacionais, atuantes na prática, descrevem e conceituam esse objeto de trabalho, especialmente considerando vivências em outras regiões do país, distintas da região Sudeste.
Objetivo Identificar como terapeutas ocupacionais que atuam na região nordeste do Brasil descrevem o objeto profissional da terapia ocupacional.
Método Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza exploratória, realizado entre setembro e novembro de 2022, com 33 profissionais de diversos campos de intervenção. Os dados foram coletados por meio de um questionário on-line semiestruturado e analisados com base na técnica de análise temática.
Resultados As(os) terapeutas ocupacionais descreveram o objeto profissional a partir do seu papel profissional e de sua finalidade, destacando as competências e atribuições da terapia ocupacional. Essas(es) profissionais utilizaram ainda uma variedade de termos para nomear e caracterizar seu objeto de trabalho na atuação prática, como ocupação, fazer humano, desempenho ocupacional, atividades práticas, entre outros.
Conclusão Embora o termo “ocupação” tenha se destacado nos discursos, ele nem sempre se associava diretamente a referenciais teóricos, metodológicos ou práticos concordantes. A experiência prática das(os) terapeutas ocupacionais deste estudo demonstrou ser o principal substrato para explicarem o seu saber-fazer profissional.
Palavras-chave:
Epistemologia; Fundamentos; Identificação Profissional; Terapia Ocupacional
Abstract
Introduction In Brazilian occupational therapy, various ways of expressing and understanding its object of intervention and its constituent elements are observed. However, the literature reveals a scarce production of studies on how occupational therapists in practice describe and conceptualize this work object, especially considering experiences in other regions of the country, distinct from the Southeast region.
Objective To identify how occupational therapists working in northeastern Brazil describe the professional object of occupational therapy.
Method This is a qualitative, exploratory study conducted between September and November 2022 with 33 professionals from various fields of intervention. Data were collected using a semi-structured online questionnaire and analyzed using thematic analysis.
Results The occupational therapists described the professional object based on their professional role and its purpose, highlighting the competencies and responsibilities of occupational therapy. These professionals also used a variety of terms to name and characterize their work object in practice, such as occupation, human doing, occupational performance, practical activities, among others.
Conclusion Although the term “occupation” stood out in their discourses, it did not always align directly with consistent theoretical, methodological, or practical frameworks. The practical experience of the occupational therapists in this study proved to be the main foundation for explaining their professional know-how.
Keywords:
Epistemology; Fundamentals; Professional Identification; Occupational Therapy
Introdução
As diversas profissões existentes distinguem-se pelas competências e funções que exercem na sociedade, sendo a constituição de sua área definida a partir de um objeto profissional (Lancman, 2010). Entende-se o “objeto profissional” como o referencial central de um campo profissional, que determina sua finalidade e especificidade em relação às demais profissões, constituindo seu escopo de atuação, sua função social e sua produção de conhecimentos específicos (Caniglia, 2005; Feriotti, 2017).
No caso da terapia ocupacional brasileira, ao longo do seu percurso sócio-histórico, diversos estudiosos têm problematizado a constituição dos saberes e práticas relacionadas ao objeto de trabalho da profissão (Galheigo et al., 2018). A incorporação de diferentes perspectivas, práticas e saberes, decorrente do processo de consolidação da produção de conhecimento nacional, da ampliação dos cenários de prática e do aprofundamento dos estudos teóricos, não só agregou ferramentas, recursos e técnicas, como também orientou formas de compreender, conceituar, ensinar e tornar mais acessível a terapia ocupacional no Brasil (Figueiredo et al., 2020; Albuquerque et al., 2021; Cardinalli & Silva, 2021).
Esse cenário plural da profissão suscitou, entre os profissionais, diferentes formas de expressar e compreender o objeto profissional da terapia ocupacional e seus elementos constituintes, sendo utilizada, ao longo da história, uma variedade de termos e conceitos para nomear e descrever esse objeto (Galheigo et al., 2018; Figueiredo et al., 2020). Essa caracterização incluiu também a incorporação de diferentes paradigmas, filosofias, quadros de referência, abordagens e modelos que buscavam relacionar esse objeto à prática profissional (Cruz, 2023). Conforme apontam Galheigo et al. (2018):
Quando nomeamos, conceituamos e transmitimos uma mensagem, isso reflete, expressa e define o que e como fazemos algo. Assim, a escolha dos termos e seus sentidos e significados em terapia Ocupacional são importantes para a própria constituição do campo teórico e sua aplicação prática, ou, ainda, sua produção prática com delineamento teórico. Desta forma, compreende-se a estrita complementaridade intrínseca entre saber e fazer para a profissão. Galheigo et al. (2018, p. 997).
Na prática profissional, o objeto de intervenção manifesta-se por meio de termos e conceitos atribuídos e significados pelos próprios profissionais para referirem-se a sua atuação. De acordo com Barros (2016), os termos são as palavras que designam uma expressão à qual os conceitos podem estar vinculados, compondo o vocabulário de uma determinada profissão. Já o conceito refere-se a uma ideia evocada a partir dos termos ou de uma expressão verbal, sendo operacionalizado sistematicamente no campo de saber específico. Para Poellnitz (2018), reconhecer essa pluralidade de nomeações e conceituações na terapia ocupacional brasileira possibilita identificar diferentes perspectivas dos profissionais, os referenciais teórico-metodológicos que fundamentam e sustentam seu “pensar-fazer” e os termos e conceitos que empregam nos seus diferentes cenários de prática.
No Brasil, as discussões sobre o objeto de trabalho da profissão concentram-se, sobretudo, em pesquisas pautadas em estudos bibliográficos (Lima et al., 2011; Costa et al., 2013), ensaios (Magalhães, 2013; Cardinalli & Silva, 2021), discussões conceituais (Lima et al., 2013; Cruz, 2018), revisões sistemáticas (Salles & Matsukura, 2016) e revisões de escopo (Figueiredo et al., 2020). Esses trabalhos são realizados principalmente por docentes e pesquisadores de instituições acadêmicas das regiões Sudeste e Sul do país (Lopes et al., 2016) e, em sua maioria, propõem-se a discutir o uso e as definições dos termos e conceitos empregados na terapia ocupacional.
Poellnitz (2018) destaca que termos e conceitos são elementos fundamentais para a nomeação e expressão de determinado objeto de estudo, pois constituem ferramentas essenciais de comunicação e unidades de conhecimento. Segundo essa autora, diferentes profissionais utilizam conceitos que carregam suas ideias e visões de mundo, permitindo sua compreensão por pares, sendo esses conceitos emitidos e evocados por meio dos termos que lhes atribuem significado e essência.
Embora a literatura brasileira aborde as terminologias empregadas na profissão, observa-se uma produção escassa sobre como terapeutas ocupacionais de diferentes cenários de prática, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nomeiam, descrevem e compreendem o objeto de trabalho da terapia ocupacional considerando suas vivências e saberes locais.
Para De Assis & Pinto (2010), difundir e formalizar essas experiências práticas de outros territórios pode facilitar a compreensão da terapia ocupacional pelo público em geral e entre os próprios profissionais, ao criar parâmetros que favoreçam discussões e avaliações críticas sobre “o que fazem” e “para quê” em seus diferentes campos de intervenção.
Ao considerar as especificidades da região Nordeste, elemento central desta pesquisa, constata-se a ausência de estudos que abordem como os profissionais dessa região produzem e descrevem suas perspectivas e compreensões sobre esse objeto em comparação outras regiões do Brasil. Vines-Caro (2018) problematiza a valorização e validação de uma única perspectiva longitudinal na terapia ocupacional, alertando para o risco de gerar um abismo epistemológico dentro da profissão, aprofundando tensões entre os saberes regionais e dificultando o diálogo entre os profissionais.
Como reflete Feriotti (2017), reconhecer perspectivas, referenciais, modelos e abordagens de outras regiões do Brasil, que expressam modos diversos de compreender o objeto de trabalho da terapia ocupacional, pode fortalecer a identidade profissional e ampliar o reconhecimento desses profissionais no cenário nacional, diante de novos paradigmas e desafios emergentes na profissão.
Este estudo objetivou identificar como terapeutas ocupacionais da região Nordeste, atuantes em diferentes campos, descrevem o objeto de intervenção da terapia ocupacional. Especificamente, buscou-se identificar os elementos que influenciam a constituição desse objeto, os termos utilizados para nomeá-lo, bem com suas especificidades e os referenciais teórico-metodológicos associados.
Método
Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza exploratória, realizado em ambiente virtual através da plataforma Google Forms, entre setembro e novembro de 2022, com 33 profissionais terapeutas ocupacionais, homens e mulheres cisgêneros autoidentificados, provenientes de diversos campos de intervenção profissional na região Nordeste do Brasil, com atuação em instituições públicas, privadas ou em trabalho autônomo e com, no mínimo, um ano de formação graduada. Foram excluídos profissionais docentes de cursos de graduação em terapia ocupacional, por constituírem um grupo cuja definição do objeto profissional é influenciada pela prática do ensino e pela pesquisa acadêmica. O número de participantes foi definido pelo critério de saturação teórica, sendo interrompido quando se verificou a regularidade e a redundância nas concepções e nos sentidos atribuídos nas respostas.
Coleta de dados
Os dados foram coletados por meio de um questionário semiestruturado elaborado na plataforma Google Forms, composto por 18 questões que englobaram a caracterização sociodemográfica e a formação acadêmica/profissional; compreensões sobre o objeto de trabalho da terapia ocupacional: objetivos, especificidades e competências da profissão; bem como sobre os referenciais teóricos-metodológicos utilizados para orientar as intervenções realizadas.
Visando colaborar para a estruturação das perguntas e a sistematização do conteúdo abordado, o questionário foi submetido a um pré-teste com cinco terapeutas ocupacionais com atuação prática em outra região do Brasil. Esses profissionais foram orientados a analisar a clareza e a objetividade das perguntas, a estruturação do questionário, o tempo de preenchimento e o modelo adotado.
A fim de alcançar um público-alvo maior, a pesquisa foi divulgada na Internet (posts do Instagram e grupos de WhatsApp com a presença de terapeutas ocupacionais) e nos websites dos Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITOs) da região Nordeste. As mensagens enviadas continham a apresentação da pesquisa e o link de acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com o questionário online.
O estudo seguiu os preceitos éticos da resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), e foi iniciado após sua submissão e aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com parecer de aprovação número 5.452.606. Outrossim, a fim de salvaguardar a identidade e anonimato dos participantes, foi sugerido o uso de codinomes nas respostas.
Análise de dados
Os dados foram analisados com base na Análise de Conteúdo de Bardin, utilizando a técnica de análise temática. As respostas foram tratadas por meio de distribuição e categorização, permitindo, pela frequência de aparição, identificar os núcleos de sentido (temas), que foram posteriormente agrupados, sistematizados e analisados (Bardin, 2016).
Resultados e Discussão
Caracterização das(os) participantes e atuação profissional
A maioria das(os) profissionais respondentes foi de mulheres cisgêneras (76%, n=25), com prevalência de cor branca (55%, n=18). A média da faixa etária foi de 37 anos, com mínima de 23 e máxima de 56 anos, sendo a maior parcela (39%, n=13) entre 31 e 40 anos (Tabela 1).
Constatou-se uma variedade de locais de prática profissional (Tabela 1), destacando-se o serviço público, que inclui os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) e concentra a maior proporção de terapeutas ocupacionais (58%, n=19). Entre esses, 27% (n=9) relataram exercer também a função de preceptor(a) em programas de residência multiprofissional.
Foram mencionadas também diversas áreas de atuação profissional (Tabela 1), com destaque para Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria (45%, n=15), Contexto Hospitalar (30%, n=10) e Saúde Mental e Reabilitação Neurológica e Cognitiva, ambas com 21% (n=7). No contexto hospitalar, em razão da diversidade de setores, os seguintes subcampos de atuação foram relatados: ambulatórios (15%, n=5), enfermarias e Unidades de Terapia Intensiva (UTI) (12%, n=4), e apenas um respondente indicou atuação em cuidados paliativos e Serviço de Atenção Domiciliar (SAD-SUS). Do total, 55% (n=18) das(os) profissionais informaram atuar em uma área de intervenção, 36% (n=12) em duas áreas e apenas 9% (n=3) em três ou mais áreas.
Diante desses variados cenários de prática e áreas de atuação, as(os) profissionais descreveram diferentes intervenções em consonância com o público em questão (Tabela 2).
A maioria dessas ações também constava da Lista de Procedimentos da Terapia Ocupacional (LPTO), elaborada pela Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais (ABRATO) e publicada pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Brasil, 2007).
É pertinente apontar que essa diversidade de cenários de prática e áreas de atuação presentes no dia a dia das(os) profissionais refletiam na maneira pela qual descreviam seu objeto profissional. Foi observado que, dependendo do campo de prática e da área de atuação, as(os) profissionais recorriam a um discurso generalista, comum às diversas profissões da área da saúde, para constituir seu objeto de trabalho. Por outro lado, outras(os) profissionais o definiam a partir de uma perspectiva mais específica da atuação profissional, destacando a competência e o papel da terapia ocupacional em relação às demais profissões:
Facilitar o cotidiano das pessoas ajudando-as a realizar o que desejam, mas, estão com alguma limitação seja física, psíquica ou cognitiva (Nina – atuação na Saúde Mental e Contexto Hospitalar).
Profissional que utiliza a ocupação humana como ferramenta para recuperar função (Júnior – atuação no Contexto Hospitalar).
Dados acerca da formação acadêmica, expressos na Tabela 1, mostram que 79% (n=26) se graduaram em instituições públicas, sendo apenas uma profissional formada em instituição de ensino fora da região Nordeste. Em relação à educação continuada das(os) profissionais em cursos de pós-graduação, a maior porcentagem foi de cursos lato sensu, especialização/aprimoramento (79%, n=26), seguido de residência multiprofissional (30%, n=10), e cursos stricto sensu, como mestrado 21% (n=7) e doutorado 6% (n=2). Mais da metade (58%, n=19) relatou ainda ter experiência em docência e/ou supervisão de estágio durante algum momento da trajetória profissional.
A média do tempo de conclusão da graduação em terapia ocupacional foi de oito anos. Entre as(os) participantes 42% (n=14) tinham entre 11 e 20 anos de experiência (Tabela 1). Contudo, mesmo com a maior parcela de terapeutas ocupacionais com tempo considerável de experiência, os dados demonstraram um número reduzido de profissionais voltadas(os) a cursos de pós-graduação stricto sensu (n=9). Essa constatação pode ser explicada, em parte, pelo próprio público-alvo da pesquisa, que busca, através de cursos lato sensu, subsídios ferramentais (técnicas, procedimentos, abordagens) para serem agregados a sua atuação prática, o que não ocorre por meio dos cursos stricto sensu, sobretudo os programas acadêmicos com foco na pesquisa e na docência.
Referente ainda a formação continuada, as(os) profissionais relataram diversos cursos de especialização/aprimoramento que realizaram durante sua carreira profissional, como Análise Comportamental Aplicada (ABA), Modelo Denver, Psicomotricidade etc. No entanto, é sabido que tais cursos frequentemente discorrem sobre objetos de estudo e conhecimentos de outras profissões que, em suas disciplinas, não englobam os saberes do campo da terapia ocupacional ou mesmo do objeto de trabalho dessa profissão; com exceção de alguns programas de residência multiprofissional que contemplam essa especificidade. Algumas/alguns participantes do estudo, inclusive, descreveram finalidades comuns a outros grupos profissionais, sem especificar o atributo da terapia ocupacional.
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Pergunta 2 do questionário: Quais são seus objetivos terapêutico-ocupacionais?
Favorecer que ele (paciente) acredite em seu potencial, facilitar momentos de esperança e superação (Nina – atuação na Saúde Mental e Contexto Hospitalar).
Reabilitação intelectual (Erivânia Vieira – atuação na Reabilitação Neurológica e Cognitiva).
Atingir marcos do desenvolvimento e ou ser mais próximo disso em sua evolução (Helen – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Diante dessa perspectiva, Yerxa (2017) destaca que a primeira causa das crises identitárias no campo da terapia ocupacional foi justamente a ramificação em especialidades associadas, que afastavam o conjunto de conhecimentos relacionados aos fundamentos da profissão. Essa autora sustenta, ainda, que esses saberes podem ser compreendidos e incorporados erroneamente pelos profissionais, podendo refletir na compreensão do seu objeto profissional e em sua incorporação na intervenção prática. Para Turner & Knight (2015), dificuldades identitárias também podem estar presentes no uso de práticas e termos genéricos que não denotam a real finalidade e a função social da terapia ocupacional.
Os dados deste estudo evidenciam diversos fatores que podem influenciar a concepção e a compreensão do objeto profissional da terapia ocupacional. Os variados cenários de prática, as áreas de atuação profissional e o percurso formativo das(os) profissionais parecem contribuir para estruturação de uma noção desse objeto, que se configura a partir desses elementos e repercute no pensar-fazer profissional. Todavia, vale salientar que esta pesquisa utilizou um recorte amostral delimitado, o que impossibilita a generalização e confirmação dos achados, limitando-se a apontar fatores que podem influenciar a concepção desse objeto profissional.
O papel da terapia ocupacional
Foi questionado aos participantes da pesquisa como explicam o que é terapia ocupacional para outros profissionais e para o público com o qual atuam. Essa pergunta buscou identificar, nas explicações apresentadas pelas(os) profissionais, a definição e a compreensão do objeto profissional da terapia ocupacional. Os dados demonstraram que a maioria das(os) profissionais (n=25) recorreu à finalidade das intervenções realizadas, ou seja, ao “para quê” de suas ações (o que buscam alcançar), para definir seu objeto profissional. As(os) terapeutas ocupacionais destacaram, em relação aos dois grupos supracitados, o mesmo conjunto de argumentações, empregando exemplificações da atuação prática, termos e conceitos do jargão profissional, além dos métodos utilizados. Contudo, quando as explicações foram direcionadas ao público atendido, 16 profissionais incluíram mais elementos conceituais e exemplos da atuação prática, buscando descrever de forma mais detalhada o propósito da sua atuação profissional.
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Explicações ao público atendido:
Foco do trabalho é sempre relacionado às atividades que são importantes para você, que você precisa fazer ou que terceiros esperam que você faça (Pessoa – atuação na Gerontologia/Saúde do Idoso).
Te ajudo a ser independente em suas atividades presentes em sua rotina, desde a hora em que você acorda, até a hora de dormir (Fábio – atuação na Reabilitação Física/Saúde Física e Funcional).
Sou a tia ..., Terapeuta Ocupacional, que vou lhe ajudar a não depender de outras pessoas para realizar suas próprias ocupações e juntamente com você desenvolver habilidades desejadas e eficaz para melhorar seu dia a dia (Souza – atuação na Saúde da Família e Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Explicações direcionadas aos outros profissionais de saúde:
Que é através da análise do desempenho e da atividade que o T.O trabalha, a fim de reabilitação/estimular a independência e autonomia nas AVDs e AIVDs (Joaninha – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Realizo reabilitação de pacientes que, por algum motivo da sequela neurológica, apresenta dificuldades de realizar suas ocupações de forma independente (Fábio – atuação na Reabilitação Física/Saúde Física e Funcional).
Tenho por finalidade habilitar/reabilitar o indivíduo para desempenhar suas atividades de vida diária [...] levando-o a autonomia e independência nas suas atividades de vida diária e vida prática (Souza – atuação na Saúde da Família e Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Percebeu-se no discurso das(os) terapeutas ocupacionais participantes deste estudo a presença de diversos elementos (finalidade, métodos utilizados, ações realizadas) para constituir o objeto de trabalho da profissão. Essa constatação é discutida por Feriotti (2017) ao considerar que um mesmo objeto profissional pode ser multifacetado sob diferentes pontos de vista, por conta dos contextos que os profissionais o explicam, as demandas assistenciais voltadas à prática e a produção de conhecimento.
No discurso direcionado ao público, observou-se que as(os) profissionais se propuseram a valorizar as experiências ocupacionais vivenciadas pelos indivíduos em seus contextos, como uma tentativa de aproximar a intervenção terapêutico-ocupacional das diversas realidades e ocupações do público atendido; evidenciada pelos diversos exemplos de atividades do dia a dia e o olhar específico da terapia ocupacional sobre elas (Marcolino, 2017).
Não obstante, embora as(os) profissionais se utilizem e valorizem essa narrativa, sua comunicação para os demais profissionais da equipe parece se sustentar em um discurso generalista, que suprime a complexidade da experiência humana nas suas ocupações, pautado na descrição de objetivos terapêuticos específicos, métodos, técnicas e procedimentos, o que sugere uma necessidade de diferenciar e validar sua prática em relação às demais profissões (Marcolino, 2017).
Embora se reconheça o destaque de determinados elementos presentes no discurso direcionado tanto ao público atendido quanto aos demais profissionais da equipe, em ambos os grupos, ressaltar a finalidade do objeto de trabalho da terapia ocupacional parece favorecer maior clareza sobre a função social do seu fazer profissional (Caniglia, 2005).
A constituição do objeto profissional
Conforme apontado anteriormente, a maioria das(os) terapeutas ocupacionais relataram realizar intervenções direcionadas a alguma finalidade, ou seja, ao “para que fazem”. Para Caniglia (2005), a finalidade da profissão reflete na própria concepção do objeto profissional, à medida que expressa sua especificidade e identidade, não podendo a mesma finalidade coexistir entre diferentes profissões, assim como o objeto profissional.
Para tanto, as(os) profissionais utilizaram-se da articulação de dois elementos-chave para constituírem esse objeto: o seu papel profissional (o que fazem), associado geralmente a um verbo; e a finalidade da sua intervenção per si (para quê).
No que diz respeito ao papel do profissional, foram mencionados, ao todo, 31 verbos para descrever “o que fazem” enquanto terapeutas ocupacionais. Entre a diversidade de verbos, três foram os mais citados: melhorar (n=6), favorecer (n=5) e estimular (n=3). A maioria das(os) terapeutas ocupacionais relatou realizar intervenções com alguma finalidade:
Melhorar o desempenho do paciente em suas ocupações (Belo – atuação no Contexto Hospitalar e Reabilitação Física/Saúde Física e Funcional).
Favorecer componentes de desempenho proporcionando melhor desempenho de seus papéis ocupacionais (Nandica – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Estimular maior participação dentro do repertório ocupacional (AVDs, brincar, educação e participação social) que envolve o ciclo de vida. Dentre outras atuações (Beija-flor – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Por outro lado, outras(os) profissionais não destacaram, em suas falas, o propósito de suas ações:
Desenvolvimento, evolução, vencer barreiras sociais etc. (Maya – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Autonomia e independência (Vanderlei – atuação na Saúde Mental).
Independência e Qualidade de vida (Júlia – atuação no Contexto Hospitalar e Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Entre as diversas finalidades descritas, foram observadas algumas que convergem com a especificidade e o papel social da terapia ocupacional:
Facilitar o engajamento em suas ocupações e atividades diárias e favorecer maior autonomia no desempenho das mesmas (Xon – atuação na Saúde Mental e Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
Melhorar e/ ou manter a funcionalidade do indivíduo, focando na participação nas ocupações humanas (Pessoa – atuação na Gerontologia/Saúde do Idoso).
Potencializar a participação do sujeito nas atividades do cotidiano (Estrela – atuação no Contexto Escolar e Social).
E outras com finalidades de cunho generalista, compartilhadas entre os diversos profissionais da saúde:
[...] empoderar o paciente no seu processo de saúde (Jhon – atuação no Contexto Hospitalar).
Autonomia na fase adulta (Borboleta – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
[...] socialização; conscientização da importância da Prevenção e Promoção da Saúde (Silva1 – Atuação na Saúde da Família).
Referente aos discursos voltados a finalidades em comuns a outras profissões da área da saúde, Medeiros (2010), ao analisar a situação da terapia ocupacional nos sistemas das ciências, descreve que o objeto de estudo da profissão aproxima-se daquele de diversas outras categorias. Tal constatação pode ser explicada pelo próprio desenvolvimento da terapia ocupacional, que, segundo Machado (1991 como se cita em Castelo Branco, 2003, p. 18), “não nasceu de terapeutas ocupacionais, e sim de outros profissionais como médicos, enfermeiros e assistentes sociais”. Nesse sentido, o objeto profissional da terapia ocupacional foi influenciado pela proximidade com objetos de trabalho já pertencentes a outras profissões (Caniglia, 2005).
Problemáticas relacionadas ao enfoque em finalidades comuns, pautadas em ações generalistas, são expressas, por exemplo, nos estudos de Onório et al. (2018) e Marques et al. (2021), que destacam as dificuldades enfrentadas pelas demais profissões da saúde para reconhecer e legitimar o papel do terapeuta ocupacional dentro da equipe, por conta do afastamento de algumas intervenções em relação ao objeto de trabalho específico da profissão.
Essas(es) profissionais utilizam também uma variedade de termos para nomear e caracterizar a finalidade (objeto profissional) de sua intervenção, tais como atividade (cotidiana, de vida diária e instrumentais de vida diária), ocupação (humana, desempenho, engajamento e repertório), bem como expressões como “processo de saúde” e “socialização” (Figura 1). Assim como na literatura vigente, os termos mais citados pelas(os) participantes deste estudo também foram voltados às palavras “atividade e ocupação”.
Constituição do objeto profissional segundo as(os) profissionais. Fonte: Elaboração própria (2023). *apenas 1 citação. **Ocupação e termos associados.
Contudo, ao considerar a palavra “ocupação” e seus termos associados, esta apareceu na descrição de 14 finalidades apresentadas pelas(os) profissionais (Figura 1), o que não condiz com os achados da literatura brasileira, que aponta o termo “atividade” como o mais utilizado por terapeutas ocupacionais para se referirem ao seu objeto profissional (Lima et al., 2011; Poellnitz, 2018; Poellnitz et al., 2020; Salles & Matsukura, 2016; Figueiredo et al., 2020).
A nossa visão detalhista e individual do sujeito durante a execução de suas ocupações. Acredito que nenhum outro profissional de saúde consegue ter essa visão específica em seu cotidiano (DS – atuação na Saúde Mental).
O foco específico na ocupação (Oliveira – atuação no Contexto Hospitalar e Saúde da Família).
O foco na ocupação em todo o nosso fazer, o tempo inteiro, sem perder de vista o contexto (Pessoa – atuação na Gerontologia/Saúde do Idoso).
No contexto internacional, observa-se na literatura anglófona que o termo “ocupação” é amplamente utilizado para aludir ao objeto profissional da terapia ocupacional, além de ter sido utilizado na origem da profissão e por seus fundadores. Vale ressaltar que, nos países de língua inglesa, há uma normalização dos termos e conceitos empregados na terapia ocupacional (Constantinidis, 2012; Magalhães, 2013; Schliebener Tobar, 2020). Apesar disso, essa terminologia não é comum no Brasil.
Na terapia ocupacional brasileira, existe uma diversidade de termos utilizados para se referir ao objeto profissional. Conforme aponta a própria história da profissão, Lima et al. (2013) destaca que, a partir de determinado momento no desenvolvimento da área, o termo “atividade” se universalizou, sendo incorporado como objeto da profissão e fundamentando a teoria e a prática. Esse termo passou a abarcar questões relativas ao cotidiano, ao lazer e às atividades expressivas, criativas e produtivas. Essa preferência se explica pelo fato de o termo “ocupação” nunca ter sido aceito pelos terapeutas ocupacionais brasileiros, em razão da conotação de menor valor frequentemente associada a ele, por vezes relacionado à ideia de “ocupar o tempo livre”. Ainda assim, a palavra esteve presente na profissão desde o início de seu desenvolvimento no país (Poellnitz, 2018; Salles & Matsukura, 2016).
Para Poellnitz (2018), diversos elementos podem influenciar a utilização e a adoção de um determinado termo e sua bagagem conceitual: a identidade pessoal dos profissionais, sua atuação e trajetória prática, referenciais teóricos-metodológicos e perspectivas conceituais. Essa multiplicidade de termos para se referir ao objeto profissional pode ser entendida, também, pela expansão das áreas e campos de atuação da profissão, que buscavam maneiras de responder às novas demandas impostas à profissão (Lima et al., 2013).
Embora compreenda-se a relevância da definição do objeto profissional descrito pelas(os) terapeutas ocupacionais a partir dos conceitos atrelados aos termos atividade, ocupação, processo de saúde e socialização, os dados desta pesquisa não possibilitaram identificar conceitos pré-estabelecidos, ou mesmo os motivos que implicaram na adesão de determinados termos. Por meio deste estudo, foi possível identificar os termos mais utilizados para se referir ao objeto profissional, bem como as circunstâncias que podem influenciar a sua escolha. Partindo desse pressuposto, torna-se necessária a realização estudos futuros no contexto da região Nordeste do Brasil, com o objetivo de identificar os conceitos associados aos termos utilizados pelas(os) terapeutas ocupacionais desse território.
Especificidades e referenciais teórico-metodológicos e práticos associados
Um aspecto específico destacado por 36% (n=12) das(os) terapeutas ocupacionais referente ao objeto de trabalho da terapia ocupacional foi o caráter holístico da profissão, sendo descrito como um aspecto identitário e intrínseco.
Ser uma profissão que “ver” o indivíduo de forma integral [...] e não por partes, como as outras profissões que subtraem o usuário em partes do tratamento (Souza - atuação na Saúde da Família e Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
É uma profissão que avalia o indivíduo de uma forma holística, dentro de diferentes contextos e áreas de desempenho, que permite o indivíduo ser independente (Silva1- Atuação na Saúde da Família).
O terapeuta Ocupacional tem uma visão mais global do paciente, do ambiente e das interações e repercussões entre eles. Este profissional tem a sensibilidade de perceber nuances e detalhes da rotina, da queixa e de como melhorar o contexto que está interferindo no bem-estar, autonomia e independência deste paciente que na maioria das vezes passa despercebido para outros profissionais (Nina - atuação na Saúde Mental e Contexto Hospitalar).
Morrison (2021) destaca que esse olhar holístico presente na terapia ocupacional tem raízes históricas na profissão. Para esse autor, a primeira geração de profissionais se fundamentou em uma premissa que buscava compreender como as doenças que afetavam uma parte do corpo repercutiam no desempenho ocupacional, na saúde e no bem-estar das pessoas. Isso demonstrou que poderia haver uma indissociabilidade entre corpo e mente, o que suscitou reflexões referentes à participação em ocupações. Esses preceitos colaboraram para o desenvolvimento de uma perspectiva que passou a reconhecer não somente aspectos voltados às funções e estruturas corporais, mas também às características particulares e subjetivas do indivíduo, sua cultura, seus contextos e ambientes, o que foi também destacada nas falas das(os) profissionais participantes deste estudo.
Outra particularidade da terapia ocupacional, apontada por 24% (n=8) das(os) profissionais como um diferencial em relação às demais profissões, foram os “meios/métodos” utilizados na prática profissional. Isso foi destacado especialmente nos discursos dirigido aos demais profissionais da saúde, sendo mencionados: o uso da atividade como recurso terapêutico (n=5), a análise da atividade (n=2) e os “princípios cognitivos, emocionais, sociais e motores” (n=1). Infere-se que esses elementos podem ter sido relatados como uma tentativa de diferenciar a terapia ocupacional das demais profissões, com base nos meios utilizados durante a intervenção:
A TO busca, por meio da atividade, melhorar a capacidade do paciente em desempenhar com autonomia e independência suas ocupações (Belo – atuação no Contexto Hospitalar e Reabilitação Física/Saúde Física e Funcional).
A TO é responsável pelo engajamento ocupacional [...] utilizando como estratégia terapêutica a ciência ABA e noções da Integração Sensorial (Guerra – atuação no Desenvolvimento Infantil/Neuropediatria).
O uso da ocupação humana como ferramenta (Júnior – atuação no Contexto Hospitalar).
De acordo com Caniglia (2005), os meios não são os responsáveis pela especificidade de uma profissão. O “método/meios” é entendido como o processo pelo qual se produz o objeto profissional (finalidade). Diversas profissões da área da saúde utilizam os mesmos “meios”, mas não compartilham a mesma finalidade em sua atuação profissional. As(os) próprias(os) terapeutas ocupacionais participantes deste estudo, inclusive, não limitam suas práticas ao uso de atividades como recurso terapêutico, empregando abordagens como ABA, Bobath e diversas outras técnicas provenientes de outras áreas do conhecimento, com o objetivo de ampliar as possibilidades em suas intervenções.
No entanto, embora o uso de atividades como recurso terapêutico não seja de exclusividade dos terapeutas ocupacionais, o que confere a diferença do seu uso pela terapia ocupacional em relação às demais profissões da área da saúde, como também na educação e no contexto social, é o fato de a profissão ter as atividades humanas como objeto profissional e instrumento de trabalho. Na prática terapêutico-ocupacional, as atividades possuem uma configuração própria de uso (como meio/método ou finalidade), sendo compreendidas por meio da análise de suas partes constituintes e características intrínsecas, o que possibilita identificar seu potencial terapêutico-ocupacional na profissão (Medeiros, 2010; Feriotti, 2017).
Outro aspecto observado nos dados foi a alusão aos termos autonomia e independência como intrínsecos ao objeto de trabalho da terapia ocupacional, sendo destaque no discurso de 52% (n=17) das(os) profissionais. Medeiros (2000) descreve que as palavras “autonomia” e “independência” são confundidas como sendo objeto da terapia Ocupacional em detrimento do “fazer”. O uso indiscriminado desses termos reflete na dificuldade de comunicação, gera ambiguidade, e influencia tanto a percepção da profissão quanto a construção de conhecimento.
As terapeutas ocupacionais participantes deste estudo também foram questionadas(os) a respeito da utilização de algum referencial teórico-metodológico para orientar o raciocínio profissional (Tabela 3). A utilização desses modelos e/ou referenciais teóricos pode resultar na escolha de determinados pressupostos filosóficos, conceituais e técnico-científicos acerca do objeto profissional, que direcionam maneiras de atuar na prática (Medeiros, 2010; Cruz, 2023). Os referenciais informados foram agrupados em três categorias: centrados na ocupação (modelos de prática, Ciência Ocupacional, estrutura de prática); genéricos das profissões afins (abordagem centrada na família, cuidados paliativos, prática baseada em evidência etc.) e focados em técnicas correlatas (Análise do Comportamento Aplicada (ABA), Integração Sensorial de Ayres (ISA), Conceito Bobath, Neuromodulação, terapia orientada à tarefa). Do total de profissionais, 30% (n=10) utilizam apenas um referencial; 24% (n=8) utilizam dois referenciais; 39% (n=13) mais de três; e apenas 6% (n=2) informaram não utilizar nenhum.
Destaca-se que a maioria de referenciais norte-americanos pode ser justificada, conforme apontam Figueiredo et al. (2020), em razão da prevalência da influência das produções em língua inglesa sobre o uso do termo “ocupação” no território brasileiro. Benetton (1994) identifica que o “empréstimo de elementos teóricos, de métodos e de técnicas de diferentes áreas da ciência, para explicar, justificar e criticar fatos e situações da terapia ocupacional” no Brasil ocorre por causa da escassez de conhecimentos específicos em terapia ocupacional no país, embora perceba-se na literatura brasileira a existência de conhecimentos produzidos no território nacional, como o Método Terapia Ocupacional Dinâmica (MTOD), o Método Psicoterapia Ocupacional, a Terapia Ocupacional Social, a Terapia Ocupacional como Produção de Vida, embora pouco descritos pelas(os) profissionais neste estudo (Cardinalli, 2016; Galheigo et al., 2018), e o Modelo da Escavação (Furtado & Fischer, 2011).
Ressalta-se que alguns dos métodos e perspectivas citadas acima tiveram sua gênese na saúde mental, à qual pertencem apenas sete das(os) participantes deste estudo, e um no campo social. Apesar do Método Terapia Ocupacional Dinâmica compreender práticas voltadas ao desenvolvimento infantil, realizadas pela maioria das(os) terapeutas ocupacionais desta pesquisa, nenhum(a) mencionou esse método.
Nesse bojo, cabe destacar a importância de se investigar fatores regionais, influências norte-americanas e possíveis falhas institucionais na formação graduada e/ou pós-graduada dos terapeutas ocupacionais diante da construção, propagação e consolidação de conhecimentos em esfera nacional. Questiona-se, também, a existência de conhecimentos produzidos na terapia ocupacional brasileira no contexto infantil.
Identificou-se que a maioria das abordagens informadas eram voltadas ao campo interdisciplinar, no qual as(os) profissionais se especializaram através de cursos lato sensu. Contrapondo isso, a utilização de modelos e abordagens que contemplaram a ocupação como finalidade foi baixa, embora as(os) terapeutas ocupacionais a tenham descrito como parte da compreensão do objeto de trabalho da profissão.
Considerando que os conhecimentos específicos e o objeto de atuação são elementos que sustentam a identidade de uma profissão (Melo, 2015; Cardinalli, 2016; Yerxa, 2017), pode-se afirmar que a escolha por cursos correlatos à terapia ocupacional, ou seja, cursos que não contemplam os estudos sobre ocupação ou atividades, pode fragilizar a concepção dos profissionais em relação à sua função e identidade profissional.
Considerações Finais
Os dados desta pesquisa indicam que as(os) terapeutas ocupacionais que atuam na região Nordeste do Brasil descrevem o objeto profissional da terapia ocupacional com base na finalidade do seu papel profissional, em suas especificidades e nos referenciais teórico-metodológicos e práticos associados.
Constatou-se neste estudo que o termo ocupação foi o mais prevalente no discurso apresentado pela(os) profissionais, o que, embora esteja em consonância com a literatura em língua inglesa, não necessariamente se relacionava a referenciais teóricos-metodológicos e práticos centrados na ocupação. Isso evidencia a necessidade de maior organização e congruência nos referenciais utilizados, a fim de tornar o pensar-fazer profissional mais claro e sistematizado na prática.
No conjunto dos dados, a experiência da prática profissional parece funcionar como o principal substrato para que as(os) profissionais expliquem seu saber-fazer, tanto para os usuários quanto para os membros da equipe, desvelando a experiência ou o saber narrativo da prática como um elemento importante a ser investigado em estudos futuros.
Os diversos construtos ou conceitos-chaves informados, como o holismo, a autonomia e a independência, também parecem funcionar como elementos fundamentais para designar a finalidade das ações realizadas pelas(os) terapeutas ocupacionais, constituindo-se como mecanismos de compreensão para uma alusão mais refinada ao objeto profissional.
Esta pesquisa não teve como objetivo buscar termos utilizados na profissão, como é recorrente na literatura em terapia ocupacional, mas sim compreender os diferentes elementos que constituem o objeto profissional. Contudo, considera-se que a ausência de mais elementos para corroborar os achados pode representar uma limitação do instrumento de coleta de dados utilizado (formulário Google Forms), o que possivelmente dificultou a exploração mais aprofundada da temática.
Ressalta-se, com esta pesquisa, que parece ser primordial buscar formas de “explicar” o objeto profissional no contexto nordestino. Ademais, foram oferecidas pistas para delinear o tema, indicando a necessidade de novos estudos que aprofundem a experiência das(os) terapeutas ocupacionais em relação ao seu objeto de trabalho e aos diferentes níveis teóricos que o informam e fundamentam.
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Como citar:
França, E. V. S., Gontijo, D. T., Santos, L. C., & Correia, R. L. (2025). Terapia ocupacional e objeto profissional: concepções teórico-práticas de profissionais no nordeste brasileiro. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3753. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO289437531
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Editado por
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Editora de seção
Profa. Dra. Ana Paula Serrata Malfitano
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
01 Fev 2024 -
Revisado
21 Fev 2024 -
Revisado
14 Jun 2024 -
Aceito
18 Jul 2024


