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Retratos, relatos e impressões de crianças moradoras da periferia de São Paulo sobre a cidade1 1 Artigo resultante de Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade de São Paulo, Brasil, intitulada “Retratos, relatos e impressões de crianças moradoras da periferia de São Paulo por meio de fotovoz”. ,2 2 Aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da USP sob número 368/15 e da Secretaria de Saúde de São Paulo, sob número 1386718.

Resumo

Crianças em situação de vulnerabilidade representam o grupo social mais exposto a constrangimentos que dificultam a tarefa de conhecer e pertencer à cidade onde moram. O objetivo desta pesquisa foi conhecer e compreender as percepções de crianças vivendo em condições complexas de vulnerabilidades, residentes na periferia, acerca de seu território na cidade de São Paulo, assim como identificar as relações por elas estabelecidas com esses espaços. Tratou-se de uma pesquisa participativa, de caráter colaborativo, por meio do fotovoz. Foram realizados sete encontros com um grupo de cinco crianças entre 08 e 10 anos de idade em acompanhamento em um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSij). As narrativas verbais e visuais passaram por análise temática em diálogo com diário de campo da pesquisadora, que resultou nas seguintes categorias: (1) Corpo: experimentando a si mesmo e constituindo um grupo; (2) CAPSij: revisitando pela fotografia um espaço conhecido; (3) O território como lugar de desejo e consumo; (4) Percursos cotidianos e histórias de vida no território físico e existencial e; (5) As sutilezas em meio ao concreto da cidade: território e natureza. A pesquisa revelou que as crianças têm um olhar detalhado e crítico sobre seus espaços de circulação e pelas relações estabelecidas com o território. Olhar este permeado por suas singularidades de vida, atento ao belo e à delicadeza da natureza em meio ao concreto cinza da cidade, dialogando constantemente com as culturas de massa e os valores sociais hegemônicos.

Palavras-chave:
Criança; Participação Social; Vulnerabilidade Social; Cultura

Abstract

Children in vulnerable conditions represent the social group most exposed to constraints that make it difficult to know and belong to the city where they live. The objective of this research was to know and understand the perceptions of children living in complex vulnerable conditions, living in the periphery, about their neighborhood in the city of São Paulo, as well as to identify the relations they establish with these spaces. It was collaborative participatory research through photovoice. Seven meetings were held with a group of five children between 08 and 10 years old, without severe mental disorders, being followed up at a Child and Adolescent Psychosocial Care Center (CAPSij). The verbal and visual narratives underwent a thematic analysis in dialogue with the researcher's field diary, which resulted in the following categories: (1) Body: experimenting with oneself and forming a group, (2) CAPSij: revisiting a known space through photography, (3) The territory as a place of desire and consumption, (4) Everyday life paths and life histories at a physical and existential territory and (5) The subtleties amidst the concrete of the city: territory and nature. The research revealed that children have a detailed and critical view of their spaces of circulation and their relationships with them. A view permeated by their singularities of life, attending to the beautiful and the subtlety of nature amid the gray concrete of the city, constantly dialoguing with mass cultures and hegemonic social values.

Keywords:
Childhood; Occupational Therapy; Social Participation; Social Vulnerability; Culture

Introdução

A vida nas cidades e a dinâmica das relações sociais nela implicada se tornam especialmente desafiadoras na medida em que a convivência necessita de constante negociação de conflitos e estabelecimento de consensos que articulem o direito à circulação, as liberdades individuais e coletivas e o respeito ao outro. É sobre esta base de tensão que a convivência social nas comunidades usualmente se dá, o que aponta para a importância de um entendimento sobre como acontece o aprender a estar, conviver e participar nos espaços coletivos (Castro, 2001aCaso, D. (2011). Photovoice: una metodologia partecipativa per promuovere il cambiamento nella comunità: un'esperienza con adolescenti. Psicologia Dicomunità, 2, 181-192.).

Neste palco da cidade, os territórios de vida, mais do que espaços geográficos, devem ser entendidos como os lugares da existência humana particular, no qual nos sentimos confortáveis (Takeiti, 2014Takeiti, B. A. (2014). Juventudes, subjetivação e violências: inventando modos de existência no contemporâneo (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.). Um lugar “construído historicamente e com relações socioeconômicas e culturais a desvendar (...) [onde] pode-se observar diferentes maneiras de existir, sonhar, viver, trabalhar e realizar todas as trocas sociais possíveis” (Oliver et al., 1999Oliveira, F., & Tebet, G. G. C. (2010). Cultura da infância: brincar, desenho e pensamento. In A. Abramowicz & A. B. Moruzzi (Orgs.), O plural da infância: aportes da sociologia (pp. 32-46). São Carlos: EDUFSCar., p. 5). Assim, a vida social é pautada por processos de trocas e intercâmbios, particularmente de mensagens, afetos e bens. A dinâmica relacional que envolve os atores sociais – homens, mulheres, idosos, jovens e crianças – pressupõe um valor pré-atribuído, isto é, um poder contratual (Kinoshita, 1996Horton, J., Christensen, P., Kraftl, P., & Hadfield-Hill, S. (2014). ‘Walking … just walking’: how children and young people’s everyday pedestrian practices matter. Social & Cultural Geography, 15(1), 94-115. http://dx.doi.org/10.1080/14649365.2013.864782.
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).

A presença das crianças na cidade se dá com base em suas condições concretas de vida, as quais podem dificultar sua circulação e apropriação da diversidade de experiências que a cidade propicia. A restrição da circulação de crianças aos espaços de aprendizagem e proteção, por exemplo, ilustram a atual situação desse grupo geracional, que se vê desprovido de uma posição ulterior de participação e responsabilidade social (Castro, 2001aCaso, D. (2011). Photovoice: una metodologia partecipativa per promuovere il cambiamento nella comunità: un'esperienza con adolescenti. Psicologia Dicomunità, 2, 181-192.).

No entanto, a cidade, diferentemente de outros locais do habitar da criança – como a escola, a família e os serviços sociais e de saúde – propicia uma inserção desses atores de forma menos determinada por papéis institucionais de subordinação pré-estabelecidos, como de aluno, filho ou paciente. Nas ruas da cidade, os papéis ocupados são de outra ordem. A discussão pública parece estar lutando contra uma ambiguidade da infância, presa entre duas imagens igualmente problemáticas: crianças em perigo e crianças perigosas. A primeira delas, crianças em perigo, evidencia os conceitos idealizados de inocência e vulnerabilidade. Por um lado, esta perspectiva destaca problemas sociais importantes, como a negligência, a pobreza e a insegurança; por outro lado, induz à necessidade de vigilância sobre as crianças, já que as atividades, antes rotineiras, como brincar nas ruas, são entendidas, cada vez mais, como arriscadas. A segunda imagem, a de crianças perigosas, as aborda “como uma ameaça a si mesmas, às outras e à sociedade como um todo” (Prout, 2010Pérez, B. C., Póvoa, J., Monteiro, R., & Castro, L. R. (2008). Cidadania e participação social: um estudo com crianças no Rio de Janeiro. Psicologia e Sociedade, 20(2), 181-191., p. 24). Sendo assim, são vistas como representação de supostos males da sociedade, como a criminalidade, que alimenta estratégias de controle social sobre as crianças (Prout, 2010Pérez, B. C., Póvoa, J., Monteiro, R., & Castro, L. R. (2008). Cidadania e participação social: um estudo com crianças no Rio de Janeiro. Psicologia e Sociedade, 20(2), 181-191.).

Mesmo que impossibilitadas de uma ação direta e efetiva sobre a cidade, crianças imprimem suas marcas na comunidade, ao problematizarem o mundo tal como ele é, ou ao vislumbrarem cursos diferentes de ação cotidiana. Crianças são protagonistas da vida em sociedade e foco das políticas sociais, motivo pelo qual excluí-las ou mantê-las à margem pode ser ilusório (Castro, 2001aCaso, D. (2011). Photovoice: una metodologia partecipativa per promuovere il cambiamento nella comunità: un'esperienza con adolescenti. Psicologia Dicomunità, 2, 181-192.).

À luz das ideias de Christensen (2010)Christensen, P. H. (2004). Children’sparticipation in ethnographic research: issues of power and representation. Children & Society, 18, 165-176. http://dx.doi.org/10.1002/chi.823.
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, a vida das crianças deve ser compreendida como uma construção que se dá com base em uma relação processual na qual a biografia pessoal, a geração e o crescimento estão interligados com o uso e o significado do ambiente físico onde circulam. Assim, no decorrer da vida, elas seguem realizando e entendendo suas histórias de vida em e a partir de localidades particulares.

Crianças edificam um conhecimento situado de seu ambiente local, cheio de significados pessoais e sociais, por meio de seu encontro diário. O conhecimento do lugar é acumulado e transformado durante a vida, por meio do habitar, do ser e do se modificar.

Casey (1996)Casey, E. (1996). How toget from space to place in a farly short stretchof time: phenomelogical prolegomena. In S. Feld & K. Basso (Eds.), Senses of place (pp. 13-47). Santa Fe: SAR Press. argumenta que estar no lugar significa que a pessoa se torna consciente de sua presença física no mundo. “Viver é viver localmente e conhecer é em primeiro lugar conhecer os lugares onde se está” (Casey, 1996Casey, E. (1996). How toget from space to place in a farly short stretchof time: phenomelogical prolegomena. In S. Feld & K. Basso (Eds.), Senses of place (pp. 13-47). Santa Fe: SAR Press., p. 18, tradução livre). É nesse sentido que as crianças circulam e ocupam lugares nas cidades.

Para tanto, a cidade, com suas imprevisibilidades, precisa ser conquistada pelas crianças; não se propõe aqui que a cidade mude sua estrutura, mas que as crianças participem enquanto cidadãos em sua diversidade contraditória. Como nas palavras de Castro (2001a)Caso, D. (2011). Photovoice: una metodologia partecipativa per promuovere il cambiamento nella comunità: un'esperienza con adolescenti. Psicologia Dicomunità, 2, 181-192.,

Às vezes atraente e, por vezes, estranha e sombria, que demanda ação sem que haja preparação e reflexão, mas com utilização de recursos subjetivos vários, conscientes ou não, visuais e outros (Castro, 2001aCaso, D. (2011). Photovoice: una metodologia partecipativa per promuovere il cambiamento nella comunità: un'esperienza con adolescenti. Psicologia Dicomunità, 2, 181-192., p. 115).

Essas questões são fundamentais para uma compreensão mais ampla da vida das crianças nas cidades contemporâneas (Christensen, 2010Christensen, P. H. (2004). Children’sparticipation in ethnographic research: issues of power and representation. Children & Society, 18, 165-176. http://dx.doi.org/10.1002/chi.823.
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).

Todavia, uma ressalva é fundamental: a participação do coletivo de crianças populares urbanas sob significativas condições de vulnerabilidade se encontra ainda mais limitada do que a participação daquelas integradas ao sistema social hegemônico (Luna, 2001Lal, S., Jarus, T., & Suto, M. J. (2012). A scoping review of the Photovoice method: implications for occupational therapy research. Canadian Journal of Occupational Therapy, 79(3), 181-190. http://dx.doi.org/10.2182/cjot.2012.79.3.8.
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). Sendo assim, é esse primeiro grupo que vive maiores dificuldades e impedimentos na tarefa de conhecer e participar da cidade onde moram.

Importante destacar que as escolas, os serviços sociais e de saúde, embora espaços que favorecem o desenvolvimento, a socialização e o cuidado das crianças, podem também atuar como dispositivos no controle da infância pobre. Esta foi a experiência da primeira autora ao trabalhar em um CAPS Infanto-juvenil, onde presenciou a frequência com que crianças com baixa adesão às atividades educativas e problemas familiares eram colocadas em uma posição de desvalia e descrédito social, sendo encaminhadas ao serviço de saúde mental.

Portanto, foi para essas crianças, expostas a uma série de vulnerabilidades e situações complexas de vida, inseridas em escolas da rede pública de ensino e acompanhadas em um serviço de saúde mental na periferia da cidade de São Paulo, que este estudo buscou dar voz. Assim, o objetivo deste artigo é apresentar as experiências e percepções dessas crianças acerca de sua circulação pelo território da cidade, assim como as relações por elas estabelecidas com esses espaços.

O estudo se construiu com base nas premissas da Sociologia da Infância, ou seja, de que crianças devem ser compreendidas

[...] na sua diferença com relação ao adulto, com ‘o outro’, na sua alteridade e pelo valor que têm em si mesmas, e não indiretamente ou passivamente por meio de outras categorias da sociedade, como a família ou a escola (Oliveira & Tebet, 2010Müller, F. (2007). Retratos da infância na cidade de Porto Alegre (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., p. 49).

Ademais, esta pesquisa foi realizada por terapeutas ocupacionais, que entendem e fazem uso em sua prática profissional da articulação entre cotidiano, brincar e cultura. O uso do fotovoz permitiu que a máquina fotográfica passasse a ser o brinquedo e as fotografias os registros da singularidade de cada criança e da cultura no cenário específico do estudo, contemplando expressões do brincar e do viver.

Metodologia

A pesquisa, de caráter participativo e colaborativo, utilizou o recurso metodológico do fotovoz (photovoice) – estratégia de pesquisa que faz uso de fotografias tiradas pelos participantes para incentivar grupos de discussão sobre as dificuldades e os recursos da comunidade (Caso, 2011). Diversos estudos (Rasmussen & Smidt, 2003Prout, A. (2010). Participação, políticas e as condições da infância em mudança. In F. Müller (Org.), Infância em perspectiva: políticas, pesquisas e instituições (pp. 21-41). São Paulo: Cortez.; Christensen, 2004Castro, L. R. (2002). A infância e seus destinos no contemporâneo. Psicologia em Revista, 8(11), 47-58.; Alderson, 2005Alderson, P. (2005). As crianças como pesquisadoras: os efeitos dos direitos de participação sobre a metodologia de pesquisa. Educação & Sociedade, 26(91), 419-442. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000200007.
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; Müller, 2007Müller, F. (2006). Infâncias nas vozes das crianças: culturas infantis, trabalho e resistência. Educação & Sociedade, 27(95), 553-573. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302006000200012.
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; Carvalho & Müller, 2010Carvalho, A. F., & Müller, F. (2010). Ética nas pesquisas com crianças: uma problematização necessária. In F. Müller (Ed.), Infância em perspectiva: políticas, pesquisas e instituições (pp. 65-84). São Paulo: Cortez.; Andonian, 2010Andonian, L. (2010). Community Participation of People with Mental Health Issues within an Urban Environment. Occupational Therapy in Mental Health, 26(4), 401-417. http://dx.doi.org/10.1080/0164212X.2010.518435.
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; Lal et al., 2012Kinoshita, R. T. (1996). A Reabilitação e a Contratualidade. In A. Pitta (Org.), A Reabilitação Psicossocial no Brasil (pp. 55-59). São Paulo: Hucitec.; Lynch & Stanley, 2017Luna, M. A. (2001). Apropriação da infância vulnerável. In Castro, L. R. (Org.), Crianças e jovens na construção da cultura (pp. 212-128). Rio de Janeiro: Nau/Faperj) têm apontado o potencial do uso da fotografia em pesquisas participativas com crianças.

Dessa maneira, a escolha metodológica buscou possibilitar às crianças do estudo a exploração e o diálogo sobre o território em que residem de modo participativo, valendo-se da fotografia como recurso para favorecer a imaginação, a reflexão e a construção das ideias. Os participantes foram cinco crianças, três meninos e duas meninas, com idades entre oito e dez anos de idade, inseridas em diferentes escolas públicas entre o 2º e o 4º ano do Ensino Fundamental e acompanhadas no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSij), na Zona Leste de São Paulo, onde a primeira autora trabalhava. O grupo foi selecionado com base na discussão com a equipe de profissionais do serviço de saúde, tendo em vista os seguintes critérios de inclusão: idade entre sete e onze anos, com situações complexas de vida e vulnerabilidade, ausência de diagnóstico de transtornos mentais severos e persistentes, residência no território delimitado e autonomia para circulação com o grupo de pesquisa (uma pesquisadora e uma assistente de pesquisa).

Dentre as cinco crianças participantes, duas delas estavam em situação de acolhimento institucional sem perspectiva de retomada do convívio familiar, outras duas moravam com família estendida sem relacionamento com os pais e uma das crianças morava com pais adotivos, ainda no processo para guarda definitiva. Todas haviam sido referenciadas para acompanhamento no serviço de saúde mental por dificuldades comportamentais importantes no contexto escolar e familiar, assim como questões emocionais e de aprendizagem.

Para a pesquisa de mestrado em questão, o recurso metodológico de escolha para a efetiva participação das crianças foi o fotovoz (photovoice), uma vez que pesquisar com crianças requer o uso de linguagens adequadas às formas de comunicação típicas da infância, o que aponta a potência do brincar para o diálogo com o público dessa faixa etária. A intenção é fazer uso de um recurso de pesquisa que possa ser considerado um brinquedo na intrínseca relação entre criança, cultura, cotidiano e brincar. Vale salientar o entendimento de brinquedo, não como

[...] definido por uma função precisa [pois] trata-se, antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras ou a princípios de utilização de uma outra natureza (Brougère, 2001Brougère, G. (2001). Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez., p. 13).

O projeto foi autorizado pelos Comitês de Ética da Faculdade de Medicina da USP, sob número 368/15, de 25/11/2015, e da Secretaria de Saúde de São Paulo, sob número 1386718, de 10/01/2016. Os responsáveis legais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e as crianças o Termo de Assentimento em participar da pesquisa. Para a preservação de suas identidades, seus nomes foram substituídos e seus rostos foram editados com o aplicativo Giffiti.

As crianças foram ativas na construção do processo de pesquisa, sugerindo lugares de sentido no território, fazendo perguntas significativas sobre seus papéis no decorrer do estudo e propondo ainda uma exposição final com uma sequência de fotografias escolhidas e reveladas. Foram realizados 9 encontros, a saber:

1º e 2º encontros: Apresentação da pesquisa para crianças e responsáveis. Solicitação do assentimento da criança e da autorização da família.

3º encontro: Oficina para aprendizagem do uso das máquinas fotográficas digitais (três vinculadas a telefones celulares). Realização colaborativa de mapa da comunidade com base em locais de interesse dos participantes. Foram assinaladas suas casas, instituições de acolhimento onde residiam dois participantes, escolas, parques, praças, metrôs e caminhos rotineiros. Os primeiros registros fotográficos foram no serviço de saúde para treino e aprimoramento da técnica de fotografar e para exercício de registrar as imagens de sentido pelas crianças.

4º, 5º e 6º encontros: Circulação por espaços selecionados previamente pelo grupo no mapa e por outros sugeridos no caminho para que as crianças registrassem em fotografia suas percepções do cotidiano e do lugar no qual vivem. Crianças se revezaram no posto de guia condutor do grupo, de forma a todas exercerem essa função e apresentarem suas percepções sobre seus lugares de escolha.

7º encontro: Seleção das fotos que seriam reveladas e discussão sobre a circulação pela cidade registrada em áudio.

8º encontro: Montagem de painéis individuais com as fotos reveladas e construção de narrativas conjuntas a partir das seleções de cada criança e diálogos no coletivo.

9º Exposição Nosso Mundo: exposição fotográfica organizada pelas crianças e realizada no CAPSij para as famílias, profissionais do serviço de saúde e comunidade.

Ao final de todo processo, foram realizados encontros com cada uma das crianças individualmente, gravados em áudio para complementação da análise do estudo, para a discussão do processo de trabalho e entrega das fotos reveladas, assim como escuta sobre a experiência vivida.

Assim, após o trabalho de investigação, como supõe a metodologia de pesquisa participativa, a partir das transcrições das gravações em áudio dos encontros e dos registros em Diário de Campo da pesquisadora, em consonância com as fotografias tiradas por todas as crianças, foi feita a tematização e a reflexão crítica sobre os fatos pesquisados e sua elaboração teórica. Procedeu-se, então, à análise temática do material verbal e imagético, como propõe Minayo (1999)Lynch, H., & Stanley, M. (2017). Beyond words: Using qualitative video methods for researching occupation with young children. OTJR: Occupation, Participation and Health, 38(1), 56-66. http://dx.doi.org/10.1177/1539449217718504.
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. Com o material analisado em convergências, divergências e tendências, foi possível identificar e classificar 5 cinco categorias temáticas que se alinham com os percursos vividos na pesquisa.

Resultados

Durante os encontros de circulação pelo território para realização dos registros fotográficos, foi possível perceber como o grupo traçou um percurso comum, com muitas identificações relacionadas ao território, ainda que com histórias de vida e relações singulares. De maneira geral, as crianças participantes compuseram espontaneamente um percurso diferente do traçado no mapa coletivo. Assim, as fotografias começaram por registros do corpo, seguidos de registros do CAPSij, para, enfim, chegar ao território.

Assim, foi construído um diagrama que ilustra como as crianças transitaram entre territórios corporais, físicos, midiáticos e de afeto em um contexto sobre a descoberta pela lente da câmera fotográfica na circulação pelos territórios da periferia em que residem (Figura 1). Vale salientar que a singularidade das crianças participantes perpassa por sua experiência pessoal, assim como pelos valores hegemônicos da cultura de massas; ambos os pontos retratados pelas flechas que cruzam a Figura 1.

Figura 1
“Nessas fotos tem meu mundo”: categorias temáticas.

A análise das fotografias e das transcrições das falas das crianças, complementadas pelos registros do diário de campo da pesquisadora, resultaram na identificação de cinco categorias temáticas, que se alinham com os percursos vividos na pesquisa, conforme descrição apresentada na metodologia e ilustradas na Figura 1, e que serão descritos a seguir.

  1. 1

    “Corpo: experimentando a si mesmo e constituindo um grupo”;

  2. 2

    “CAPSij: revisitando pela fotografia um espaço conhecido”;

  3. 3

    “O território como lugar de desejo e consumo”;

  4. 4

    “Percursos cotidianos e histórias de vida no território físico e existencial”; e

  5. 5

    “As sutilezas em meio ao concreto da cidade: território e natureza”.

Corpo: experimentando a si mesmo e constituindo um grupo

Depois dos combinados de pré-pesquisa e percursos delineados no mapa da comunidade, o grupo começou a colocar as ideias e sugestões do trabalho de campo em prática. Em nosso primeiro dia de registros com as máquinas fotográficas, no espaço do CAPSij – ponto de encontro –, começamos com a explicação sobre o uso dos equipamentos para as crianças. Algumas demonstraram muita familiaridade com a câmera, enquanto outras não tinham intimidade com as lentes, apresentando certa descoordenação entre as mãos que seguravam a máquina e o enquadramento da imagem que seria fotografada. Todavia, dados os diferentes tempos para aprender a fotografar e as diferentes intimidades ou não com a ação, o ponto em comum entre todos os participantes foi, após aprenderem a manipular a máquina, começarem espontaneamente por registros do próprio corpo e do corpo dos demais participantes. A fotografia foi se dando com uma composição em fragmentos, como quem descobre a si e ao outro aos poucos, em pedaços: pernas, pés, braços, rostos (Figura 2).

Figura 2
Dos pés ao CAPSij. Descrição: esquerda para a direita/superior para inferior – parte do próprio corpo por Giovana, selfie coletiva organizada pelo grupo por Paulo, montagem de quadros por Caio, sala de enfermagem por Sara.

CAPSij: revisitando pela fotografia um espaço conhecido.


Na continuidade dessa descoberta, as crianças passaram a fazer registros de seus rostos no modelo “selfie”, tanto individualmente quanto em grupo, compondo cenas e poses no coletivo que remetiam aos retratos do cotidiano adulto e do exposto em redes sociais virtual (Figura 2).

Lugares selecionados na unidade de saúde e pelo território foram fotografados com a presença do autor do registro em frente à lente da câmera, já que, como dito por alguns deles, era necessário que todos que vissem as fotografias soubessem que eles estavam em seus lugares escolhidos. Também pediram uns para os outros que registrassem fotos individuais em momentos específicos, como Paulo em suas poses de super-herói, Sara com os animais pela vizinhança e todos eles em seus espaços de circulação pelo território.

Nesse contexto, as crianças começaram os registros fotográficos experimentando e descobrindo seus próprios corpos como quem percebe seus detalhes, corpos em fragmentos, para depois perceber os outros participantes na mesma perspectiva. Na sequência, elas puderam se reconhecer compondo os territórios existenciais com registros marcados por “selfies”, nas quais as crianças individuais eram destaque na composição dos cenários, para, posteriormente, fotografarem o coletivo do grupo, constituído nesse processo, unido no modelo “selfie” em diversos espaços territoriais (Figura 2).

Como o primeiro encontro se deu em um dia chuvoso, o grupo optou por ficar no espaço da instituição para os registros iniciais, o que favoreceu o fato de as crianças escolherem lugares de sentido e referência dentro da própria unidade de saúde. Os participantes circularam livremente por mais de uma hora, por vezes agrupados, compondo cenas da rotina de atendimentos no CAPSij, por vezes sozinhos, registrando profissionais, lugares, brinquedos, espaços e, como disseram muitas vezes: coisas que gostamos e não gostamos daqui.

Uma das crianças montou combinações e cenários com quadros, brinquedos e objetos, o que inspirou as demais a fazer o mesmo em um clima de descontração. Colocaram quadros pelo chão, idealizaram composições com bonecos e fotografaram umas às outras, posando com personagens (Figura 2). Algumas falas foram disparadas durante esse processo de brincadeira compartilhada:

Esse boneco aqui é meu preferido; já que não posso levar ele pra casa, vou levar a foto. (Paulo)

Ei, tira uma foto dessa placa: Os brinquedos são de todos. É importante. (Sara)

Venham aqui, vamos todos tirar foto com esse guarda-chuva, tipo aquelas de capa de filme. (Sara)

As crianças ocuparam toda a unidade de saúde, registrando muitos dos espaços: brinquedoteca, recepção, cozinha, banheiros, quintal. Aproveitaram para descobrir lugares que não conheciam anteriormente, como a cozinha dos profissionais, e também para construir imagens fotográficas sob seus olhares e perspectivas (Figura 2):

Vou descobrir o que tem nessa cozinha agora e já mostro pra vocês na foto. (Sara)

Estou atrás da janela pra tirar uma foto que as pessoas saibam como eu vejo aqui quando entro. (Giovana)

Ainda no contexto CAPSij, as crianças se reuniram em uma brincadeira de fotógrafos jornalistas e começaram a buscar “denúncias de coisas que não gostam ou estão sem funcionar”, como falado por Sara quando um profissional da unidade indagou o que estavam fazendo. Fotografaram um pedaço do telhado do pátio destelhado, brinquedos bagunçados e pequenas partes de armários quebrados. A brincadeira teve um tom de reportagem, com dois dos participantes conduzindo a cena como apresentadores de televisão e os demais como pesquisadores, procurando cenas com lupas de faz-de-conta, revisitando metaforicamente as câmeras fotográficas. As crianças reproduziram cenas, poses e imagens típicas do cotidiano dos adultos em uma mescla de imaginação, brincadeira e realidade.

Em síntese, os participantes partiram de um reconhecimento inicial de seus corpos pela lente para descobrirem, também na perspectiva da câmera fotográfica, o grupo como unidade e a instituição de saúde com as pessoas com mais intimidade neste cenário. Também o CAPSij foi o ponto de encontro para as saídas e retornos do território e retorno destas, ocupando um lugar estratégico para as chegadas e partidas de exploração e descoberta. A unidade de saúde pôde ser revisitada enquanto um território afetivo e existencial para as crianças.

O território como lugar de desejo e consumo

Na sequência dos encontros, por escolha dos participantes, a circulação pelo território foi iniciada com registros fotográficos do que as crianças identificaram como objetos de seus desejos: carros importados e casas que se destacavam pelo tamanho e estrutura em meio ao bairro (Figura 3). No meio dessas fotografias, contaram pedaços de suas histórias relacionadas a esses objetos e contextos de vida.

Figura 3
O território como de desejo e consumo.

Descrição: esquerda para direita/ superior para inferior - casa referenciada como sonho por Sara, caio sentado no triciclo escolhido pelo por Giovana, capa de revista com corpo idealizado por Sara, pôster do Justin Bieber por Caio.


Todos falaram sobre as idealizações pessoais de possuir os carros, motos e casas que viram pelas ruas quando chegarem à vida adulta. Em um episódio, os três meninos participantes decidiram pedir ao dono de uma oficina de motos para entrarem no estabelecimento e fizeram fotografias uns dos outros sentados nas motos e triciclos cantando músicas com letras de funk ostentação3 3 Funk ostentação é um estilo musical brasileiro, criado no ano de 2008, na cidade de São Paulo. Considerado como uma vertente do funk carioca, o gênero se desenvolveu, primeiramente, na Região Metropolitana de São Paulo e na Baixada Santista, antes de alcançar proporções nacionais a partir de 2011. Os temas centrais abordados nas músicas se referem ao consumo e à propriamente dita ostentação, em que grande parte dos representantes procura cantar sobre carros, motocicletas, bebidas e outros objetos de valor, além de fazerem frequentemente citações a mulheres e ao modo de como alcançaram um maior poderio de bens materiais, exaltando a ambição de sair da favela (Pereira, 2014). , assim como posaram com as muitas rodas de carros coloridas que decoravam a parede (Figura 3).

Ostentação fora do normal. Olha essa motona! (Caio)

As bancas de jornal também foram paradas obrigatórias em todos os encontros, primeiramente, motivada por uma lembrança, como quando um deles conta:

Minha mãe sempre para comigo nessa banca para comprarmos figurinhas quando volto da escola, venham ver. (Caio)

Conheço esse tio da banca desde que sou bebezinha porque venho desde que nasci nesse metrô aqui pra ir pra todo lado, vamos dar oi pra ele. (Sara)

No entanto, essas observações das bancas dispararam conversas e muitos registros fotográficos de revistas, brinquedos e acessórios com temas da publicidade voltada ao universo infantil (Figura 3). Imagens da novela Carrossel, personagens como Barbie, Homem-Aranha e Capitão América, cantores como Justin Bieber, Biel, Anitta, Mc Gui e outros mobilizaram as crianças que se disseram fãs, falando dos seus desejos de comprar muitos objetos relacionados a esse universo:

Tia, leva esse Justin pra mim, quero colocar na parede do meu quarto. (Paulo)

Será que minha vó me dá um dinheiro pra eu levar essa revista da Barbie? (Sara)

As crianças também registraram muitas capas de revistas com corpos magros de homens e mulheres seminus (Figura 3) e as meninas participantes conversaram entre si com afirmações como:

Ai, quero esse cabelo. (Sara)

Vou ser parecida com essa quando eu crescer. (Giovana)

Olha essa maquiagem linda! (Sara)

Sendo assim, no contexto da circulação pelo território, as crianças iniciaram a exploração e o registro de imagens pelo o que representa o lugar do consumo e objetos de desejo para esse grupo geracional, inserido na Zona Leste da periferia paulista. O conjunto de fotografias de todos os participantes, em maior ou menor proporção, teve em sua composição carros, casas grandes, cantores e personagens ligados ao meio midiático. Os meninos, de maneira geral, apresentaram um maior número de imagens relacionadas a carros e super-heróis, enquanto as meninas registraram a maior parte das capas de revistas, cantores e bonecas.

Percursos cotidianos e histórias de vida no território físico e existencial

A experiência de circulação pela cidade ganhou forma e apareceu em narrativas sobre o cotidiano de cada um deles. Os participantes contaram sobre seus percursos diários, levaram o grupo para conhecer suas escolas, casas, instituições de acolhimento, parques e praças onde brincam. Muitas memórias foram invocadas nos percursos e surgiram narrativas como a de uma das crianças que parou debaixo de uma árvore próxima à sua casa para contar sobre um episódio no qual seu gato fugiu, ficando preso no alto dessa árvore, mobilizando vizinhos e seus pais para que o resgatassem.

Cada passeio cheio de registros e conversas se tornou significativo porque as crianças apresentaram imagens da comunidade tal qual a conheciam, de modo peculiar e singular, entrelaçando subjetividade, sutileza e afeto. As apresentações de seus espaços de moradia, por exemplo, foram ilustrativas quando descreveram detalhes nos pisos e paredes, árvores preferidas do quintal, brinquedos espalhados na garagem, misturando as experiências atuais com as memórias de suas primeiras vivências nos lugares registrados (Figura 4).

Figura 4
Histórias de vida e denúncias sociais.

Estão vendo aquelas madeiras empilhadas ali? Eram da minha casinha de madeira e esses riscos na parede fui eu que fiz com a minha cachorra. (Sara)

O que eu mais gosto aqui é dessa árvore, porque eu amo comer goiaba! De vez em quando eu peço pra tia e ela vem com o rodo me ajudar a pegar. (Paulo)

Essa é a parte que eu mais gosto daqui, da biblioteca! (Giovana)

No decorrer das caminhadas pelo território, as crianças não só fotografaram os lugares percorridos como também interagiram ativamente com cada um deles. Quando pararam em frente às suas casas, chamaram por animais de estimação e contaram sobre os amigos vizinhos, cumprimentando-os e apresentando ao grupo quando esses estavam por perto. Ademais, contaram minúcias de suas histórias relacionadas a seus contextos de vida, como ilustra a fala de um deles ao parar para fotografar uma casa pelo caminho:

Essa casona grande aqui é onde minha mãe trabalha, vou tirar uma foto rapidinha pra patroa dela não ver, eu nunca entrei aí, nem andei nessa Pajero. (Gustavo)

Os parques e praças, principalmente, foram palco de brincadeiras livres e de descobertas, com exploração dos balanços, escorregadores, gangorras, pistas de skate, bancos, gramado e tudo o mais que comportavam (Figura 4). Os repertórios sobre o bairro foram se ampliando gradativamente conforme compartilhados no coletivo:

Agora que conheço essa praça vou andar de bicicleta aqui. (Caio)

Nossa, o tio do abrigo nem deve saber que dá pra trazer todo mundo pra jogar bola nesse lugar. (Paulo)

Nem sabia que dava pra chegar na minha escola por essa rua! (Gustavo)

Outro ponto de destaque da circulação pelos lugares de sentido no território foi a heterogeneidade que compõe a comunidade. Em uma praça apresentada por uma das crianças como espaço que costuma andar de skate com sua família, muitos idosos faziam atividade física em aparelhos de ginástica, alguns cachorros passeavam cheirando o gramado alto, dois rapazes organizavam cigarros e papelotes, e as crianças brincavam nos balanços e corriam livremente. Os participantes da pesquisa cumprimentaram os idosos e fizeram muitas fotografias uns dos outros enquanto brincavam juntos. Uma das crianças também fez uma colocação sobre os rapazes que manipulavam drogas em uma mesa:

Aqueles moços são amigos da minha mãe, ela já me trouxe quando vem falar com eles, mas eu nunca fico perto. (Sara)

No entanto, todas voltaram a brincar, interessadas em apostar corridas nos grandes espaços livres da praça. As crianças registraram ainda o que avaliaram como negativo no território na mesma medida em que propuseram soluções para os problemas identificados (Figura 4):

Eu escolhi tirar foto do buraco com água parada por causa da Dengue. Essa é uma parte da cidade que eu não gosto, do buraco que posso cair e da doença. (Sara)

A polícia militar também foi alvo de registros fotográficos e discussões, ora com teor protetivo para as crianças, ora como ameaça, como ilustra a fala de uma delas quando viu muitos carros policiais em uma avenida:

Esses polícias devem ter pegado os caras que estavam cheirados, minha mãe sempre fala que eles pegam os cheirados, mas também cheiram. [...] Eu não sei o que isso quer dizer, mas tenho medo, eles não são sempre bons. (Gustavo)

Essa mesma criança pediu que passássemos mais apressados por uma casa, com uma placa com os dizeres “Pensão para Rapazes”, já que, como narrou:

Nessa casa azul mora um estuprador de mulheres, uma mulher que mora do lado da minha casa já apanhou dele e minha mãe falou pra não vir aqui à noite; vai que ele pega crianças. (Gustavo)

Lixos nas ruas, praças com gramado descuidado e pessoas sobre a linha amarela na estação de metrô foram registradas pelas imagens, acompanhadas de um discurso de crítica sobre ações erradas para a cidade e cidadãos (Figura 4). Outro dos participantes referiu que aproveitaria a exposição de fotos para:

[...] mostrar aos moradores do bairro que não se deve fazer para que todos vivam melhor, quem sabe eles veem e isso muda? (Giovana)

Dessa maneira, a circulação das crianças foi para além do território físico dos arredores percorridos e desenhados no momento de pré-pesquisa. Elas apresentaram seus percursos cotidianos e histórias de vida nos territórios de suas existências, repletos de afetos e de uma visão crítica e positiva da sociedade, experimentando o papel de protagonistas nas suas vidas como agentes sociais.

Descrição: esquerda para direita / superior para inferior - biblioteca do abrigo por Giovana, grupo brincando por Paulo, buraco na calçada com água parada e possível foco de dengue por Sara, lixo em percurso por Caio.

As sutilezas em meio ao concreto da cidade: território e natureza

As sutilezas dos espaços também foram registradas e envolveram as crianças que, muitas vezes, pararam para observar e fotografar os animais da vizinhança: tartarugas, gatos, cachorros e papagaios (Figura 5). Algumas conversas foram disparadas com moradores, todas as vezes solícitos, colaborando para que as crianças brincassem com os animais de estimação. Uma das crianças, por exemplo, insistiu em ficar piando em frente a uma casa no percurso até sua escola por afirmar que ali tinham muitas galinhas e pintinhos. Pouco tempo depois, esses animais estavam fugindo pelo portão, espalhados pela calçada, divertindo as crianças. Em outro momento, um pássaro sobre o muro alto de uma casa fez com que todos parassem outras ações no espaço para observá-lo conjuntamente e se atentassem ao entorno, admirados com descobertas de flores e plantas (Figura 5):

Figura 5
Território e natureza.

Nossa, olha que flor linda, na minha cor preferida! (Giovana)

Queria pegar aquele passarinho e dar um abraço. (Sara)

Olha aqui, pessoal. Parece uma frutinha no meio das plantas. (Paulo)

A descoberta dos pontos de natureza em meio ao espaço urbano, repleto das durezas do concreto e muros altos, conferiu leveza e divertimento para as crianças, que pararam a caminhada por diversas vezes para admirar os animais e plantas.

Sabe que eu nunca tinha visto direito essa árvore? E passo aqui todo dia. (Caio)

Para além disso, as crianças puderam expor com clareza seus gostos e medos nesse contexto. Por exemplo, durante a circulação pelo território, uma das crianças registrou um conjunto grande de fotos de cachorros e, quando perguntada pela pesquisadora se gostava de animais, respondeu dizendo que gostava de alguns, mas tinha medo de cachorros e queria que as pessoas soubessem disso quando vissem suas fotos, por isso faria questão de escrever em seu painel para a exposição:

Não gosto de cachorros. (Sara)

A circulação livre e paciente pelos percursos delineados pelo grupo permitiu que os participantes reparassem em detalhes, como árvores pelo caminho e flores coloridas em meio a arbustos. Os olhares atentos descobriram e compartilharam delicadezas que estavam escondidas em meio ao território físico predominantemente cinza do concreto da cidade, na mesma medida em que puderam descobrir e afirmar suas opiniões sobre o cotidiano repleto dessas novas descobertas.

Descrição: esquerda para direita / superior para inferior - cachorro em uma praça do território por Sara, tartaruga em uma garagem próxima à unidade de saúde por Gustavo, registro de flor na cor preferida por Giovana, árvore no caminho por Caio.

Discussão

Territórios existenciais: o corpo, lugares de vida e a circulação na cidade

Como mostram os resultados previamente apresentados, a pesquisa possibilitou que as crianças circulassem por seus territórios na cidade. Castro (2002)Castro, L. R. (2001a). Apresentação. In L. R. Castro (Ed.), Subjetividade e Cidadania: um estudo com crianças e jovens em três cidades brasileiras (pp. 11-20). Rio de Janeiro: Letras. afirma que o deslocamento na cidade permite às crianças novas percepções, ações e sentidos. O movimento e a circulação, assim como o permanente ato de se deslocar, são necessários à vida na cidade, ilustrando as múltiplas e diversas possibilidades de identificação do sujeito contemporâneo.

A circulação e a presença das crianças na cidade as colocam frente à pluralidade indisfarçável da vida coletiva com as diferenças e desigualdades sociais. No caminhar pela comunidade, crianças com experiências culturais distintas analisam e produzem ferramentas políticas para o entendimento das desigualdades, operando política e socialmente (Castro, 2002Castro, L. R. (2001a). Apresentação. In L. R. Castro (Ed.), Subjetividade e Cidadania: um estudo com crianças e jovens em três cidades brasileiras (pp. 11-20). Rio de Janeiro: Letras.). Neste sentido, foi possível identificar que o perambular atento das crianças colaboradoras pelas ruas pôde dar início a uma construção política e a um pensamento sobre a cidade e seus desdobramentos, ilustrado nos registros fotográficos e nas falas críticas sobre a cidade e as sugestões de mudanças sociais.

A cidade contemporânea é o espaço da diversidade, da proliferação de códigos, linguagens e imagens. “A multiplicidade pode ser compreendida na tensão entre aquilo que tem alguma permanência – sua arquitetura sólida, por exemplo – e aquilo que é efêmero – o constante fluxo de pessoas nas ruas” (Pérez et al., 2008Oliver, F. C., Almeida, M. C., Tissi, M. C., Castro, L. H., & Formagio, S. (1999). Reabilitação baseada na comunidade: discutindo estratégias de ação no contexto sociocultural. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 10(1), 1-10., p. 180). Perceber a cidade consiste em torná-la visível por meio de mecanismos de linguagem e representação no esforço de descrevê-la. Assim as crianças participantes da pesquisa o fizeram, apresentaram suas experiências e percepções – com registros fotográficos, falas, silêncios e olhares – da cidade com base em seus modos singulares de inserção e circulação.

O sentido que cada indivíduo atribui ao espaço se dá por meio do seu uso cotidiano e da sua participação, assim como de suas experiências vividas ali. A cidade vivida pelos seus habitantes é recheada de lembranças, afetos e significações, e está sempre em transformação. Os percursos que cada um trilha na cidade se referem a algo existente em nós mesmos (Pérez et al., 2008Oliver, F. C., Almeida, M. C., Tissi, M. C., Castro, L. H., & Formagio, S. (1999). Reabilitação baseada na comunidade: discutindo estratégias de ação no contexto sociocultural. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 10(1), 1-10., p. 180).

Dessa maneira, discutir a relação entre infância e cidade implica entender o espaço urbano como elemento formador da singularidade dos sujeitos e construtor de autonomia. A cidade impõe uma dupla tarefa de individualização e socialização. Ou seja, na medida em que a cidade manifesta claramente a classificação entre indivíduos e grupos, compondo o jogo do status social, também nesse contexto, a proximidade física e a distância social se apresentam com mais evidência, apontando para a variável física da aglomeração que passa a intervir nos processos interacionais (Müller & Nunes, 2014Mourão, B. (2004). Produção corporativa da cultura e construção da infância. Revista de Sociologia e Politica, 22, 223-226.).

Na construção do mapa de circulação pelo território, realizado de forma coletiva durante o terceiro encontro do grupo de pesquisa, cada criança pôde reconstruir sua cidade de sentido, escolhendo percursos que enunciam sobre suas histórias, individual e coletivamente. Isso significa poder se deslocar e circular por espaços a partir das escolhas e decisões individuais enquanto atores sociais. Ademais, os percursos vivenciados e o caminhar pelo território acompanhado dos registros fotográficos extrapolaram todo planejamento prévio, contando com lugares e situações não delineadas, repletas de descobertas e encontros.

Num certo sentido, cada vida é um ‘caminho’, ou seja, os itinerários biográficos (e espaciais) denotam traçados concretos que correspondem às possibilidades de cada um para conquistar e expandir territórios existenciais a partir da convivência com os outros (Pérez et al., 2008Oliver, F. C., Almeida, M. C., Tissi, M. C., Castro, L. H., & Formagio, S. (1999). Reabilitação baseada na comunidade: discutindo estratégias de ação no contexto sociocultural. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 10(1), 1-10., p. 180).

A participação efetiva na cidade implica a liberdade de escolha de caminhos, nas possibilidades de ir e vir de um modo concreto e metafórico.

Elas [as crianças] têm um conhecimento local detalhado da cidade, construído por meio de seu contato concreto com ela e de sua modalidade dentro e em torno dela. Seu conhecimento situado é parcialmente biográfico e pessoal, mas também é produzido coletivamente. As crianças vivenciam a cidade juntas, e o significado dos lugares é elaborado e produzido no engajamento e na atividade coletivos. A movimentação das crianças coloca-as em relação com lugares que já estão saturados de significação social (Christensen, 2010Christensen, P. H. (2004). Children’sparticipation in ethnographic research: issues of power and representation. Children & Society, 18, 165-176. http://dx.doi.org/10.1002/chi.823.
https://doi.org/10.1002/chi.823...
, p. 154, tradução livre).

Em uma pesquisa realizada por Horton et al. (2014)Greco, V., Lambert, H. C., & Park, M. (2017). Being visible: PhotoVoice as assessment for children in a school-based psychiatric setting. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 24(3), 222-232. sobre o caminhar livre de crianças e adolescentes no sudoeste da Inglaterra, os autores enfatizaram o quanto a circulação cotidiana pela cidade mobiliza experiências pessoais e relacionais, afetando a constituição das amizades, das comunidades e das geografias sociais. Dessa maneira, o estudo argumenta que as práticas diárias dos pedestres devem ser consideradas enquanto uma análise crítica da política social, principalmente no que diz respeito à mobilidade urbana.

Nesse contexto, conforme as crianças participantes dessa pesquisa apresentaram a comunidade e seus espaços de escolha (casas, escolas, unidade de saúde, parques e praças), puderam vivenciar o exercício do conhecimento e da conquista da cidade, mas também do amor e da identificação por seus lugares e histórias. Como salientam Pérez et al. (2008)Oliver, F. C., Almeida, M. C., Tissi, M. C., Castro, L. H., & Formagio, S. (1999). Reabilitação baseada na comunidade: discutindo estratégias de ação no contexto sociocultural. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 10(1), 1-10., é a partir dessas bases que uma criança vivencia a experiência de ser cidadã e a cidadania se constitui, portanto, de um sentimento construído internamente pelo sujeito por meio de sua ação.

Greco et al. (2017)Fernandes, F. (1961). As ‘Trocinhas’ do Bom Retiro. In F. Fernandes (Autor.), Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (pp. 153-258). São Paulo: Anhambi., usando o fotovoz para entender as experiências de crianças com transtornos de saúde mental no contexto de um serviço de reabilitação canadense, identificou temáticas semelhantes, também conectadas com os territórios existenciais, os caminhos escolhidos e com as relações estabelecidas nesse contexto: (1) família, amigos e animais de estimação; (2) o que eu gosto de fazer para me divertir; (3) escola; (4) casa; (5) o meu lugar favorito; e (6) lugares que estive. No entanto, é necessário pontuar que em nossa pesquisa a escola não ocupou categoria de destaque, apenas duas das crianças participantes fizeram registros fotográficos das escolas que frequentavam, mas sem que esse espaço fosse alvo de discussão e olhares como um lugar importante da vida.

Nesse sentido, assim como afirma Greco et al. (2017)Fernandes, F. (1961). As ‘Trocinhas’ do Bom Retiro. In F. Fernandes (Autor.), Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (pp. 153-258). São Paulo: Anhambi., a maneira como cada criança escolheu representar os temas foi relacionada a suas próprias experiências individuais contextualizadas com seus espaços físicos de circulação, seus afetos, pertencimentos e identificações. Tal fato abre a possibilidade de indagação sobre qual a relação estabelecida pelas crianças participantes em nossa pesquisa com as suas escolas, uma vez que esse espaço não foi apresentado como parte do território existencial e afetivo.

Tal percepção vai de encontro ao que Saraceno (2001)Rasmussen, K., & Smidt, S. (2003). Children in the neighbourhood: the neighbourhood in the city. In P. Christensen & M. O’Brien (Eds.), Children in the city: home, neighbourhood and community (pp. 82-100). London: Falmer Press. defende como diferença essencial entre o estar e o habitar. Enquanto o estar é relacionado a ocupar um espaço sem que haja a apropriação desse, o habitar é a possibilidade de ocupar esse espaço com crescente apropriação simbólica, material e emocional. Nesse sentido, é possível afirmar que as crianças habitaram seus territórios físicos e existenciais na medida em que se apropriaram material e emocionalmente dos seus corpos, dos objetos e de todos os espaços que os compunham, interagindo afetivamente com as pessoas que ali estavam.

Retomando Saraceno (2001)Rasmussen, K., & Smidt, S. (2003). Children in the neighbourhood: the neighbourhood in the city. In P. Christensen & M. O’Brien (Eds.), Children in the city: home, neighbourhood and community (pp. 82-100). London: Falmer Press., para que os sujeitos possam habitar, é necessário “[...] um grau de contratualidade elevado em relação à organização material e simbólica dos espaços e dos objetos, à sua divisão afetiva com outros” (Saraceno, 2001Rasmussen, K., & Smidt, S. (2003). Children in the neighbourhood: the neighbourhood in the city. In P. Christensen & M. O’Brien (Eds.), Children in the city: home, neighbourhood and community (pp. 82-100). London: Falmer Press., p. 114). Dessa forma, é pertinente observar que a circulação pela cidade no contexto dessa pesquisa promoveu o exercício da contratualidade com a apropriação dos territórios existenciais e a prática da cidadania por parte das crianças.

Nessa conjuntura, Sarmento (2005)Sarmento, M. J. (2003). As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. Braga: Instituto de Estudos da Criança na Universidade de Minho. contribui ao pontuar que a cidadania na infância tem no espaço urbano um lugar problemático de potencialização e de restrição. De potencialização, uma vez que a construção coletiva das políticas urbanas com a participação das crianças é a maneira mais efetiva de garantir efetivos direitos participativos destas no espaço público. De restrição, entendendo que essa construção coletiva em situações de vulnerabilidade é marcada pela restrição da autonomia das crianças na cidade, limitação dos espaços de circulação e colonização pelo consumo e desigualdades sociais (Sarmento, 2005Sarmento, M. J. (2003). As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. Braga: Instituto de Estudos da Criança na Universidade de Minho.). Perceber esta tensão por meio das narrativas e fotografias dos participantes da pesquisa foi um desafio necessário de investigação e produção de conhecimento.

No contexto das situações de vulnerabilidade citadas, salienta-se o campo dessa pesquisa na periferia da Zona Leste de São Paulo, reconhecida por suas disparidades sociais. Todavia, os riscos e medos relacionados à violência pouco apareceram no decorrer do estudo, exceto por falas e registros pontuais de Gustavo e pelas brincadeiras de faz de conta de outros participantes com super-heróis que combatem o mal. Para além, as críticas sociais colocadas pelas crianças, como sobre o lixo em meio à cidade, o descumprimento de regras no metrô, a água parada como foco de dengue e os mobiliários quebrados na unidade de saúde, vieram acompanhadas de possíveis soluções e propostas de melhorias, inclusive tendo nos registros fotográficos a expectativa de que eles pudessem ser promotores de mudança, como ilustra a fala de Gabriela:

Quem sabe eles veem e isso muda. (Gabriela)

Nesse sentido, os encontros da pesquisa e a Exposição Nosso Mundo foram palco de conversas sobre as potências e dificuldades da comunidade, de ampliação do repertório de circulação das crianças e do exercício de seus papéis de agentes sociais.

Essa compreensão e envolvimento com as crianças é também a base necessária para a participação delas no processo de mudança do ambiente físico em que vivem. Precisamos saber como elas veem a cidade a fim de transformá-la. Resumindo, devemos buscar entender como as crianças situam a si mesmas (Christensen, 2010Christensen, P. H. (2004). Children’sparticipation in ethnographic research: issues of power and representation. Children & Society, 18, 165-176. http://dx.doi.org/10.1002/chi.823.
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, p. 163).

A participação das crianças na pesquisa buscou possibilitar a apropriação ativa do espaço, promovendo a escolha e decisão sobre o que e como contar sobre a comunidade em que vivem. Para além, as discussões em grupo abriram caminhos para que elas identificassem e se importassem com os problemas dos espaços onde vivem descoladas de papéis institucionais pré-estabelecidos. Como ressaltam Pérez et al. (2008)Oliver, F. C., Almeida, M. C., Tissi, M. C., Castro, L. H., & Formagio, S. (1999). Reabilitação baseada na comunidade: discutindo estratégias de ação no contexto sociocultural. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 10(1), 1-10., as crianças aprendem as múltiplas possibilidades de convivência nos espaços compartilhados; assim, elas expandem seus olhares para considerarem perspectivas advindas dos outros e impasses gerados na convivência com todos aqueles com os quais compartilham o mundo.

Produção de culturas da infância: as lógicas de consumo e a descoberta da natureza

Durante todo o processo de pesquisa, nos passeios pela cidade, nos direcionamentos dos olhares e fotografias, assim como nas discussões, foi possível perceber com grande ênfase as lógicas de desejo e consumo usadas pelas crianças. Muito se discorreu sobre a criação e a compra de novos brinquedos, comidas, carros e casas, ou seja, da possibilidade de ter novos objetos a serem consumidos na cidade.

Ao mesmo tempo em que as crianças se preocuparam com questões relativas à cidade, algumas respostas sobre o que gostavam ou não na comunidade ficaram, em sua maioria, restritas ao universo privado, como “ver televisão”, “Justin Bieber”, “Novela Carrossel”, “computador”, “shopping”, “tomar sorvete”, “McDonald’s”, entre outras. Embora tenham aparecido respostas como “brincar”, “jogar bola”, “andar de skate”, “andar de bicicleta”, bem como a experiência de brincar nas praças e ruas durante a circulação pelo território, pode-se pensar que a maior parte das atividades realizadas pelas crianças está cada vez mais restrita aos espaços privados.

Como coloca Mourão (2004)Minayo, M. C. S. (1999). O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec., vivemos tempos onde a cultura geral tem sido predominantemente transmitida por adultos para as crianças. Somado a isso, temos em nossa sociedade uma relação muito próxima entre Estado e corporações empresariais. Nesse sentido, tomando por base a ideia de um imaginário culturalmente produzido, coloca-se a preocupação com a construção corporativa da infância, percebida nesse trabalho com os objetos de desejo apresentados pelas crianças, relacionados com grandes empresas de produção de alimentos fast food, carros, personagens infantis e programas da mídia.

Sarmento (2007)Sarmento, M. J. (2005). Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação & Sociedade, 26(91), 361-378. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000200003.
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aponta que a imersão das crianças no universo simbólico e a reprodução interpretativa desse universo acontecem por meio da influência de vários planos: o ambiente familiar com suas condições de classe, etnia e outros; a cultura local com tradições, instituições e relações de vizinhança; a cultura nacional, comunicada por meio das instituições sociais; a cultura escolar, inserida no contexto local e nacional, mas distinta em sua estrutura escolar; e a cultura global, difundida principalmente pela mídia e indústria cultural. Sendo assim, entende-se nesse estudo que “[...] as culturas da infância são produto desses planos que se implicam mutuamente nas relações sociais considerando as relações inter e intrageracionais” (Oliveira & Tebet, 2010Müller, F. (2007). Retratos da infância na cidade de Porto Alegre (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., p. 41).

No caso da pesquisa em questão, as lógicas de desejo e consumo apresentadas estavam atreladas ao contexto de vulnerabilidade e eram influenciadas pelas condições socioeconômicas e regionais do território da periferia da Zona Leste paulista, tanto quanto pelas histórias de vidas, configurações familiares e relações institucionais de cada criança participante. A mídia também teve seu papel de destaque que pode ser identificado, em partes, pelo desejo por corpos magros, cabelos e maquiagens específicas e personagens do universo de telenovelas e desenhos animados.

Müller (2006)Müller, F., & Nunes, B. F. (2014). Infância e cidade: um campo de estudo em desenvolvimento. Educação & Sociedade, 35(128), 659-674. http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-7330201435128129342.
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afirma que é necessário considerar certa universalização da infância que ultrapassa os limites da cultural local. Para a autora, a globalização da infância é corroborada pela oferta de um mercado de produtos culturais da infância, como se todas as crianças partilhassem dos mesmos desejos, escolhas e gostos. Dessa maneira, as escolhas das crianças participantes da pesquisa, ainda que diretamente relacionadas às suas experiências pessoais, ao território e suas relações com esses, são também escolhas coincidentes com o material oferecido e divulgado para a infância nas mídias e meios de comunicação globais. Todavia, é fundamental destacar que as apropriações de elementos do meio sociocultural de origem das crianças e suas atividades constantes respaldam o que os sociólogos da infância afirmam sobre as culturas de pares, principalmente, com relação à lógica peculiar das crianças, diferente da lógica dos adultos (Müller, 2006Müller, F., & Nunes, B. F. (2014). Infância e cidade: um campo de estudo em desenvolvimento. Educação & Sociedade, 35(128), 659-674. http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-7330201435128129342.
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).

Nesse sentido, as crianças constroem suas identidades culturais pela necessidade de identificação e de diferenciação dos demais grupos geracionais. Com base nisso, como salienta Sarmento (2003)Saraceno, B. (2001). Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Rio de Janeiro: Instituto Franco Basaglia/Te Corá., é possível compreender que a criança inflete o mundo social que ela vive de maneira singular, produzindo culturas infantis que são constituídas por meio de um movimento de produção e reprodução da cultura dos adultos. Corsaro (1997)Christensen, P. H. (2010). Lugar, espaço e conhecimento: crianças em pequenas e grandes cidades. In F. Müller (Ed.), Infância em perspectiva: políticas, pesquisas e instituições (pp. 143-164). São Paulo: Cortez. denomina tal movimento como uma “reprodução interpretativa”, pois as crianças fazem uma interpretação singular do mundo adulto (social), sendo um elemento distintivo da categoria geracional.

Durante a pesquisa, muitas vezes as crianças propuseram registros fotográficos e brincadeiras que remeteram ao universo dos adultos, seja quando imitaram um programa de reportagem denunciando o que identificavam como problemas da unidade de saúde, seja nas poses comumente encontradas em imagens das redes sociais virtuais. Todavia, cada expressão das crianças, ainda que embasadas na cultura dos adultos, estava repleta de singularidades, em uma mescla de imaginação, brincadeira e realidade. Oliveira & Tebet (2010)Müller, F. (2007). Retratos da infância na cidade de Porto Alegre (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. sugerem que as crianças devem ser entendidas como atores sociais que interagem com o mundo, a cidade, a comunidade local, as relações, as palavras, a arte etc. Dessa forma, produzem culturas da infância “com aquilo que podemos chamar de ‘o fora’ (entendido como aquilo que está fora da criança, o exterior)” (Oliveira & Tebet, 2010Müller, F. (2007). Retratos da infância na cidade de Porto Alegre (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).

A criança representa e ressignifica seu contexto e as informações recebidas pelos adultos por meio das produções simbólicas do brincar e do desenho. Entendemos que as produções simbólicas são as maneiras pelas quais as crianças dão sentidos e significados às coisas. É a partir das vivências das crianças por meio do brincar, desenhar, inventar, construir que elas simbolizam e vão construindo sentidos próprios aos mundos em que vivem. Dessa forma, a cultura da infância não pode ser pensada no singular, trata-se na realidade de culturas da infância, no plural, já que são múltiplas as possibilidades de sentidos que podem ser atribuídos ao mundo (Oliveira & Tebet, 2010Müller, F. (2007). Retratos da infância na cidade de Porto Alegre (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., p. 39).

Retomando Fernandes (1961)Ferigato, S. H., Silva, C. R., & Ambrosio, L. (2018). A corporeidade de mulheres gestantes e a terapia ocupacional: ações possíveis na Atenção Básica em Saúde. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 768-783. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1173.
https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1...
, é possível discorrer sobre as culturas infantis construídas por elementos quase exclusivos das crianças, em sua maioria, de natureza lúdica. Delgado & Müller (2005)Corsaro, W. A. (1997). The sociology of childhood. California: Pine Forge Press. analisam o trabalho do pesquisador imerso no campo de pesquisa, a rua, e sua apropriação sobre os modos pelos quais as crianças se organizavam em grupos e viviam a cultura infantil. As autoras identificaram que a pesquisa de Florestan revelou as relações estabelecidas entre as crianças, processos de socialização, brincadeiras, papéis determinados para e pelas crianças no contexto do bairro do Bom Retiro, na cidade de São Paulo. Para além, ficou evidente como as atividades das crianças se expressam também por meio de categorias como gênero, raça e classe social.

Diferente do trabalho de Fernandes (1961)Ferigato, S. H., Silva, C. R., & Ambrosio, L. (2018). A corporeidade de mulheres gestantes e a terapia ocupacional: ações possíveis na Atenção Básica em Saúde. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4), 768-783. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1173.
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, em nossa pesquisa, as crianças não apresentaram brincadeiras tradicionais de rua. Ainda que a natureza lúdica tenha permeado todo o processo, seja no uso das câmeras, nas experiências de brincar nos poucos parques e praças do território, seja no faz de conta na unidade de saúde, ou ainda ao perceber as cores e pontos delicados da natureza em meio ao concreto da cidade, não apareceram traços das brincadeiras populares referidas na obra do autor, pertinentes à época do estudo em questão.

Posto isso, em nosso trabalho foi possível perceber como a prática lúdica das crianças participantes associada aos seus olhares cuidadosos e atentos favoreceram a descoberta da natureza em meio a um território predominantemente urbano. Com base na afirmação de Brougère (2001Brougère, G. (2001). Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez., p. 23), de que “criar um brinquedo é propor uma imagem que vale por si mesma e que dispõe, assim, de um potencial de sedução, que permite ações e manipulações, em harmonia com as representações sugeridas”, os animais de estimação da vizinhança, o pássaro sobre o muro e as flores coloridas viraram brinquedos cheios de fantasia, disparadores de alegria e trocas afetivas.

Em outro estudo que teve o fotovoz enquanto recurso metodológico, Berinstein & Magalhães (2009)Berinstein, S., & Magalhães, L. (2009). A study of the essence of play experience to children living in Zanzibar, Tanzania. Occupational Therapy International, 16(2), 89-106. http://dx.doi.org/10.1002/oti.270.
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também consideraram as produções culturais como elemento central na compreensão das práticas e modos de vida de crianças. As pesquisadoras estudaram a essência da experiência de jogo no contexto do território com crianças em Zanzibar, na Tanzânia, com base em seus próprios pontos de vista e identificaram que a experiência de jogo em Zanzibar tem aspectos de criatividade e engenhosidade, e influências da tradição, da cultura local e da pobreza. Ainda que as experiências de jogos sejam diversas dos descobertos pela pesquisa aqui apresentada, ambos os trabalhos ilustram a potência das culturas infantis na produção de modos de se relacionar, brincar e construir relações, ainda que em cenários de vulnerabilidade.

A brincadeira que pode ser, às vezes, uma escola de conformismo social, de adequação às situações propostas, pode, do mesmo modo, tornar-se um espaço de invenção, de curiosidade e de experiências diversificadas, por menos que a sociedade ofereça às crianças o meio para isso. Acontece que essa abertura marca um dos aspectos essenciais das sociedades modernas, caracterizadas pela indeterminação do futuro de cada indivíduo. A eventualidade da brincadeira corresponde, intimamente, à imprevisibilidade de um futuro aberto (Brougère, 2001Brougère, G. (2001). Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez., p. 105).

As crianças formulam interpretações da sociedade, dos outros e de si próprios, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de um modo distinto para lidar com tudo que as rodeia (Sarmento, 2005Sarmento, M. J. (2003). As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. Braga: Instituto de Estudos da Criança na Universidade de Minho., p. 373). Assim, as crianças, inseridas em um grupo específico dentro da estrutura social – categoria geracional –, produzem uma cultura própria por meio de um conjunto de símbolos caracterizados por valores, normas e modos de sentir que as distinguem pelo padrão de suas ações (Oliveira & Tebet, 2010Müller, F. (2007). Retratos da infância na cidade de Porto Alegre (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). Sobre as crianças participantes da pesquisa, as percepções sobre a natureza e a comunidade, as maneiras de lidar com as descobertas da vida cotidiana, seja o sorriso solto com a caveira com roupas coloridas na porta da oficina do bairro ou com a flor colorida no asfalto, ilustraram esses modos de ser e estar particulares desse grupo de crianças. Assim, como colocam Ferigato et al. (2018)Delgado, A. C., & Müller, F. (2005). Em busca de metodologias investigativas com as crianças e suas culturas. Cadernos de Pesquisa, 35(125), 161-179. em sua pesquisa também com fotovoz, foi possível vislumbrar encontro com um território sensível repleto de escuta, trocas e reconhecimentos.

Considerações Finais

Pesquisar as percepções de crianças vivendo condições complexas de vulnerabilidade acerca de seu território na periferia da cidade de São Paulo, por meio do fotovoz, permitiu conhecer a experiência desses atores sociais no processo de circulação pela cidade com base em sua singularidade contextualizada na estrutura geracional da infância. Ainda, a experiência da pesquisa possibilitou seu engajamento no debate e análise do lugar da criança na cidade e no processo de produção de conhecimento sobre a infância na sociedade.

As crianças, ao transitar pelo território físico da cidade, fizeram percursos que passaram pela constituição do grupo, lugares existenciais que habitam e são acolhidas. Dessa maneira, a pesquisa revelou que as crianças têm um olhar crítico e complexo sobre seus espaços de circulação e pelas relações com esses estabelecidas. Tal olhar é permeado por suas singularidades de vida, atento ao belo e à delicadeza da natureza em meio ao concreto cinza da cidade, dialogando constantemente com as culturas de massa e os valores sociais hegemônicos.

Essa experiência só foi possível porque as crianças participantes se colocaram na relação como agentes sociais repletos de desejos e opiniões. Sendo assim, para favorecer uma efetiva participação por parte das crianças, a facilitação do diálogo foi base norteadora para que, nesse caso, elas se sentissem independentes na condução das conversas e possuidoras do controle da situação. Também foi imprescindível o cuidado na apresentação da pesquisadora com explicação cuidadosa e em linguagem acessível sobre o estudo, para garantir que as crianças entendessem e pudessem colocar suas próprias perspectivas no processo de pesquisa, assim como serem personagens ativas no processo de apresentação e circulação pelo território.

O entendimento da vivência cotidiana das crianças nos espaços de circulação, assim como a escuta com atenção enquanto uma prática crucial do trabalho, foi estrutura para o desenvolvimento da pesquisa e das relações entre os participantes, o que interferiu diretamente na qualidade das imagens registradas. O uso da fotografia enquanto linguagem proporcionou maior grau de controle sobre o processo de pesquisa por parte das crianças, assim como facilitou a relação dessas com seus territórios e com as questões de pesquisa.

A perspectiva da Sociologia da Infância, combinada com a metodologia participativa e o recurso do fotovoz, oportunizou o protagonismo das crianças participantes e atribuiu a essas um poder contratual diferente do habitual em suas experiências de vida marcadas pela vulnerabilidade. Apesar de serem crianças que, em outros contextos e cenários, são potencialmente alvo de desqualificações e discriminações por terem dificuldades importantes nos seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, na pesquisa, puderam mostrar toda sua potência e poder criativo, fazendo sugestões, inclusive, para a produção de mudanças sociais.

Sendo assim, este estudo apontou a potência de pesquisas realizadas com crianças, sob suas perspectivas e com sua colaboração, de maneira a aumentar o debate sobre a necessidade da validação e incorporação dos discursos da infância na construção dos estudos científicos e políticas sociais. Ademais, colocam-se a organização e procedimentos de realização dessa pesquisa, aliados aos devidos cuidados éticos, como instrumento para facilitar a participação das crianças, independentemente de suas condições e dificuldades sociais.

É fundamental que continuem a acontecer, cada vez em maior número, pesquisas em que as crianças sejam as interlocutoras sobre seus desejos e necessidades, para que, consequentemente, esse grupo geracional tenha maior representação pública, superando a suposta incapacidade das crianças para a composição dos discursos sociais. Trabalhemos para que as crianças sejam cada vez mais vistas como ativas na construção e determinação de suas próprias vidas sociais, das vidas daqueles ao seu redor e das sociedades em que vivem.

Agradecimentos

Às crianças participantes deste trabalho, verdadeiras pesquisadoras, por tanta vontade, dedicação e disponibilidade em nos apresentar seus territórios e sutilezas de suas histórias de vida.

  • 1
    Artigo resultante de Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade de São Paulo, Brasil, intitulada “Retratos, relatos e impressões de crianças moradoras da periferia de São Paulo por meio de fotovoz”.
  • 2
    Aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da USP sob número 368/15 e da Secretaria de Saúde de São Paulo, sob número 1386718.
  • 3
    Funk ostentação é um estilo musical brasileiro, criado no ano de 2008, na cidade de São Paulo. Considerado como uma vertente do funk carioca, o gênero se desenvolveu, primeiramente, na Região Metropolitana de São Paulo e na Baixada Santista, antes de alcançar proporções nacionais a partir de 2011. Os temas centrais abordados nas músicas se referem ao consumo e à propriamente dita ostentação, em que grande parte dos representantes procura cantar sobre carros, motocicletas, bebidas e outros objetos de valor, além de fazerem frequentemente citações a mulheres e ao modo de como alcançaram um maior poderio de bens materiais, exaltando a ambição de sair da favela (Pereira, 2014).

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Beatriz Prado Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2020
  • Revisado
    07 Ago 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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