Resumo
Introdução Pessoas vivendo com HIV/AIDS podem apresentar restrições em atividades cotidianas como consequência da doença e do tratamento. Durante a pandemia de COVID-19, tais dificuldades se avultaram. Além disso, essas pessoas possuem necessidades específicas em cuidados paliativos que, por vezes, são negligenciadas.
Objetivo Relatar o caso de um jovem com HIV/AIDS, hospitalizado com COVID-19, a partir do processo de intervenção de terapia ocupacional, fundamentado nos princípios dos Cuidados Paliativos.
Método Estudo de caso elaborado segundo o CARE Statement and Checklist.
Resultados O paciente foi hospitalizado com COVID-19 e avaliado por meio dos instrumentos Medida de Independência Funcional (MIF), Instrumento para Identificação de Necessidades Paliativas (NECPAL) e Palliative Performance Scale (PPS). Apresentava dependência total nas atividades de vida diária (AVD) e sofrimento emocional relacionado ao medo da morte, além de baixa adesão ao tratamento. Sua história clínica incluía diversas complicações que o elegiam para os cuidados paliativos. As intervenções de terapia ocupacional incluíram: treino das AVD e habilidades motoras, adequação ambiental, escuta, fortalecimento do autogerenciamento da saúde e orientações sobre diretivas antecipadas de vontade. O paciente recuperou a independência, melhorou sua adesão ao tratamento e retomou projetos de vida.
Conclusão Destacaram-se o luto pela dependência nas atividades e pelo isolamento decorrente da COVID-19, a relevância do acompanhamento de terapia ocupacional em momento oportuno, a atuação no autogerenciamento da saúde e a necessidade de avaliação minuciosa das AVD para a reabilitação, inclusive no contexto dos cuidados paliativos.
Palavras-chave:
Serviço Hospitalar de Terapia Ocupacional; Atividades Cotidianas; COVID-19; HIV; Cuidados Paliativos
Abstract
Introduction People living with HIV/AIDS may experience restrictions in daily activities because of the disease and its treatment. During the COVID-19 pandemic, these difficulties became more pronounced. Additionally, these individuals have specific needs for palliative care that are often overlooked.
Objective To report the case of a young adult with HIV/AIDS who was hospitalized with COVID-19, focusing on the occupational therapy intervention process grounded in the principles of palliative care.
Methods A case study conducted following the CARE Statement and Checklist.
Results The patient was hospitalized with COVID-19 and assessed using the Functional Independence Measure (FIM), Identification of Palliative Needs (NECPAL), and Palliative Performance Scale (PPS) instruments. He exhibited total dependence in activities of daily living (ADL) and emotional distress related to fear of death, along with low adherence to treatment. His clinical history included multiple complications qualifying him for palliative care. Occupational therapy interventions included training on ADL and motor skills, environmental adaptations, active listening, strengthening health self-management, and guidance on advance care planning. The patient regained independence, improved treatment adherence, and resumed life projects.
Conclusion The findings highlighted the grief associated with dependence on activities and the isolation due to COVID-19, the importance of timely occupational therapy follow-up, the role of health self-management, and the need for a thorough assessment of ADL for rehabilitation, including in palliative care contexts.
Keywords:
Occupational Therapy Department; Hospital; Activities of Daily Living; COVID-19; HIV; Palliative Care
Introdução
Pessoas vivendo com o Vírus da Imunodeficiência Humana (PVHIV) podem desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e apresentar deficiências episódicas ou permanentes em razão de limitações metabólicas, cognitivas e físicas (Banda et al., 2019; O’Brien et al., 2020). No Brasil, em 2021, estimou-se um total de 960 mil PVHIV, sendo 76% acompanhadas por serviços de saúde. Entre 2010 e 2019, 37,6% das internações por HIV ocorreram na região Sudeste, sendo 51,35% em hospitais públicos, com duração média de 19 dias (Santos et al., 2020).
Durante a pandemia de COVID-19, o risco de mortalidade pela doença foi estimado como duas vezes maior entre PVHIV (Bhaskaran et al., 2021). Uma revisão mapeou o curso clínico da coinfecção por COVID-19 nessa população. As principais complicações identificadas foram hipoxemia, pneumonias, leucopenia e parada cardiorrespiratória (Schaurich et al., 2021). O Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI), apontou que, entre 2020 e 2021, houve uma redução de 20% no número de PVHIV que iniciaram a Terapia Antirretroviral (TARV), associada à dificuldade de diagnóstico durante a pandemia de COVID-19 (Brasil, 2022).
Diante dessa complexidade e do convívio com um diagnóstico que pode ameaçar a continuidade da vida, PVHIV podem ser elegíveis para Cuidados Paliativos (CP) (Ahmad et al., 2024). CP são cuidados holísticos voltados a indivíduos com sofrimento associado a uma doença grave, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares. Considera-se doença grave uma condição com alto risco de mortalidade, que impacta a funcionalidade e/ou gera sobrecarga de sintomas, intensidade de tratamento e estresse do cuidador (Radbruch et al., 2020).
Em 2020, 22,2% das necessidades de CP foram reportadas por PVHIV adultas (Worldwide Palliative Care Alliance, 2020). Ademais, essas pessoas convivem com sintomas como dor crônica, que afetam a adesão medicamentosa, a mobilidade e a qualidade de vida (Povshedna et al., 2023). Assim, os CP devem ser ofertados para definir preferências, controlar sintomas e apoiar PVHIV, especialmente quando a recuperação é imprevisível ou complicada (Ahmad et al., 2024).
Terapeutas ocupacionais integram as equipes de CP e facilitam a participação, a independência e a autonomia no cotidiano, utilizando seu conhecimento sobre a relação entre indivíduo, atividade e contexto (American Occupational Therapy Association, 2020). Esses profissionais identificam restrições nos papéis ocupacionais de PVHIV durante a hospitalização e desenvolvem ações para a recuperação desses papéis (Rocha & Ruzzi-Pereira, 2022). Papéis ocupacionais referem-se a comportamentos esperados pela sociedade na qual o sujeito está inserido, que afirmam sua identidade e contribuem para a estruturação da rotina (American Occupational Therapy Association, 2020). Exemplos de papéis afetados em PVHIV incluem os de trabalhador, estudante e membro de uma religião (Rocha & Ruzzi-Pereira, 2022).
Uma das atribuições privativas da terapia ocupacional (TO) é o treino de Atividades de Vida Diária (AVD), que consiste no treinamento de habilidades envolvidas nos âmbitos motor, sensorial, percepto-cognitivo, mental, emocional, comportamental, funcional, cultural, social e econômico, seja no contexto real ou simulado da atividade. Além disso, a TO viabiliza as AVD por meio da adaptação de etapas e ambientes ou da restauração de funções específicas (Nascimento et al., 2023).
Recentemente, as intervenções descritas em CP e com PVHIV têm incluído o manejo não farmacológico de sintomas, a adaptação de atividades básicas e instrumentais de vida diária (Tavemark et al., 2019), a facilitação do acesso a serviços de saúde (Agner & Barile, 2020) e a inclusão social (Nhunzvi et al., 2020).
A divulgação de ações de reabilitação para PVHIV tem sido apontada como uma necessidade de pesquisa – especialmente para identificar facilitadores e barreiras no tratamento (O’Brien et al., 2020) –, à qual este trabalho visa responder. Ademais, apesar de seu potencial, a TO é subutilizada em CP, e seu papel ainda não é plenamente reconhecido nas equipes paliativistas (Knecht-Sabres et al., 2019).
Com base nessas considerações, o objetivo deste estudo foi relatar o caso de um jovem vivendo com HIV/AIDS, hospitalizado com COVID-19, a partir do processo de intervenção da TO.
Método
Trata-se de um estudo de caso, elaborado segundo o CARE Statement and Checklist, realizado em um hospital universitário do sudeste do Brasil, na enfermaria de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP), entre maio e outubro de 2020.
O acompanhamento teve início quando os terapeutas ocupacionais foram integrados à equipe da linha de frente da COVID-19 no hospital. Os pacientes com COVID-19 eram admitidos no Centro de Terapia Intensiva ou na DIP, conforme a gravidade do caso. Na enfermaria, os terapeutas ocupacionais avaliavam os pacientes para determinar a necessidade de acompanhamento, sem depender de encaminhamento de outro membro da equipe, que era formada por enfermeiras, médicos, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e assistentes sociais. O processo de trabalho foi descrito anteriormente (Nascimento et al., 2023).
O caso foi selecionado devido à sua complexidade e ao resultado positivo no Instrumento para Identificação de Necessidades Paliativas, o NECPAL-BR (Santana et al., 2020). Esse instrumento inclui a pergunta-surpresa: “você ficaria surpreso se este paciente morresse ao longo do próximo ano?”, além de indicadores biopsicossociais, como declínio funcional, delirium, sofrimento emocional, vulnerabilidade social e outros específicos para condições como o HIV. Todos os itens apresentam respostas dicotômicas (sim/não). O resultado do NECPAL é positivo quando a resposta à pergunta-surpresa é “não me surpreenderia”, associada à presença de um ou mais indicadores (Santana et al., 2020).
O processo de intervenção, fundamentado na leitura do prontuário e do relatório, foi discutido pela equipe. Após essa etapa, as informações foram extraídas para a construção do caso, e as avaliações foram analisadas à luz da literatura recente.
As avaliações realizadas foram: 1) Medida de Independência Funcional (MIF) (D’Andrea et al., 2020), uma escala de 18 itens subdivididos em duas categorias –motora (MIF-m) e cognitiva (MIF-c) –, com pontuação de 1 a 7 por item, na qual 1 significa “assistência total” e 7, “independência”; 2) Palliative Performance Scale (PPS), que avalia a funcionalidade em relação à progressão da doença (Fiorentino et al., 2020). Esse instrumento contém cinco domínios: deambulação; atividade e evidência da doença; autocuidado; ingestão; nível de consciência, com resultados variando entre 0% e 100%.
Esses instrumentos foram aplicados pelas terapeutas ocupacionais na admissão, na alta e três semanas após a alta. Dados clínicos, incluindo informações sobre as intervenções de TO e falas do paciente, foram extraídos do prontuário eletrônico. As pontuações da MIF-m foram organizadas em um gráfico, enquanto a descrição do desempenho nas AVD e as impressões da equipe foram registradas em relatório.
Este estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob o parecer n.º 4.240.785.
Resultados
História do Paciente
Arthur (nome fictício) tem 27 anos, é branco, cristão e solteiro. Trabalhava em uma rodoviária, mas ficou desempregado antes da internação, passando a receber benefício previdenciário. Concluiu o ensino médio e desejava ser professor de história. A infecção por HIV ocorreu por transmissão vertical. Na infância, sua avó era responsável por gerenciar seus tratamentos; porém, na adolescência, ele passou a apresentar adesão irregular. Nesse período, iniciou o uso abusivo de cocaína. No início de 2020, internou-se voluntariamente em uma clínica de reabilitação por três meses. Desde 2009, acumula 30 hospitalizações, totalizando 593 dias.
Arthur sempre foi independente em suas atividades. Seus interesses incluem ouvir música, assistir a filmes e usar a Internet. Considera-se extrovertido e que gosta de ter amigos. Teve alguns relacionamentos amorosos, mas, durante a internação descrita, não acreditava ser possível manter um relacionamento duradouro por conta do HIV.
História Clínica
Arthur é portador de HIV, púrpura trombocitopênica idiopática, múltiplas infecções tratadas e hipertensão arterial. Em 2017, sofreu um Acidente Vascular Encefálico (AVE) com hemiparesia à esquerda e desenvolveu osteomielite, resultando na amputação do hálux esquerdo. Após sessões de fisioterapia em 2017, não manteve grandes sequelas do AVE, exceto por prejuízo na marcha, causado por queda plantar, e utilizava bengala. Era independente em todas as atividades.
Em maio/2020, foi admitido na emergência usando cadeira de rodas, com perda ponderal, dispneia, desorientação, disartria, odinofagia, acidose metabólica grave e alcalose respiratória. Desde a internação de novembro de 2019, não seguia a Terapia Antirretroviral (TARV). Na admissão de 2020, apresentava carga viral de 198.307 cópias/mm3 e CD4 de 26 células/mm3. Foi diagnosticado com tuberculose disseminada, COVID-19 e pneumotórax, necessitando de dreno torácico e suplementação de oxigênio. Apresentou delirium, mas, a despeito da COVID-19, não desenvolveu outros sintomas respiratórios após a resolução do pneumotórax, voltando a ventilar em ar ambiente. No início da internação, esteve em isolamento respiratório e foi acompanhado por uma equipe multidisciplinar.
Avaliação
Arthur foi considerado elegível para CP em razão do resultado positivo no NECPAL. A resposta à pergunta-surpresa foi afirmativa, com os seguintes parâmetros: perda ponderal >10%; redução >30% no PPS; dependência grave (PPS <50); mal-estar, sofrimento emocional, vulnerabilidade social; mais de duas admissões urgentes em seis meses; AIDS (Santana et al., 2020).
Realizou-se a análise do perfil e desempenho ocupacional (American Occupational Therapy Association, 2020). Na MIF, o paciente pontuou 56: 21 na MIF-m e 35 na MIF-c. Necessitava de assistência em todas as AVD, mas não apresentava comprometimento cognitivo.
A PPS foi de 30%: o paciente estava acamado, não realiza qualquer atividade, apresentava doença extensa, dependência completa para autocuidado, ingestão normal e nível de consciência íntegro. Quanto às habilidades motoras, foram observadas limitações em alcance, inclinação lateral do tronco, coordenação, movimentação de objetos e resistência, com manipulação e destreza preservadas. Nas funções musculares, observou-se fraqueza em flexão de cotovelo, ombro e joelho esquerdos, quadril e tronco. Não foram identificados déficits nas habilidades processuais e de interação social.
Arthur estava extremamente entristecido devido ao adoecimento e à internação, relatando medo “do que vai acontecer depois da morte” e de “ser jogado no lago de fogo” (extraído do prontuário). Sentia-se “arrependido” pela adesão irregular à TARV e sofria com o isolamento imposto pela COVID-19, pois não podia se comunicar com os familiares.
Diagnóstico terapêutico ocupacional
“Dependente nas AVD. Apresenta limitação das habilidades motoras de desempenho, diminuição da volição para se engajar em ocupações e empobrecimento do cotidiano. Anteriormente, realizava suas atividades de maneira independente e, portanto, vivencia o luto pela intensa ruptura de sua rotina e papéis ocupacionais. A necessidade de assistência total para as AVD é uma causa de sofrimento para Arthur, especialmente porque depende de outros para sua higiene pessoal. Mostra-se extremamente angustiado pelos múltiplos diagnósticos de doenças que ameaçam a continuidade da vida” (extraído do prontuário).
Objetivos
Promover independência nas AVD, mitigar os efeitos deletérios da internação hospitalar (imobilismo, sofrimento emocional e empobrecimento do cotidiano) e fortalecer o autogerenciamento da saúde.
Processo de intervenção
O vínculo foi iniciado por meio da identificação da rotina, papéis ocupacionais e interesses do paciente, além da escuta ativa sobre o medo da morte. Posteriormente, Arthur foi encorajado a se engajar em atividades como ouvir músicas favoritas e conectar-se à sua espiritualidade. Para facilitar a comunicação durante o isolamento, foi articulada a entrega de seu celular, após acordo com a equipe multidisciplinar.
Quanto ao desempenho das AVD, as seguintes estratégias foram adotadas: 1) Adaptação: reduzir a demanda da atividade para possibilitar o engajamento; 2) Gradação: diminuir progressivamente o nível de assistência externa à medida que o paciente adquiria habilidades; 3) Treino: promover a aquisição de habilidades de desempenho durante as atividades, conforme descrito na Figura 1.
Fluxograma de intervenções terapêuticas ocupacionais. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2024. Legenda: *TO: Terapia Ocupacional. **AVD: Atividades de Vida Diária.
Facilitação do desempenho das AVD
O ambiente do quarto foi adaptado para que Arthur comesse sem assistência, aproximando-se a mesa da cama e retirando-se as embalagens dos alimentos. A atividade de escovar os dentes foi adaptada para ser realizada no leito.
Antes dos treinos de AVD, aferiram-se a pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória e saturação periférica de oxigênio (SpO2), além de consultar-se a gasometria arterial, quando disponível. Essas aferições eram necessárias devido à hipoxemia silenciosa descrita na COVID-19, na qual ocorre diminuição da SpO2 sem dispneia (Tobin et al., 2020). Os exames laboratoriais eram consultados diariamente, sobretudo por conta da trombocitopenia e anemia relacionadas à púrpura, que contraindicavam a mobilização e a saída do leito.
Realizaram-se treinos de mobilidade funcional, iniciando pela transferência de decúbito dorsal para sedestação à beira-leito. Em uma semana, o paciente adquiriu resistência para manter a sedestação durante a alimentação e para escovar os dentes. Todavia, em razão da perda ponderal e da restrição ao leito, Arthur desenvolveu lesão por pressão na região sacra, que causava dor. Foi então prescrito um assento acolchoado e higienizável para a cadeira, viabilizando a realização dessas atividades.
Prosseguiram-se os treinos para levantar-se do leito e para higiene pessoal. Após seis semanas, Arthur conseguia transferir-se do leito para a cadeira de rodas e desta para o vaso sanitário, necessitando apenas de supervisão por conta do risco de queda. Concomitantemente, iniciaram-se os treinos de higiene íntima e banho no chuveiro, em posição sentada.
No segundo mês de intervenção, Arthur deambulava com andador por curtas distâncias (<15m) e realizava o banho em posição ortostática, com auxílio de barras de apoio. Apesar disso, a queda plantar no pé esquerdo dificultava as atividades. Por isso, confeccionou-se uma órtese tipo Férula de Harris para facilitar a marcha. Seguiram-se os treinos de mobilidade funcional, ainda realizados com dificuldades de equilíbrio e resistência.
Devido à piora clínica do paciente nesse período, com plaquetopenia e linfopenia, optou-se por suspender os treinos de AVD fora do leito. Essa decisão causou angústia em Arthur, que expressou frustração pelo prolongamento da internação e por ruídos na comunicação das notícias clínicas. As intervenções de TO, então, focaram na manutenção das habilidades, no acolhimento, em atividades de interesse do paciente e na melhoria da comunicação entre a equipe e Arthur.
Em uma das sessões, Arthur manifestou o desejo de discutir diagnósticos graves como o seu e suas preferências para o fim da vida. As terapeutas ocupacionais identificaram prioridades relacionadas às diretivas antecipadas de vontade e registraram-nas no prontuário. Entre essas prioridades, o paciente destacou que gostaria de manter a maior independência possível em suas atividades até o último momento.
Plano de alta
Com a previsão de alta, seguiram-se os treinos de mobilidade funcional, substituindo o andador por uma muleta canadense. Treinou-se a atividade de subir e descer escadas, pois o paciente morava em casa de dois andares. Disponibilizou-se material antiderrapante para o piso do banheiro, além de orientações ao paciente e a seu familiar sobre a prevenção de quedas.
Durante esse período, Arthur foi informado de que precisaria retornar ao hospital duas vezes por semana para administração de filgrastima devido à neutropenia. A dificuldade de acesso à unidade com essa frequência o preocupava por questões financeiras e de mobilidade no uso de transporte público. Ressalta-se que a filgrastima é de alto custo, inviável para o paciente sem o apoio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim, as terapeutas ocupacionais, junto à equipe médica e ao Serviço Social, articularam o envio do medicamento para a Unidade de Saúde da Família (USF) da região do paciente, que se responsabilizou pela administração da filgrastima. Ademais, Arthur foi encaminhado para acompanhamento no ambulatório de TO, com frequência quinzenal.
Resultado das intervenções
Foram realizados 36 atendimentos. O paciente alcançou independência nos domínios alimentação, higiene pessoal, vestir a metade superior, uso do vaso sanitário e controle de esfíncteres. Nos domínios de banho, vestir a metade inferior, transferências e marcha, alcançou independência modificada, ou seja, as atividades passaram a requerer adaptações, órteses, maior tempo de realização ou apoio para segurança. No domínio escadas, houve progressão de dependência total para realização com assistência moderada, necessitando de ajuda para equilíbrio e segurança.
Na PPS, Arthur alcançou 80%: deambulação completa, alguma evidência de doença, autocuidado completo, ingesta normal e consciência completa. Os resultados qualitativos incluíram aumento da volição para construção de projetos de vida pós-internação, como voltar a trabalhar e estudar, além de maior engajamento nas atividades de gerenciamento da saúde, exemplificado por sua preocupação com o seguimento do tratamento e o início do delineamento de suas diretivas antecipadas de vontade.
Seguimento
Três semanas após a alta, Arthur foi avaliado no ambulatório de TO, obtendo 100% na PPS.
Quanto à MIF, os domínios de vestir a metade inferior, transferência leito-cadeira, transferência para o vaso sanitário e marcha permaneceram inalterados, sugerindo necessidade de acompanhamento continuado. No domínio escadas, houve melhora do desempenho, possivelmente associada à prática no domicílio, que proporcionou oportunidades de treino. Os resultados das três aplicações da MIF estão descritos na Figura 2.
Pontuações do paciente na seção motora da Medida de Independência Funcional na admissão, alta e três semanas após a alta, organizadas por domínios e total. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2024. Legenda: MIF-m: seção motora da Medida de Independência Funcional.
Arthur continuou o tratamento para tuberculose e neutropenia na USF. Para aprimorar a participação em atividades, após a avaliação de seguimento, manteve o atendimento no ambulatório de TO. No segundo semestre de 2021, Arthur iniciou a graduação em História, concretizando um de seus projetos de vida, e segue seu tratamento assiduamente até o momento da finalização deste trabalho.
Discussão
Há uma escassez de estudos que discutam pessoas com HIV/AIDS como alvo de CP, apesar do sofrimento associado ao diagnóstico e ao tratamento (Spencer et al., 2019). Neste caso, destacou-se o luto pela dependência e pela ruptura da rotina. Entende-se luto como o sofrimento decorrente da sensação de perda de um elemento importante para a vida do sujeito, como pessoa, objeto, modo de viver ou sua própria saúde (Prigerson et al., 2021). Portanto, uma maior dependência tem sido associada a lutos prolongados e complicados (Nielsen et al., 2020).
Embora o paciente não tenha apresentado sequelas respiratórias decorrentes da COVID-19, é possível que tenha sido afetado pelo sofrimento psicossocial relacionado à doença, que impacta o desempenho nas AVD (Stevens et al., 2019). Ademais, a própria hospitalização pode suscitar grandes medos existenciais, como o da morte, especialmente em indivíduos jovens (Oliveira et al., 2023).
É fundamental envolver PVHIV e seus familiares na tomada de decisão em CP, especialmente porque há dificuldades na integração dessa abordagem no continuum de cuidado (Okoli et al., 2021). Neste caso, procurou-se, junto à equipe, integrar o jovem nas discussões sobre seu tratamento e na responsabilização pelo gerenciamento de sua saúde. Avançou-se também na discussão de preferências de cuidado em casos de exacerbação de sintomas.
O tema do cuidado de si surgiu, inicialmente, como fonte de sofrimento e culpa. Entretanto, ao longo do processo terapêutico, assumiu um papel fortalecedor da autonomia, à medida que os objetivos do tratamento foram alcançados. Um recurso terapêutico essencial foi o acolhimento, entendido como a “criação de espaços de escuta que possibilitassem que as demandas [...] fossem acolhidas, compreendidas e encaminhadas para resolutividade” (Aniceto & Bombarda, 2020, p.654). Isso reafirma o escopo ampliado da atuação da TO no ambiente hospitalar, que transcende a recuperação funcional, englobando engajamento do sujeito em seus projetos de vida.
Além disso, destaca-se a importância do início oportuno do acompanhamento de TO em CP, para viabilizar atividades mesmo diante da impossibilidade – temporária ou definitiva – da recuperação de funções físicas ou cognitivas. O treino de AVD com adaptações foi utilizado durante o período de declínio clínico neste caso, sinalizando que a TO deve ser integrada em todas as fases do tratamento.
O estabelecimento de metas acuradas também é indispensável. Embora a PPS seja amplamente utilizada na prática em CP, ela não parece suficiente para avaliação específica da TO, já que esses profissionais necessitam de instrumentos que forneçam informações detalhadas sobre a participação nas atividades, permitindo a definição de programas individuais de tratamento. Este caso destaca a relevância da MIF, sensível às mudanças no desempenho das AVD ao longo do tempo.
Nesse contexto, a TO desempenha papel crucial no planejamento da desospitalização precoce, conforme descrito por Lopes et al. (2020), que neste caso incluiu a promoção da independência nas atividades, a adesão ao tratamento e o seguimento pós-alta. Essas medidas são essenciais para evitar reinternações e custos associados, que, no caso de Arthur, eram elevados.
As limitações deste estudo incluem o intervalo de quase um mês entre a admissão do paciente no hospital e o início do atendimento de TO, que pode ter contribuído para o grave declínio funcional observado. Além disso, a frequência de atendimento – cerca de três vezes por semana – foi limitada pelo número reduzido de profissionais. Também é importante ressaltar que os resultados refletem os esforços de toda a equipe assistencial, e não somente da TO, considerando que a dependência nas AVD é multifatorial (Wang et al., 2020).
Este é o primeiro estudo a descrever detalhadamente as intervenções de TO em CP com um paciente com HIV/AIDS durante a pandemia de COVID-19. Apesar das adversidades impostas pelo adoecimento e pela hospitalização, Arthur apresentou melhora na independência nas AVD. Além disso, retomou seus papéis ocupacionais e engajou-se no autogerenciamento de sua saúde, evitando novas internações.
Os resultados desta pesquisa contribuem para o compartilhamento de experiências em reabilitação de PVHIV, especialmente no contexto do SUS, e para detalhar ações de TO nesse cenário.
Por fim, a discussão sobre a elegibilidade dessa população para CP é pertinente no contexto da pandemia de COVID-19, que trouxe à tona reflexões sobre vida e morte para toda a sociedade, sobretudo para pessoas com doenças crônicas.
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Este trabalho faz parte de uma pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer de n.º 4.240.785 e CAAE n.º 35794920.1.0000.5257. O paciente assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As normas de pesquisas com seres humanos da Resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitadas.
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Como citar:
Ferreira, A. P. C., Ribeiro, T. M., Melo, T. R., Silva, S. M. A., & Nascimento, J. S. (2025). Intervenção da terapia ocupacional com um jovem com HIV/AIDS e COVID-19: estudo de caso. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 33, e3850. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoRE396638501
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Editado por
-
Editora de seção
Profa. Dra. Beatriz Prado Pereira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
13 Maio 2024 -
Revisado
23 Maio 2024 -
Aceito
13 Dez 2024




