Resumo
Introdução A migração é um fenômeno econômico, político e social complexo que impacta o cotidiano e a corporeidade das pessoas.
Objetivo Analisar o cotidiano de pessoas migradas e refugiadas no Brasil a partir dos diálogos com a terapia ocupacional e os processos de corporeidade.
Metodologia Método qualitativo e análise das histórias de vida de 14 pessoas migrantes e refugiadas na cidade de São Paulo, Brasil, por meio do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).
Resultados Foram construídos dois DSCs: diferenças culturais e transformações identitárias; e subalternização e racialização dos corpos, a partir dos quais foram abordados aspectos das diferenças e transformações culturais, pertencimento, preconceito e discriminação, que atravessam o cotidiano da pessoa migrante e refugiada. O processo migratório provoca transformações e confrontos de identidades e corporeidades, indicando proposições da terapia ocupacional que considerem os contextos culturais e a ruptura do cotidiano. O conceito de "corpo-território" explora a relação entre identidade, migração e costumes, em que o corpo (do) migrante torna-se espaço de negociações culturais e identitárias. A subalternização e racialização dos corpos dos migrantes dificultam sua integração e pertencimento, evidenciadas pelo racismo estrutural.
Conclusão O fenômeno migratório implica a ressignificação da identidade, da corporeidade e do cotidiano. Por meio do conceito de corpo-território e da interseccionalidade, é possível compreender como marcadores sociais, como raça, gênero e classe, estruturam desigualdades. Nesse contexto, práticas terapêuticas ocupacionais críticas e emancipatórias fortalecem redes de apoio e promovem a inclusão social, possibilitando a reconstrução de vidas, além de contribuir para políticas públicas mais justas e humanizadas.
Palavras-chave:
Migração; Atividades Cotidianas; Terapia Ocupacional; Cultura
Abstract
Introduction Migration is a complex economic, political and social phenomenon that impacts the daily life and corporeality of people.
Objective To analyze the daily life of migrated and refugee people in Brazil based on the dialogues with occupational therapy and the processes of corporeality.
Methodology Qualitative method and analysis of the life stories of 14 migrant and refugee people in the city of São Paulo, Brazil, through the Collective Subject Discourse (CSD).
Results Two CSDs were constructed: cultural differences and identity transformations; and subalternization and racialization of bodies, from which aspects of differences and cultural transformations, belonging, prejudice and discrimination were addressed, which cross the daily life of the migrant and refugee person. The migratory process causes transformations and confrontations of identities and corporealities, indicating propositions of occupational therapy that consider the cultural contexts and the rupture of daily life. The concept of "body-territory" explores the relationship between identity, migration and customs, in which the body (of the) migrant becomes a space of cultural and identity negotiations. The subalternization and racialization of the bodies of migrants hinder their integration and belonging, evidenced by structural racism.
Conclusion The migratory phenomenon implies the re-signification of identity, corporeality and daily life. Through the concept of body-territory and intersectionality, it is possible to understand how social markers, such as race, gender and class, structure inequalities. In this context, critical and emancipatory occupational therapeutic practices strengthen support networks and promote social inclusion, enabling the reconstruction of lives, in addition to contributing to fairer and more humanized public policies.
Keywords:
Migration; Activities of Daily Living; Occupational Therapy; Culture
Introdução
O fenômeno migratório, intensificado pela globalização e pelas transformações econômicas e políticas, configura-se como uma das questões centrais da contemporaneidade. A migração não se limita à mobilidade geográfica, mas envolve também um processo contínuo de ressignificação do cotidiano e de reconstrução identitária, que envolve dinâmicas complexas de pertencimento e reconhecimento. Agnes Heller (2008) ressalta que a vida cotidiana ocorre nas interações sociais e é atravessada por estruturas históricas e socioculturais. Dessa forma, compreender o cotidiano das pessoas migrantes é essencial para analisar os desafios e as possibilidades de inclusão delas nos territórios de acolhida. Esse processo envolve experiências de adaptação à nova cultura, aquisição e/ou desenvolvimento de novas habilidades e superação das barreiras linguísticas, sociais e econômicas (Salles, 2011; Imilan et al., 2015).
Além das questões identitárias e de pertencimento, a migração está atravessada por desigualdades estruturais que afetam determinados grupos de forma mais intensa do que outros. No contexto latino-americano, por exemplo, grupos historicamente subalternizados, como as populações negras e indígenas, enfrentam barreiras estruturais que limitam sua mobilidade social e restringem seu acesso pleno aos direitos de cidadania (Loango, 2020). O racismo estrutural, ao hierarquizar, inferiorizar e objetificar historicamente esses grupos, se articula à violência territorial e ao apagamento de suas contribuições culturais, afetando diretamente suas trajetórias migratórias.
A terapia ocupacional tem um papel fundamental na análise e na ação profissional junto às populações migrantes, pois contribui para ampliar sua participação social e fortalecer seus processos de pertencimento. Desde os anos 1990, a disciplina incorporou o conceito de cotidiano como um eixo central, rompendo com abordagens positivistas e introduzindo novas perspectivas metodológicas e teóricas (Galheigo, 2020; Salles, 2011). Tal incorporação sugere a leitura de que é no cotidiano que a vida se expressa, e que a terapia ocupacional precisa se posicionar e se afirmar numa ação crítica e emancipatória diante das dinâmicas de poderes, marcadas por padrões hegemônicos, colonialistas e colonizadores da normalidade, capacidade, produtividade e legalidade (Galheigo, 2020), das quais o processo migratório é atravessado. Assim, ao considerar a migração como um processo dinâmico e situado, a terapia ocupacional pode contribuir para a criação de estratégias que promovam a autonomia e a construção de novas redes de apoio para as populações migrantes em contextos de vulnerabilidade.
As razões para migrar, a decisão, a jornada, a inserção na sociedade receptora e a manutenção dos vínculos com a sociedade de origem são dimensões diferentes desta experiência (Arellano et al., 2016). Dados internacionais indicam que 52% dos migrantes são homens e 48% são mulheres, no entanto, a experiência migratória feminina apresenta particularidades que a diferencia da trajetória masculina e, apesar do crescimento da participação das mulheres nos fluxos migratórios, essa diferenciação de experiências permanece amplamente invisibilizada (Organização Internacional para as Migrações, 2018, 2019; Vicente Torrado, 2014). Segundo Tonhati & Macedo (2020), há um processo de feminização das migrações no Brasil, impulsionado pelo aumento da migração de mulheres de países do Sul Global, caracterizada pela precarização do trabalho, pela sobrecarga de trabalho de cuidados e pela exposição a violências interseccionais (Hirata, 2016).
A migração pode ser classificada em várias formas, cada uma com suas próprias motivações e características, refletindo a diversidade das experiências. Sayad (1998) discute a migração econômica ao descrever o imigrante como um trabalhador estrangeiro e destaca o caráter transitório dessa condição. O autor sugere que a identidade do imigrante está intrinsecamente ligada ao trabalho e que sua presença tende a ser tolerada apenas enquanto sua força de trabalho é necessária ao anfitrião. Essa migração é considerada uma das formas mais comuns de deslocamento humano e geralmente ocorre de maneira voluntária. Castles e Miller (2009) explicam que esse tipo de migração é feita, predominantemente, por pessoas jovens e economicamente ativas que se deslocam em busca de melhores oportunidades salariais e condições de vida. Além disso, há a migração social, caracterizada pela busca de acesso a melhores sistemas de saúde, educação e segurança.
Por outro lado, a migração forçada ocorre quando indivíduos são compelidos a deixarem seus países devido a conflitos, perseguições ou outras ameaças que tornam impossível ou insustentável sua permanência no local de origem. Esse grupo inclui pessoas deslocadas internamente, asiladas e refugiadas (Castles & Miller, 2009). A Convenção Internacional sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 definiu o refugiado como aquele que, devido a um temor justificado pela perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e não pode ou não deseja retornar (United Nations High Commissioner for Refugees, 1951).
Para compreender os fluxos migratórios no Brasil, especialmente entre 2010-2019, é essencial considerar o impacto da crise econômica internacional de 2007, que afetou profundamente a Europa e o Japão, influenciando também os movimentos migratórios na América Latina (Cavalcanti et al., 2015). Nesse período, observou-se um aumento significativo de migrantes do Sul Global, como senegaleses, congoleses, angolanos, haitianos e venezuelanos (Cavalcanti et al., 2022). O Brasil se tornou um destino viável devido ao Estatuto do Refugiado - Lei 9.474/97 (Roguet, 2009) e à nova Lei de Migração - Lei 13.445/2017, que facilitaram a entrada e permanência de estrangeiros (Brasil, 2021).
No mercado de trabalho brasileiro, os migrantes latino-americanos predominaram no primeiro semestre de 2020, com um crescimento expressivo no setor formal entre 2010 e 2019 (Cavalcanti & Faria de Oliveira, 2020). No entanto, persistem desigualdades: os homens ocupam cerca de 70% dos postos formais, embora o número de carteiras de trabalho emitidas para mulheres imigrantes tenha aumentado. Segundo o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), as mulheres imigrantes, em sua maioria jovens com ensino médio completo e originárias de países como Haiti, Venezuela, Cuba e Paraguai, buscam principalmente oportunidades de emprego (Tonhati & Pereda, 2021). Apesar disso, elas enfrentam disparidades salariais, recebendo cerca de 30% a menos do rendimento dos homens – essa disparidade se evidencia também em quesitos raciais, visto que migrantes negros ganham menos que aqueles que são brancos. Refugiados e solicitantes de refúgio têm os rendimentos mais baixos (Hallak & Simões, 2020).
A participação das mulheres nos registros migratórios cresceu, especialmente entre venezuelanas, haitianas e cubanas, mas elas ocupam menos de 30% dos empregos formais, e, quando ocupam, estão frequentemente em setores de baixa remuneração (Tonhati & Macedo, 2020). O aumento das migrações forçadas e do número de refugiados no Brasil intensificou as condições de exploração e desigualdades salariais (Silva, 2020). A pandemia de COVID-19 exacerbou essas desigualdades, evidenciando a precariedade enfrentada por migrantes e refugiados (Oliveira, 2020; Hallak & Simões, 2020; Tonhati & Macedo, 2020; Silva, 2020; Cavalcanti & Faria de Oliveira, 2020). Além disso, os migrantes enfrentam discriminações baseadas em seus costumes, sua língua materna, sua raça mas também a pigmentação da pele e origem, o que afeta diretamente sua participação social e exercício de direitos (Garuti, 2016).
A condição de não nacionalidade intersecciona com marcadores como raça, classe, gênero e sexualidade, gerando discriminações sobrepostas e desigualdades multifatoriais, afetando especialmente aqueles cujas corporeidades não se alinham aos padrões ocidentais da cis-heternormatividade racista e classista. Essas intersecções evidenciam como os referidos marcadores influenciam os modos de vida e demarcam lugares sociais, resultando em exclusão e violência, ao mesmo tempo em que reforçam hierarquias e dinâmicas de poder que perpetuam injustiças sociais (Gomes, 2003; Crenshaw, 2002; Brah, 2006; Ambrósio, 2020). Assim, a interseccionalidade (Crenshaw, 1989) é uma ferramenta analítica fundamental para compreender como os diferentes marcadores sociais são categorias de classificação que organizam a vida social.
Nessa perspectiva, a identificação das corporeidades possibilita aos sujeitos o reconhecimento de si e a redescoberta de percepções anteriormente não apreendidas (Saito & Castro, 2011). Parte-se do pressuposto de que corpo é aquele que nos dá forma, contorno, nos revela, nos aproxima e nos possibilita uma compreensão de mundo; é aquele que nos permite operar, ocupar, (re)pensar, (re)significar, refletir, agir, viver, existir, mas também nos segrega, nos compara, isola, exclui, adoece, nos coloca em diferenças, em disputas, guerras (Cirineu & Assad, 2022). Os processos de corporeidade pensam o corpo no espaço e no tempo, formado pelas inscrições históricas, culturais e experiências vividas (Saito & Castro, 2011). No caso de pessoas migrantes e refugiadas, as dificuldades de acesso aos direitos sociais e à participação social destacam a importância de o terapeuta ocupacional compreender os múltiplos eixos de inserção social, que se interseccionam para moldar as experiências desses indivíduos (Galheigo, 2012; 2014; Crenshaw, 2002; Brah, 2006; Bezerra & Trindade, 2014).
Nesse contexto, as redes de apoio podem contribuir para a (re)construção das corporeidades das pessoas migrantes, promovendo a elas autonomia, empoderamento e a ressignificação de suas trajetórias, agora com contornos mais dignos (Gomes, 2003; Merleau-Ponty, 2011). O fenômeno migratório ou de refúgio, além de implicar em mudanças territoriais, também provoca transformações cotidianas que podem impactar a saúde, o bem-estar e a percepção de pertencimento dessas pessoas. Assim, torna-se essencial o desenvolvimento de ações interseccionais e culturalmente alocadas, que considerem as especificidades das diferentes experiências, para que políticas e práticas inclusivas sejam implementadas de forma efetiva e equitativa.
Portanto, é fundamental analisar o fenômeno migratório e de refúgio sob a ótica do cotidiano das pessoas, explorando e valorizando suas histórias de vida desde a chegada ao novo país. Essa perspectiva faz interface com o conceito de interculturalidade, o qual oferece uma compreensão mais ampla das interações entre diferentes culturas, destacando as dinâmicas de poder, identidade e pertencimento que emergem nesses processos. Esse conceito não busca obstruir as diferenças culturais, mas, ao contrário, propõe um espaço de diálogo e troca, em que essas diferenças podem se entrelaçar e coexistir de forma construtiva. Nesse sentido, a interculturalidade reconhece tanto os conflitos quanto as possibilidades de entendimento e colaboração entre as culturas, promovendo uma convivência enriquecedora e respeitosa (Weissmann, 2018).
Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo analisar o cotidiano de pessoas migradas e refugiadas no Brasil a partir dos diálogos com a terapia ocupacional e os processos de corporeidade, considerando as dinâmicas de inclusão e exclusão social, além das estratégias desenvolvidas pelas pessoas e coletivos no contexto migratório ou de refúgio.
Método
Este estudo descritivo (Fernandes & Gomes, 2003) e exploratório (Gil, 1999), de natureza qualitativa (Minayo, 2008), foi realizado com 14 pessoas migradas ou refugiadas residentes na cidade de São Paulo, Brasil, vinculadas a uma instituição filantrópica, em dezembro de 2022. Com uma população aproximada de 12,3 milhões de habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020), São Paulo é um centro financeiro da América Latina e um destino atrativo para migrantes e refugiados, com um histórico de intensa migração desde o período colonial (SciELO, 2013). A Missão Paz, fundada em 1939 pelos Missionários de São Carlos, oferece suporte a migrantes e refugiados, incluindo a Casa do Migrante e o Centro de Estudos Migratórios (Missão Paz, 2021a, 2021b).
Os/as participantes foram selecionados com base em critérios específicos: ser migrante ou refugiado residente em São Paulo há pelo menos dois anos, ter idade mínima de 18 anos e ter sido indicado pela instituição filantrópica - excluindo-se aquele/as com déficits cognitivos, doenças mentais ou barreiras linguísticas que dificultariam o estudo.
Todos os participantes que concordaram em participar da pesquisa foram inicialmente convidados para uma breve entrevista individual, na qual foram coletados dados sociodemográficos, incluindo informações sobre idade, sexo, estado civil, escolaridade, ocupação, fonte de renda, arranjo familiar, número de pessoas residentes no domicílio, tipo de moradia, raça e país de origem.
Em seguida, as pessoas participaram de uma entrevista individual semiestruturada e aprofundada, conduzida por meio de perguntas abertas e norteadoras em relação ao processo migratório, seus impactos corporais e seus cotidianos. A duração média das entrevistas foi de cinquenta minutos; elas foram gravadas em formato digital, após a obtenção do consentimento formal dos participantes por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e posteriormente transcritas. Vale destacar que, das quatorze entrevistas realizadas, duas foram conduzidas em espanhol e doze delas, em português.
A fundamentação teórica da pesquisa baseou-se na Teoria do Cotidiano de Agnes Heller (2008), apropriada para análise qualitativa. Os dados sociodemográficos foram organizados em uma planilha Excel e utilizados para caracterizar os participantes. As entrevistas foram analisadas qualitativamente utilizando o software ATLAS.ti, versão 23 (ATLAS.ti Scientific Software Development GmbH, 2023), emergindo diversos eixos de análise a partir dos relatos transcritos.
Para a análise do material transcrito, adotou-se o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), por ser uma metodologia que possibilita a organização e sistematização dos discursos a partir de figuras metodológicas que representam os sentidos expressos pelos participantes como um todo significativo. Esse método permite uma exploração aprofundada das narrativas, destacando não apenas as estruturas linguísticas, mas também os significados subjacentes às falas individuais. Por meio dessa abordagem, buscou-se identificar pontos de convergência, divergência e complementaridade entre os discursos, possibilitando uma compreensão mais abrangente das percepções e experiências dos participantes. Dessa forma, o DSC contribui para a construção de um quadro analítico que esclarece, de maneira mais precisa, os objetivos delineados na pesquisa, garantindo maior fidelidade à diversidade de perspectivas apresentadas no estudo (Lefèvre & Lefèvre, 2012).
Segundo Lefèvre & Lefèvre (2012), o DSC é especialmente adequado para pesquisas de opinião, representações sociais ou, de modo mais abrangente, atribuições sociais de sentido, que utilizam como base de análise depoimentos ou outros tipos de material verbal, como artigos de revistas e jornais. O DSC se caracteriza por ser um método quali-quantitativo, preservando, ao longo de todo o processo, a natureza discursiva e qualitativa da opinião ou representação social, além de considerar a dimensão quantitativa, relacionada à representatividade e generalização dos resultados obtidos.
A aplicação do DSC configura-se como uma ferramenta estratégica para identificar e consolidar elementos comuns nos discursos de um grupo específico, permitindo a construção de uma representação significativa de indivíduos que compartilham uma determinada experiência. Nesse contexto, o método utiliza operadores e figuras metodológicas, como Expressões-Chave (ECH), Ideias Centrais (IC) e o próprio Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (Lefèvre & Lefèvre, 2012).
O DSC organiza trechos dos discursos singulares para compor uma narrativa coletiva, destacando o pensamento social de grupos por meio da reunião de expressões-chave (ECH) com significados convergentes. As ECH são trechos relevantes dos depoimentos, selecionados pela sua representatividade, enquanto as Ideias Centrais (IC) sintetizam de forma mais nítida o sentido dessas expressões. A partir dessas IC e ECH, o DSC é construído como um discurso-síntese, redigido na primeira pessoa do singular – pois é como se se criasse, a partir dele, um sujeito coletivo mesmo, unificado –, que reflete as percepções e opiniões compartilhadas por um grupo sobre um tema específico (Lefèvre & Lefèvre, 2012).
O processo de construção do DSC, para este estudo, iniciou com a transcrição das entrevistas e a subsequente identificação das ECHs. Em seguida, cada ECH foi associada a uma IC, que descrevia o conteúdo central expresso por aquela fala, ou seja, o tema ou ideia principal que o trecho representava. Após a definição das ICs, iniciou-se a construção dos discursos coletivos, que consistiu na elaboração de textos que agrupam as ECHs de diferentes falas sob a mesma IC, respeitando a linguagem dos participantes e preservando suas perspectivas, ainda que as anonimassem.
A metodologia do DSC possibilitou a compreensão do pensamento coletivo ao reunir e expressar, de maneira organizada, a diversidade de experiências e percepções singulares em um discurso que é, ao mesmo tempo, único e representante do coletivo. No presente estudo, o DSC foi utilizado para interpretar os materiais transcritos, complementando-se com os registros de campo para proporcionar uma análise mais ampla e contextualizada do objeto de estudo. A seguir, será apresentada uma tabela para exemplificar como foi realizada a organização dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs) segundo as ECHs e as ICs propostas por Lefèvre & Lefèvre (2012).
A inclusão da Tabela 1 com a organização do DSC, as ECHs e as ICs permitem uma visualização mais abrangente das dimensões analisadas, contemplando não apenas uma perspectiva isolada, mas a totalidade das manifestações, destacando padrões discursivos que refletem as complexidades da migração. Dessa forma, a estrutura apresentada ilustra as diferentes formas de vivência dos participantes em relação ao processo migratório, às diferenças culturais, ao pertencimento e aos desafios enfrentados no país de acolhimento. Além disso, evidenciou a interseccionalidade das experiências, mostrando como fatores, a exemplo de cultura, gênero, raça e status migratório, influenciam as vivências dos migrantes devido aos preconceitos que recaem sobre eles.
Organização dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs) segundo as ECHs e as ICs propostas por Lefèvre & Lefèvre (2012).
Dessa forma, o DSC permitiu a análise das representações sociais construídas por pessoas migrantes e refugiadas no Brasil, revelando aspectos como subalternização, identidade, cultura e costumes. A metodologia possibilitou, assim, captar a complexidade das interações sociais do novo cotidiano e as percepções subjetivas das pessoas participantes, oferecendo uma ferramenta robusta para explorar fenômenos sociais sob uma perspectiva qualitativa e interseccional. Os registros de campo complementaram a análise, proporcionando um entendimento mais amplo do objeto de estudo.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do “Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP”, sob o parecer nº 5.682.699.
Resultados e Discussão
Os dados sociodemográficos apresentados representam a complexidade e a diversidade da experiência de migrantes e refugiados desta pesquisa. A análise detalhada desses aspectos permite várias reflexões e implicações importantes, como pode se observar a seguir.
Conforme a Tabela 2, a variação nas idades dos participantes, que varia de 20 a 69 anos, indica a presença de diferentes gerações e, consequentemente, diferentes necessidades e experiências. A proporção de mulheres entre os migrantes participantes deste estudo (57,14%), embora ligeiramente superior à de homens (42,86%), sugere uma possível correspondência com tendências apontadas em pesquisas como a de Tonhati e Pereda (2021) e nos dados do Observatório das Migrações Internacionais (Cavalcanti et al., 2022). Esses estudos indicam um crescimento no número de mulheres migrantes no Brasil, especialmente entre jovens com ensino médio completo provenientes de países do Sul Global. No entanto, devido ao número reduzido de participantes neste estudo, esses achados devem ser interpretados com cautela, pois não temos a pretensão de generalizá-los, dissociando de seu caráter local. Os dados sobre estado civil e escolaridade indicam que 50,0% dos participantes concluíram o ensino médio, o que reflete parte da realidade socioeconômica desse grupo. Além disso, a situação laboral revela desafios importantes: 28,57% dos entrevistados estavam, à época, desempregados e 21,43% realizavam trabalho voluntário, o que evidencia dificuldades de inserção desses migrantes no mercado de trabalho brasileiro e a necessidade de estratégias que promovam maior empregabilidade e segurança econômica a esse grupo.
Esses achados dialogam com os dados do relatório anual da OBMigra de 2021, que ao comparar os dados de 2011 e 2021, observa-se uma mudança significativa no perfil educacional dos trabalhadores imigrantes no Brasil. Em 2011, a maioria possuía nível superior completo ou mais (51,9%), enquanto 27,1% tinham ensino médio completo. Já em 2021, esse cenário se inverteu: a proporção de imigrantes com ensino médio completo aumentou para 47,5%, enquanto a participação daqueles com ensino superior caiu para 21,2%. Além disso, houve um crescimento expressivo no número de trabalhadores com escolaridade abaixo do ensino médio, especialmente entre os sem instrução ou com ensino fundamental incompleto, cuja proporção passou de 5,8% para 12,3% no mesmo período (Cavalcanti et al., 2022).
De acordo com a Tabela 3, a análise das condições ocupacionais dos participantes deste estudo revela um cenário marcado por desafios estruturais no acesso ao mercado de trabalho formal e pela precarização das condições laborais. Os dados analisados revelam que 28,57% dos entrevistados encontram-se em situação de desemprego, o que evidencia desafios significativos no que tange à inserção no mercado de trabalho e à conquista da estabilidade financeira. Além disso, 21,43% recorrem ao trabalho informal, que serve como uma alternativa frequentemente adotada por esse grupo diante da falta de oportunidades no mercado formal e das barreiras específicas enfrentadas por imigrantes, como a falta de documentação regularizada e o desconhecimento das dinâmicas locais.
A fonte de renda dos participantes também reflete essa realidade de precariedade. O trabalho informal é a principal forma de sustento para 35,71% dos entrevistados, o que reforça a dependência de ocupações instáveis e de baixa proteção social. Além disso, 21,43% relataram não possuir fonte de renda fixa, o que sugere um quadro de vulnerabilidade socioeconômica. Em contraste, apenas 21,43% dos participantes têm acesso ao trabalho formal, o que indica um acesso ainda limitado a oportunidades regulamentadas.
Os achados deste estudo estão em consonância com os dados do Relatório de Migrações da OBMigra (2021), que indicam uma concentração significativa de trabalhadores sul-americanos no quintil de renda mais baixo (24,7%), com uma média salarial mensal de até R$ 1.254,00 (Cavalcanti et al., 2022). Esses resultados ressaltam a precarização das condições laborais enfrentadas por essa população e evidenciam a necessidade de políticas públicas voltadas à promoção da empregabilidade formal, à regularização migratória e à garantia de maior segurança econômica para os imigrantes.
Seguindo os dados da Tabela 4, a situação habitacional, em que 57.14% deles(as) residem em casas ou apartamentos alugados, é um indicativo das condições de vida e dos desafios enfrentados pelos migrantes e refugiados participantes do estudo. Esses dados dialogam com um estudo realizado com 102 migrantes haitianos em Caxias do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul, em que 98 deles (96%) declararam pagar aluguel e apenas 4 (4%) residiam em imóveis cedidos (Rossa & Do Amaral, 2020). Essas condições de trabalho e moradia precárias frequentemente têm implicações no cotidiano das pessoas migradas e refugiadas, que muitas vezes enfrentam inseguranças, de diversas naturezas, e limitações de acesso a serviços públicos essenciais, como os de saúde e transporte públicos. Essa situação talvez se agrave ainda mais quando discutimos sobre o acesso a serviços privados, que demandam investimentos financeiros.
A análise das condições de moradia dos participantes evidencia um cenário heterogêneo, caracterizado por diferentes arranjos residenciais, que refletem tanto maior independência quanto situações de vulnerabilidade. Destaca-se que 28,57% dos entrevistados vivem sozinhos, enquanto uma proporção equivalente reside com cônjuge e filhos. Outros arranjos incluem aqueles que vivem apenas com filhos (7,14%), somente com a mãe (7,14%) e aqueles compartilham a residência com outras pessoas (7,14%). Além disso, outros 7,14% relataram morar na Casa dos Migrantes, um espaço de acolhimento temporário que revela a ausência de uma rede de apoio familiar ou comunitária, bem como uma situação econômica fragilizada.
Quanto ao número de pessoas no domicílio, a maioria reside em lares com quatro indivíduos (35,71%), seguida por aqueles que vivem sozinhos (28,57%) ou em domicílios com duas pessoas (14,29%). Pouca gente vive com três (7,14%) ou seis (7,14%) pessoas, além de um caso excepcional de uma residência compartilhada por 52 indivíduos (7,14%), que é o caso da Casa do Migrante. Rossa & Do Amaral (2020) apontam em seu estudo que a maioria dos migrantes haitianos (34,31%) vivem com 3 pessoas na mesma casa; 24,5%, com 2 pessoas; 14,7%, sozinhos; 12,75%, com 5 pessoas; 11,76%, com 4 pessoas e 1,96% vivem com 6 pessoas na mesma casa. Dessa forma, a maioria dos migrantes vive com outros co-nacionais, não necessariamente parentes, o que reflete as dificuldades no cotidiano para se adquirir uma casa própria ou mesmo um imóvel alugado para cada um deles, além de evidenciar a necessidade de apoio de terceiros para se manterem, dado que a maioria deles não reside sozinho, possivelmente pela divisão dos custos domiciliares.
No que se refere ao tipo de moradia, a maior parte dos entrevistados (57,14%) reside em apartamentos ou casas alugados, o que demonstra que, apesar das dificuldades, muitos conseguem acessar imóveis que exigem uma condição financeira relativamente estável. No entanto, 7,14% vivem na Casa dos Migrantes, o que sugere uma situação de vulnerabilidade e necessidade de suporte habitacional. Além disso, 28,57% moram em pensões, uma opção de habitação transitória frequentemente associada a custos mais acessíveis e uma instabilidade financeira, que inviabiliza morar em imóveis alugados. Apenas 7,14% dos participantes mencionaram residir em ocupações, o que indica uma baixa procura a moradias informais ou coletivas.
Como se observa na Tabela 5, a pesquisa revela uma significativa diversidade de nacionalidades entre os migrantes no Brasil, com destaque para a predominância de pessoas vindas do Haiti (42,86%) e a presença significativa de migrantes de países como Peru (14,29%), Angola (14,29%), Chile (7,14%), República Democrática do Congo (7,14%), Bolívia (7,14%) e Paraguai (7,14%). Essa pluralidade cultural exige abordagens que reconheçam e respeitem as especificidades de cada grupo, uma vez que fatores como língua materna, tradições e experiências prévias impactam diretamente a forma como esses indivíduos se relacionam com os serviços de saúde e assistência social. Nesse contexto, a interculturalidade se torna essencial para promover a inclusão e garantir que as intervenções respeitem as identidades e as necessidades singulares de cada migrante e refugiado, criando espaços de diálogo, troca e fortalecimento mútuo entre as culturas.
Entre 2010 e 2021, dados do relatório anual OBMigra indicam que 57.028 pessoas foram reconhecidas como refugiadas no Brasil. Observa-se um marco em 2019 e 2020, anos em que 83,9% das concessões de refúgio desse período de mais de 10 anos foram registradas, com um pico em 2020, durante a pandemia de COVID-19, quando foram concedidos 26.577 pedidos de refúgio. Em termos regionais, a América Latina assumiu um papel central na dinâmica do refúgio no Brasil nesse período, consolidando-se especialmente a partir de 2016. No total, 85,6% dos refugiados no período analisado eram venezuelanos, seguidos por pessoas de nacionalidade ou residência na Síria, o que indica a centralidade da crise venezuelana no cenário de refúgio no Brasil e reforça a necessidade de uma resposta estruturada e adequada a essa mobilidade humana em crescente transformação (Cavalcanti et al., 2022).
Entre os participantes deste estudo, dois indivíduos de origem angolana relataram ter solicitado refúgio no Brasil, cada um motivado por diferentes circunstâncias de vulnerabilidade. Ambos evidenciam a complexidade das trajetórias migratórias e os múltiplos fatores que motivam a busca por refúgio, como a violência, a insegurança e a instabilidade política e territorial do país de origem, o que ressalta a importância de políticas públicas e serviços de acolhimento que garantam suporte e proteção adequados para a integração dos migrantes na sociedade de destino.
Esse panorama sociodemográfico ilustra as condições de vida dos migrantes participantes deste estudo e introduz a análise das experiências migratórias. Ao compreender as diferentes origens, arranjos familiares e desafios ocupacionais, podemos avançar na análise das vivências dos migrantes, que será realizada por meio dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs), o que permite uma compreensão mais detalhada das dinâmicas envolvidas no processo de migração e no cotidiano:
DSC1 - Diferenças culturais e transformações identitárias: corpo-território e a experiência migratória
Cultura é um conceito múltiplo e complexo, o qual é pensado e discutido por muitos campos de conhecimento. É a partir da contribuição do antropólogo Franz Boas que o conceito é concebido como produção e fomento de identidades e significados a partir da experiência social e suas relações (Boas, 2005). Parte-se também da ideia de um campo vasto, democrático, diverso e contextualizado, que se define como um processo de existir, criar e expressar os modos de viver, sentir, fazer, construir e sonhar (Silvestrini, 2019).
Nesse sentido, compreende-se a migração enquanto um fenômeno sociocultural (Bezerra & Alves, 2022), o qual envolve interações culturais, sociais e identitárias entre indivíduos e grupos. A mobilidade intensa de pessoas em todo o mundo, a partir do início do século XXI, marca o fenômeno da migração, no qual ocorre o processo da interculturalidade, que se refere à interação e convivência entre diferentes culturas dentro de uma mesma sociedade, o que transpassa a simples coexistência, como no multiculturalismo. A interculturalidade pressupõe um diálogo e uma troca efetiva entre as culturas coabitantes, promovendo o respeito mútuo e a inclusão, de modo que as diferenças culturais não sejam obstáculos à coesão social, mas sim vistas como oportunidades de enriquecimento mútuo (Caetano & Paiva, 2018). Contudo, a interculturalidade deve ser compreendida como um elemento central para promover a participação e inclusão dos migrantes (Samacá & Ortiz, 2020).
No Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) abaixo, é possível perceber como esse fenômeno ocorre, tensionando a dimensão cultural:
O mais difícil mesmo é o idioma, né? Eu tinha três meses para aprender a língua, né? Tinha que me esforçar bastante [...] [sou] uma pessoa que mudou muito, que saiu do país porque tive que me adaptar a renascer em outro lugar, aos costumes, [à] língua e [à] essência da vida. [...] Eu sinto muita falta [...] da comida! Na minha terra, a gente come pouco feijão. Comemos feijão uma vez por mês. Meu corpo não está adaptado ao feijão todos os dias. Nunca comi arroz e feijão e, depois de começar a comer arroz e feijão todo dia, o corpo fica pesado. [...] Eu vou te falar uma coisa, hoje eu adoro feijão [...]. Eu gosto de verdura, gosto de legumes, gosto de carne, gosto de peixe. [...] É folha de mandioca [...]. Folha de mandioca você pode colocar lá, peixe, pode colocar lá, bacalhau [...] tá vendendo já folha de mandioca [se referindo ao Brasil], agora tá bom [...] Porque tem muita [gente] africana já, né? Tá vendendo folha de mandioca. [...] A cultura [é diferente também, aqui] [...] eu vi as pessoas colocando mais short, muito curto, [as] crianças vão para as escolas. No meu país, todo mundo usa uniforme. Mulheres [aqui usam] [...] pulseira no pé. Na nossa cultura, não! [...] no Haiti, não tinha o costume de usar blusa [de frio] [...] E você também não vai querer morar igual. Porque você já tem seus costumes. Então não é o mesmo costume que você tinha quando você morava com os teus pais. [...] O imigrante tem que se comportar bem, seguir os princípios do país. [...] Para se viver bem tem que se comportar e seguir tudo que o país está precisando.
Alguns fragmentos do DSC evidenciam um processo dinâmico de transformação e reconfiguração identitária, no qual pessoas migrantes e refugiadas constroem novas práticas e, ao mesmo tempo, preservam elementos de suas tradições culturais. Esse DSC ilustra ainda, como a adoção de novos hábitos, inicialmente marcados por estranhamento, transforma-se em uma experiência de inserção cultural.
O corpo do migrante, inicialmente resistente ao novo, ao desconhecido, passa por uma reconfiguração ao incorporar elementos da cultura local. No entanto, essa adaptação não ocorre de forma total, pois as tradições de origem permanecem presentes, criando uma tensão entre o que tem a se aprender e o já aprendido. Esse fenômeno pode ser compreendido à luz da teoria de Frantz Fanon (2008), que, em seus estudos sobre a colonização e suas consequências psicológicas tanto para o colonizado quanto para o colonizador, descreve o corpo do sujeito em contextos de deslocamento cultural como frequentemente objetificado. Para Fanon, o indivíduo colonizado vive uma "dupla consciência", na qual ele transita entre a identidade imposta pelo colonizador e pela cultura dominante e a identidade construída a partir de suas próprias raízes culturais. Nesse contexto, o migrante experimenta uma fragmentação da identidade, que se reflete não apenas na adaptação aos novos hábitos, mas também na tensão constante entre o desejo de integração e o de preservação de sua identidade primeira.
A "dupla consciência" de Fanon ajuda a entender como o corpo, em sua relação com a nova cultura se torna um espaço de transformação, em que o migrante não abdica de suas tradições, mas também busca se ajustar ao novo contexto. Assim, ao entrar em contato com outras culturas, as pessoas migrantes e refugiadas podem experienciar não apenas uma mudança geográfica, mas também simbólica, que afeta sua relação com o corpo e com sua própria identidade.
Nessa perspectiva, a partir do conceito de interculturalidade - o qual pressupõe-se não abrir mão de sua identidade cultural, mas participar de uma dinâmica social que promova a justiça e a dignidade para todos (Caetano & Paiva, 2018), além de privilegiar o diálogo, a vontade da interrelação e da não sujeição à dominação (Dantas, 2017) -, pode-se promover o debate para que possa existir o pertencimento apesar das diferenças culturais, que remetem às ideologias de pertencimento e seus usos, até mesmo políticos, especialmente quando em contextos de desigualdades (Seyferth, 2011).
É perceptível, no DSC, que outros modos de ser e existir imperaram diante de um novo cotidiano, expresso em elementos como a língua materna, a alimentação, as vestimentas, o ingresso das crianças na escola e os costumes diários. Esses são elementos culturais fundamentais que influenciam e são influenciados pelo meio em que existem. Como qualquer outro aspecto cultural, podem se tornar tão representativos a ponto de funcionarem como símbolos de identificação e distinção, e compõem, assim, a corporeidade. Dessa forma, a migração/refúgio enquanto fenômeno sociocultural tensiona a alteridade nas relações, nas atividades humanas e no modo como os indivíduos vivenciam seus cotidianos, todavia, essa diferença cultural, vivenciada por sujeitos historicamente diasporizados, implica na construção identitária e no surgimento de novas subjetividades, a partir de experiências cotidianas (Bezerra & Alves, 2022). Essa perspectiva está em conformidade com pesquisas que evidenciam que a pluralidade cultural e a formação de novas identidades são constituídas na diferença cultural (Seyferth, 2011). Nesse sentido, compreende-se que as atividades humanas, a partir do processo migratório, são mobilizadas para um acontecer em novos espaços existenciais, políticos e de criação de vida (Sato & Barros, 2016).
Tomando como exemplo os trechos do DSC acima que expressam o elemento cultural referente à alimentação, e, ao considerar que 69,24% dos participantes deste estudo declararam-se pretos, é válido mencionar que Bezerra & Alves (2022) destacam que migrantes africanos no Brasil enfrentam desafios financeiros que impactam diretamente seus hábitos alimentares, exigindo um constante reequilíbrio entre a cultura de origem e as condições do país de acolhimento. Esse fenômeno também é observado em outros contextos migratórios, como entre refugiados africanos reassentados na Austrália, onde crianças e adolescentes tendem a adotar alimentos locais, enquanto adultos buscam mesclar ingredientes tradicionais com novos elementos (Barcelos et al., 2023). Nesse sentido, o trecho do discurso “Na minha terra, a gente come pouco feijão. Comemos feijão uma vez por mês. [...] Eu vou te falar uma coisa, hoje eu adoro feijão [...]" a aceitação do feijão, um alimento típico do Brasil, não representa apenas uma adaptação passiva à cultura do país de acolhimento, mas sim um processo ativo de ressignificação e integração, no qual os sujeitos reconstroem suas identidades a partir do diálogo entre a cultura de origem e a cultura local.
A esse respeito, inspirando-se nas ideias de Leda Martins (2021) sobre o conceito de encruzilhada1, pode-se inferir que a migração e/ou refúgio pode ocupar um lugar de interseções culturais em que corpos diversos e à margem se confrontam e recriam seu lugar no mundo, na medida em que novas corporeidades emergem.
Nesse entendimento aqui proposto sobre novas corporeidades, destaca-se o conceito de corpo-território, o qual é uma ferramenta teórica fundamental para compreender as experiências de migrantes e refugiados, especialmente no que diz respeito à relação entre identidade, pertencimento e práticas cotidianas. Gago (2019, p. 107) define o corpo-território como uma “continuidade política produtiva e epistêmica do corpo enquanto território”, desconstruindo a noção liberal de corpo como propriedade individual. Em vez disso, o corpo-território é entendido como uma construção coletiva e relacional, cujas fronteiras são constantemente reconfiguradas pela interação com o mundo material e simbólico. No contexto da migração e refúgio, essa perspectiva ganha relevância, pois os corpos dos migrantes são atravessados por deslocamentos físicos, culturais e identitários.
A migração não implica apenas uma mudança geográfica, mas também uma reconfiguração profunda do corpo-território. Ao atravessar fronteiras, migrantes e refugiados vivenciam um processo de desterritorialização e reterritorialização, no qual seus corpos são redefinidos por novas experiências culturais, políticas e sociais. A alimentação, a vestimenta, a linguagem, bem como as normas e regras do novo país, enquanto práticas cotidianas e culturalmente significativas, tornam-se um eixo central nesse processo. Elas funcionam como um espaço de negociação identitária, em que os migrantes ressignificam suas tradições e constroem novos laços com o território de acolhimento.
Sob a perspectiva de Fanon (2008), observa-se que a migração impõe pressões de conformidade e assimilação, mas também abre espaço para agenciamento e ressignificação cultural. Mulheres e homens migrantes ou refugiados agenciam e reconfiguram suas identidades, transformando experiências de estranhamento e deslocamento em oportunidades de (re)afirmação cultural. Esse processo é atravessado por múltiplas camadas de opressão e resistência, especialmente quando consideramos os marcadores de classe social, gênero e de raça na condição migratória. Mulheres e homens haitianos e negros, ao vivenciarem a migração, não apenas enfrentam o racismo estrutural presente na sociedade brasileira, mas também carregam consigo histórias de resistência e estratégias de preservação cultural que se manifestam no cotidiano.
Essa agência pode ser observada no DSC, quando os participantes narram como incorporam novos hábitos em seus cotidianos sem abrir mão de práticas e valores que reafirmam suas culturas de origem.
É folha de mandioca [...] Folha de mandioca você pode colocar lá, peixe, pode colocar lá, bacalhau [...] tô vendo, tá vendendo já folha de mandioca [se referindo ao Brasil], agora tá bom [...] Porque tem muita [gente] africana já, né? Tá vendendo folha de mandioca.
O ato de buscar e consumir alimentos que remetem à terra natal transcende a mera alimentação, tornando-se um gesto político de reafirmação identitária e cultural. Em um contexto marcado por tentativas de homogeneização cultural e pela desvalorização das tradições afro-diaspóricas, o direito à alimentação tradicional adquire um significado profundo: é uma forma de preservar memórias, fortalecer redes de pertencimento e resistir à imposição cultural hegemônica (Krone & Menasche, 2016). Portanto, é essencial problematizar as dinâmicas sociais e as desigualdades estruturais que atravessam o cotidiano dessas populações, uma vez que as políticas migratórias e as práticas institucionais frequentemente reforçam processos de exclusão e subalternização. A partir dessa compreensão, destaca-se o papel do terapeuta ocupacional como articulador social, capaz de ampliar redes de apoio e promover o acesso a direitos fundamentais e iniciativas que valorizem a diversidade cultural (Barros & Galvani, 2016). A análise do corpo-território no contexto da migração revela a complexidade das experiências identitárias e culturais vividas por migrantes e refugiados.
Nesse sentido, ao compreender que o cotidiano dos migrantes e refugiados é atravessado por outros costumes, por uma outra cultura, percebe-se que os aspectos culturais das atividades humanas é uma dimensão a ser considerada pela terapia ocupacional, como nos alertam Lavacca & Silva (2023), haja vista que, ao considerar os contextos socioculturais, a terapia ocupacional lida com cotidianos com rupturas, acondicionados pelo sistema-mundo-colonial e capitalista (Bezerra & Alves, 2022), no qual o fenômeno da migração ocorre. Assim, é no cotidiano que condições e processos hegemônicos e colonizadores se materializam, produzindo atravessamentos na tessitura da vida de cada indivíduo (Galheigo, 2020).
Nesse contexto, a prática terapêutica ocupacional deve considerar o contexto sócio-histórico do país, mobilizando recursos e estratégias para a participação social (Bezerra & Alves, 2022). Partindo da análise do cotidiano, os terapeutas ocupacionais podem colaborar para que esses sujeitos e grupos se ressignifiquem, permitindo que integrem suas tradições culturais às novas experiências, fortalecendo a identidade cultural e promovendo um espaço de pertencimento e de contratualidades.
DSC 2 - Subalternização e racialização dos corpos migrantes na busca por pertencimento
O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) apresenta uma análise crítica das experiências de discriminação enfrentadas por migrantes e refugiados participantes deste estudo, em sua maioria mulheres negras haitianas. Este DSC evidencia como a vulnerabilidade social e a subalternização se manifestam em diferentes contextos, como o trabalho e a educação, reforçando dinâmicas de exclusão e desigualdade.
De acordo com Castel (1994), a vulnerabilidade social pode ser compreendida como uma condição de instabilidade resultante da fragilização dos eixos estruturantes da rede social de suporte: o trabalho e os vínculos sociais. Quando um indivíduo perde a segurança em um ou em ambos os eixos — seja pela precarização das condições de trabalho ou pela fragilidade nos vínculos sociais e na rede de apoio social — ele se encontra em uma situação de vulnerabilidade. Castel descreve que essa condição pode evoluir para um processo de "desfiliação", no qual o sujeito é gradualmente deslocado de uma posição de inclusão social (com acesso a direitos sociais) para uma situação de marginalização, caracterizada pela perda progressiva de direitos e laços sociais.
Esse processo é dinâmico, já que as fronteiras entre as zonas de inclusão, vulnerabilidade e desfiliação são "porosas" e podem ser ampliadas por crises econômicas, desemprego em massa, conflitos, e outros contextos adversos. Nessas circunstâncias, a precariedade no trabalho e a ruptura dos vínculos sociais se retroalimentam, tornando o sujeito mais suscetível à desfiliação e aumentando sua vulnerabilidade frente às conjunturas sociais e econômicas (Castel, 1994).
O DSC a seguir destaca ainda a discriminação relacionada à corporeidade, à origem, à cor da pele e ao status de documentação, revelando como esses fatores contribuem para a marginalização econômica e social. Este DSC expõe dinâmicas de exclusão e desigualdade, evidenciando a interseção entre preconceito racial e precarização do trabalho, além de reforçar a importância de compreender melhor as estruturas que perpetuam essa marginalização:
Estrangeiro nenhum se sente parte do país em que mora. Eu não pertenço [...] Não [me] sinto, não, [pertencente]. [...] E o mais interessante e triste foi que recentemente tive uma conversa com uma assistente social que me disse que: "você deveria estar na sua terra!" E eu disse: "ah, interessante!". E ficou comigo como uma coisinha aqui, mas eu disse "não vou levar a sério porque sei qual é a ideologia dela, o pensamento dela", mas muitas vezes, mesmo sendo positivo nisso tudo, às vezes essas coisinhas te esmagam, te fazem doer a alma! [...] Eu sou [...] uma [pessoa] imigrante que não queria ser imigrante.[...] É, sofro, sim, mas no fundo a gente não carrega nada disso, né? No fundo a gente não carrega nada disso. Porque é a pessoa. Talvez ela foi criada assim, né? Para ela está bem, mas para o outro não está bem. [...] Como eu tinha falado também, a questão do nepotismo, a pessoa prioriza mais alguns, né? Isso também faz parte, né? Eu acho que é mais de pele, de onde que vem, né? Tem isso também. [...] É, porque aqui antes de entrar, como nós não era daqui e eu trabalhava, não recebia o valor que eu tinha que receber por causa disso. Então quando eu falava assim, não, mas o salário era assim. Aí diziam "não, você não merece, você não tem documento, você não tem isso!", eu me sentia muito discriminada. Meus filhos quando foram pra escola também foram discriminados, porque como eles não são daqui [...] eles também tiveram muito preconceito. [...] Mostra-se a rejeição que eles têm em relação aos imigrantes. Tem rejeição, sim, não vamos negar, tem rejeição, sim, de todos os lados. Não é toda pessoa que respeita as outras igual.
A experiência migratória envolve múltiplas dimensões, que vão além da mobilidade geográfica e refletem processos discursivos e políticos fortemente influenciados pela globalização. No caso dos migrantes e refugiados, a necessidade de adaptação a novos contextos impõe a negociação entre identidades "antigas" e "novas", o que Stuart Hall (2014) define como hibridismo identitário. Essa construção dinâmica da identidade está diretamente ligada às relações de poder e representação, que moldam as formas de pertencimento e exclusão nos territórios de acolhimento.
Esse Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) evidencia essas tensões identitárias ao revelar como os migrantes vivenciam processos de exclusão racial e social. A afirmação “Eu não pertenço” expressa não apenas um sentimento de deslocamento, mas também os efeitos estruturais da marginalização e da racialização dos corpos migrantes não brancos. Essa percepção ressoa com a análise de Santos (2007), que aponta a invisibilização das identidades racializadas como um dos mecanismos que perpetuam desigualdades no acesso a direitos fundamentais, como trabalho, moradia e educação. No contexto migratório, essas desigualdades são intensificadas pelo preconceito racial e pela xenofobia, que reforçam a vulnerabilidade social dos imigrantes (Conselho Nacional de Justiça, 2024).
A racialização dos corpos migrantes não brancos opera como um marcador social que os posiciona como "outros" na sociedade de acolhimento. Esse processo não é apenas simbólico, mas se materializa em barreiras institucionais que limitam suas oportunidades de inserção, como discutido por Nogueira (2007). No Brasil, a discriminação racial assume tanto formas sutis como escancaradas, ambas naturalizadas, tornando ainda mais difícil o enfrentamento do racismo e aprofundando as desigualdades raciais (Lima & Vala, 2004).
Sayad (1998) complementa essa análise com o conceito de "dupla ausência", que descreve a condição do migrante como alguém deslocado tanto de seu país de origem quanto do de acolhimento. Essa exclusão torna-se ainda mais evidente no mercado de trabalho, em que muitos imigrantes acabam aceitando empregos precários e sub-remunerados, distantes de suas formações e aspirações profissionais. Esse fenômeno, denominado por Sayad (1998) como "capital de migração", reforça a precariedade e a subalternização desses trabalhadores.
A história migratória não pode ser analisada apenas sob a ótica econômica, pois envolve dinâmicas complexas de transformação que interagem com fatores como raça, gênero e classe social. Crenshaw (2002) propõe que esses marcadores sociais da diferença não agem isoladamente, mas de forma interseccional, moldando as desigualdades e as posições sociais dos indivíduos de maneira entrelaçada. Nesse sentido, como enfatiza Brah (2006), a teoria da interseccionalidade oferece uma ferramenta essencial para compreender como essas estruturas de poder se reforçam mutuamente, ampliando as barreiras e desafios enfrentados por grupos que já se encontram à margem da sociedade.
Essas desigualdades afetam diretamente as possibilidades de reconhecimento ou invisibilização dos migrantes nos espaços urbanos. A forma como o Estado e a sociedade tratam essas populações (perceptível, respectivamente, por meio das políticas públicas instauradas e pelos discursos que circulam sobre esse grupo) impacta diretamente seu acesso a serviços essenciais e sua capacidade de exercer plenamente os direitos de cidadania. Desrosiers (2020) aponta que a negação do reconhecimento da identidade agrava a marginalização e dificulta a construção de uma nova vida socialmente integrada.
As marcas corporais da migração também desempenham um papel fundamental e fundante nesse processo. Os corpos dos migrantes, ao carregarem sinais de pertencimento a determinados grupos raciais ou étnicos, são lidos e categorizados pela sociedade receptora, influenciando sua aceitação ou rejeição. Jiménez-García & Jiménez Vicioso (2019) discutem a relação entre migração, estereótipos e xenofobia, evidenciando como a discriminação ocorre em diversas esferas, como o mercado de trabalho e a educação.
Esse DSC revela essas práticas discriminatórias, como ilustrado pelo fragmento "eu não recebia o valor que eu tinha que receber por causa disso", que evidencia a desvalorização do trabalhor e do trabalho do migrante. Esse tipo de exclusão reforça estereótipos que justificam a marginalização dos imigrantes, vinculando sua presença à informalidade e à precarização. A relação entre discriminação racial e exclusão social também se reflete na afirmação "mais de pele, de onde que vem", que destaca a racialização da xenofobia.
A desvalorização do trabalho dos migrantes está diretamente ligada às estruturas do racismo estrutural, como discutido por Fanon (2008). Em Pele negra, máscaras brancas, o autor analisa como a cor da pele se torna um marcador social da diferença que desumaniza e subordina determinados grupos, criando um sistema hierárquico que perpetua sua marginalização. Essa lógica se reflete na forma como os migrantes racializados são tratados no mercado de trabalho, muitas vezes relegados a ocupações precárias e sem perspectivas de ascensão.
Esse contexto se alinha à análise de Castel (1994), que destaca a desfiliação social como um processo que não apenas exclui os migrantes da esfera econômica, mas também compromete sua participação social e política. A precariedade das condições de trabalho, aliada à ausência de redes de suporte, intensifica sua vulnerabilidade e dificulta sua integração plena à sociedade.
A exclusão dos migrantes também ocorre de maneira intergeracional, afetando suas famílias e, em especial, seus filhos. Bertoldo (2021) discute como a xenofobia não se limita à questão nacional, mas também incorpora dimensões raciais e identitárias que reforçam a marginalização desses indivíduos. Esse fenômeno é evidenciado nas experiências relatadas pelos participantes do estudo, que descrevem as rejeições escolares e dificuldades no acesso a direitos básicos.
Mundim & Santos (2022) identificam dois fatores centrais que explicam o preconceito contra migrantes no Brasil: a competição econômica e o preconceito racial. O primeiro refere-se à percepção de que os imigrantes ameaçam a estabilidade do mercado de trabalho nacional, enquanto o segundo está ligado a estigmas baseados na raça e na etnia. No DSC acima, essa dinâmica é explicitada nas experiências de discriminação no trabalho e na escola, onde a xenofobia se manifesta tanto pela desvalorização salarial quanto pela segregação social.
A análise do DSC confirma empiricamente os mecanismos de exclusão, subalternização e discriminação enfrentados pelos migrantes no Brasil. Estudos como os de Pauli et al. (2021) e Camargo & Herédia (2018) destacam que a falta de documentação, a racialização e a precarização do trabalho contribuem para a manutenção das desigualdades estruturais, tornando a integração dos migrantes ainda mais difícil.
Diante desse cenário, torna-se fundamental a implementação de políticas públicas que promovam acesso ao trabalho digno e que combatam a xenofobia e o racismo, garantindo a inclusão real dos imigrantes e promovendo uma sociedade mais justa.
Neste sentido, as ações em terapia ocupacional podem ser entendidas como uma práxis transformadora e libertadora (Farias & Lopes, 2022), alinhadas com o pensamento de Freire (2013) e Lefèbvre (1991), que vêem, no cotidiano, um campo fértil para a resistência às opressões e à alienação. A terapia ocupacional não só fortalece o pertencimento, mas também desafia as narrativas e práticas hegemônicas que relegam esses indivíduos à subalternização.
Ao abrir espaços para que os migrantes expressem suas identidades culturais, desenvolvam habilidades e ampliem suas redes sociais de suporte, a terapia ocupacional se torna uma potente ferramenta de resistência e emancipação. Dessa forma, a práxis terapêutica-ocupacional é instrumentalizada para a antiopressão (Farias & Lopes, 2022), posicionando-se ao lado dos sujeitos como facilitadora de uma revolução cultural permanente (Lefèbvre, 1991). Esse processo transcende o indivíduo e impulsiona transformações socioculturais e econômicas, essenciais em contextos em que as dinâmicas de poder e exclusão perpetuam a vulnerabilidade social.
Considerações Finais
A análise do fenômeno migratório a partir dos diálogos com a terapia ocupacional, os processos de corporeidade, a interseccionalidade e o cotidiano revela a complexidade das experiências vividas por migrantes e refugiados. Esses indivíduos, ao atravessarem fronteiras geográficas e simbólicas, enfrentam desafios que vão além da adaptação a um novo território, envolvendo a reconstrução de suas identidades, a ressignificação de seus corpos e a reconfiguração de suas práticas cotidianas. O conceito de corpo-território, oferece uma ferramenta teórica fundamental para compreender como os corpos dos migrantes são espaços de negociação e de expressão cultural coletiva.
A interseccionalidade, também como chave analítica, permitiu identificar como marcadores sociais como raça, gênero, classe e status migratório se interseccionaram para produzir desigualdades que ressoaram no cotidiano dessas pessoas. No contexto brasileiro, a racialização dos corpos migrantes, especialmente de mulheres negras haitianas, evidencia como o racismo estrutural e a xenofobia se materializam em barreiras institucionais e práticas discriminatórias, limitando o acesso a direitos fundamentais como trabalho, moradia e educação.
O cotidiano, como espaço em que a vida se expressa e se reconstrói, é um eixo central para a atuação da terapia ocupacional. A migração impõe rupturas e transformações no cotidiano que vão desde a alimentação e a vestimenta até a linguagem e os vínculos sociais. Essas mudanças, muitas vezes marcadas por estranhamento e resistência, podem se tornar oportunidades de ressignificação e integração cultural.
Os DSCs evidenciaram como os migrantes negociam suas identidades, preservando elementos de suas culturas de origem enquanto incorporam novos hábitos e práticas. Essa dinâmica de hibridismo identitário, reflete a capacidade de agenciamento desses indivíduos, que transformam experiências de deslocamento em processos de (re)afirmação cultural.
Nesse sentido, a terapia ocupacional tem um papel crucial na promoção da interculturalidade, ao considerar os contextos socioculturais e as dinâmicas de poder que atravessam o cotidiano dos migrantes, atuando como articuladores sociais, facilitando a construção de redes de apoio e a participação social destas pessoas na sociedade. A prática terapêutica ocupacional deve, portanto, ser orientada por uma abordagem crítica e emancipatória, que reconheça as desigualdades estruturais e promova a justiça social.
Nosso estudo, apesar de não ter a pretensão de propor generalizações para o contexto brasileiro como um todo a partir dos nossos dados, revelou-se muito proveitoso também no sentido de dialogar com estudos feitos em escala nacional, como citado ao longo do texto. A proporção de mulheres participantes deste estudo ser maior do que a de homens em 14,28% se equaliza com as tendências apontadas por Tonhati e Pereda (2021) e com os dados do Observatório das Migrações Internacionais (Cavalcanti et al., 2022). Ademais, os achados sobre escolaridade também estão em consonância com o relatório anual da OBMigra de 2021, que apontam que 47,5% dos imigrantes no Brasil concluíram o ensino médio. Nossa pesquisa dialoga com a de Rossa & Do Amaral (2020) também, realizada no Rio Grande do Sul, sobre as questões de moradia, visto que a maioria dos participantes desse estudo pagam aluguel. Essas correlações apontam para a necessidade de outros estudos, feitos em diferentes localidades, que confirmem e/ou atualizem essas informações coletadas para que se tenha um panorama cada vez mais abrangente. Assim, apesar da não pretensão, nossos resultados apontam para um padrão que se repete em diferentes níveis, o que, em conjunto, pode servir de base para a criação ou mesmo aprimoramento de políticas públicas voltadas a esse grupo.
Por fim, é fundamental destacar a importância de políticas públicas que garantam o acesso a direitos básicos e combatam a xenofobia e o racismo, sobretudo a essa xenofobia racializada, com a implementação de ações interseccionais e culturalmente alocadas, que valorizem as diferenças culturais e promovam o pertencimento.
A terapia ocupacional, ao se posicionar como uma disciplina comprometida com a transformação social, pode contribuir para a criação de espaços onde migrantes e refugiados possam reconstruir suas vidas com dignidade e autonomia, integrando suas tradições culturais às novas experiências e fortalecendo suas identidades e corporeidades em um contexto de respeito e inclusão.
Assim, a migração e o refúgio, enquanto fenômenos socioculturais, desafiam a terapia ocupacional a repensar suas práticas e a atuar de forma mais engajada e sensível às demandas dessas populações, reconhecendo que o cotidiano é um espaço de luta, resistência e possibilidade de transformação.
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Da esfera do rito e da performance, tem-se a ideia de encruzilhada como locus de interseção, que cartografa os diversos movimentos de recriação, improviso e assentamento das manifestações culturais e sociais; lugar de centramento e descentramento, interseções e desvios, confluências e alterações, influências e divergências, fusões e rupturas, multiplicidade e convergência, unidade e pluralidade, origem e disseminação.
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Como citar:
Cirineu, C. T., Assad, F. B., & Braga, I. F. (2025). “Estrangeiro nenhum se sente parte do país em que mora”: cotidiano de pessoas migradas e refugiadas no Brasil a partir de diálogos com a terapia ocupacional e os processos de corporeidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3996. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO408239961
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Editado por
-
Editora de seção
Profa. Dra. Roseli Esquerdo Lopes
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
20 Nov 2024 -
Revisado
01 Mar 2025 -
Aceito
20 Mar 2025
