Resumo
Introdução O estágio profissionalizante é o primeiro contato de estudantes de terapia ocupacional com o mercado de trabalho. Está relacionado com a formação no ensino superior pela possibilidade do aprofundamento em diferentes campos de atuação, dando ênfase à experiência prática. É a oportunidade de vivenciar a prática em terapia ocupacional e adquirir competências e habilidades próprias da ação profissional.
Objetivo Investigar como tem se dado a relação entre a prática profissional e o processo de aprendizagem de estudantes de terapia ocupacional em estágio não obrigatório, bem como suas condições de contratação.
Método Estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo-exploratório, que aplicou entrevistas semiestruturadas com oito estudantes de terapia ocupacional de uma universidade pública da região Centro-Oeste do Brasil. A análise dos dados teve como referência a análise de conteúdo.
Resultados As participantes se identificaram pelo sexo feminino, tinham idades entre 18 e 24 anos quando ingressaram no estágio não obrigatório, e cinco delas estavam cursando até o quinto semestre. Para a maioria delas, a motivação para a busca pelo estágio não obrigatório foi o desejo de ter mais experiência prática, entretanto, os relatos revelam um processo de precarização do trabalho e transformação do estágio em subemprego, as estagiárias encontram-se sem amparo e vulneráveis a situações de abusos, desvio de função e sobrecarga.
Conclusão A realidade é percebida como incompatível com o objetivo prioritário educativo e formativo, apontando para a urgência de um olhar mais cuidadoso para estas atividades.
Palavras-chave:
Ensino Superior; Atividades de Formação; Formação Profissional; Estudante; Trabalho
Abstract
Introduction The professional internship is the first contact that occupational therapy students have with the job market. It is related to higher education as it allows for deepening in different areas of practice, emphasizing practical experience. It is an opportunity to experience occupational therapy practice and acquire the skills and competencies specific to professional action.
Objective To investigate how the relationship between professional practice and the learning process of occupational therapy students in non-mandatory internships has developed, as well as their hiring conditions.
Method A qualitative study, of a descriptive-exploratory nature, that conducted semi-structured interviews with eight occupational therapy students from a public university in the Central-West region of Brazil. Data analysis was based on content analysis.
Results The participants identified as female and were aged between 18 and 24 when they started their non-mandatory internship, with five of them attending up to the fifth semester of the program. For most of them, the motivation for seeking a non-mandatory internship was the desire to gain more practical experience. However, the reports reveal a process of job precarization and the transformation of the internship into a form of underemployment. The interns find themselves without support and vulnerable to situations of abuse, role distortion, and overload.
Conclusion The reality is perceived as incompatible with the primary educational and formative objective, pointing to the urgency of a more careful approach to these activities.
Keyword:
Higher Education; Teaching; Professional Training; Students; Work
Introdução
A formação profissional em terapia ocupacional instala-se no Brasil em 1965 por meio do Curso Técnico em Reabilitação, na Escola de Reabilitação do Rio Janeiro (EERJ) e em 1958 pelo Instituto Nacional de Reabilitação, vinculado ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, impulsionado pelo movimento internacional para reabilitação, desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) (Reis & Lopes, 2018), o que inicia uma expansão de mercado e formação de novas profissões em países emergentes (Lopes, 1991). A regulamentação do campo como profissão, em conjunto com a Fisioterapia, deu-se pelo Decreto-Lei de 13 de outubro de 1969 (Brasil, 1969), que regulamenta as intervenções dessas profissões e dá as bases para a organização do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) em 1975. Esse conselho opera como uma autarquia pública federal com a função de normatizar e fiscalizar o exercício profissional de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
Atualmente, conforme os dados do Ministério da Educação, Sistema e-MEC, existem no cenário brasileiro setenta e quatro (74) cursos de graduação presenciais em terapia ocupacional autorizados e dezesseis (16) na modalidade à distância (Brasil, 2024). As estruturas dos cursos são organizadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional (DCNs) (Brasil, 2002), e a carga horária, atualmente com o mínimo de 3.200 horas, é regulamentada pela Resolução nº 06 de abril de 2009 do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Ensino Superior (CNE/CES) (Brasil, 2009).
As DCNs estabelecem para o perfil profissional de egressos uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, pautada nos fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da terapia ocupacional e seus diferentes modelos de intervenção, com base no rigor científico e intelectual (Brasil, 2002). Os conteúdos organizados de forma teórico-prática são de relevância para formação de terapeutas ocupacionais, que, somadas às atividades extensionistas e aos estágios curriculares, denotam uma compreensão qualificada sobre a profissão (Bertossi et al., 2023). Essas atividades coadunam com a recomendação da Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais na realização de 1.000 horas em práticas supervisionadas para a formação (World Federation of Occupational Therapists, 2016).
Especificamente sobre os estágios profissionalizantes, as DCNs estabelecem em seu artigo 7º a carga mínima de 20% da carga horária total do curso para a realização de estágios curriculares (Brasil, 2002). Segundo a Resolução n.º 452, de 2015, essas atividades caracterizam-se como a inserção de estudantes ao mercado de trabalho,
[…] um ato educativo supervisionado, desenvolvido em diversos cenários de práticas, no contexto de articulação ensino-serviço, no ambiente de trabalho e que visa à formação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em Instituições de Ensino Superior (IES) […] visa ao aprendizado, a aquisição de competências e habilidades próprias da especificidade da atividade profissional, desenvolvimento do estudante para o trabalho e para a vida cidadã complementarmente (Brasil, 2015).
Os estágios profissionalizantes são divididos em obrigatórios e os não obrigatórios. O estágio obrigatório faz parte do currículo e está previsto no projeto político-pedagógico do curso, cujo cumprimento é requisito para aprovação e obtenção do diploma. Já o estágio não obrigatório é uma atividade opcional, que complementa a carga horária regular e obrigatória da formação (Brasil, 2008).
Em relação ao estágio não obrigatório em terapia ocupacional, foco deste estudo, o COFFITO especifica os requisitos necessários para o estudante que deseja ingressar nessa modalidade, sendo eles: estar cursando a partir do sexto semestre ou terceiro ano do curso e cumprir carga horária de até 30 horas semanais; ter supervisão direta pelo terapeuta ocupacional da unidade concedente; acompanhamento do terapeuta ocupacional docente da instituição de ensino, sendo ambos responsáveis pelo estágio junto ao Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito) de sua localidade (Brasil, 2015).
Considerando a legislação estabelecida pela Lei n.°11.788 de setembro de 2008, a realização da modalidade de estágio não obrigatório envolve a celebração de um termo de compromisso entre o estudante, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino (Brasil, 2008). Segundo as normativas da universidade apontada nesta pesquisa, além do Termo de Compromisso do Estágio (TCE), o estudante deve receber uma bolsa ou outra forma de contraprestação de serviços que seja acordada com a empresa; receber auxílio-transporte; ter seguro contra acidentes pessoais; ter recesso de 30 (trinta) dias; renovar seu contrato até o período de dois anos. A jornada de trabalho não pode ultrapassar 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais (Universidade de Brasília, 2022).
Ressalta-se que o exercício do estágio não obrigatório tem seu respaldo legal e pode ser uma atividade benéfica para a formação do estudante, uma vez que ele assume trabalhos referentes à formação acadêmica e também pode adquirir uma remuneração. Porém, considerando, por exemplo, os contextos da formação em meio à pandemia da COVID-19 e as condições de vulnerabilidade social enfrentadas por estudantes de terapia ocupacional (Borba et al., 2020), essa atividade passou a ser uma fonte de renda segura desses estudantes, e, em alguns casos, até mesmo a principal e única fonte de renda pessoal - ou até familiar.
Nesse sentido, e ampliando a discussão para o contexto pós-pandêmico, o estágio não obrigatório tornou-se, nos últimos anos, um recurso para estudantes conseguirem manterem-se financeiramente estáveis na universidade, uma vez que geralmente os auxílios fornecidos pelas Instituições de Ensino Superior (IES) e as bolsas de iniciação científica e extensão, por exemplo, não contemplam as necessidades dos estudantes ou mesmo não atendem todos os que necessitam.
A busca por outras atividades que possam gerar remuneração acaba sobrepondo as demandas básicas do curso, como os estudos, as atividades de extensão e pesquisa, as atividades práticas e as responsabilidades com as disciplinas do semestre (Maia et al., 2020), fator contribuinte para a sobrecarga dos estudantes, que reflete na rotina acadêmica (a frequência nas aulas, a disciplina nos estudos e o bom desempenho), mas também toca em questões pessoais, como a alimentação saudável e regular, o autocuidado, uma boa qualidade do sono, entre outros aspectos. O estágio não obrigatório remunerado, sob o aporte desses fatores, apresenta ao estudante a experiência de inserção ao campo profissional e todas as contradições existentes entre a relação educação-trabalho, sobretudo, nos aspectos da precarização oriundas das políticas de austeridade impostas durante as últimas décadas.
Estudos nacionais sobre os estágios, tanto obrigatórios quanto não obrigatórios, mostram a predominância de uma perspectiva mercadológica e de precarização do trabalho, visível na substituição e implementação de mão de obra de baixo custo, em detrimento da formação pedagógica do estágio com caráter curricular, ou seja, do compromisso com o aprendizado prático relacionado às proposições teóricas e que, em muitos casos, ocorre sem a orientação de supervisores, por meio de um vínculo legal frágil e muitas vezes inexistentes com as instituições e proprietários da concedente (Linhares et al., 2021; Reis, 2012), caracterizando uma relação baseada na precarização na dinâmica do trabalho assalariado.
No contexto da terapia ocupacional, a escassez de profissionais aptos a prestar assistência às populações que demandam de uma intervenção terapêutica ocupacional, pressiona terapeutas ocupacionais para a “[…] produtividade, resolutividade e eficácia das práticas empreendidas” (Mângia & Almeida, 2003, p. 1). Agrupadas a precarização e a fragilidade para com os direitos trabalhistas assegurados aos estagiários, intensifica-se a precarização do trabalho e a exploração da mão de obra, de modo que a formação pedagógica fica em segundo plano. Para Valeriano (2009, p. 3), “[…] a questão central da precariedade do trabalho do estagiário é a legislação evasiva que determina seu caráter”, ou seja, os estagiários têm tido todos os deveres comuns a um profissional contratado, porém, sem compartilhar de seus direitos trabalhistas.
Assim, essa pesquisa buscou investigar a relação entre a prática profissional e o processo de aprendizagem de estudantes de terapia ocupacional em estágio não obrigatório, bem como suas condições de contratação e de trabalho.
Método
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ceilândia, sob parecer número 114290/2023 e CAAE: 74646923.0.0000.8093, e cumpriu todos os aspectos éticos que envolvem pesquisas com seres humanos, conforme Resolução n.º 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.
Esta pesquisa se baseia na abordagem qualitativa, do tipo descritivo-exploratório. Creswell (2010) cita que a pesquisa qualitativa usa estratégias de investigação como narrativas, fenomenologias, etnografias, estudos baseados em teoria ou estudos de teoria embasados na realidade. Para Gil (2017), estudos do tipo descritivo buscam analisar as características da população (idade, sexo, procedência, nível de escolaridade, estado de saúde física e mental, etc.) ou fenômeno, além do estabelecimento entre variáveis. Sendo trabalhado em conjunto com a pesquisa exploratória, o tipo descritivo proporciona maior familiaridade com o problema e visa o aprimoramento de ideias e novas descobertas.
O estudo foi realizado na Faculdade de Ceilândia (FCE), da Universidade de Brasília (UnB). O campus Ceilândia foi inaugurado no ano de 2008 a partir do programa de apoio aos planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), como resultado de movimentos sociais da comunidade local para o acesso à universidade gratuita e com o desafio de ampliar e instituir cursos na área de saúde, dentre eles os de enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, saúde coletiva e terapia ocupacional (Universidade de Brasília, 2024), sendo este o único curso ofertado por uma IES pública na região Centro-Oeste. O curso da FCE/UnB possui carga horária de 3.510 horas, é ofertado na modalidade presencial, em turno diurno (integral), com o limite de permanência entre 8 e 12 semestres (Universidade de Brasília, 2023).
Os participantes foram recrutados por conveniência, caracterizada pelo recrutamento de pessoas acessíveis e que contemplaram os critérios de inclusão elencados no projeto de pesquisa do estudo. Turato (2013) afirma que essa forma de seleção ajuda o pesquisador a entender a questão de pesquisa e os participantes colaboram melhor com dados ricos em significados do objeto de estudo do pesquisador.
A coleta dos dados ocorreu no mês de dezembro de 2023 com oito (8) estudantes do curso de terapia ocupacional, isto é, trata-se de estudantes que estavam com matrícula ativa durante o ano da pesquisa e que vivenciaram e/ou estavam vivenciando a experiência de estágios não obrigatórios. Foram excluídos da pesquisa os estudantes que estavam em atividades domiciliares e aqueles que trancaram o curso no decorrer da pesquisa.
Para o recrutamento dos participantes, foram solicitadas, à comissão de estágio do curso de terapia ocupacional da FCE, as informações sobre quais discentes estavam realizando estágio não obrigatório até o momento da coleta, com registro ativo no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (Sigaa) e com o Termo de Compromisso de Estágio Não Obrigatório assinado pelas partes envolvidas, conforme termos da Lei 11788/2008. Foram identificados quatorze (14) estudantes elegíveis para participar da pesquisa. Desses, oito (8) foram entrevistados, compondo a amostra final por saturação, que corresponde à interrupção de novos participantes quando se identifica a repetição dos dados, demarcando o ponto de saturação da amostra, também influenciado pelo referencial teórico utilizado e pela homogeneidade da população estudada (Fontanella et al., 2008).
Como instrumento de pesquisa foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada por suscitar opiniões dos participantes e por favorecer uma interação em que seja possível captar os pontos de vista, as crenças e as representações dos sujeitos de pesquisa em relação ao objeto de análise (Flick, 2004). Para orientar a condução das entrevistas foi utilizado um roteiro, elaborado pelas pesquisadoras e com base na literatura nacional sobre a temática, que envolveu informações sobre dados sociodemográficos, a percepção das participantes sobre o estágio não obrigatório, as influências dessa atividade de estágio no dia a dia das estudantes, bem como sobre o processo de contratação e relações de trabalho no ambiente do estágio.
Para o procedimento de coleta de dados, foi feita uma divulgação nas plataformas de redes sociais e grupos virtuais, considerando aqueles que os estudantes mais acessam ou utilizam, visando alcançar o maior público de estudantes que passaram pela experiência do estágio não obrigatório. A pesquisadora entrou em contato com os estudantes que demonstraram interesse em participar da pesquisa e que foram selecionados a partir da aplicação dos critérios de inclusão e de exclusão.
As entrevistas foram agendadas em dias e horários conforme a disponibilidade das participantes que aceitaram participar da pesquisa voluntariamente. Foi reservado um local na própria universidade, para o encontro único e individual, com duração média de 30 minutos. Ressalta-se que antes do início da entrevista, a pesquisa e seus objetivos foram apresentados, e as dúvidas, esclarecidas, de modo a verificar novamente o interesse das estudantes em participar do estudo após terem mais conhecimento sobre a pesquisa. Todos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por fim, as entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas, a fim de obter os dados integralmente, preservando sua originalidade, tanto quanto possível, considerando as diferenças de registro. Os dados provenientes da realização da pesquisa, como a transcrição das entrevistas, ficaram sob a guarda da pesquisadora responsável pela pesquisa.
A análise dos dados teve como referência a análise de conteúdo de Bardin, cuja ênfase é, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos, desmembrar o texto em unidades, em indicadores formados a partir da investigação dos principais temas que emergem no discurso, que permitem a inferência de informações e conhecimento. A técnica de pesquisa de Análise de Conteúdo defendida por Bardin (2011) se estrutura em três fases: 1) pré-análise; 2) exploração do material, categorização ou codificação; 3) tratamento dos resultados, inferências e interpretação. A técnica da análise do conteúdo permite explorar e interpretar os conteúdos das falas e seus significados, por meio de uma análise sistemática e objetiva, possibilitando uma classificação categorial (Bardin, 2011).
Resultados e Discussão
O estudo contou com a participação de oito (8) estudantes, que se autoidentificam com o sexo feminino, com idade entre 18 e 24 anos, a maioria delas solteiras (n= 6), sem filhos (n =7), que se autodeclaram brancas (n=5), com renda familiar de até dois salários-mínimos1 (n=5) e que moravam, à época, com os pais e/ou familiares (n=6).
A maioria das participantes (n=5) informou que quando ingressaram no estágio não obrigatório estavam cursando até o quinto semestre, e, para a maioria delas, a motivação para a busca pelo estágio não obrigatório foi o desejo de ter mais experiência prática. Os dados do perfil desses estudantes estão descritos na Tabela 1, a seguir:
Destaca-se que uma estudante cursava o sétimo semestre (4º ano) e duas, o sexto (3º ano), as três aptas a cursarem essa modalidade de estágio perante as normativas vigentes (Brasil, 2015). Duas estudantes cursavam o quinto semestre (3º ano), duas, o quarto e uma, o terceiro (2º ano), somando mais da metade desse universo de pesquisa que desenvolveram seus estágios de forma irregular, uma vez que a resolução nº 452 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Brasil, 2015), ainda que sem definições atualizadas e mais robustas, regula que o estágio não obrigatório apenas pode ser desenvolvido se os estudantes estiverem cursando, no mínimo, o sexto período do curso ou terceiro ano da graduação, respeitando a jornada de 30 horas. De antemão, isso já demonstra a precarização dessa prática, na qual a informalidade na contratação e orientação supervisionada, exigidas como parte da ação educativa que envolve as vivências práticas em estágio, não se efetivam.
Importa destaque sobre a motivação para a realização do estágio, o que revela que a maioria indica a aquisição de experiência, mas também há aquelas que sinalizam os motivos financeiros, assim como também revela o estudo de Lima et al. (2021), em que os estagiários buscam sustentação financeira no estágio não obrigatório para manutenção e permanência no ensino superior. Trata-se, portanto, de uma realidade de alguns dos estudantes universitários que necessitam conciliar estudo e trabalho para manutenção pessoal e familiar, e que veem, inclusive, na realização do estágio não obrigatório uma forma de aliar as demandas financeiras.
Segundo Freitas et al. (2020), em cursos diurnos, que possuem atividades de ensino em período integral, o estágio não obrigatório é uma forma de gerar renda por meios legais e exercer funções aprendidas na formação, a partir da flexibilização em horários que sejam possíveis a realização desses. Porém, essa prática pode colocar a função educativa em segundo plano, se a remuneração for o foco principal, como ocorreu, por exemplo, durante o período da pandemia, quando o aumento no desemprego de muitas famílias intensificou a busca por uma atividade remunerada nessa modalidade também pelos estudantes.
Outro ponto a ser destacado é que o público atendido pelas participantes deste estudo é composto por crianças, em sua maioria, com transtornos do neurodesenvolvimento, em empresas privadas, o que sugere que esse pode ser um dos públicos com uma atuação relevante de terapeutas ocupacionais encontrado nessa região, no recorte desta pesquisa. Os serviços de atuação desses estagiários são, em sua totalidade, em clínicas particulares, com recorte de setores como estimulação precoce, desenvolvimento e aprendizagem, reabilitação integrada, reabilitação multiprofissional e atenção à criança autista. Cabe destacar que as funções desempenhadas junto à população atendida pelos estagiários eram: acompanhar e/ou auxiliar os atendimentos de terapia ocupacional supervisionados na assistência às crianças autistas, com Síndrome de Down, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e demais síndromes; atendimento supervisionado executando atividades de dessensibilização (tátil, olfativa, gustativa), de seletividade alimentar, consciência corporal, motricidade fina, habilidades em treino de atividade de vida diária (AVD), estimulação precoce, orientação ao paciente; confecção de recursos terapêuticos; preparação de ambiente e de material, registro de dados e evolução do caso em prontuário; supervisão semanal com o terapeuta ocupacional.
Nesse contexto, a análise dos dados advinda das narrativas das estudantes revelou quatro categorias: a) Significado do estágio não obrigatório nas atividades diárias e acadêmicas vivenciados pelas estagiárias de terapia ocupacional; b) Relações contratuais e precarização dos vínculos de trabalhistas por parte das empresas e da universidade; c) Estagiário ou profissional? Condições de trabalho e o papel exercido pelo estagiário e; d) Ensino e aprendizagem dos estagiários no desenvolvimento do estágio não obrigatório.
Significado do estágio não obrigatório nas atividades diárias e acadêmicas vivenciadas pelas estagiárias de terapia ocupacional
Estudantes de terapia ocupacional em estágios têm a possibilidade de articular a teoria e a prática, o ensino e a aprendizagem, e desenvolver novas funções proporcionadas pela experiência de aplicar na prática o que aprendeu na teoria. Todavia, as exigências estabelecidas sobrecarregam os estudantes a ponto de comprometer as suas atividades cotidianas e acadêmicas, pois o estágio exige desses estudantes um confronto com múltiplas e complexas tarefas (Zbuinovicz & Mariotti, 2021).
Interações diversas e complexas que se situam geralmente em dois níveis: institucional e individual, ou seja, institucionalmente, o cotidiano do estudante em estágio é atravessado por atividades acadêmicas do dia a dia da vida, como frequentar as aulas, realizar provas e tarefas, participar de projetos de extensão, monitoria e pesquisa, enfrentar os novos desafios de aprendizagem, manter um relacionamento social com os demais colegas e professores. Entre os elementos individuais estão as atividades básicas necessárias ao autocuidado, como higiene, tomar banho, comer, limpar a casa e lavar roupa, assim como lazer, sono e descanso (Taylor, 2017).
Nota-se que, com o decorrer do curso, as responsabilidades e as exigências inerentes ao processo formativo aumentam, sendo o estágio uma das atividades mais significativas na formação profissional desses estudantes (Thew et al., 2023; Silva & Teixeira, 2013). Nos relatos a seguir, as estudantes expressam o modo como entendem as atividades diárias e desempenho acadêmico após ingressarem no estágio não obrigatório:
Dá preguiça até de tomar banho. Chego tão cansada que eu entro debaixo do chuveiro e penso “meu Deus, ainda tenho que lavar meu cabelo? Escolher entre comer e dormir…” (Participante 2).
Sim, a gente fica muito sobrecarregada e ainda mais que eu tenho que cuidar da casa. Então, quando eu chego em casa, eu ainda tenho que fazer as coisas de casa e eu já estou exausta, e aí eu fico estressada porque eu tive que manter minha postura o dia todo, então quando eu chego em casa, eu estou explodindo de estresse. Então é difícil sim conseguir conciliar. Acaba que você deixa outras, é... algumas demandas, né? [...] acaba que você não consegue descansar, porque o dia que você tem para descansar, você tem que fazer o que você não conseguiu fazer na semana (Participante 6).
O estágio não obrigatório é desenvolvido como uma atividade opcional, somada à carga horária regular e obrigatória (Brasil, 2008), podendo não ser bem administrado, tornar-se um fator de sobrecarga tendo em vista seu caráter complementar, de forma que o estudante acaba lidando com as questões acadêmicas obrigatórias e simultaneamente com as não obrigatórias. Aliado a isso, reforça-se que as participantes cursavam um curso integral, exigindo maior organização das estudantes para aliar as demandas pessoais, estudantis e profissionais.
Considerando esse contexto, tal sobrecarga pode ser um fator de risco para o sofrimento de estudantes de terapia ocupacional. Na perspectiva de Hirsch et al. (2018), a falta de tempo para estar com a família, descansar ou para realizar atividades de lazer, leva o estudante a uma sobrecarga de estresse e consequentemente ao desgaste físico e emocional.
Dessa forma, a organização da rotina do estudante é um ponto a ser problematizado, pois a sua alteração pode influenciar tanto no seu desempenho acadêmico, como na sua saúde e bem-estar. É possível notar a sobrecarga que as estagiárias vivenciavam em seu dia a dia, como destacado nas falas, a seguir:
Então, eu não me organizava muito [...]. Mas eu acho que a gente sempre fica mais focado no estágio do que na faculdade, isso pelo menos aconteceu comigo. Foi até um dos motivos que eu quis parar com o estágio, porque eu estava vendo que eu estava um pouco deixando a faculdade de lado (Participante 5, grifo nosso).
Organizar não era bem organizado. Eu acho que isso foi uma das coisas que me fez praticamente explodir ali em algum momento, porque eu fazia como dava no dia. Então, às vezes, as demandas do estágio não obrigatório acabavam preenchendo mais do que o necessário, tipo, mais do que eu podia. Era sempre meio descompensado (Participante 4, grifo nosso).
Em alguns momentos, a sobrecarga vivenciada pelas estagiárias repercutiu em aspectos da saúde mental, evidenciada por meio de sintomas de sofrimento psíquico, como ansiedade, depressão, entre outros. Uma das participantes relatou os reflexos na sua saúde:
Teve uma época, eu estava fazendo 20 horas no [estágio] não obrigatório, mais o estágio [obrigatório], foi até no outro semestre, eu estava com a grade muito pesada. Na clínica, [chegavam] pacientes muito severos, um atrás do outro, agressivos, enfim, tive vontade de chorar, assim, de não conseguir parar, conseguir respirar, tipo, eu chegava em casa e chorava todo dia (Participante 6).
Com certeza eu sinto ansiedade. É o principal, é muita ansiedade, e sobrecarga... teve duas vezes, não, três vezes, mês passado que eu tive crises de ansiedade e eu não tinha crises de ansiedade há um ano (Participante 3).
[...] ansiedade um pouco, porque a gente fica ali num ambiente onde as pessoas nem se falam, elas não conversam, onde você não sabe se você está sendo correta, está trabalhando ali, fingindo que é uma pessoa formada (Participante 7, grifos nossos).
Para Rudnicki & Carlotto (2007), os cenários de estágios e o contato com os pacientes tendem a aumentar a ansiedade pelas exigências que esse período apresenta, de que assumam uma postura profissional e integrem o que foi aprendido na teoria com a prática. Ademais, os relatos revelam a demanda por um suporte mais próximo junto ao estagiário em relação ao acompanhamento de suas atividades.
O último relato aborda a falta de supervisões, que além de ser um elemento essencial para garantir a boa prática profissional para quem se encontra em formação é, sobretudo, obrigatório de acordo com o Artigo 2º da Resolução nº 452, de 26 de fevereiro de 2015 do COFFITO. A supervisão ajuda o estagiário a refletir sobre sua atuação, o que pode colaborar inclusive na redução de ansiedade ocasionada pela sobrecarga de trabalho e insegurança de não ter com quem compartilhar, num cenário ilusório do qual estagiárias são colocadas como profissionais já formadas. Essa necessidade de um acompanhamento profissional, por parte das estagiárias, também fica evidente quando a participante 7 relata que “[…] está trabalhando ali, fingindo que é uma pessoa formada”, uma vez que, pela ausência de uma profissional qualificada e formada que a supervisione, ela talvez não se sinta confortável o suficiente para expor abertamente que está em um processo formativo, e que, consequentemente, pode errar em certos momentos. Essa ausência, somada à pressão por ter que assumir responsabilidades para as quais não tem formação necessária - e pelas quais não recebe a devida remuneração -, aumenta o nível de ansiedade e de automonitoramento das estudantes durante o estágio, práticas que têm consequências negativas também em suas vidas particulares.
Estudos apontam que os estágios, frente às exigências mercadológicas impostas nesses postos, podem estar muito distantes de seu objetivo pedagógico originalmente previsto, especialmente quando se constituem como uma oportunidade de contratação de mão de obra de baixo custo para empresas (públicas e privadas). Considerando que grande parte das atividades desempenhadas é de baixo nível de exigência e desempenho e sem supervisão (Amorim, 1995; Lima et al., 2021), a contratação pode acarretar inseguranças, medos e ansiedade nas/nos estagiários, que, como apontado pela pesquisa, procuram esses trabalhos também como fonte de renda.
Sobretudo, o que os dados apresentados trazem para essa reflexão é uma problematização importante de ser feita quanto ao momento adequado, à maneira como é conduzido e à função que o estágio não obrigatório realmente cumpre na formação profissional. Ele deveria ser realizado possibilitando uma prática complementar de forma produtiva e qualificada para o aprendizado. No entanto, quando mal planejado e desprovido de uma supervisão adequada, o estágio pode sobrecarregar o estudante, destoando da função pedagógica do estágio e transformando-se na necessidade por mão de obra barata, em detrimento do desenvolvimento profissional qualificado. Assim, é fundamental questionar se o estágio, nessas condições, contribui para a formação ou se acaba funcionando como um fator de exploração e desgaste, distanciando-se de seus objetivos educacionais e éticos.
Relações contratuais e precarização dos vínculos trabalhistas por parte das empresas e da universidade
Percebe-se, pelos dados obtidos, que o ingresso em estágios não obrigatórios diverge das normas obrigatórias que deveriam ser seguidas para a contratação e atuação dos estagiários, regimentadas pela Lei 11.788 (Brasil, 2008), que resguarda a prática da/do estagiário em seu ambiente de trabalho. Assim, o presente estudo questionou as participantes sobre a contração e celebração do Termo de Compromisso ao iniciar o estágio:
Na verdade, eu fui assinar por agora, mas assim que eu entrei, não assinei nada, não consegui assinatura da universidade. Aí o que eles fizeram? Eles mudaram o contrato, assinaram a nossa carteira, mas não está [registrado lá] como estagiária, tá como “auxiliar terapêutico”, vamos dizer assim (Participante 6).
Eu não assinei nenhum contrato. Tem contrato? Existe um? E aí eu fui vendo que realmente era que não estava, assim, bom para o meu lado, porque [eu] não tinha os meus direitos, quando eles me demitirem, eu nunca nem vou conseguir comprovar que eu trabalhei lá, né? (Participante 3).
Nesses relatos, compreende-se que as estagiárias se deparavam com desafios nos seus processos de contratação, como a não assinatura dos termos de estágio por parte da IES, conforme previsto pela Lei 11.788 (Brasil, 2008), pois, como apontado na Tabela 1, cinco das oito participantes da pesquisa cursavam do terceiro ao quinto semestre, o que, segundo a resolução nº 452 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Brasil, 2015), não pode ocorrer, por serem os primeiros períodos do curso, inviabilizando a legalidade da assinatura da instituição de ensino dos termos de estágio, levando a empresa concedente modificar a função desempenhada pelo estagiário para “auxiliar terapêutico” ou “monitor” ou, ainda pior, não formalizar a contratação.
Nelson et al. (2020) afirmam que o termo de compromisso precisa ser firmado anteriormente ao começo do estágio, e a ausência desse termo escrito ou mesmo sua elaboração irregular altera a natureza do exercício de estágio para contrato de emprego. Isso significa que o estudante que começa estágio sem assinatura de termo de compromisso é empregado e, em face o princípio da continuidade do contrato de trabalho, não pode ter o vínculo de estágio revalidado por um termo de compromisso posterior. A exigibilidade da assinatura do termo visa coibir a busca de estagiários como forma de substituir o trabalhador resguardado pela legislação trabalhista.
Nenhum dos 2 [documentos] eu assinei, não. Tá que eu fiz na primeira [clínica] e aí eu fiquei lá 4 meses. E aí depois, na segunda [clínica], acho que eu fiquei 6 meses. Acho que um pouquinho menos de 6 meses, e aí na primeira, eu não assinei nada. Aí depois eu assinei de monitora, se eu não me engano, que era o contrato, era um contrato de autônomo, como monitor e na segunda, nunca assinei nada (Participante 5).
O relato acima expõe a divergência da finalidade do estágio enquanto uma formação educativa, que, conforme Palmeira Sobrinho (2008), é afiguração ilegal de exploração do trabalho do estagiário com o objetivo de reduzir os custos de reprodução da força de trabalho de forma precarizada. A relação dos estágios não obrigatórios com a formação tende a evidenciar contradições na dinâmica do processo educativo e formativo, na medida em que o estágio acaba sendo convertido em relação salarial, com responsabilidades por demandas institucionais para além das previstas na legislação de estágio, porém sem os custos relativos às questões trabalhistas (Linhares et al., 2021).
A precarização do trabalho pode ser atribuída ao fato de que as relações têm se apresentado de diferentes formas, como é o caso dos diferentes tipos de contratação que fragilizam esse processo como: contratos de trabalho parcial, trabalho temporário, trabalho contingente ou intermitente (Nogueira & Carvalho, 2021) e, como no caso desta pesquisa, contrato de estágio.
Com o avanço progressivo dessas formas de trabalho, foram se ampliando as formas de trabalho consideradas precárias, caracterizadas por insegurança, falta de previsibilidade do futuro, vulnerabilidade econômica e, possivelmente, perda de direitos sociais (Barbier, 2005). Quando o estagiário é exposto a formas de contração nas quais a instituição não respalda a prática do estágio, ele torna-se vulnerável a situações de precarização e abuso, em que o estagiário não é identificado como um trabalhador formal, sendo assim, não possui vínculo empregatício e carece de direitos trabalhistas (Valeriano, 2009).
Um ponto que merece atenção é aquele relativo aos direitos e deveres dos estagiários. Assim, quando abordadas sobre o questionamento a respeito do conhecimento da Lei 11.788 (Brasil, 2008) e a Resolução n.º 452 (Brasil, 2015), as participantes demonstraram pouco ou nenhum conhecimento, o que causou impacto nos serviços prestados, dada a aceitação de situações abusivas e contratações em desconformidade com a Lei, visto que desconhecem os direitos que devem ser assegurados e o papel das instâncias envolvidas na contratação. Das oito entrevistadas, apenas duas demonstraram conhecimento sobre a Resolução e a Lei:
Sim, eu já tive contato. (Participante 1).
Eu já tive contato, mas não vou dizer que eu sei tudo (Participante 8).
Não, nunca nem vi (Participante 2).
Convém ressaltar que o Conselho de Classe é responsável pela fiscalização do exercício profissional do terapeuta ocupacional, incluindo quem realiza estágio nessa área, e que não abrange outras formas de atuação, como aquelas reveladas nas narrativas dos participantes desse estudo: coterapeuta, monitor ou auxiliar terapêutico, por exemplo. No entanto, o exercício da profissão de terapeuta ocupacional por uma pessoa não habilitada - sem graduação em terapia ocupacional, sem registro no conselho de classe - tipifica-se como uma contravenção penal, nos termos do artigo 47 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41), e o caso é encaminhado à polícia.
Neste sentido, ressalta-se a importância de discussões nos cursos de terapia ocupacional, como também em instâncias superiores da própria universidade, que envolvam a criação de estratégias que ampliem o diálogo sobre essas práticas e sobre as normas vigentes sobre estágios e demais assuntos junto aos estudantes e, sobretudo, junto aos conselhos. A necessidade surge com vistas ao fomento de debates e discussões que aprimorem e atualizem políticas, diretrizes e normas que assegurem, para as atividades de estágio não obrigatório, o caráter educativo, ético e complementar para as atividades obrigatórias na formação de estudantes. Considera-se que a aproximação entre a universidade e o Conselho de Classe, por meio de diálogos, visitas técnicas, parceria em projetos, apoio e participação em eventos, entre outros, podem ser um caminho viável e potente.
Estagiário ou profissional? Condições de trabalho e o papel exercido pelo estagiário
Uma das obrigações que a parte concedente do estágio possui é evidenciada no Art. 8º parágrafo da Resolução n.º 452 (Brasil, 2015), que dispõe sobre a obrigatoriedade de oferta de instalações, materiais e recursos adequados, além de equipamentos de proteção individual (EPI) aos estagiários, para garantir a qualidade da assistência terapêutica ocupacional. Compreende-se que a existência de espaço, recursos e condições de trabalho adequados permitem ao profissional e/ou estagiário atingir seu objetivo de cuidado com a pessoa atendida, ou seja, o ambiente de trabalho precisa ofertar instalações compatíveis e condizentes com a prática. Quando as participantes foram abordadas sobre como eram as condições de trabalho no local de desenvolvimento do estágio não obrigatório, elas responderam:
Foram enchendo a agenda, contratando um monte de estagiário aleatoriamente, e essa mesma sala que ficavam duas pessoas, já chegou a ficarem, tipo, seis atendimentos, seis ou cinco atendimentos ao mesmo tempo, dividindo [a sala]. Às vezes, as pessoas iam para sala da fisioterapia, onde não estava sendo usada, mas já teve vezes que eu fiquei, tipo, estressada e tal, por conta do barulho, né? Imagine a criança (Participante 4).
Agora melhorou, mas antes, assim, de recurso, faltava muito recurso. Então você tem que ficar inventando, levar de casa. Em relação ao ambiente melhorou porque eles mudaram para uma clínica nova, tipo um espaço, então tá tudo novinho, tem até ar-condicionado na sala. Mas antes não tinha nem ventilador. O problema mais é recurso mesmo. Se você quiser algo novo, você compra. Aí você leva o seu, você inventa, porque o que tem é pouco (Participante 6).
Lá, quando eu fiquei foi com atendimento com as crianças, era muito ruim, porque as salas eram tipo, assim, minúsculas. Os recursos eram terríveis, era tipo caixa de ovo, sapato usado, aquelas tintas pequenininhas, pincel e era isso, sabe? Se eu quisesse realmente fazer alguma coisa de qualidade, eu tirava do meu bolso e comprava, ou então eu tinha que ficar saindo assim, no meio da atividade para pegar, é... brinquedo, recurso emprestado, porque as pessoas também queriam usar e ficava aquela luta. Teve um período, assim, que realmente eu tirei dinheiro do meu bolso e comprei algumas coisinhas básicas, mas era o que dava (Participante 7).
A procura do estudante por um estágio não obrigatório perpassa pela expectativa de aprofundar os conteúdos específicos de uma determinada área de atuação, além de poder vivenciar, ao decorrer dessa experiência, oportunidades de prática, ensino e extensão, importantes para a consolidação do conhecimento no seu processo formativo. A rotina relatada pelas participantes da pesquisa em relação ao desempenho das atividades enquanto estagiárias evidenciam uma prática não educativa e quase nunca supervisionada:
Então, a gente atende sozinho, né? Tem um supervisor, mas não. Ele não acompanha os atendimentos. Na clínica, são 30 minutos para o atendimento. E aí dá umas 8 crianças, se forem todas, né? Então é isso (Participante 6).
Eu trabalhava todos os dias de manhã. Foi na época da pandemia, [...] eu atendia 6 pacientes, todos eu acho que eram 35. A sessão era de 40 minutos. No final da sessão, eu tinha que fazer a agendinha falando o que eu tinha feito com eles, e era só isso aí, isso no primeiro mês. No segundo mês, eu tinha que ficar fazendo o relatório das crianças, sabe? Então, assim, eram vários relatórios das crianças que tinham plano de saúde. E aí eu que fazia os relatórios para enviar para o plano de saúde, ou então algum relatório escolar, [...] alguma coisa assim para o pediatra que pediu para fazer avaliação (Participante 7).
[...] eu atendia 8 pacientes por turno… Mas, por exemplo, sábado eram 8 pacientes… era o dia mais cansativo… Tinha dia que eu não conseguia ir ao banheiro, porque não tinha ninguém para ficar com a minha criança, é sobre isso. Tipo, eu não podia ir ao banheiro e não tinha horário de lanche, não tinha nada. Aí acho que bem no comecinho tinham as pausas, eram de 10 minutos e depois tiraram as pausas também (Participante 5).
É, sim, acontece muito de ter furo e você ter que ir para uma área que não é sua, tipo, sei lá, eu ia atender como fisioterapeuta, não que eu vou fazer o que [na] fisioterapia [se] faz, né? Mas, tipo, eu estou no lugar dele, então acontece muito isso de ter furo e você tem que cobrir uma grade que não é da sua especialidade como estagiário, não é? (Participante 6).
As empresas têm adotado medidas para substituir trabalhadores contratados em regime celetista por estagiários, considerando que os estagiários não demandam custos relacionados à legislação trabalhista. Com isso, o estagiário desempenha funções como um profissional sem ter profissionalização exigida pelo seu referido Conselho e sem direitos trabalhistas. O jovem arca com as necessidades impostas pela execução das atividades, mas que não estão incluídas no seu tempo de trabalho, como, por exemplo, o planejamento que precisa ser realizado em casa. Dessa forma, o estagiário busca complementar sua formação além das condições de estágio oferecidas pela IES e pela concedente ou precisa arcar com as debilidades advindas desses elementos (Reis, 2012; Demschinski & Flach, 2022).
Na perspectiva de Reis & Monte (2014), essa é uma forma camuflada legalmente de absorver mão de obra barata, contratual, para exercer funções de trabalhadores, mas sem os direitos trabalhistas, reforçando a lógica de precarização do estudante nos estágios não obrigatórios.
Observa-se que a grande abertura de vagas para estagiários pode ser cancelada em detrimento da contratação de um profissional formado, apto para a realização das atividades laborais demandadas, porém, do ponto de vista mercadológico, torna-se mais oneroso que a contratação de estagiários colocados nas mesmas funções, desvirtuando assim a relação legalmente estabelecida. Demschinski & Flach (2022) afirmam que, ao assumirem funções de profissionais, os estagiários contribuem, sem perceber [e/ou sem muito poderem fazer para mudar o cenário a nível nacional], para a desvalorização da profissão e para diminuição de contratos de trabalhadores com remuneração ancorada no piso salarial da profissão.
Os relatos que seguem abordam sobre como os estagiários eram apresentados em seus espaços de trabalho e revelam também como o trabalho do estagiário é transformado em um “profissional”:
Eu me apresento e sempre me apresentei como estagiário, mas em uma [clínica] específica, eles me apresentaram como profissional mesmo (Participante 2).
Como estagiária. Até que, depois de um tempo, eles começaram a nomear como coterapeuta, para não sinalizar, eu acho, meio que pra camuflar mesmo… [...] mas era meio que para camuflar que a gente era estagiário atendendo como terapeuta [profissional]. Então, nem sempre os pais identificavam que a gente era estagiário, depois que eles descobriam alguns ficavam meio assim, outros não aceitavam (Participante 4).
Como coterapeuta. É para não chamar de estagiária (Participante 5).
Quando o estagiário atende e exerce funções como profissional, isso caracteriza-se como exercício ilegal da profissão, como especifica o Código de Ética e Deontologia de Terapia Ocupacional (Brasil, 2013), que define que, para o exercício profissional da terapia ocupacional é obrigatória a inscrição no Conselho Regional para atuar na forma da legislação em vigor. E para realizar a inscrição no Conselho Regional o formado precisa apresentar documentação comprobatória, como diploma ou comprovante de conclusão de curso.
Apesar do estágio surgir como uma oportunidade de aprendizado para o estudante, sendo uma forma de empregabilidade e uma ponte entre a formação na universidade e a carreira profissional, é possível encontrar, para além das aparências, as facetas da forma de exploração do trabalho e do trabalhador (Linhares et al., 2021). Nesse sentido, foi possível perceber com os achados desta pesquisa que o mercado de trabalho de estagiários possui seu caráter aberto e disfarçado de subemprego, com condições que propiciam situações de abuso e de exploração, que influenciam na saúde do estagiário e na qualidade do trabalho prestado, impactando não só a formação destes estudantes como também a precarização que reverbera a ilegalidade e a não contratação de profissionais formados.
Ensino e aprendizagem dos estagiários no desenvolvimento do estágio não obrigatório
Para Iriart et al. (2008), a IES desempenha um papel de aprendizagem ao educando, além de visar minimizar, através dessa participação conjunta, a precarização do vínculo de estágio e sua desnaturação educativa para uma relação empregatícia. Neste sentido, as participantes foram questionadas sobre o processo de supervisão profissional em campo e sobre o acompanhamento dos professores da instituição:
Nesse contrato assinado, eu não tive nenhum professor que me supervisionou, não, tipo assim, tinha o nome, tinha um título de supervisor, mas nunca teve supervisão (Participante 2).
O professor, não, nenhum professor. Na verdade, eu até evitava falar com os professores. Eu não, porque eu sentia assim toda vez que eu falava, professor ficava olhando assim, porque eu entendo que eles têm essa ideia de que a gente tem que ser exclusivo da universidade, que a gente tem que se dedicar aos nossos estudos, mas eu precisava trabalhar (Participante 1).
Tinha supervisora, mas ela não dava muito suporte assim. Quando eu entrei, eu acho que ela passou comigo umas 2 vezes, mas eu fui treinada por outra estagiária, não foi por ela (Participante 5).
[...] Tipo, você sabe que tem aquele supervisor, mas que não supervisiona, entende? Tem um supervisor, tipo, ele existe, mas ele não supervisiona de fato. (Participante 6).
Por meio das falas das participantes é possível perceber a fragilidade do processo de ensino nos estágios não obrigatórios, carecendo de supervisores por parte da instituição de ensino e por parte das unidades concedentes, impactando diretamente na aprendizagem do estudante, visto que as orientações e trocas a respeito da prática não ocorrem, o que leva ainda a uma precarização do trabalho e do atendimento ofertado.
O artigo 9º da Lei n.º 11.788 (Brasil, 2008) explicita que pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional, além de profissionais liberais de nível superior, podem oferecer estágios, desde que cumpram com as exigências legais relacionadas à celebração do termo de compromisso, ofereçam condições adequadas para a execução do estágio, supervisionem o estagiário, garantam o seguro ao estagiário, enviem à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades do estagiário, dentre outros requisitos. Em complemento, o Art. 2º da Resolução 452 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Brasil, 2015) cita a Lei supracitada e reforça a necessidade da supervisão direta por terapeuta ocupacional da unidade concedente e o acompanhamento de terapeuta ocupacional docente da IES, atentando-se para a relação proporcional de terapeutas ocupacionais e quantidade de estagiários, estabelecido pelo Art. 6º da mesma resolução supracitada, em que cada profissional pode ser supervisor/preceptor de até dois estagiários, respeitando a proporcionalidade (Brasil, 2015).
É importante destacar que nos contextos de estágio a presença do supervisor além de ser obrigatória, é de extrema importância para o amparo da execução na prática do estagiário, possuindo caráter educador e formativo, assegurando o atendimento e conduta terapêutica. Barros et al. (2022) explica que o estágio oportuniza a troca de saberes no cotidiano do trabalho, os saberes do estagiário e a experiência dos profissionais nos cenários de prática.
É de extrema importância ressaltar que, em relação a alguns dos casos aqui citados pelas participantes, a IES não assinou o termo de estágio devido ao não cumprimento do Art. 1º da resolução 452 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Brasil, 2015) referente ao período mínimo para ingresso na atividade de estágio não obrigatório (sexto período ou terceiro ano do curso).
Buscando aprofundar o diálogo com as participantes a respeito da motivação para realizar estágios não obrigatórios, seis das oito entrevistadas apontaram como um dos principais motivos a busca por experiência profissional, pois as práticas curriculares se mostravam insuficientes, além de vivenciarem o formato de ensino remoto, na qual as vivências práticas foram restritas, devido à pandemia de COVID-19 (Borba et al., 2020). A busca por renda também foi um dos fatores para a inserção no mercado de trabalho na modalidade de estágio não obrigatório. Especificamente sobre as vivências práticas, as participantes relataram que:
Assim, metade da minha graduação foi na pandemia, e a minha turma também é muito grande. Então, até para questões de prática, a gente quase não teve prática. Aula prática, sabe? Foi mais só intervenção mesmo, então eu queria essa experiência prática e questão salarial também (Participante 5).
Se não fosse o contexto de pandemia, eu sei que a gente não teria a prática da mesma forma, porque a gente só começa a ter no sexto semestre de intervenção, né? Então, assim, eu queria ver realmente o que a TO faz, porque não é algo que é acessível a todos. Porque a gente demora muito para realmente ver a profissão para realmente atuar, avaliar e tudo mais… a gente faz ali é a disciplina de avaliação, mas a gente só vai avaliar a mesma intervenção quando a gente tem contato. (Participante 8).
[...] hoje em dia eu sei muita coisa que na faculdade eu não aprenderia, eu sei lidar com muitas coisas, eu sei me importar de várias formas e conheço o mercado de trabalho hoje em dia, que eu não conheceria se não tivesse feito estágio não obrigatório. Então, por esse lado, é até realmente muito bom. Eu já vou sair com uma visão assim, diferente, mas de resto não recomendo (Participante 2)
[...] tudo que eu vi na faculdade foi nem 1/3 do que eu vi no estágio. Então assim é muito pouco o que eu vejo na faculdade para me preparar mesmo para o mercado de trabalho. (Participante 3)
Considerando esse cenário, é notório o anseio por vivenciar a prática profissional e os apontamentos acerca da carência que os estudantes sentem de práticas durante a formação. Segundo pesquisa realizada por Linhares et al. (2021), a busca por estágios não obrigatórios é motivada pela busca por experiências na área de atuação, fato observado no presente estudo. Os relatos apresentam que experiência de estudantes em estágios não obrigatórios podem trazer benefícios na formação com a aproximação da realidade prática da profissão, porém, o reconhecimento dessa experiência, para ser exitosa, deve cumprir as normativas vigentes que garantem o resguardo necessário de direitos as/os estudantes que optarem em desenvolver essas atividades.
Reitera-se que o contexto pandêmico restringiu as atividades e vivências práticas dos estudantes, fato que fragilizou formação e o aprofundamento das atividades profissionais que deveriam ser contempladas na relação de ensino e aprendizado em estágio, obrigatórios e não obrigatórios, bem como nas práticas previstas nas disciplinas da graduação em terapia ocupacional.
O curso de terapia ocupacional ofertado na Universidade foco deste estudo possui duração mínima de oito semestres, sendo o quarto e quinto semestres divididos em componentes curriculares dedicados aos processos de avaliação e a organização de recursos terapêuticos, respectivamente; o sexto semestre com componentes curriculares focados em processos de intervenção, quando de fato os estudantes entram em contato com a prática junto as populações alvo da profissão, antes do estágio curricular obrigatório; já os últimos dois semestres são destinados aos estágios obrigatórios (Universidade de Brasília, 2023).
Adicionalmente, informa-se que o currículo do curso de terapia ocupacional dessa universidade passou por um processo de reformulação e uma das principais mudanças refere-se à inserção curricular da extensão (Brasil, 2018), o que deve, acredita-se, impactar a formação dos estudantes ao possibilitar uma aproximação maior de atividades práticas desde o primeiro semestre do curso.
O movimento de articulação entre ensino e serviço apresenta-se como uma ferramenta para integração entre teoria e prática, estimulando a reflexão da realidade, além de viabilizar o aluno a elaborar críticas e buscar soluções para os problemas encontrados, com compromisso e respeito ao paciente (Campos et al., 2001). Segundo Pimentel et al. (2015), os cenários de prática são uma estratégia para a transformação curricular, por aproximar os estudantes da vida cotidiana da população e possibilitar o desenvolvimento de um olhar crítico para cuidar dos problemas da sociedade, permitindo que eles possam aprender e experienciar o máximo de espaços de atenção à saúde.
Porém, ressalta-se que há casos em que o estudante busca o estágio não obrigatório por motivos exclusivamente financeiros, seja para automanutenção na universidade, inclusive por ser oriundo de outros estados ou cidades, seja para ajudar nas despesas familiares ou para custear gastos relacionados ao curso, entre outros fatores, o que remete à importância das políticas de apoio à permanência na universidade, que podem não ser suficientes em termos de disponibilidade, valor e alcance.
Apesar das situações vivenciadas nos estágios não obrigatórios pelas participantes desta pesquisa, elas apontaram que as atividades de estágio tiveram um papel importante em sua jornada de formação. Entretanto, conforme citam Demschinski & Flach (2022), há de se destacar que a carência de acompanhamento e fiscalização efetiva pode fazer surgir formas precárias de estágio, desviando do seu principal objetivo: o processo de ensino e de aprendizagem acadêmica e profissional.
É possível reconhecer a fragilidade entre o ensino e os estágios não obrigatórios, pois na busca para preencher as lacunas de vivências práticas por meio dos estágios ou por motivos financeiros, foi possível observar que as estagiárias participantes desta pesquisa acabam se deparando com uma prática de trabalho que se distancia do ensino, por haver ausência ou pouco contato com profissionais que possam realizar trocas e acompanhamentos das práticas, sendo necessário se adaptarem e buscarem conhecimento por contra própria. Todavia, a apesar das intercorrências vivenciadas, realizar o estágio não obrigatório possibilita o contato com o mercado de trabalho e oportuniza uma base para aprendizagem de condutas da profissão.
Considerações Finais
A reflexão sobre estágio não obrigatório é um tema fundamental, pois é um recurso reconhecidamente importante, todavia os estudantes enfrentam a falta de supervisão, permanecendo em um contexto com muitas fragilidades, no campo ético, educativo e no desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes, aspectos necessários para o exercício profissional. Apesar da Lei de Estágio especificar o papel do estagiário, os estágios têm se desviado do caráter educativo e transformando-se em uma relação de trabalho que burla a legislação trabalhista e educativa, bem como as Resoluções nº 452 e nº 425 do COFFITO.
Foi possível perceber que estagiários enfrentam fragilidades contratuais ao se inserirem nos cenários de estágio, pois mesmo existindo um termo de estágio para fazer cumprir o preconizado pela Lei, na prática, as/os estudantes atendem sem supervisão de um profissional responsável por parte da instituição de ensino e da concedente, são desviados de função precípua que é a educação, exercem papel atribuído a um profissional formado e são colocados em situações precárias de trabalho.
O estudo revelou que os estagiários carecem de instalações de trabalho adequadas, supervisão profissional e direitos trabalhistas, mas também apontou uma sobrecarga sentida pelos estagiários, que impactam no cotidiano deles, atravessando desde o desempenho nas atividades universitárias às atividades de vida diária como banho, sono e lazer. Nesta pesquisa, essa sobrecarga demonstrou ter grande reflexos na saúde mental dos estagiários, como crises de ansiedade, estresse e tristeza.
Evidenciou-se também que os estudantes precisam tomar conhecimento das leis e resoluções que abordam sobre o estágio não obrigatório, compreender a dimensão e a responsabilidade do trabalho realizado pelo terapeuta ocupacional, e que as instituições de ensino precisam investir mais nesses conteúdos durante o processo de formação do terapeuta ocupacional desde os semestres iniciais. Essas e outras questões, indicam inquietações que provocam novas reflexões e ações aos processos de precarização do trabalho tendo como a interface o estágio não obrigatório.
A limitação do estudo está no recorte regional e o envolvimento de apenas uma universidade de terapia ocupacional da região Centro-Oeste. Por isso, indica-se, para pesquisas futuras, um estudo que abarque outras universidades, públicas e privadas, de diversas regiões do país, com desenho metodológico distinto, para um mapeamento mais abrangente sobre a problemática exposta neste material.
Reforça-se que o estágio não obrigatório é uma potencial ferramenta para a aproximação de estudantes da prática profissional, desde que aptos a essa experiência por meios das regulamentações estabelecidas, preconizando a aprendizagem na formação, e sobretudo, que não estejam apenas relacionadas a concepções mercadológicas e produtivas que não promovem a valorização profissional da terapia ocupacional, precarizam as relações de trabalho e indiretamente prejudicam a abertura de novos postos de trabalhos, para estas e estes, que hoje estão em formação para atuarem verdadeiramente como profissionais.
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Considera-se o valor de R$1.302,00 do salário mínimo vigente em 2024.
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Como citar:
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Editado por
-
Editora de seção
Profa. Dra. Ana Paula Serrata Malfitano
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
03 Maio 2024 -
Revisado
03 Nov 2024 -
Aceito
03 Jan 2025
