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A CIDADANIA GOVERNAMENTALIZADA: um estudo de caso das Unidades Paraná Seguro em Curitiba

GOVERNMENTALIZED CITIZENSHIP: a case study of the “Unidades Paraná Seguro” in Curitiba

LA CITOYENNETÉ GOUVERNEMENTALISÉE: une étude de cas des ‘Unidades Paraná Seguro’ à Curitiba

Resumos

Este trabalho objetiva elucidar o perfil da cidadania circunscrita pela política híbrida desenvolvida no programa Unidades Paraná Seguro. O programa funcionou entre 2012 e 2015, instalando bases da Polícia Militar em territórios metropolitanos periféricos com altos índices de criminalidade, a fim de reduzi-los e desenvolver a cidadania de populações vulneráveis. A pesquisa documental e bibliográfica sobre a implantação do programa foi realizada à luz de referenciais pós-estruturalistas e pós-operaístas, por meio do método indutivo, a fim de avaliar a hipótese de que o policiamento foi convertido em governo bioeconômico, transformando o conceito de cidadania. Os resultados convergem para a descrição de uma cidadania governamentalizada, que não amplia a participação democrática, mas estabelece controles, regulações e técnicas de subjetivação neoliberais. Incentiva a busca ativa pelo trabalho por meio da profissionalização e do subemprego, ou do fomento à iniciativa autoempresarial precarizada, própria dos empresários de si mesmos.

Biocapitalismo; Cidadania; Governamentalidade; Unidades Paraná Seguro; Polícia


This paper describes the citizenship profile circumscribed by the hybrid policy developed within the “Unidades Paraná Seguro” program. Operating between 2012 and 2015, the program installed Military Police bases in peripheral metropolitan territories affected by high crime rates to reduce them and develop citizenship among the vulnerable population. A documentary and bibliographic research on its context of implementation was conducted based on post-structuralist and post-workerist theoretical frameworks, to evaluate if policing was converted into bioeconomic government, thus transforming the very concept of citizenship. Results describe a governmentalized citizenship which does not expand democratic participation, but rather establishes control, regulations and neoliberal techniques of subjectivation, such as the active search for work through professionalization and underemployment, or the promotion of precarious self-entrepreneurship.

Biocapitalism; Citizenship; Governmentality; Unidades Paraná Seguro; Police


Cet article décrit le profil de citoyenneté circonscrit par la politique hybride développée dans le cadre du programme “Unidades Paraná Seguro”. Opérant entre 2012 et 2015, le programme a installé des bases de la police militaire dans des territoires métropolitains périphériques affectés par des taux de criminalité élevés afin de les réduire et de développer la citoyenneté au sein de la population vulnérable. Une recherche documentaire et bibliographique sur som contexte de la mise en œuvre a été menée sur la base de cadres théoriques poststructuralistes et post-opéraïstes, afin d’évaluer si le maintien de l’ordre a été converti en gouvernement bioéconomique, transformant ainsi le concept même de citoyenneté. Les résultats décrivent une citoyenneté gouvernementalisée qui n’élargit pas la participation démocratique, mais établit plutôt des contrôles, des réglementations et des techniques néolibérales de subjectivation, comme la recherche active de travail par la professionnalisation et le sous-emploi, ou la promotion de l’auto-entreprenariat précaire.

Biocapitalisme; Citoyenneté; Gouvernementalité; Unidades Paraná Seguro; Police


INTRODUÇÃO

Este artigo analisa a reconfiguração da noção de cidadania no contexto do programa Unidades Paraná Seguro, na cidade de Curitiba (PR), durante os anos de 2012 a 2015. Trata-se de um programa de policiamento comunitário da Polícia Militar do Paraná (PMPR), integrado pela Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) e pela Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (Seju), com a finalidade de reduzir os índices de criminalidade e promover a cidadania, diminuindo a vulnerabilidade social da população atingida. Originalmente, o programa foi dividido entre as vertentes UPS-Segurança, a cargo da Sesp e da PMPR, e UPS-Cidadania, a cargo da Seju em parceria com diversos outros órgãos públicos e entidades privadas. Instalado em Curitiba e em outras cidades paranaenses, o programa associou políticas de segurança e cidadania, como correlato de algumas das políticas nacionais de segurança pública, como a Pronasci (Lei nº 11/530/2007), e das Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro, também voltadas à noção de cidadania com a UPP-Social.

O principal objeto de análise foi a vertente UPS-Cidadania, uma vez que ela resultou de um compromisso entre esferas estaduais, municipais e outros órgãos. Por meio da assinatura de Termos de Compromisso Técnico entre essas esferas, diversos programas e atividades socioeconômicos foram desenvolvidos, tendo a promoção da cidadania como centro de gravidade. Todavia, a cidadania promovida por esses programas pouco dizia respeito ao conteúdo ou ao exercício de direitos civis, políticos e sociais, estritamente relacionados com a participação democrática.

A pergunta a ser respondida por esta investigação poderia ser formulada nos seguintes termos: que tipo de cidadania é esta que o programa desenvolveu no âmbito das UPS , especialmente se não se pode falar em cidadania clássica? A fim de definir e compreender seu perfil, adotamos uma metodologia de pesquisa qualitativa consistente em um estudo de caso dos programas e atividades propostos e desenvolvidos nas dez Unidades Paraná Seguro instaladas na cidade de Curitiba entre os anos de 2012 e 2015. 1 1 O recorte temporal escolhido compreende o tempo de funcionamento das bases militares em conjunto com a realização de programas e atividades de cunho socioeconômico nas seguintes UPS de Curitiba: UPS-Uberaba, UPS-Parolin, UPS-Vila Sabará, UPS-Vila Verde, UPS-Vila Nossa Senhora da Luz, UPS-Vila Caiuá, UPS-Vila Osternack, UPS-Vila Sandra, UPS-Vilas Ludovica, UPS-Vila Trindade e, sem comprovação oficial, apesar de aparecer em alguns relatórios, a UPS-Vila Torres. O estudo de caso centrou-se em pesquisas bibliográficas e documentais ( Gil, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008. ; Yin, 2015YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2015. ), e contou com a análise de um corpus de documentos produzidos no âmbito do programa – leis, diretrizes, relatórios, dados estatísticos, contabilidade etc. –, além de entrevista realizada com o representante da seção de comunicação da PMPR, o Tenente Rothenberg.

O quadro teórico de interpretação derivou dos dados obtidos na pesquisa qualitativa, que, quando contrastados com as noções clássicas de cidadania, sugeriam uma lacuna analítica. Esta consistia no fato de que os traços clássicos tradicionais do conceito de cidadania – que gravitam em torno do usufruto de direitos de caráter civil, político e social, bem como se concentram na participação democrática ( Carvalho, 2008CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho.10a. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. ) – davam lugar, no caso das UPS, a atividades e iniciativas multiformes voltadas à inclusão da vida como tal no âmbito econômico , assumindo formas positivas, fabris e governamentais.

Essa lacuna parecia beneficiar-se analiticamente de contribuições pontuais do pós-estruturalismo francês, em especial das de Michel Foucault (2008a, 2008b) e de Gilles Deleuze (2008). Ainda, convergia problematicamente com as discussões contemporâneas sobre capitalismo – especialmente, as filiadas ao pós-operaísmo italiano ( Berardi, 2015BERARDI, F. And: phenomenology of the end. South Pasadena: Semiotext(e), 2015. ; Cocco, 2009COCCO, G. Mundobraz: o devir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2009. , 2011COCCO, G. La guerra di Rio de Janeiro: l’offensiva del capitalismo cognitivo. Uninomade 2.0. [S. l.], 2011. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/40005-a-guerra-no-rio-de-janeiro-a-ofensiva-do-capitalismo-cognitivo . Acesso em: 18 nov. 2017.
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, 2012COCCO, G. Trabalho e cidadania: produção e direito na crise do capitalismo global. São Paulo: Cortez, 2012. , 2014COCCO, G. Korpobraz: por uma política dos corpos. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. , Fumagalli; Pezzulli, 2018FUMAGALLI, A.; PEZZULLI, F. M. Cooperazione sociale, trasformazioni del capitalismo de economie di rete: un dialogo sul reddito di base. Effimera: Critica e Sovversioni del Presente. [S. l.], 2018. Disponível em: http://effimera.org/cooperazione-sociale-trasformazioni-del-capitalismo-ed-economie-rete-un-dialogo-sul-reddito-base-francesco-maria-pezzulli-andrea-fumagalli/ . Acesso em: 24 set. 2018.
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; Lazzarato, 2006LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. , 2011LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. São Carlos: EdUFSCar, 2011. ; Lazzarato; Negri, 2013LAZZARATO, M; NEGRI, A. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013. ; Negri, 2015NEGRI, A. Biocapitalismo. São Paulo: Iluminuras, 2015. ; Negri; Hardt, 2014a, 2014b). Apesar de sua heterogeneidade interna, a matriz pós-operaísta constitui uma das principais fontes do debate sobre o capitalismo imaterial e o biocapitalismo, cruzando-se construtivamente com outros referenciais críticos ao neoliberalismo (Dardot; Laval, 2016; Han, 2014HAN, B.-C. Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder, 2014. , 2017HAN, B.-C. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017. ), e permitindo ampliar de maneira situada e com contrapontos concretos (derivados do estudo de caso) as discussões sobre cidadania no Brasil ( Canclini, 2008CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. ; Carvalho, 2008CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho.10a. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. ; Kowarick, 2002KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, n. 63, p. 9-30, 2002. Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-63/#591a7c02cc1f3 . Acesso em: 31 ago. 2022.
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).

Conforme o referencial apontado, a partir da segunda metade do século XX, uma série de transformações sociais, econômicas e políticas ocorreram no Ocidente, fazendo com que nossas sociedades deixassem de ser hegemonicamente disciplinares para se tornarem sociedades de controle e desempenho. Com a transição do capitalismo fordista ao financeirizado, novas formas de trabalho emergiram, como o trabalho imaterial – cognitivo, afetivo, comunicativo e técnico-científico –, remodelando as relações de produção e a própria sociedade.

Por meio dessas mudanças, o capital passou a investir a totalidade da vida social, produzindo uma indiferença radical entre tempo de vida (ou de lazer) e tempo de trabalho. Eis o que situa o biocapitalismo, ou o capitalismo imaterial, como novas configurações do modo de produção capitalista voltado não apenas para a produção de mercadorias, mas de formas de vida, de subjetividade.

O advento do capitalismo imaterial transfigura a função do próprio Estado, que passa a ser compreendido como uma empresa responsável por organizar socialmente as condições da competição e a promover as condutas econômicas dos indivíduos. O neoliberalismo tensiona as funções tradicionais do welfare transformando-o em um workfare , ao mesmo tempo em que sobredetermina e elabora elementos definidores da prática democrática, como a noção de cidadania, por exemplo.

Por este motivo, ao procurar responder à pergunta que nos guia, por meio da constatação de que o programa das UPS uniu policiamento comunitário e desenvolvimento de um modelo de cidadania não correlato à cidadania clássica, nossa hipótese de trabalho é a de que a UPS-Cidadania se voltou a um modelo de cidadania correspondente ao atual estágio de desenvolvimento do capitalismo que integra todas as formas de vida, buscando constituir subjetividades sujeitadas, aptas e desejosas ao trabalho. Assim, adjetivamos a cidadania promovida para dar origem à noção de cidadania governamentalizada , termo que procura exprimir esse conjunto de transformações.

A cidadania a que o programa se reporta não diz respeito ao conteúdo jurídico-político tradicional, como o direito a ter direitos, ou à participação democrática, mas sim à produção de subjetividades conformes ao novo espírito do neoliberalismo. Por isso, em grande parte, as políticas e atividades propostas no âmbito das UPS faziam constante referência ao mercado de trabalho, à profissionalização e ao empreendedorismo como condições de acesso à cidadania. Ou seja, tratou-se antes de tudo de promover a busca pela qualificação profissional (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec), pelas diversas formas de trabalho (com as feiras de empregos), com foco nos empreendedores (Proinveste, Programa Bom Negócio Paraná etc.) e de incentivar o consumo. Em um contexto de desemprego e recessão econômica, as condutas foram tendencialmente moduladas para que as comunidades atingidas não deixassem de trabalhar e consumir.

Disso resulta que a cidadania governamentalizada pode ser descrita em função de pelo menos quatro características, que puderam ser identificadas. A primeira delas consiste no fato de o elemento político encontrar-se deslocado. As UPS não promoveram qualquer tipo de atividade ou programa voltado à intensificação da participação democrática, além dos Consegs que, em verdade, não possuem capacidade deliberativa real. A segunda característica é que o trabalho, visto como condição para a cidadania, é transformado em trabalho terciarizado (concentrado no setor de serviços) e terceirizado, seja sob as formas do trabalho precário em si ou da sua mais recente forma de mistificação, o empreendedorismo individual.

A terceira característica identificada corresponde a uma dimensão da cidadania que já foi descrita por Canclini (2008)CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. e Kowarick (2002)KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, n. 63, p. 9-30, 2002. Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-63/#591a7c02cc1f3 . Acesso em: 31 ago. 2022.
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: uma cidadania de consumo, uma cidadania privada. Se o trabalho é condição prévia para a cidadania, também o é o consumo, pois direitos passam a ser adquiridos dessa forma. O acesso à saúde, educação, previdência e outros direitos sociais básicos são, agora, realizados menos pelo welfare do que pelo mercado, o que explica, em parte, a indexação entre welfare e workfare como racionalidade das políticas neoliberais de Estado. Por fim, a cidadania assume de forma cada vez mais nítida a sua dimensão de dispositivo de poder, governamentalidade e subjetivação. Em nome do pleno desenvolvimento de seus potenciais, da otimização de seu desempenho, os indivíduos são governados por controles sutis e pervasivos que atuam no mais fino grão de suas subjetividades, sem passar pela repressão ou pela coação. Pela integração de técnicas multiformes, as subjetividades são moduladas de maneira que os controles são internalizados pelos indivíduos, que se autoexploram como funcionamento paradoxal de sua autonomia governada pela autossujeição e pela autoinjunção de desempenho.

AS POLÍTICAS HÍBRIDAS DE SEGURANÇA-CIDADANIA E AS UNIDADES PARANÁ SEGURO (2012-2015)

Com a finalidade de promover a segurança pública no Paraná, o Governo Estadual lançou a sua primeira política de segurança pública do Estado, chamada de Paraná Seguro . Dentro do programa, que articulava várias frentes, estava a das Unidades Paraná Seguro . Elas consistiam em módulos de polícia comunitária em regiões urbanas estratégicas com o objetivo de reduzir os índices de homicídios que haviam crescido nas últimas décadas. Por exemplo, em 2000, a taxa paranaense de homicídios a cada 100 mil habitantes era de 18,85, passando para 34,33 em 2010, conforme dados do Mapa da Violência do IPEA (Atlas […], 2018).

As UPS foram instaladas entre 2012 e 2013 nas cidades de Curitiba e região metropolitana, Cascavel e Londrina, tendo as Unidades de Polícia Pacificadoras do Rio de Janeiro como modelo. No entanto, após a instalação das primeiras Unidades em Curitiba (que totalizaram dez unidades), os relatórios e termos de compromisso firmados ( Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná, 2013SECRETARIA DE JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS DO PARANÁ. Termo de Cooperação Técnica nº 001/2013. Curitiba, 2013. Disponível em: https://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/acordos-e-convenios/2286 . Acesso em: 4 dez. 2016.
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) indicam que os próprios policiais perceberam a necessidade de combater a criminalidade não só por meio do policiamento comunitário, mas promovendo atividades e programas sociais para o desenvolvimento da cidadania. Essa foi a origem da bipartição entre as UPS-Segurança, a cargo da Sesp, e as UPS-Cidadania, geridas pela Seju.

A vertente da UPS-Cidadania passou a atuar a partir de 2013, inicialmente por meio de um projeto piloto na UPS-Parolin, em Curitiba, expandindo-se progressivamente a todas as cidades que receberam as Unidades por meio do Termo de Cooperação Técnica firmado entre entes públicos e privados. Esses TCTs foram orientados para o “planejamento e a execução de ações integradas de desenvolvimento e cidadania nas Unidades Paraná Seguro, capazes de contribuir para a melhoria da segurança pública e da qualidade de vida das pessoas e paz social iniciando-se por Curitiba” ( Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná, 2013SECRETARIA DE JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS DO PARANÁ. Termo de Cooperação Técnica nº 001/2013. Curitiba, 2013. Disponível em: https://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/acordos-e-convenios/2286 . Acesso em: 4 dez. 2016.
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). Por meio deles, foram apresentadas as Ações Integradas de Desenvolvimento e Cidadania nas Unidades Paraná Seguro, contemplando a proposta de um plano de ação. Para a realização dessa tarefa, e com base em 22 problemas levantados 2 2 Entre eles, estão deficiências na educação, falta de estrutura familiar, drogadição, prostituição infantil, violência, desconhecimento de direitos e ausência de “documentação básica para cidadania”, moradias precárias e/ou irregulares, falta de urbanização e preservação dos espaços públicos, baixa qualificação para o empreendedorismo, baixo desenvolvimento socioeconômico local e informalidade, entre outros. pelos policiais militares, foram eleitos oito objetivos que procuravam desenvolver uma subjetividade comunitária nos locais com UPS:

  1. intervir de forma coordenada, interinstitucional e interdisciplinarmente, nos locais onde estão implantadas as UPS;

  2. articular com as organizações comunitárias das UPS para identificar e recepcionar as principais demandas locais, envolvendo ampla participação social e responsabilidade compartilhada entre o Poder Público e a Sociedade para implementação de políticas públicas;

  3. realizar atividades de educação, de conscientização em direitos, de articulação de redes sociais e de mediação de conflitos;

  4. estimular o funcionamento de centros de integração e de cooperativas sociais, proporcionando maior competitividade no mercado de trabalho nos locais onde estão instaladas as UPS;

  5. implantar núcleos de justiça comunitária, estimulando a comunidade a escolher seus caminhos na realização da justiça de forma pacífica e solidária;

  6. incentivar pesquisas em criminologia e política criminal e penitenciária e a adoção de metodologias alternativas de gestão da execução penal;

  7. monitorar e avaliar os resultados, conforme o Plano de Trabalho, utilizando as instituições de pesquisa estaduais e municipais para realização do trabalho;

  8. cumprir com os princípios constitucionais de respeitar a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, erradicar a marginalização e promover o bem de todos, além de contribuir com o alcance dos […] ODM ( Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná, 2013SECRETARIA DE JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS DO PARANÁ. Termo de Cooperação Técnica nº 001/2013. Curitiba, 2013. Disponível em: https://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/acordos-e-convenios/2286 . Acesso em: 4 dez. 2016.
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    ).

Diante desse quadro, foram propostas atividades pela Prefeitura de Curitiba, por algumas secretarias municipais e estaduais, com parcerias junto ao setor privado, por vezes em coordenação com o Governo Federal e outros órgãos públicos. 3 3 Algumas das Secretarias estaduais envolvidas foram, além da Sesp e da Seju: Secretaria Estadual de Estado da Educação (SEED), Secretaria da Família e Desenvolvimento Social (SEDS), Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul/PONTO, Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, Secretaria de Estado e da Cultura (SEEC), Secretaria de Estado do Esporte e Turismo (SEET), Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária (SETS), entre outros órgãos, além do sistema Fiep/Sesi/Senai. Entre as dezenas de atividades ou programas sociais propostos (ou integrados), encontram-se o Programa Escola Aberta, o Pronatec, vinculado ao Bolsa Família e à educação profissionalizante, convênio com SESI para programas de capacitação profissional, promoção de atividades de capacitação e organização para pequenos negócios locais, além do fomento ao empreendedorismo local. (Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná, 2016b).

Ainda foram propostas atividades para confecção de documentos pessoais como Carteira de Identidade, CPF e CTPS, encaminhamentos para a Agência do Trabalhador, instalação de Telecentros e Espaço Cidadão, estímulo à criação de Associações de Prevenção, Atenção e Reinserção Social de Usuários e Dependentes de Drogas (APADs) e medidas de reinserção social de apenados (educação profissionalizante) entre outras. A Prefeitura de Curitiba, por fim, propôs cursos de capacitação para pessoas acima de dezesseis anos, ações para reduzir evasão escolar, divulgação da Educação para Jovens e Adultos (EJA), integração da rede socioassistencial por meio de visitas às entidades, consultórios de rua, indicação de ruas a serem pavimentadas e iluminadas, efetiva revitalização, correção geométrica e fresagem de pavimentos, obras em escolas municipais e realocação de moradias etc. (Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná, 2016b). 4 4 De todas essas atividades, poucas foram efetivamente realizadas e/ou estão amplamente divulgadas nos sítios eletrônicos das Secretarias, Município e outras entidades e órgãos. De acordo com os dados disponíveis na SEJU-PR (2016a), a maioria foi realizada durante 2013 a 2016 no âmbito da UPS-Cidadania, tanto no que concerne às feiras de serviços, quanto em relação às ações de continuidade. Ao todo, foram realizadas quatorze feiras de serviços, sendo seis em 2013, sem dados disponíveis para 2014, três em 2015 e oito em 2016.

As características desses projetos acompanham, de certa forma, as próprias transformações da sociedade e da economia brasileiras, indicando que não se trata apenas de conter o crescimento exponencial da criminalidade. As transformações que se operam a partir dos anos 2000 incidem sobre o mercado laboral e reconfiguram o trabalho metropolitano no país. A partir dessa década, o país experimentou um crescimento econômico vertiginoso, saindo da série de crises econômicas que marcaram as décadas de 1980 e 1990, atravessando novo cenário de crise a partir de 2009.

Esse crescimento foi acompanhado pelo aumento da atividade do setor terciário e pela intensificação da oferta de ensino profissionalizante, de postos de empregos precários etc. Em paralelo, operou-se uma reconfiguração social no Brasil, marcada pela emergência da “classe C”, processo socioeconômico pelo qual as classes mais pobres experimentaram certa mobilidade social e aumento de seu poder de consumo através de políticas de valorização do salário mínimo e de distribuição de renda de caráter focal e condicionado ( Corrêa, 2017CORRÊA, M. D. C. Capitalismo cognitivo e renda universal: do igualitarismo transcendental ao direito biopolítico. Direitos Culturais, Santo Ângelo, v. 12, n. 26, p. 109-134, 2017. Disponível em: http://srvapp2s.santoangelo.uri.br/seer/index.php/direitosculturais/article/view/1860 . Acesso em: 20 set. 2018.
http://srvapp2s.santoangelo.uri.br/seer/...
), chegando, em 2009, a ser mais da metade da população brasileira ( Cocco, 2014COCCO, G. Korpobraz: por uma política dos corpos. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014. ; Neri, 2011NERI, M. Diagnóstico da evolução dos indicadores sociais em Curitiba. Rio de Janeiro: Centro de Políticas Sociais Fundação Getúlio Vargas/Fundação de Assistência Social (FAS), 2011. ).

No entanto, de 2015 em diante surgiu uma nova crise econômica, com a acentuação do desemprego, a proposição ou a implementação efetiva de reformas trabalhistas e previdenciária, a redução de postos de trabalho formais, a intensificação da precarização laboral e a consequente redução do poder de compra dos pobres ( Confederação Nacional da Indústria, 2015CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Crise econômica muda relação de brasileiros com o mercado de trabalho. São Paulo, 15 ago. 2015. Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br/estatisticas/rsb-24-crise-economica-I-mercado-de-trabalho/ . Acesso em: 20 set. 2018.
https://www.portaldaindustria.com.br/est...
; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2018INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Indicadores IBGE: pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua (PNAD). Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73086 . Acesso em: 20 dez. 2018.
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
; Jasper, 2015JASPER, F. Em dois anos, poder de compra do brasileiro cai quase R$ 300 bilhões. Gazeta do Povo, Curitiba, 2015. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/em-dois-anos-poder-de-compra-do-brasileiro-cai-quase-r-300-bilhoes-1dw83nxben58b8eyv8uuxy2g0/ . Acesso em: 20 set. 2018.
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).

Todos esses processos são replicados em Curitiba, que conheceu um crescimento econômico considerável até 2015. O produto interno bruto (PIB) municipal, por exemplo, aumentou continuamente desde 2002, quando era de R$ 59,15 bilhões, passando para R$ 83,86 bilhões em 2015, tornando-a a 5ª maior economia entre as capitais do país ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2014INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produto Interno Bruto dos Municípios 2012: contas nacionais nº 43. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: http://ftp.ibge.gov.br/Pib_Municipios/2012/pibmunic2012.pdf . Acesso em: 9 set. 2017.
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, 2017INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produto Interno Bruto dos Municípios 2010-2015: contas nacionais nº 58. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101458.pdf . Acesso em: 10 set. 2017.
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). Durante a década de 1990 e os anos 2000, a cidade também teve um aumento considerável do seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Segundo dados do Ipea ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2014INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras. Brasília, DF, 2014. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=24037 . Acesso em: 10 set. 2017.
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?...
), em 2000, a Região Metropolitana de Curitiba apresentava um IDHM de 0,698 (médio desenvolvimento humano), passando para 0,783 em 2010 (alto desenvolvimento humano).

Assim, os bairros selecionados para receber as UPS-Cidadania, embora façam parte das regiões com alta criminalidade, também são responsáveis por grande parte da atividade econômica municipal. Por exemplo, são bairros que, em sua maioria, são compostos pela classe C (renda média mensal entre R$ 1.657,30 e R$ 4.866,91) ( Agência Curitiba, 2017AGÊNCIA CURITIBA. Perfil econômico das regionais em Curitiba. Agência Curitiba de Desenvolvimento e Inovação. Curitiba, 2017. Disponível em: http://www.agencia.curitiba.pr.gov.br/ . Acesso em: 10 set. 2018.
http://www.agencia.curitiba.pr.gov.br/...
; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html . Acesso em: 16 fev. 2016.
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), além de serem bairros bem abastecidos com rede elétrica, água, saneamento básico, escolas, colégios, postos de saúde e centros de assistência social.

Estes dados indicam a centralidade que os territórios periféricos adquiriram no país nos últimos anos. Eles se transformaram em territórios-chave das cidades brasileiras por serem responsáveis por grande parte da geração de valor e circulação econômica dos centros urbanos, muitas vezes prejudicados pela escala das taxas de criminalidade. Além desse fator, é de se notar que mesmo em meio à crise econômica, pós-2009, os bairros com UPS, assim como a cidade de Curitiba em geral, demonstraram que mesmo com o crescimento do desemprego formal, a população como um todo – nos bairros em questão – permaneceu economicamente ocupada, especialmente no setor de serviços ( Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Estudo da estrutura econômica e do mercado de trabalho do município de Curitiba/PR no período 2003-2013. Curitiba, 2014. Disponível em: https://observatorios.dieese.org.br/ws2/producao-tecnica/arquivo/2/517? . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://observatorios.dieese.org.br/ws2/...
, 2016DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Análise do mercado de trabalho de Curitiba a partir dos resultados trimestrais da PNAD Contínua. Curitiba, 2016. Disponível em: https://observatorios.dieese.org.br/ws2/producao-tecnica/arquivo/2/827? . Acesso em: set. 31 ago. 2022.
https://observatorios.dieese.org.br/ws2/...
).

Essa recomposição social do trabalho pode ser entendida como resultado das transformações do próprio capitalismo, que passa a exercer-se hegemonicamente como biocapitalismo sob as condições de emergência e funcionamento do trabalho imaterial ou cognitivo, que encontram na empresa seu modelo mais bem-acabado ( Lazzarato, 2006LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. , p. 122). Essas transformações impactam nos dispositivos de controle e no próprio funcionamento do Estado, de forma a subverter a lógica de muitas políticas públicas e, por consequência, reconfigurando a própria noção de cidadania.

AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADANIA: controles, trabalho imaterial e biocapitalismo

A cidadania é uma categoria jurídico-política ligada à Modernidade iluminista, à consolidação dos Estado-nação e à escalada histórica dos direitos civis e políticos. Classicamente, é definida como um status pessoal derivado do vínculo entre pessoa natural e Estado, em função do qual se lhe atribuem direitos universais de participação na esfera política ( Douzinas, 2009DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. ). No entanto, ao longo do século XX, a noção de cidadania sofreu ampliações para compreender outras situações e direitos que não os direitos civis e políticos. Ou seja, o conteúdo da ideia de cidadania parece variar em função das representações conceituais e das funções materiais que os sujeito de direitos passam a incorporar, exprimindo-se em termos de direitos políticos, sociais, coletivos etc.

Nos últimos anos, muitas políticas públicas – como as de segurança – têm sido formuladas em correlação com a ideia de cidadania, situando-se como catalisadoras para seu pleno desenvolvimento. Entretanto, o cidadão moderno é o sujeito de poder (no sentido da díade subjectum/subjectus ) produzido como correlato dos esquemas soberanos de poder do Estado-Nação ( Agamben, 1996AGAMBEN, G. Mezzi senza fine: notte sulla politica. Torino: Bollati Boringhieri, 1996. ; Arendt, 2009ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. ; Douzinas, 2009DOUZINAS, C. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. ).

As teorias contratualistas do século XVII em diante já definiam a cidadania como um conjunto de direitos civis que se devem à alienação, transferência, renúncia ou limitação da liberdade natural em prol da soberania política do Estado. O contrato social é, nesses termos, o instrumento que opera essa cessão transformadora que permite passar da ordem natural à política e subjetivar os homens naturais como súditos ou cidadãos ( Hobbes, 2002HOBBES, T. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ; Locke, 2005LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ; Montesquieu, 2005MONTESQUIEU, C. S. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ; Rousseau, 2011ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. ).

A cidadania exprime, de um lado, a subjetivação civil e, de outro, a sujeição soberana, o que denota ser, originalmente, uma categoria governamental. Ela participa de estratégias de poder; sofre constantes modulações para corresponder e acompanhar o processo de aparecimento e consolidação do Estado em sua forma nacional e soberana, como será mobilizada, a partir da segunda metade do século XVIII, no contexto do governo biopolítico das populações (Foucault, 2008a). Categoria histórica e estrategicamente fluida, a cidadania não corresponde a uma realidade pronta e acabada. Pelo contrário, ela permanece em tensão com as transformações do poder, do capitalismo mundial e, durante o século XX, será constantemente recodificada por mecanismos previdenciários, securitários e de controle.

Maurizio Lazzarato (2011)LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. São Carlos: EdUFSCar, 2011. percebe, nesses termos, que é precisamente a velha distinção entre o sujeito de direitos (o cidadão) e o sujeito econômico que tende a entrar em crise e borrar-se na cena neoliberal europeia pós-welfarista. Essa progressiva indiferença permite que a governamentalidade possa conservar seu caráter global, a partir do curto-circuito entre a arte econômica de governar do capitalismo imaterial e a arte de governar juridicamente, através de conjuntos de direitos. Trata-se de técnicas de controle e governo das condutas que se exercem, hoje, imediatamente sobre o terreno social.

Esses processos são parte de transformações sociais que ocorreram a partir da segunda metade do século XX e que, aceleradas pela crise do encerramento disciplinar, produziram mutações nos próprios dispositivos, originando o que Deleuze (2008) caracterizou como sociedades de controle , e que Han (2017)HAN, B.-C. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017. chamou de sociedades de desempenho . Enquanto as sociedades disciplinares se caracterizavam pelo confinamento (familiar, escolar, militar, fabril, hospitalar, penitenciário), as sociedades de controle exercem uma forma de poder muito mais difusa, sutil e pervasiva, com controles contínuos e a comunicação instantânea. Esses controles se exercem por meio de modulações, “como uma moldagem autodeformante que mudasse continuamente, a cada instante, ou como uma peneira cujas malhas mudassem de um ponto ao outro” (Deleuze, 2008, p. 225), passando necessariamente pelas novas máquinas tecnológicas, pelos novos meios de comunicação e pela apropriação das novas formas de trabalho imaterial.

Modulações de cérebros ( Lazzarato, 2006LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ), ou psicopolítica ( Han, 2014HAN, B.-C. Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder, 2014. ), porque já não se trata apenas de alterar a subjetividade do indivíduo por meio da memória da disciplina inscrita no corpo e na repetição dos gestos, mas de novas técnicas que promovem a subjetivação socialmente difundida de um ser-para-a-economia , um homo œconomicus como vetor impessoal e ativo de capital humano. As coerções das disciplinas passam, de sua difusão pelas treliças do tecido social, a ser internalizadas pelos indivíduos, que relacionam a liberdade à autocoerção, em prol da maximização de seu próprio desempenho, de modo que os indivíduos se tornam seu próprio senhor e seu próprio escravo ( Han, 2017HAN, B.-C. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017. ).

Seu motor se encontra na passagem de um capitalismo de tipo fabril e fordista a um maior nível de abstração, o capitalismo financeirizado ou pós-fordista. Essa transição permite ao capital controlar a emergência de um trabalho imaterial, cognitivo, comunicacional e afetivo.

A expressão trabalho imaterial designa o resultado da recomposição do trabalho material de execução, ou trabalho manual, com o trabalho de concepção, ou intelectual ( Cocco, 2012COCCO, G. Trabalho e cidadania: produção e direito na crise do capitalismo global. São Paulo: Cortez, 2012. ). Compreende não apenas o trabalho abstrato ou exclusivamente intelectual, mas o trabalho vivo, resultado da rearticulação mão-mente e da superação da dicotomia entre esses dois polos. Por isso, ele envolve as formas de trabalho cognitivo, afetivo, comunicativo e técnico-científico como formas hegemônicas de trabalho ( Negri; Hardt, 2004NEGRI, A.; HARDT, M. O trabalho de Dionísio: para a crítica ao Estado pós-moderno. Juiz de Fora: Editora UFJF-Pazulin, 2004. ). Por meio desse trabalho, a própria alma do trabalhador , sua subjetividade, é ativamente produzida, gerando um valor intangível, que perde a métrica tradicional para a sua aferição ( Cocco, 2012COCCO, G. Trabalho e cidadania: produção e direito na crise do capitalismo global. São Paulo: Cortez, 2012. ), a partir da progressiva indistinção entre trabalho e vida, ou tempo de trabalho e tempo de lazer ( Lazzarato; Negri, 2013LAZZARATO, M; NEGRI, A. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013. ). O trabalho imaterial se caracteriza pela produção de um valor que se baseia na cooperação social, na autonomia organizativa e na mobilização de afetos.

Ou seja, trata-se de um trabalho que deserta a fábrica, a planta empresarial e qualquer tipo de confinamento, produzindo-se em coalescência com o tecido social, pontilhado por mecanismos de controle, vigilância e internalização da racionalidade capitalista de empresa ( Lazzarato; Negri, 2013LAZZARATO, M; NEGRI, A. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013. ). Ao abandonar o encerramento fabril, o capital passa a recobrir toda a sociedade, colonizando todos os momentos da vida dos indivíduos.

Esses são os principais traços do biocapitalismo, ou do capitalismo cognitivo, como duas formas de nomear o mesmo processo, quando o próprio capitalismo se torna biopolítico. Compartilhando dessas premissas, Antonio Negri (2015NEGRI, A. Biocapitalismo. São Paulo: Iluminuras, 2015. , p. 57-58) define o biocapitalismo como “um capitalismo que, para sua valorização e para seu benefício, já investiu para a totalidade da sociedade”, ou seja, um capitalismo estendido para todo o conjunto da vida humana individual e social, posta a trabalhar. O biocapitalismo implica um novo paradigma que é, ao mesmo tempo, um novo tipo de acumulação, um novo modo de produção e uma forma específica de exploração do trabalho vivo. Por isso, Yann Moulier-Boutang (2011, p. 57) compreende o capitalismo cognitivo como:

[...] um modo de acumulação no qual o objeto da acumulação consiste principalmente em conhecimento, que se torna a fonte elementar do valor, assim como o principal locus do processo de valorização. Questões como direitos de propriedade, posicionamento em redes, alianças e gestão de projetos tornam-se os mais importantes fatores institucionais e organizacionais. Seu papel é crucial. As estratégias desse capitalismo são determinadas pela procura por uma posição espacial, institucional e organizacional eficaz para aumentar sua capacidade de engajamento em processos criativos e de captura de seus benefícios. 5 5 No original: “[…] a mode of accumulation in which the object of accumulation consists mainly of knowledge, which becomes the basic source of value, as well as the principal location of the process of valorisation. Issues, such as property rights, positioning in networks, alliances and project management become major institutional and organisational factors. Their role is crucial. The strategies of this capitalism are determined by the quest for a spatial, institutional and organisational positioning likely to increase its capacity for engaging in creative processes and for capturing their benefits ”.

Trata-se de um capitalismo baseado no trabalho cooperativo de cérebros humanos, que cooperam por meio de redes como as de computadores ( Berardi, 2015BERARDI, F. And: phenomenology of the end. South Pasadena: Semiotext(e), 2015. ; Moulier-Boutang, 2011). Sua ênfase está mais no consumo que na produção, e a produção passa a remeter majoritariamente à produção de valores intangíveis que de bens materiais, em um processo de progressiva abstração e financeirização que faz com que tudo na esfera da vida possa ser perspectivado a partir do filtro econômico.

No entanto, para poder controlar a vida mesma que foge das fábricas e das empresas a partir de um trabalho desterritorializado, efetua-se todo um remodelamento das instituições e dos mecanismos de controle capazes de induzir ao trabalho e à conduta consumerista. Isso inclui as técnicas e dispositivos securitários que abrangem desde o incentivo ao empresariado, por meio do management, do marketing , do coaching (Dardot; Laval, 2016), da educação à distância e de outras técnicas multiformes capazes de expandir não mais o tempo de trabalho, mas a produtividade imaterial.

Nesse contexto, o Estado é convocado a desempenhar um papel fundamental na gestão da vida ( Lazzarato, 2006LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ), passando de opositor ideal do mercado a um dos principais agentes do governo das condutas na cena social. Todo o remodelamento do Estado de bem-estar social, dos próprios direitos e, assim, da própria noção de democracia testemunha essas transformações. O welfare se transforma em um workfare , como adaptação da velha técnica disciplinar, mas que agora interfere na subjetividade, nos estilos de vida, fora da usina ou da empresa, por meio dos controles. As alterações que vêm ocorrendo em todo o mundo ocidental dos dispositivos previdenciários e securitário é uma mostra exemplar de como o welfare é investido pelo workfare ( Lazzarato, 2011LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. São Carlos: EdUFSCar, 2011. ).

As instituições da democracia representativa também são domesticadas e o Estado-providência – que deveria, na acepção liberal-democrata, zelar pela cidadania – converte-se em dispositivo de governo das condutas, de produção das desigualdades, de fabricação da miséria como condições de otimização concorrencial. É por isso que Lazzarato (2011)LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. São Carlos: EdUFSCar, 2011. afirma que o Estado, além de assumir o papel de empresa, trabalha ativamente para a generalização do governo da empresa, assumindo, solicitando e organizando essa generalização em todos os domínios do social. Ou seja, o Estado se torna a instituição que inicia, implementa e difunde as novas modalidades de governo empresarial das condutas, de modo que as políticas públicas podem converter-se em veículos da difusão dessa nova racionalidade governamental, de modo que tanto a cidadania aparece como a condição prévia do trabalho imaterial, quanto o seu advento implica a transformação de seus conteúdos ( Cocco, 2012COCCO, G. Trabalho e cidadania: produção e direito na crise do capitalismo global. São Paulo: Cortez, 2012. ).

A EXPERIÊNCIA DAS UNIDADES PARANÁ SEGURO: a cidadania governamentalizada

A tradução do welfare em workfare descreve de forma adequada a lógica das políticas híbridas de segurança-cidadania, em que o conteúdo da cidadania não é previamente definido, revelando, na prática, uma estrita relação com o governo empresarial das condutas. Nesses casos, a segurança é vista como um direito e, ao mesmo tempo, como a resultante de um processo de incentivo ao empreendedorismo individual; a constituição da cidadania dos moradores de localidades metropolitanas vulneráveis é disparada pelo emprego precário ou pela autoexploração dos empresários de si mesmos. Com isso, os próprios mecanismos das políticas públicas e da cidadania são imediatamente inscritos em um horizonte social em transformação bioeconômica.

Nele, a cidadania se torna um correlato do trabalho biopolítico: trabalhar e ser cidadão coincidem, na medida em que a segurança cria as condições sociais para o exercício pacífico do trabalho, e este gera as condições gerais de segurança, penetrando o tempo dedicado à vagabundagem e a atividades potencialmente ilícitas, em um círculo virtuoso . O que preside sua racionalidade, no entanto, é uma cidadania governamentalizada ; isto é, uma operação estratégica de reconfiguração da cidadania que verte as liberdades clássicas nos termos da liberdade de empreender, redirecionando as condutas ao trabalho, de acordo com o novo paradigma do trabalho imaterial.

As experiências das UPS-Cidadania sugerem essa hipótese, na medida em que tal vertente da política pública paranaense, longe de instituir um modelo repressivo de segurança pública, dedicava-se ao pleno desenvolvimento da cidadania de populações vulneráveis. Seu planejamento e suas ações se voltavam para diversas áreas sociais, com ênfase em programas voltados para a educação profissionalizante, trabalho e empreendedorismo, além do consumo (seja consumo de bens ou de financiamentos no mercado de crédito privado). Não promoviam a ampliação da participação democrática, ou da rede de serviços públicos, o que indicaria o acesso a uma gama de direitos sociais característicos do welfare – embora tenha se registrado modestas iniciativas de pavimentação asfáltica, coleta de lixo e instalação de iluminação pública. Mesmo essas iniciativas estão relacionadas com a constituição de condições infraestruturais mínimas em que o trabalho imaterial se realiza.

Algumas das atividades desenvolvidas foram as feiras de serviços, para a confecção de documentos como a CTPS, e as feiras de trabalho, destinadas à indicação de pessoas às vagas de emprego existentes. As UPS-Cidadania representaram um alinhamento com outras políticas públicas já existentes como o Proinvest, o Plano Personalizado de Atendimento (PPA) e o Bom Negócio Paraná, que buscam fomentar o empreendedorismo e as formas de financiamento aos empreendedores. Nas áreas de educação e trabalho, as UPS foram integradas a programas como o Pronatec, para educação profissionalizante, e a medidas de reinserção social de apenados por meio do trabalho, em regra, precário. Assim, o aumento da terceirização e terciarização na região – que corresponde a um movimento comum no país – é conduzido, incentivado e coordenado pelo próprio Estado.

Nos bairros com UPS em Curitiba, o total de estabelecimentos (indústrias, comércios, serviços etc.) passou de 190.630 em 2011 para 247.272 em 2015, sendo que o setor que mais cresceu foi o de serviços. Apesar disso os índices de crescimento dos estabelecimentos econômicos na cidade não foram seguidos pelo aumento da oferta de empregos formais que, acompanhando a curva nacional descendente, têm passado por uma fase de queda significativa desde o fim da primeira década dos anos 2000. Assim, enquanto para o ano de 2011 a cidade de Curitiba registrou um aumento de 28.449 novos empregos formais sob regime celetista, para o ano de 2013, o número de novos empregos baixou para 7.186, registrando, no ano de 2015, o fechamento de 32.426 postos de trabalho. Contudo, a taxa de desocupação para a cidade de Curitiba permaneceu baixa, em torno de 5%, durante os anos de 2010 a 2015, o que equivale à metade da taxa observada para o país ( Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2014DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Estudo da estrutura econômica e do mercado de trabalho do município de Curitiba/PR no período 2003-2013. Curitiba, 2014. Disponível em: https://observatorios.dieese.org.br/ws2/producao-tecnica/arquivo/2/517? . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://observatorios.dieese.org.br/ws2/...
, 2016DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Análise do mercado de trabalho de Curitiba a partir dos resultados trimestrais da PNAD Contínua. Curitiba, 2016. Disponível em: https://observatorios.dieese.org.br/ws2/producao-tecnica/arquivo/2/827? . Acesso em: set. 31 ago. 2022.
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).

Esse conjunto de programas e iniciativas indicam muitos dos traços dessa nova cidadania que, em parte, já foram antecipados na literatura da área de Ciências Sociais, competindo-nos descrever suas principais configurações. Algumas podem ser observadas no Programa das Unidades Paraná Seguro, nas características específicas de Curitiba e nas comunidades atingidas por esse programa, a partir da análise do caso das dez unidades instaladas na capital.

A primeira característica dessa cidadania governamentalizada é que ela aparece deslocada do seu conteúdo político. O processo de criação de uma cidadania no Brasil sempre foi problemático, como esclarece José Murilo de Carvalho (2008)CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho.10a. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. . Para ele, os direitos políticos foram direitos que só adquiriram a amplitude desejada a partir da reabertura democrática e da Constituição de 1988. Apesar disso, a cidadania enfatizada pelo programa das UPS elimina o conteúdo político-participativo, na medida em que nenhum dos programas tinha como base uma perspectiva de inserção ou intensificação da participação democrática. A única iniciativa que se aproxima disso consistiu no incentivo dado aos Consegs e na formação do núcleo central do conceito de policiamento comunitário. No entanto, a base dessas duas ideias não se confunde com qualquer grau de aprofundamento ou radicalização democrática por meio de uma ampliação dos canais de participação política. O policiamento comunitário dirige-se, antes, como a tentativa de legitimação de uma Polícia Militar que possui baixa legitimidade democrática. A partir disso, procura transmitir a imagem de uma democratização retórica em matéria de segurança pública, além de incentivar a interiorização dos mecanismos de controle como estratégias de subjetivação coletiva, fazendo com que a comunidade se policie.

A cidadania aparece, em contrapartida, com uma nova dimensão da subjetivação coletiva. Ao passo em que o elemento político desaparece, o escopo dos direitos sociais é rarefeito e o caráter mercantil que subsome os direitos se tornam mais evidente. 6 6 A redução da dimensão política da cidadania aqui apresentada não diz respeito à noção de subcidadania, de Jessé de Souza (2006 , p. 184), enquanto resultado do próprio processo de modernização capitalista do Brasil a partir do século XIX, como expressão política da divisão social entre “gente” e “subgente”. Para ele, a subcidadania seria consequência da constituição de inadaptados às demandas da vida produtiva e social modernas, constituindo-se numa legião de “‘imprestáveis’, no sentido sóbrio e objetivo deste termo”. No entanto, a pobreza sempre foi produtiva no capitalismo – o que muda é que se torna, ao menos no Brasil, o cerne produtivo a ser investido e subsumido pelo capital. Assim, a dimensão do trabalho e do empreendedorismo constitui a característica central desse novo tensionamento da cidadania, atrelado, ainda, ao consumo de bens e de crédito. O empreendedorismo apresenta as principais características do trabalho imaterial, e o regime de atividade contínua que ele supõe é a condição para ter acesso aos direitos. Na vertente da UPS-Cidadania, os sujeitos passam a aceder a um significativo número de políticas e atividades que intervêm diretamente na forma como os indivíduos se conduzem. Nelas, o empreendedorismo é aliado ao incentivo à educação profissionalizante, à integração no mercado de consumo e do crédito financeirizado.

Esses eixos se entrelaçam na medida em que o trabalho imaterial se torna hegemônico. A fim de constituir uma forma de subjetivação neoliberal, articula-se em torno de um novo tipo de individualização todo um conjunto de saberes médico, psiquiátrico, social, econômico e político, passando pela gestão de negócios e pelo management 7 7 Compreendido aqui não só como forma material de gestão de uma empresa, mas como discurso sobre o desenvolvimento da empresa de si mesmo , uma vez que este implica a integração entre vida pessoal e profissional (indistinção entre vida e trabalho) (Dardot; Laval, 2016). , pelas tecnologias de si do training e do coaching , bem como pela accountability , que envolve o emprego de técnicas de auditoria, vigilância e avaliação a fim de aumentar o desempenho individual (Dardot; Laval, 2016). As UPS-Cidadania organizaram a correlação dessa racionalidade formativa do homem-empresa – encarregado também da segurança em sentido lato (Foucault, 2008a) – como modo de subjetivação e governo das condutas inerente à razão neoliberal. As UPS-Cidadania formaram o nó transversal em que os indivíduos passam a ser investidos por essa gama de saberes-poderes, que se difundem através de cursos profissionalizantes, de programas de treinamento para empreendedores, ou de incentivos ao cuidado com a segurança pública.

O empresário de si mesmo deve ter certo know-how , saber exercer sua criatividade, comunicar-se e portar-se adequadamente, deve saber investir e cuidar do seu capital, que é a sua própria vida (Dardot; Laval, 2016). A mobilização de todos esses saberes leva à prática de uma ascese específica, de um cuidado de si que maximize seu potencial, preserve seu capital, otimize seu autocontrole e o controle da comunidade que o cerca, dando forma ao ethos específico dessa forma de vida. Da mesma maneira, a conversão dos pobres e precários à ascese empreendedora os subsome às redes do capitalismo financeiro, por meio da contratação de empréstimos e da participação em investimentos subjugados à racionalidade do capital rentista. Lançando-se a uma relação de débito e crédito financeiro, funda-se um vínculo de solidariedade e de dívida entre pobres e sistema financeiro, maximizando de modo sutil e psiquicamente interiorizado a capacidade de subtrair trabalho, atividade, tempo de vida. A dívida é a um só tempo razão de ser, operação de extração, mecanismo de subjetivação e circuito financeiro estruturado que sujeita a vida ao círculo interminável da autoexploração capitalista e à sua lógica de aparente sujeição voluntária.

Em terceiro lugar, a noção de dívida conduz diretamente às noções de c idadania privada , de Lúcio Kowarick (2002)KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, n. 63, p. 9-30, 2002. Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-63/#591a7c02cc1f3 . Acesso em: 31 ago. 2022.
https://novosestudos.com.br/produto/edic...
, e de cidadania de consumo , de Nestor Garcia Canclini (2008)CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. . O elemento mais importante dessa cidadania passa a ser a sua dimensão econômica, na medida em que os cidadãos se convertem em consumidores e podem comprar os próprios direitos . A cidadania de consumo pressupõe o movimento de privatização dos serviços públicos como saúde, educação e previdência, e a formação de um mercado de direitos.

Kowarick (2002)KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, n. 63, p. 9-30, 2002. Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-63/#591a7c02cc1f3 . Acesso em: 31 ago. 2022.
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analisa o fenômeno sob a óptica de um processo de descidadanização , no qual a fragilização dos direitos é peça central. Para ele, o processo contribui para a acentuação das desigualdades, da exclusão social e da criação de uma subcidadania urbana, já que os desprovidos do poder de compra permaneceriam marginalizados. Para o autor, a cidadania é vista como parte do homem moderno como sujeito de direitos, compreendido como fim em si mesmo, e que vai sendo corroída por meio das transformações políticas, econômicas e sociais. Em contrapartida, Canclini (2008CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. , p. 29) afirma que os cidadãos, a partir do momento que inquirem sobre a cidadania, “recebem suas respostas mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que pelas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos”. Sua visão é muito mais positiva, na medida em que o consumismo poderia se tornar um novo modo de ser cidadão diante da ineficiência das instituições tradicionais centradas na representação política.

A cidadania de consumo constituiu um dos vetores da cidadania governamentalizada nos moldes das UPS. Isso é demonstrado pela centralidade do direito ao microcrédito, concedido via programa especialmente aos empreendedores individuais, e pelas propostas de orientação jurídica aos moradores das comunidades com UPS, que geralmente enfatizavam os direitos de consumidor, sem tangenciar referências de politização. Esses direitos são agenciados nas UPS em detrimento de outros, como o próprio direito à cidade, já que o programa promoveu, por exemplo, remoções de famílias residentes em áreas irregulares (Curitiba, 2013; Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná, 2015).

Antes mesmo de a cidadania governamentalizada incluir a cidadania consumidora, ela pressupõe uma série de outras iniciativas promocionais do trabalho. Exemplares disso são as feiras de cadastramento de RG, CPF e CTPS como forma intrínseca de inclusão e com ênfase na integração ao mercado de trabalho sob as formas das profissões técnicas (resultado da qualificação da mão-de-obra para ocupações geralmente precárias) e do empreendedorismo individual. A cidadania governamentalizada inclui tanto a subcidadania, que evidencia as formas de trabalho precário, quanto o empresário de si mesmo (Dardot; Laval, 2016), que não é menos precário. O que muda, ao menos simbolicamente, é que o empresário de si pressupõe o consumidor endividado ao mesmo tempo em que apresenta uma cidadania de prosperidade e de participação econômica como horizonte futuro. A promessa simbólica da ascensão social pela condição empreendedora – com a efetiva reconfiguração do trabalho, da precariedade e da pobreza que ela implica – é o motor efetivo da constituição da cidadania consumidora, que possibilitaria a compra de direitos.

Em consequência, a cidadania de consumo deixa de se reduzir exclusivamente a relações de consumo simples. Ao se alinhar à constituição do empreendedor de si mesmo, o consumo é financeirizado. O empreendedor não é somente aquele que investe em si mesmo, por constituir seu próprio capital, mas também aquele que depende de agentes financeiros e da economia virtual dos bancos, financeiras, agências de crédito etc. – por isso, a disponibilização de microcréditos para micro e pequenos empreendedores.

A relação de consumo mais originária é, então, a que se estabelece entre o trabalhador-empreendedor-cliente e os agentes financeiros. Financeirizado, o próprio trabalho atinge um nível inédito de abstração. Confundida com a vida, é a bios mesma que é subsumida à dialética do credor e do devedor: financeirizada, a vida passa a ser gerida por parâmetros governamentais inscritos tanto nas políticas neoliberais de Estado quanto nos regulamentos fluidos do capital financeiro. O governo da vida ocorre segundo um processo de endividamento da população. Trata-se, de acordo com Lazzarato (2011)LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. São Carlos: EdUFSCar, 2011. , de uma técnica securitária que adestra os governados a honrar seu débito, facilmente convertido em uma dívida impagável e infinita. “As obrigações da dívida permitem prever, calcular, medir, estabelecer equivalências entre os comportamentos atuais e os comportamentos futuros” ( Lazzarato, 2011LAZZARATO, M. O governo das desigualdades: crítica da insegurança neoliberal. São Carlos: EdUFSCar, 2011. , p. 48) atando presente e futuro por meio do binômio culpa-responsabilidade.

Por fim, a última, mas talvez principal característica da cidadania governamentalizada, é que por meio de todas essas operações e dispositivos que modulam as subjetividades, os indivíduos são levados a se governarem sem que seja preciso passar pelo dispositivo do fazer morrer soberano. As almas são constituídas para desejar esse tipo de cidadania, construindo-se uma reação em cadeia reforçadora do desejo. Sinal de que sua pervasiva eficácia se relaciona a uma recomposição global do trabalho é o fato de o Brasil ter se tornado recentemente um dos países mais empreendedores do mundo, ao lado de outros países periféricos como Uganda e Tailândia, em contraposição aos países ocidentais economicamente desenvolvidos, como Alemanha e França, que se encontram entre os menos empreendedores (Map […], 2015). Ao lado disso, as perenes e recorrentes discussões que envolvem reformas trabalhista e previdenciária que flexibilizam direitos sociais tendem a consolidar as transformações neoliberais na forma de exploração do trabalho pelo capital e nos modos de acesso a serviços sociais básicos. Essas reformas têm sido implementadas como condições estruturantes da financeirização do trabalho biopolítico e da vida em geral. Nesse contexto, a dimensão política da cidadania, envolvida nas várias formas de participação, confina-se cada vez mais na esfera de representação, como forma passiva de subordinação diante de um sistema político cada vez menos referenciado pelo bem-estar comum. Isso converte toda participação na esfera política formal mais em obstáculo à democracia que em seu veículo (Negri; Hardt, 2014b).

A vertente UPS-Segurança, no entanto, conheceu um fim prematuro, no ano de 2015, por meio da sua descontinuação, embora as bases de policiamento tenham continuado atuante. Ainda em 2014, o então secretário estadual de segurança pública, Fernando Francischini, admitia a falência do programa. 8 8 Durante o período de funcionamento das UPS, a Sesp teve à sua frente quatro secretários. No início do Programa, a pasta foi ocupada por Reinaldo de Almeida César, que foi sucedido por Cid Vasques, Leon Grupenmacher e Fernando Francischini. Após 2015, ano de descontinuação das UPS, a pasta foi ocupada por Wagner Mesquita, que foi substituído em fevereiro de 2018 por Julio Cezar dos Reis (SESP-PR). De acordo com dados da PMPR, a falência teria decorrido da falta de coordenação necessária entre os entes da federação e da falta de recursos. O programa foi abandonado e as UPS transformaram-se em módulos policiais comuns, embora a PMPR continue afirmando que a filosofia do policiamento comunitário é aplicada, pois, como afirma Rothenberg (informação verbal) 9 9 Entrevista concedida por Ten. Cor. Vanderley ao Ten. Cor. Vanderley Rothenberg, em outubro de 2017. , ela integra o treinamento policial ( Paraná, 2004PARANÁ. Diretriz 002/2004 da 3ª Seção de Estado Maior da Polícia Militar do Paraná. Diretriz policiamento comunitário na PMPR: projeto POVO. Curitiba, 2004. (Documento reservado). , 2012PARANÁ. Diretriz nº 004/2012 da 3ª Seção de Estado Maior da Polícia Militar do Paraná. Unidade Paraná Seguro – UPS. Curitiba, 2012. (Documento reservado). ).

Por sua vez, a vertente UPS-Cidadania, que é mantida pela SEJU, permaneceu ativa até 2017, embora deslocada do âmbito das UPS – em 2017, apenas duas UPS no Estado receberam as feiras de serviços (UPS-Cidadania faz […], 2017). O curto período de funcionamento parece resultar da falta de verbas, pois a partir de 2014 o Estado do Paraná já dava sinais de uma crise financeira que viria a desembocar em políticas de ajuste fiscal a partir de 2015.

Além disso, podemos tentar correlacionar o desenvolvimento do programa nos bairros que receberam as UPS em Curitiba a partir da análise dos dados estatísticos da criminalidade, comparando-os com dados da cidade como um todo, assim como do Estado. Em 2011, o índice homicídios dolosos no Estado foi de 29,3 a cada 100 mil habitantes, chegando a 21,6 em 2015, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública ( Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2013. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/storage/7_anuario_2013-corrigido.pdf . Acesso em: 27 jul. 2018.
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, 2019FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2019. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-13/ . Acesso em 03 out. 2020.
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). Já a cidade de Curitiba, apresentou em 2011, uma taxa de 37,6 homicídios dolosos a cada 100 mil habitantes, reduzindo para uma taxa de 24,6 homicídios dolosos em 2015 (Sesp, 2011; 2015).

Podemos comparar os dados brutos dos bairros impactados pelo programa com o centro de Curitiba e outros bairros de classes médias e médias altas, como Santa Felicidade e Batel. Nesse caso, percebemos que, de fato, entre os anos de 2012 e 2015, houve uma considerável redução dos índices de homicídios dolosos. Todavia, a redução se deu na cidade como um todo, tornando impossível avaliar singularmente o impacto efetivo das UPS. Eis o que se pode perceber por meio da Tabela 1 .

Tabela 1
Número de ocorrências de crimes envolvendo mortes por bairros com Unidade Paraná Seguro na cidade de Curitiba para os anos de 2012, 2013 e 2015

A desativação do programa, no entanto, não prejudica as análises realizadas. De fato, as UPS funcionaram como uma nova forma de tratar a segurança pública no Estado que, embora retoricamente democrática, torna visível como as práticas policiais foram transfiguradas para funcionar como um dispositivo bioeconômico da cidade, que permite a inclusão dos pobres nos programas de captação de mão-de-obra e criação de subjetividades empreendedoras. Assim, a polícia funciona como um dispositivo que agencia estratégias heterogêneas de poder que atuam segundo uma lógica comutativa. As operações começam com a ocupação das zonas escolhidas a partir de um critério político – como ocupações territoriais militares e soberanas –, e terminam com programas sociais voltados para o empreendedorismo e a capacitação profissional, passando pela gestão policial e situacional dos ilegalismos.

A junção entre segurança e cidadania, permitiu, em última análise, o desenvolvimento de uma cidadania governamentalizada, que pode ser compreendida como transfiguração da cidadania clássica em um modelo mais adequado às estratégias biocapitalistas e seus mecanismos de controle, centrados nas políticas de mercado. Em vez de estar centrada nos direitos civis, políticos e sociais, como classicamente concebida, a cidadania governamentalizada é centrada no elemento econômico, encarregando-se de gerar e administrar as condições infraestruturais e instrumentais para a constituição dos pobres em empreendedores de si mesmos, trabalhadores precarizados, consumidores de direitos e devedores cuja bios converte-se em fluxo financeiro de dívida-trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas públicas híbridas que, a exemplo das Unidades Paraná Seguro, unem objetivos estratégicos heterogêneos, como a segurança e a cidadania, representam um novo horizonte na forma como os dispositivos de poder transformaram-se, adotando uma lógica de governo e condução de condutas, a partir da cidadania. Na medida em que a recomposição social do trabalho se traduz na hegemonia do trabalho imaterial, o sistema de welfare , que até então orientava a formulação das políticas públicas, é subvertido e alterado para que a vida possa ser financeirizada e gerida em sua totalidade.

Essa é, de fato, a principal característica das sociedades de controle e desempenho, orientadas para a maximização do trabalho, sob o paradigma do capitalismo bioeconômico e cognitivo. Combater a criminalidade já não mobiliza apenas os aparelhos repressivos do Estado. Agora eles aparecem integrados a uma série de controles mais sutis que levam a população a continuar trabalhando, mas sob as formas da autoempresa, da terceirização e da terciariazação.

Por isso, a cidadania a que as UPS se referem possui uma acepção muito precisa que nada, ou pouco, tem a ver com a concepção clássica da cidadania como acesso a direitos civis, sociais e à participação político-democrática. Trata-se, antes, de uma mutação do próprio conceito que o assimila ao trabalho e à dimensão econômica da vida metropolitana. Se podemos qualificar essa cidadania como governamentalizada, é para enfatizar que ela já não pode ser separada do dispositivo de poder que a ativa, e que se volta à constituição e à modelagem de subjetividades.

No caso analisado, sob a rubrica da cidadania já não se encontravam atividades e políticas voltadas para a ampliação à participação democrática, muito menos iniciativas de incremento do acesso a serviços públicos. Outra série de atividades era promovida, dirigida à educação profissionalizante, ao trabalho, geralmente precário, e ao empreendedorismo. Algumas dessas atividades foram as feiras de serviços, para confecção de documentos, ou as feiras de trabalho, para a destinação da comunidade às vagas de emprego existentes. Houve um alinhamento entre as UPS e outras políticas públicas já existentes como o Proinvest e o Bom Negócio Paraná, que buscam fomentar o empreendedorismo e as formas de financiamento aos empreendedores, além de outros programas, como o Pronatec, para educação profissionalizante, e iniciativas de reinserção social de apenados por meio do trabalho (em regra, também precário).

Isso permite identificar quatro traços dessa cidadania governamentalizada. O primeiro consiste na exclusão e deslocamento do elemento político constitutivo da cidadania em sentido clássico, já que ele, em momento algum, foi objeto das atividades e programas no âmbito da UPS-Cidadania. Em segundo lugar, a correlação entre cidadania e trabalho, ou empreendedorismo, é articulada ao limite da coincidência. Estar trabalhando, seja com carteira assinada ou como empreendedor, torna-se condição essencial para o acesso a direitos, transformando-os em “créditos” que o próprio Estado-providência confere à população.

Terceiro, a cidadania governamentalizada envolve tanto o que Kowarick (2002)KOWARICK, L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade no Brasil urbano. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 2, n. 63, p. 9-30, 2002. Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-63/#591a7c02cc1f3 . Acesso em: 31 ago. 2022.
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chamou de cidadania privada, quanto a cidadania de consumo de Canclini (2008)CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. , uma vez que o trabalho aparece como condição de acesso a direitos e à renda que permite “consumir” direitos sociais sob a forma de serviços básicos de saúde, educação, segurança, capacitação laboral, previdência etc., que podem ser adquiridos também no mercado privado.

Por fim, a última característica e mais importante nomeia a forma de funcionamento e o efeito dessa reconfiguração da cidadania. Na medida em que a cidadania se torna antes de tudo um dispositivo de controle para governo das condutas, mobilizando uma série de técnicas e dispositivos, ela se torna uma cidadania efetivamente governamentalizada. Alguns deles são justamente as técnicas securitárias do welfare , convertidas em workfare , que impulsionam os indivíduos a internalizarem condutas, a cuidarem de si mesmos, a contraírem práticas ascéticas e a compreender seu eu como seu próprio e único capital, endividando-se para ter acesso a bens, serviços, oportunidades de negócio e renda, para constituírem a própria empresa etc.

Assim, programas como as UPS em Curitiba, que articulam segurança pública e cidadania, adquirem nova tônica, buscando desenvolver uma cidadania governamentalizada por meio do agenciamento de técnicas, dispositivos e outras políticas eficazes para o governo da vida social por meio de sua subsunção ao trabalho e à dívida. Esse aspecto torna visível uma reconfiguração não só da noção de cidadania, mas dos próprios dispositivos de poder que se reajustam às transformações sociais – como a recomposição do trabalho – e do capitalismo contemporâneo, adequando micropoliticamente a própria forma da gestão do poder através da reconfiguração estratégica do Estado e de suas políticas públicas.

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  • YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2015.
  • 1
    O recorte temporal escolhido compreende o tempo de funcionamento das bases militares em conjunto com a realização de programas e atividades de cunho socioeconômico nas seguintes UPS de Curitiba: UPS-Uberaba, UPS-Parolin, UPS-Vila Sabará, UPS-Vila Verde, UPS-Vila Nossa Senhora da Luz, UPS-Vila Caiuá, UPS-Vila Osternack, UPS-Vila Sandra, UPS-Vilas Ludovica, UPS-Vila Trindade e, sem comprovação oficial, apesar de aparecer em alguns relatórios, a UPS-Vila Torres.
  • 2
    Entre eles, estão deficiências na educação, falta de estrutura familiar, drogadição, prostituição infantil, violência, desconhecimento de direitos e ausência de “documentação básica para cidadania”, moradias precárias e/ou irregulares, falta de urbanização e preservação dos espaços públicos, baixa qualificação para o empreendedorismo, baixo desenvolvimento socioeconômico local e informalidade, entre outros.
  • 3
    Algumas das Secretarias estaduais envolvidas foram, além da Sesp e da Seju: Secretaria Estadual de Estado da Educação (SEED), Secretaria da Família e Desenvolvimento Social (SEDS), Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul/PONTO, Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, Secretaria de Estado e da Cultura (SEEC), Secretaria de Estado do Esporte e Turismo (SEET), Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária (SETS), entre outros órgãos, além do sistema Fiep/Sesi/Senai.
  • 4
    De todas essas atividades, poucas foram efetivamente realizadas e/ou estão amplamente divulgadas nos sítios eletrônicos das Secretarias, Município e outras entidades e órgãos. De acordo com os dados disponíveis na SEJU-PR (2016a), a maioria foi realizada durante 2013 a 2016 no âmbito da UPS-Cidadania, tanto no que concerne às feiras de serviços, quanto em relação às ações de continuidade. Ao todo, foram realizadas quatorze feiras de serviços, sendo seis em 2013, sem dados disponíveis para 2014, três em 2015 e oito em 2016.
  • 5
    No original: “[…] a mode of accumulation in which the object of accumulation consists mainly of knowledge, which becomes the basic source of value, as well as the principal location of the process of valorisation. Issues, such as property rights, positioning in networks, alliances and project management become major institutional and organisational factors. Their role is crucial. The strategies of this capitalism are determined by the quest for a spatial, institutional and organisational positioning likely to increase its capacity for engaging in creative processes and for capturing their benefits ”.
  • 6
    A redução da dimensão política da cidadania aqui apresentada não diz respeito à noção de subcidadania, de Jessé de Souza (2006SOUZA, J. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. , p. 184), enquanto resultado do próprio processo de modernização capitalista do Brasil a partir do século XIX, como expressão política da divisão social entre “gente” e “subgente”. Para ele, a subcidadania seria consequência da constituição de inadaptados às demandas da vida produtiva e social modernas, constituindo-se numa legião de “‘imprestáveis’, no sentido sóbrio e objetivo deste termo”. No entanto, a pobreza sempre foi produtiva no capitalismo – o que muda é que se torna, ao menos no Brasil, o cerne produtivo a ser investido e subsumido pelo capital.
  • 7
    Compreendido aqui não só como forma material de gestão de uma empresa, mas como discurso sobre o desenvolvimento da empresa de si mesmo , uma vez que este implica a integração entre vida pessoal e profissional (indistinção entre vida e trabalho) (Dardot; Laval, 2016).
  • 8
    Durante o período de funcionamento das UPS, a Sesp teve à sua frente quatro secretários. No início do Programa, a pasta foi ocupada por Reinaldo de Almeida César, que foi sucedido por Cid Vasques, Leon Grupenmacher e Fernando Francischini. Após 2015, ano de descontinuação das UPS, a pasta foi ocupada por Wagner Mesquita, que foi substituído em fevereiro de 2018 por Julio Cezar dos Reis (SESP-PR).
  • 9
    Entrevista concedida por Ten. Cor. Vanderley ao Ten. Cor. Vanderley Rothenberg, em outubro de 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2019
  • Aceito
    17 Ago 2022
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