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EMPREENDEDORISMO: uma forma de americanismo contemporâneo? 1 1 Este artigo é fruto de pesquisa desenvolvida com o apoio de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ). Agradecemos a revisão e as considerações do Grupo de Pesquisa Classes Sociais e Trabalho da Universidade Federal de São Paulo (GPCT), no qual este artigo foi debatido. Agradecemos, em particular, a João Gabriel Pelegrini, Guilherme Henrique Guilherme e Henrique Oliveira pela ajuda substancial na preparação do artigo.

ENTREPRENEUSHIP: a form of contemporary Americanism?

ENTREPRENEURIAT: une forme d’américanisme contemporain?

Resumos

O empreendedor e sua importância para o desenvolvimento histórico das sociedades capitalistas ocidentais foram objeto de análise de diversas correntes clássicas das Ciências Sociais. Contudo, com o advento do neoliberalismo, o empreendedor passou a ser redesenhado, tornando-se componente central de um novo modo de vida, marcado pela caracterização do trabalhador como proativo e criativo, e, sobretudo, que assume riscos e autogerencia suas ações no trabalho e na vida pessoal. A figura do empreendedor deixou de ser identificada como de empresário-proprietário, passando a se valorizar o empresário-de-si. Ao procurar identificar os elementos centrais das práticas e dos discursos voltados ao empreendedorismo, destacando o papel da educação e do trabalho, temos como objetivo central debater o empreendedorismo como forma de americanismo contemporâneo. Avançaremos sobre o argumento de que a concepção de empresário-de-si seria uma forma neoliberal de viver e descreveremos as consequências da consolidação desse modo de vida para a classe trabalhadora.

Trabalho Precário; Empreendedorismo; Americanismo; Neoliberalismo; Modo de Vida; Empresário-de-Si


The entrepreneur and their role in the historical development of Western capitalist societies has been the object of analysis of several classical methodologies of Social Sciences. With the advent of neoliberalism, however, the entrepreneur came to be reframed as a core component of a new way of life, marked by a worker that is proactive, creative, communicative, and, above all, takes risks and self-manages their actions at work and in their personal life. Since then, the figure of the entrepreneur is no longer identified with that of the owner-entrepreneur-owner, but rather with the entrepreneur of himself. By seeking to identify the core elements that make up the practices and discourses on entrepreneurship, especially the role of education and labor, our main goal is to introduce a discussion on entrepreneurship as a form of contemporary Americanism. To this end, we argue that the entrepreneur of the self would constitute a neoliberal way of living and describe the consequences of its consolidation for the working class.

Precarious work; Entrepreneurship; Americanism; Neoliberalism; Way of Life; Entrepreneur of Himself


L’entrepreneur et son rôle dans le développement historique de la société capitaliste occidentale a été l’objet d’analyse de plusieurs courants classiques des Sciences sociales. Avec l’avènement du néolibéralisme, cependant, l’entrepreneur a été recadré comme une composante essentielle d’un nouveau mode de vie, caractérisé par un travailleur proactif, créatif, communicatif et, surtout, qui prend des risques et autogère ses actions au travail et dans sa vie personnelle. Depuis lors, la figure de l’entrepreneur ne s’identifie plus à celle de l’entrepreneur-propriétaire, mais plutôt à celle de l’entrepreneur de soi. En cherchant à identifier les éléments fondamentaux qui constituent les pratiques et les discours sur l’entrepreneuriat, en particulier le rôle de l’éducation et du travail, notre objectif principal est d’introduire une discussion sur l’entrepreneuriat comme une forme d’américanisme contemporain. On soutient que l’entrepreneur de soi constitue un mode de vie néolibéral and on décrit les conséquences de sa consolidation pour la classe ouvrière.

Travail Précaire; Entrepreneuriat; Américanisme; Néolibéralisme; Mode de Vie; Entrepreneur de Soi


INTRODUÇÃO

O empreendedorismo é um instrumento central de dominação e exploração nas sociedades contemporâneas e vem suscitando a produção de uma vasta bibliografia que busca classificá-lo de diferentes formas. No entanto, mesmo no interior das leituras críticas sobre o tema, nota-se a ausência de uma perspectiva que coloque a questão das classes sociais como chave fundamental para sua interpretação. Partindo, assim, da problemática classista, este artigo se propõe a debater o empreendedorismo com base no conceito de modo de vida de Antonio Gramsci (2001)GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. , na medida em que procuraremos estabelecer analogias entre o americanismo e o empreendedorismo, no sentido de serem modos de vida hegemônicos que, em diferentes momentos históricos e formações sociais, promoveram (promovem) a subordinação da classe trabalhadora aos interesses do capital. Demonstraremos, com isso, como o atual alargamento da noção de empreendedorismo tem como objetivo adaptar a classe trabalhadora às formas contemporâneas de acumulação de capital e qual é o papel da educação e do trabalho para esse novo modo de vida dominante.

Ao desenvolver sua análise sobre o americanismo e o fordismo, Gramsci não os compreende como um simples conjunto de tecnologias e técnicas de produção, mas como a criação de um “novo tipo humano adequado a este novo tipo de trabalho e de processo produtivo” (Gramsci, 2001, p. 248). Isto é, fundamenta-se uma análise, radicada no conceito de modo de vida, que estabelece a relação entre consenso e coerção, materializados em um conjunto de ideais que dão estruturação ideológica ao americanismo (ao American way of life ) e a um tipo de indústria Taylor-fordista2 2 O americanismo pressupõe a existência de um Estado estruturado por preceitos liberais, sobretudo no sentido de aprofundar a livre iniciativa, permitindo que o individualismo econômico se materialize tanto na forma de um regime de concentração industrial e de monopólio, como também nas práticas laborais profundamente competitivas e necessárias ao desenvolvimento do fordismo ( Gramsci, 2001 ). que, em conjunto, tem por objetivo reproduzir de forma radicalizada a subalternidade social das classes trabalhadoras.3 3 Ainda segundo Gramsci, diferentes modos de vida coexistem em determinado contexto social, sendo que as diferentes classes sociais buscam construir seu modo de vida como hegemônico, o que, na prática, fundamenta os antagonismos sociais. Destacamos que as considerações feitas por nós sobre o modo de vida da sociedade dos anos de 1920 e 1930 dizem respeito ao modo de vida hegemônico nesse período histórico, um modo de vida que reproduz, estruturalmente, os interesses do capital.

Com base nessa perspectiva, o americanismo e o fordismo, emergentes nos Estados Unidos da América, particularmente a partir dos anos 1920 e 1930, foram promotores de adaptações psicofísicas nos trabalhadores, adequando suas capacidades a uma nova forma social de produzir, de agir e de sentir – em resumo, de se reproduzir socialmente.4 4 Essa adaptação, segundo Gramsci (2001) , manifestava-se na conduta dos trabalhadores em suas mais variadas dimensões sociais e culturais. Essa conduta social, é importante mencionar, era controlada por inspetores de Ford que circulavam nos bairros operários. Gramsci considerava o americanismo como o maior esforço coletivo empreendido até aquele momento histórico para a criação de um novo tipo de trabalhador e de humanidade, representados pela figura do gorila amestrado de Taylor (1990)TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 8. ed. Tradução de Arlindo Vieira Ramos. São Paulo: Atlas, 1990. , ou seja, um tipo de trabalhador que desenvolve, em seu grau máximo, comportamentos maquínicos e automáticos, em consonância com um modo de organização da produção pautado pela extrema separação entre planejamento e execução das tarefas ( Gramsci, 2001GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. ).

O conceito de “modo de vida materializa a passagem das macroestruturas (relação capital-trabalho na sua forma mais abstrata) às microrrelações (o cotidiano das classes)” ( Dias, 2013DIAS, E. Revolução passiva e modo de vida: ensaios sobre as classes subalternas, o capitalismo e a hegemonia. São Paulo: Sundermann, 2013. 380 p. , p. 51), expressando, dessa forma, os hábitos, o agir, o pensar e o viver que estruturam o comportamento social. Todo modo de vida se realiza com base em um conjunto de instituições (família, escola, fábrica, universidade) que buscam reduzir as contradições sociais na tentativa de realizar (tornar real/materializar) a hegemonia burguesa ( Dias, 2013DIAS, E. Revolução passiva e modo de vida: ensaios sobre as classes subalternas, o capitalismo e a hegemonia. São Paulo: Sundermann, 2013. 380 p. ).5 5 Para Gramsci (2001) , o industrialismo, desde seu início, foi uma luta contra a animalidade humana, visando a sujeição dos instintos às necessidades da ordem. Essa luta é imposta de forma coercitiva, de fora para dentro, a partir das instituições sobre os indivíduos, objetivando a criação de uma segunda natureza, um novo modo de vida em que homens e mulheres são educados sob a lógica dos novos tipos de civilização. Assim, trabalho e o modo de vida estão implicados dialeticamente e, como “essas relações determinam campos de possibilidades de classes e formas de dominação e subalternização” ( Dias, 2013DIAS, E. Revolução passiva e modo de vida: ensaios sobre as classes subalternas, o capitalismo e a hegemonia. São Paulo: Sundermann, 2013. 380 p. , p. 51), produzem nos trabalhadores determinada subjetividade orientada por interesses classistas que expressam a relação estrutural-contraditória capitalista de exploração e dominação.

Nesse sentido, o modo de vida abarca a ideologia, o conjunto de ideias existentes, porém vai além do plano discursivo e representativo, atuando como uma “técnica orgânica” de gestão da força de trabalho e de conformação da conduta social que estrutura a forma de viver dos trabalhadores nos seus mais variados aspectos, como algo que se verifica materialmente em práticas sociais dentro e fora dos ambientes de trabalho. É, portanto, nos valendo desses apontamentos iniciais, inspirados pela análise de Gramsci do americanismo, que interrogamos: é possível realizarmos analogias entre o americanismo e o atual alargamento da noção de empreendedorismo, no sentido de serem, em contextos diferentes, dois modos de vida dominantes que objetivam realizar transformações na maneira pela qual os trabalhadores se reproduzem socialmente?

No sentido de tentarmos responder a esse questionamento, iniciaremos o artigo com uma recuperação das principais abordagens clássicas das Ciências Sociais sobre o empreendedorismo, apresentando as teses centrais que qualificam teoricamente o indivíduo empreendedor, buscando, com isso, traçar paralelos com a atualidade do empresário-de-si e como esse novo modo de vida se fundamenta no contexto do neoliberalismo. Em seguida, retornaremos ao conceito de modo de vida de Antonio Gramsci para demonstrarmos como o empreendedorismo se configura como o atual e hegemônico modo de vida neoliberal, estruturando uma conformação social marcada pela concorrência generalizada entre “empresários-de-si” que acaba por desproteger a classe trabalhadora. Retomando a relação existente entre o americanismo e o fordismo desenvolvida por Gramsci, defenderemos que o empreendedorismo atualmente se estabelece como um novo americanismo, um imperativo do capital direcionado estrategicamente contra a classe trabalhadora, que radicaliza sua subordinação social. Por fim, procuraremos demonstrar, mesmo que introdutoriamente, como o trabalho e a educação são importantes vetores de difusão de uma nova forma de empreendedorismo no Brasil, sobretudo quando analisamos iniciativas públicas e privadas.

O EMPREENDEDOR NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Historicamente, importantes correntes de pensamento das Ciências Sociais buscaram conceituar o empreendedor e analisar seu papel para o desenvolvimento das sociedades capitalistas ocidentais. Entre os autores clássicos, Max Weber (2004)WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. foi o que deu maior destaque em sua obra para o papel social do “empreendedor” na constituição da sociedade moderna. Para ele, o indivíduo empreendedor é fruto da singularidade histórica do capitalismo, sendo o resultado da afinidade eletiva entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, junção que teria possibilitado a valorização social do lucro pelo lucro, pautada em ações racionais referentes a fins. Do ponto de vista de Weber (2004)WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. , o empreendedor tem papel crucial no combate ao tradicionalismo dominante do período pré-capitalista, sendo um agente central na valorização do ganho financeiro e, consequentemente, na generalização do capitalismo.

Porém, foi com o economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter (1997)SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Nova Cultura, 1997. 237 p. que a conceituação do indivíduo empreendedor se conformou de modo mais preciso. Para Schumpeter, a economia teria uma tendência a se comportar de modo estático, a partir de um fluxo circular, sendo o empreendedor o responsável por dar dinamicidade a esse movimento, realizando rupturas descontínuas: destruições criativas e, dessa forma, promover o desenvolvimento econômico. Ainda segundo esse autor, o desenvolvimento econômico ocorreria com base em novas combinações das matérias e forças preexistentes, podendo ser decorrente da introdução de um “novo bem” na produção, do desenvolvimento de novos métodos produtivos, da abertura para novos mercados, da conquista de novas fontes de matérias-primas ou do estabelecimento de uma nova organização da indústria (Schumpeter, 1997). Portanto, em sua formulação, o empreendedor seria, assim, identificado como o portador da mudança e da inovação.6 6 O empreendedor schumpeteriano seria o responsável pela destruição criativa, a força motriz do desenvolvimento, o que, na linguagem empreendedora contemporânea, é chamado de “inovação disruptiva”. A partir desse conceito, correntes da pedagogia empreendedora brasileira e estrangeira ( Dolabela; Filion, 2013 ; Filion, 1999 ) sugerem uma reestruturação do ensino baseada na ruptura com as metodologias tradicionais, nas quais o professor é o responsável por transferir aos alunos conteúdos, propondo, em seu lugar, uma abordagem metodológica na qual se assumiria um papel de proatividade e no qual seriam sujeitos de sua própria aprendizagem, o que promoveria uma educação inovadora e disruptiva.

Ao retomarmos as formulações de Weber e Schumpeter sobre o empreendedor, indicamos não apenas a relevância teórica, mas também suas influências no debate contemporâneo. Atualmente, são diversas as iniciativas que têm sido realizadas para manter o vigor e a funcionalidade do empreendedor, conferindo base ideológica para um novo modo de vida nas sociedades capitalistas ocidentais e, marcadamente, para a classe trabalhadora. Assim, é possível observar essa iniciativa, por exemplo, em Filion (1999)FILION, L. J. Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 6-28, 1999. , professor do Centro de Empreendedorismo no HEC Montreal e um dos principais divulgadores7 7 O que na concepção gramsciana (Gramsci, 1982) são chamados de intelectuais orgânicos das classes dominantes. Ver sobre o tema: Amorim et al, 2021. do empreendedorismo no Brasil, no sentido em que define o empreendedor como “uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que mantém alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios” ( Filion, 1999FILION, L. J. Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 6-28, 1999. , p. 19). Segundo o autor, assim como Weber e Schumpeter, o empreendedor estaria associado à mudança e à inovação. Essa perspectiva é também corroborada e institucionalizada por meio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae (2001),8 8 O Sebrae é o principal formulador e difusor da “cultura do empreendedorismo” no Brasil. o qual define o indivíduo empreendedor como aquele que possui uma atitude de inquietação, ousadia e proatividade que favoreceria a criatividade e que resultaria em ganhos econômicos e sociais.

Desse modo, nos parece que essas caracterizações sobre a figura do empreendedor fornecem elementos significativos para iniciarmos uma análise sobre a recente generalização do empreendedorismo. Seja para fins empresariais, ideológicos ou teóricos, o empreendedorismo teve uma forte valorização nas últimas décadas, avançando sobre outros âmbitos da vida social. Tal destaque possui como pano de fundo teórico as formulações desenvolvidas por Ludwig Von Mises (2010)MISES, L. V. Ação humana: um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 816 p. , nos anos 1920, e depois por Friedrich Hayek (1987)HAYEK, F. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1987. 232 p. , nos anos 1940, autores que defendem que a liberdade individual decorreria da organização natural do mercado, criticando assim as diferentes modalidades de intervencionismo estatal na economia.

A partir da década de 1970, essas teorias ganharam notoriedade e passaram a orientar a implementação de políticas neoliberais em muitos países centrais do capitalismo ocidental. Com isso, a valorização da noção de empreendedorismo encontra solo fértil para seu desenvolvimento, pois o mercado passa a ser apresentado ao indivíduo como seu espaço social por excelência, legitimando e naturalizando, desse modo, as relações mercantis como horizonte histórico único para o conjunto das classes trabalhadoras.

A atual versão do empreendedorismo parece indicar uma maior conquista de liberdade pelo indivíduo sobre sua ação, suas escolhas e seu futuro. O sucesso dessas escolhas estaria atrelado às características empreendedoras das quais o indivíduo é dotado, como a proatividade, a criatividade e a ousadia. Entretanto tais características devem, do nosso ponto de vista, ser contrapostas às condições sociais e de mercado desde as quais são possíveis suas efetivações. Trata-se, portanto, de confrontar as supostas qualidades empreendedoras ante as condições e relações sociais que se estruturam conjunturalmente no modo de produção capitalista, isto é, nas quais se processam e se materializam historicamente o empreendedorismo.

No Brasil de hoje, por exemplo, o empreendedor pode ser identificado sob diversas condições e em várias frentes do trabalho informal, seja como trabalhador autônomo, seja pelo contrato de trabalho via Pessoa Jurídica (PJ), na figura dos vendedores ambulantes ou, ainda, como proprietários de nano, micro ou pequenas empresas, o que demonstra como estes trabalhadores poderiam vivenciar a inovação, a criatividade e a proatividade, propagadas pelos difusores do empreendedorismo.9 9 Colbari (2007) demonstra como os preceitos do empreendedorismo não atuam apenas no mercado informal, mas são mobilizados também no trabalho com carteira de trabalho assinada. As empresas estão modificando sua forma de organizar a produção, buscando desenvolver práticas gerenciais nas quais se cria a aparência de centralidade subjetiva dos trabalhadores nos processos de trabalho. Busca-se estimular a proatividade e a criatividade dos trabalhadores ao desempenharem suas funções, porém tais estímulos não rompem com a lógica do mercado e a necessidade do lucro. Logo as novas “competências” mobilizadas têm como obrigatoriedade o resultado financeiro, transferindo parte das funções gerenciais para os próprios trabalhadores e, consequentemente, aumentando sua responsabilidade em relação aos resultados da empresa. Porém, essa vivência é realizada sob condições de trabalho, na maioria das vezes, precárias e que acabam por reproduzir e estabelecer um processo de destituição de garantias trabalhistas, de redução da renda, de desqualificação profissional e de desvalorização da força de trabalho, estando, dessa forma, na contramão de uma melhora das condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora propagadas pelos divulgadores do empreendedorismo.

Nesse sentido, se, por um lado, o empreendedorismo amplia suas bases como um construtor do consenso social, por outro, se materializa em práticas sociais que frequentemente radicalizam e alargam as formas de controle e gerenciamento da força de trabalho nos processos produtivos, estejam estas presentes nas formas de trabalho e contratação formais, dentro de novas fronteiras produtivas que o processo de valorização do capital ininterruptamente requer, como naquelas vinculadas à prestação de serviços terceirizados ( Druck, 1999DRUCK, G. Terceirização: (des)fordizando a fábrica; um estudo do complexo petroquímico. São Paulo: Boitempo, 1999. 270 p. ), nos processos de uberização ou plataformização do trabalho ( Abílio, 2019ABÍLIO, L. C. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, p. 41-51, 2019. ; Amorim; Grohmann, 2021AMORIM, H.; GROHMANN, R. O futuro do trabalho: entre novidades e permanências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2021. ; Amorim; Moda; Mevis, 2021), nas formas de pejotização do trabalho ( Remedio; Doná, 2018REMEDIO, J. A.; DONÁ, S. A pejotização do contrato de trabalho e a reforma trabalhista. Revista de Direito do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 61-79, 2018. ) e em toda uma franja de trabalhadores informais ( Telles, 2006TELLES, V. S. Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo Social, São Paulo, v. 1, n. 18, p. 173-195, 2006. ) que recorrem aos “princípios” empreendedoristas para fundamentar sua sobrevivência produtiva e social.

DO EMPRESÁRIO-PROPRIETÁRIO AO EMPRESÁRIO-DE-SI

Um dos nossos pressupostos para a análise do empreendedorismo na atualidade parte de uma diferenciação temporal que marca o crescimento e a banalização do empreendedorismo como constituidor de um novo modo de vida nas últimas décadas. Assim, a década de 1970 se estabelece como referência histórica para a alteração do padrão de acumulação capitalista, sobretudo por conta da adoção das políticas estatais de cunho neoliberal nos países centrais e das transformações produtivas que impactaram a classe trabalhadora a partir desse período. Esse novo contexto histórico é acompanhado, como no que o precedeu, por transformações das relações sociais em seus diversos aspectos, tornando-as funcionais a esse novo regime de acumulação.

Até 1970, diversas matrizes teóricas, apoiadas em elaborações formuladas no século XIX, defendiam a existência de uma sociedade na qual todos poderiam ser empresários detentores de propriedades privadas , buscando uma organização social baseada nesse preceito. Em uma organização fabril profundamente hierárquica, tal como a Taylor-fordista, o indivíduo que ascende paulatinamente em suas funções e se torna dirigente de uma empresa e proprietário de uma grande fortuna é a melhor representação do empreendedor da primeira metade do século XX. Tal conceituação pressupunha, assim, a ideia de que todos os indivíduos estariam propensos naturalmente à troca e, ao agirem em igualdade de condições no mercado, isto é, com uma intervenção estatal mínima, construiriam uma suposta harmonia social ( Smith, 1998SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1998. (Coleção os Economistas). ).10 10 Além disso, há a defesa de que todos os indivíduos atuariam de maneira utilitária na sociedade, buscando maximizar seus ganhos e prazeres, elevando indiretamente os níveis de felicidade geral ( Mill, 2000 ).

Com base nesses princípios, todos poderiam, a depender de seus esforços individuais, ascender socialmente e serem empresários. Logo o sucesso se identificava com a figura do empresário-empreendedor, sendo a magnitude da propriedade privada o índice comprobatório do vencer na vida – aparentemente ao alcance de todos. Tais concepções encontraram solo fértil por certo período, mas se depararam com uma limitação decorrente do contexto econômico e social marcado pela adoção de políticas keynesianas em diversos países, com o Estado limitando a ação do mercado e das iniciativas empresariais.

Com a crise de acumulação na década de 1970,11 11 Sobre o tema, ver Clarke (1991) e Bihr (1998) . essa concepção começa a ser colocada em questão pela adoção de políticas liberais nos Estados, marcando o advento do que ficou conhecido como neoliberalismo: uma nova forma de organização social que viria a se tornar hegemônica nas décadas seguintes até a atualidade.12 12 Segundo Harvey (2008) , o neoliberalismo tem como uma de suas características defender que o bem-estar humano ocorre a partir da liberação das capacidades empreendedoras individuais, o que advém do fortalecimento de uma estrutura institucional que defenda a iniciativa privada, os livres mercados e o livre comércio. Bourdieu (1998) , por seu turno, compreende o neoliberalismo como uma tentativa de imposição de valores tradicionais e conservadores na sociedade contemporânea. Essa imposição seria feita pela chamada mão direita do Estado, os burocratas presentes nos órgãos ministeriais, bancários e gabinetes governamentais, contra a esquerda, os trabalhadores sociais que representam o Estado na prestação dos serviços para a população. Com as políticas governamentais passando a implementar as concepções desenvolvidas por uma nova elite que se apodera do Estado, consequentemente desvalorizando os trabalhadores do Estado que estão em contato direto com a população, teríamos a consolidação de uma sociedade marcada pela precarização e pela insegurança, aumentando a submissão e a aceitação da exploração. Do ponto de vista político-institucional, o neoliberalismo se inicia com os governos de Margaret Thatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos da América e Helmut Kohl na Alemanha; governos que tiveram como características centrais o desenvolvimento de políticas de privatização de bens e serviços públicos, desregulamentação de direitos trabalhistas e forte combate ao sindicalismo.

O neoliberalismo se constitui, dessa forma, como uma reação do capital no sentido de recuperar suas taxas de lucro, postulando que o mercado tenha maior capacidade de realizar tal recuperação em relação ao planejamento estatal ( Harvey, 2008HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Editora Loyola, 2008. 256 p. ). Nesse sentido, as medidas neoliberais não indicam uma completa ruptura com o período anterior, mas apontam para transformações sociais que têm como princípio a radicalização das formas de exploração e dominação das classes trabalhadoras, restaurando assim a subordinação classista.

Desse modo, a concepção neoliberal recoloca a figura do empreendedor como representação social do sucesso , no entanto envolta em uma nova roupagem. Se até então a representação do empreendedor bem-sucedido fora identificado com o do grande empresário, detentor de propriedades privadas, a partir do momento em que as políticas neoliberais ganham força e se universalizam essa noção é alargada, aceitando uma gama diversa de modos de empreender e criando condições para que todos possam e devam, mesmo que aparentemente, ser empreendedores.13 13 Aproximando-se de nossa leitura, Salgado (2016 , p. 21) indica que: “A hegemonia de um modelo único do empreendedor como o grande proprietário dos meios de produção (indústria), de circulação (comércio) ou do capital (finanças) cede espaço para a multiplicação nos modos de empreender e, portanto, ser empreendedor. Do microempreendedor individual, que empreende sozinho para o sustento próprio, ao empreendedor social, que mira o ganho coletivo para além daquele pessoal, hoje assistimos a um sortimento de identidades empreendedoras: o empreendedor coletivo, o empreendedor digital, o intraempreendedor”.

Uma de nossas contribuições com este artigo está, portanto, na indicação de que, se anteriormente vencedor era aquele que comandava grandes empresas e tinha como índice de seu sucesso o acúmulo privado de riqueza, hoje vence aquele que é capaz de valorizar o seu capital humano – entenda-se, sua própria força de trabalho – no mercado, atuando como empreendedor e garantindo sua reprodução social de maneira autônoma.14 14 A garantia da reprodução social de maneira autônoma tem como consequência a maior responsabilização dos trabalhadores sobre os riscos e os custos envolvidos em seus trabalhos, configurando relações de trabalho orquestradas pelo autogerenciamento, pela autotaylorização e destituídas de direitos trabalhistas. Sobre o tema da autotaylorização do trabalho, sobretudo entre os programadores de software, ver Amorim e Grazia (2021) , Abílio (2019) e Amorim, Moda e Mevis (2021). Estes últimos desenvolvem o tema da autotaylorização nos trabalhos por plataformas digitais. Amorim e Grohmann (2021) aprofundam esta leitura, demonstrando o impacto do empreendedorismo e da financeirização sobre as relações de trabalho.

Entre os elementos centrais que deram base a essa nova versão do empreendedor, destaca-se a teoria do capital humano, desenvolvida principalmente pelos economistas estadunidenses Theodore Schultz (1973)SCHULTZ, T. Capital humano: investimento em educação e pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. 250 p. e Gary Becker (1964)BECKER, G. Human capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to education. New York: National Bureau of Economic Research, 1964. 402p. . Para esta teoria, os trabalhadores passariam a ser os responsáveis pelo aperfeiçoamento de suas capacidades adquiridas, o que ocorreria principalmente com base no desenvolvimento de sua formação educacional, pois tal processo teria como resultado o aumento do seu valor no mercado. Assim, trabalhadores que se autovalorizarem de maneira mais efetiva teriam maiores chances de aumentar sua renda. Ao impregnar a força de trabalho com as mesmas características do capital, como sua capacidade de valorização, essas formulações possibilitaram a equiparação dos trabalhadores a uma microempresa ( Salgado, 2016SALGADO, J. Entre solitários e solidários: o empreendedor no discurso da Folha de S. Paulo (1972 – 2011). 2016. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. ). Observa-se aqui um deslocamento na tônica do discurso, que expressaria tanto uma alteração na dinâmica interna do processo de produção do valor como também uma tentativa de construção de um novo consenso social.

A partir das teorias desenvolvidas por Von Mises e Hayek,15 15 Mises e Hayek desenvolveram suas teses, respectivamente, nas décadas de 1920 e 1940, porém sua difusão aconteceu nos anos 1970, tendo como objetivo combater a política econômica aplicada pelos partidos sociais democratas e comunistas e as inspirações keynesianas que propagavam a planificação estatal da economia como forma de garantir o desenvolvimento econômico e social. Para os autores, o Estado interventor atuaria de forma a sobrepor o coletivo ao indivíduo, gerando distorções que “destruiriam a ordem social baseada na propriedade privada dos meios de produção” ( Mises, 1987 , p. 107). nas quais a liberdade individual seria a fonte e a condição necessárias para a maioria dos valores morais, sendo sua concretização somente possível pela organização natural do mercado, cresceu a defesa de que todos os indivíduos poderiam atuar como empresas no mercado ou como homens-empresariais ( Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. 413 p. ). Por considerar todos como empresários de si-próprios, ou empreendedores, o neoliberalismo sustenta a existência de uma competição de todos contra todos, competição na qual o vencedor é quem souber melhor aproveitar as oportunidades presentes na sociedade, particularmente no mercado ( Brown, 2003BROWN, W. Neo-liberalism and the end of liberal democracy. Theory & Event, v. 7, n. 1, p. 37-59, 2003. ; Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. 494 p. ).

A substituição da defesa de que todos podem ser empresários, pela concepção de que todos podem empreender, procura retirar de questão a necessidade da propriedade privada como índice de comprovação do sucesso profissional e pessoal, alargando as possibilidades de exploração e dominação do trabalho . A propriedade privada, obviamente, não perde sua centralidade. No entanto, a vontade e o esforço individual ganham maior evidência e passam a ser socialmente valorizados na medida em que se tornam marcadores sociais do sucesso .

Assim, esse novo ideário, ao universalizar o empreendedorismo como objetivo a ser alcançado, promove transformações na maneira pela qual os trabalhadores experimentam suas relações de trabalho, já que o sucesso passaria a depender apenas de esforço e mérito próprios, desconsiderando as condições sociais e econômicas objetivas nas quais esse sucesso se realizaria ou não. Desse modo, medidas que visem ao fortalecimento dos laços de solidariedade coletivas, em especial aquelas realizadas pelo Estado, no sentido de consolidar direitos e melhorar as condições de vida da classe trabalhadora, são entendidas como um entrave ao desenvolvimento individual, por desestimularem a visão meritocrática intrínseca a essa nova forma de empreendedorismo. Com isso, o novo empreendedorismo impele os trabalhadores a “fazer com que cada um se sinta o responsável único pela sua situação” (Campos; Soeiro, 2016, p. 10), mistificando problemas sociais como se tivessem caráter individual e atomista.

O EMPREENDEDORISMO COMO UM MODO DE VIDA

Buscando analisar as consequências deste alargamento social do empreendedorismo no capitalismo contemporâneo, resgatamos o pensamento de Antonio Gramsci. Em “Americanismo e Fordismo” (2001), Gramsci explicita a relação entre o conceito de modo de produção, desenvolvido por Marx e Engels (2007)MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. 614 p. , e o conceito de modo de vida ao compreender a sociedade dos anos 1920 e 1930, analisando-a não apenas em sua dimensão laboral e fabril, mas destacando como a formação de um novo tipo humano, adaptado às necessidades de reprodução das classes capitalistas, fora gestado e estruturado como horizonte social.

Esse modo de vida se expressa, dessa forma, como uma síntese concreta dos antagonismos sociais no qual estariam presentes, por exemplo, um tipo de indústria, um tipo de trabalhador coletivo (o novo homem, de Gramsci), um tipo de cultura do consumo e um tipo de conduta social que se fundamenta no produtivismo, no comportamento religioso puritano, no proibicionismo e no controle da moralidade. Assim, o autor compreende de maneira imbricada a organização do processo produtivo e da vida social que o circunscreve, tornando necessário refletir sobre a organização de aspectos da vida dos trabalhadores como suas práticas religiosas, sexuais e do uso do álcool, em consonância com a organização existente no interior das fábricas e do processo industrial de produção.

Desse modo, Gramsci compreende a relação entre o americanismo e o fordismo não apenas como técnicas de organização da produção e do trabalho, mas como elementos que compõem a criação de um “novo homem”, que constroem novas formas de se reproduzir socialmente nos Estados Unidos e em alguns países europeus ocidentais dos anos 1920 e 1930. Vale destacar, novamente, que a criação desse novo tipo de humanidade foi estabelecida por mecanismos de persuasão e coerção, que buscavam adequar psicofisicamente os trabalhadores a novas técnicas produtivas e ritmos de trabalho. Dessa forma, esta adaptação dos trabalhadores foi uma imposição do capital que se articulava organicamente à maneira pela qual a produção fordista vinha sendo organizada, de modo que aqueles trabalhadores que não seguissem as práticas puritanas e proibicionistas eram desligados da empresa. Assim, o americanismo e o fordismo impunham um modo de vida aos trabalhadores dentro e fora do ambiente de trabalho.

Buscando traçar paralelos entre a teoria gramsciana e a sociedade contemporânea, entendemos o empreendedorismo atual como síntese de um novo modo de vida, representativo da sociedade neoliberal, sendo ele uma forma análoga de americanismo, isto é, como um imperativo aos trabalhadores para se adaptarem às exigências conjunturais das classes dominantes. O empreendedorismo não se separa das técnicas produtivas e gerenciais existentes, contrariamente atua em conjunto com elas para formar uma maneira de se viver da classe trabalhadora. Essa nova forma de viver, que se constitui principalmente a partir do final da década 1970 nas sociedades ocidentais e que se consolida nas décadas seguintes, poderia ser inicialmente caracterizada por aquilo que Dardot e Laval (2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. 413 p. , p. 30) qualificaram como um “estender (d)a lógica do mercado muito além das fronteiras estritas do mercado, em especial produzindo uma subjetividade contábil pela criação da concorrência sistemática entre todos os indivíduos”.

Tal definição é bastante influenciada pela análise de Foucault (2008)FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. 494 p. sobre o neoliberalismo estadunidense. Segundo Foucault, o neoliberalismo tem como um dos seus centros a teoria do capital humano, sendo ela responsável por realizar

primeiro, a incursão da análise econômica num campo até então inexplorado e, segundo, a partir daí e a partir dessa incursão, a possibilidade de reinterpretar em termos econômicos e em termos estritamente econômicos todo um campo que, até então, podia ser considerado, e era de fato considerado, não-econômico ( Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. 494 p. , p. 302).16 16 Para aprofundar a leitura sobre a relação entre o neoliberalismo e o avanço da lógica mercantil, ver Brown (2003) .

A difusão da lógica mercantil, promovida pelo neoliberalismo, no seio das classes trabalhadoras, seja por meio de iniciativas educacionais do Estado ou por agências empresariais, tem por objetivo formar os trabalhadores como empresários-de-si, prontos a concorrerem entre si no mercado, tornando possível a desvalorização da força de trabalho, a construção de novas fronteiras produtivas e a apropriação de novos espaços que passam a ser submetidos à mercantilização do “eu”.17 17 Harvey (2005) conceituou está mercantilização do “eu” como uma das formas de acumulação capitalista por espoliação. Por sua vez, Han (2018) desenvolve como o neoliberalismo se configura como uma nova técnica de poder visando o controle e a exploração da psique, tornando o nosso “eu” funcional à valorização do capital.

O modo de vida empreendedor, com isso, produz nos trabalhadores a concepção de serem eles mesmos, cada qual um “sujeito empresarial” ( Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. 413 p. ). Tal como apontado por Foucault (2008)FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. 494 p. , Brown (2003)BROWN, W. Neo-liberalism and the end of liberal democracy. Theory & Event, v. 7, n. 1, p. 37-59, 2003. e Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. 413 p. , o pensamento neoliberal produziu uma nova razão para a constituição das formas de subjetividade, sendo agora amparada por uma subjetividade empresarial, conformando, assim, trabalhadores empresários-de-si18 18 Grespan (2019) , ao demonstrar como o modo de produção capitalista engendra uma maneira própria de representação, aponta que um dos fetichismos da inversão entre sujeito e objeto presentes na sociedade capitalista deriva do duplo papel dos trabalhadores, já que são, ao mesmo tempo, trabalhadores na esfera produtiva e proprietários de si mesmos na esfera do consumo. Ou seja, o atual movimento de valorização dos “trabalhadores empresários-de-si”, muitas vezes realizada pelos próprios trabalhadores, está ancorado em uma contradição própria do atual modo de produção, na qual as formas de consciência criam representações distorcidas, impostas pelo capital, da maneira pela qual as relações sociais se apresentam. que, nos marcos da sociedade empresarial ( Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. 494 p. ), competem uns com os outros, buscando a sua autovalorização.19 19 Não obstante, é importante reiterar que essa valorização é de inteira responsabilidade do trabalhador “empreendedor” e, em consequência, o erro, a falta, o equívoco, a imperfeição, o insucesso, a falha seriam também resultados diretos de suas escolhas pessoais e, portanto, de sua inequívoca responsabilidade. Se considerássemos, por exemplo, as relações sociais; o processo social de produção do valor; a apropriação dos lucros e a valorização do capital, e nos perguntássemos quem seria de fato o “sujeito” do empreendedorismo nas relações de classe, as “escolhas pessoais do empreendedor” apareceriam como uma dimensão menor desse processo, tornando-se apenas uma forma cínica de ocultar as relações sociais existentes ( Bihr, 2007 ).

Nesses termos, Dardot e Laval afirmam que um dos aspectos centrais do sujeito neoliberal é a internalização da lógica empresarial, sendo que “a grande inovação da tecnologia neoliberal estaria em vincular diretamente a maneira como um homem ‘é governado’ à maneira como ele próprio ‘se governa’” ( Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. 413 p. , p. 333). Segundo os autores, essa forma de controle se diferencia do realizado sobre o homem econômico clássico, no qual “a divisão do trabalho, que repartia os corpos e distribuía os gestos, de certo modo era o paradigma da gestão dos sujeitos” ( Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. 413 p. , p. 357) e, nesse sentido, a constituição dos empresários-de-si seria uma forma desenvolvida pelo capital para se apoderar das mentes dos trabalhadores.

Em diálogo, mas contrariamente aos argumentos dos autores mencionados, entendemos que, em ambos os períodos históricos analisados, as formas de controle se direcionam à conformação de corpos e mentes, com o trabalho manual não sendo uma antípoda do trabalho intelectual, já que todas as atividades de trabalho dependem de processos de intelectualização e de produção manual ( Amorim, 2014AMORIM, H. As teorias do trabalho imaterial: uma reflexão crítica a partir de Marx. Caderno CRH, Salvador, v. 27, p. 31-45, 2014. ). Assim, mesmo reconhecendo a pertinência de aspectos da leitura de Dardot e Laval, rejeitamos a tese segundo a qual o período que se inicia nos anos 1970 se caracterizaria centralmente pela captura da subjetividade, enquanto nas décadas anteriores essa “captura” estaria ausente ou somente realizada de maneira secundária. Em outros termos, trata-se, para nós, da conformação, por persuasão e coerção sociais, de duas subjetividades distintas, porém ambas funcionais aos interesses dominantes em cada conjuntura histórica e formações sociais específicas.

Nesse sentido, para o empreendedorismo se constituir como um americanismo contemporâneo, ele opera em duas dimensões. A primeira seria o empreendedorismo como um componente ideológico, que se fundamenta em mudanças da própria linguagem que buscam persuadir a classe trabalhadora. Esse movimento ocorre, por exemplo, com a adoção de um novo vocabulário empresarial, que mobiliza palavras como “colaboradores”, “proatividade”, “inovação”, “criatividade” e “resiliência”, e que busca ressignificar a relação que os trabalhadores têm com seu trabalho ( Amorim; Grohmann, 2021AMORIM, H.; GROHMANN, R. O futuro do trabalho: entre novidades e permanências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2021. ).20 20 É curioso notar como também se constitui, com um dos elementos desse novo modo de vida empreendedor, uma nova linguagem. Mistifica-se o trabalho na figura do colaborador que adere a um projeto cooperativo, no qual todos seriam supostamente parceiros. O vocabulário é extenso e remete, na quase totalidade dos casos, a uma conversão de direitos sociais em responsabilização individual, a ponto de assimilarmos individualmente a responsabilidade de problemas sociais de origem claramente público-estatal. Afinal, “não há desemprego, e sim gente preguiçosa”; “quem quer consegue arrumar emprego”; ou a máxima: “é melhor um trabalho sem garantias que nenhum trabalho”. Ver, sobre o tema, Bihr (2017) . Em seu segundo aspecto, reforçamos que o empreendedorismo é uma prática gerencial que opera sobre e é reproduzida pelos trabalhadores. Isso não deriva de escolhas por eles realizadas, mas são próprias de um novo modo de organização produtiva pautado pelo autocontrole, autoeficiência, autoeficácia e autometas, isto é, por um processo de externalização das responsabilidades empresariais que transferem parte dos riscos e custos de produção para os próprios trabalhadores ( Abílio 2019ABÍLIO, L. C. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, p. 41-51, 2019. ; Amorim; Grazia, 2021AMORIM, H.; GRAZIA, M. The precariousness of immaterial labor: self-taylorization in the Brazilian software industry. Latin American Perspectives, Thousand Oaks, v. 1, 2021. Não paginado. ; Amorim; Moda; Mevis, 2021).

Consideramos, dessa forma, algo insuficiente – talvez esse seja um dos pontos pouco trabalhados pela bibliografia contemporânea que trata do tema – compreender as recentes transformações na forma de se viver e produzir como decorrentes de mudanças estritamente ideológicas, mudanças de “cultura” ou, com base no vocabulário em voga entre administradores e coachings, mudanças no mindset .

É exatamente nessa medida que não entendemos ser o empreendedorismo “um novo espírito do capitalismo”, a exemplo de Boltanski e Chiapello (2009)BOLTANSKI, L; CHIAPELLO, È. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. , na medida em que não se trata meramente de um novo conjunto de crenças que fundamentam o engajamento subjetivo ao capitalismo que visa a justificá-lo moralmente. Portanto, não partilhamos da visão segundo a qual “as pessoas precisam de poderosas razões morais para aliar-se ao capitalismo” ( Boltanski; Chiapello, 2009BOLTANSKI, L; CHIAPELLO, È. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. , p. 40), dado que essa conceituação reforça uma interpretação na qual a escolha individual se fundamenta como justificativa dessa adesão, relegando a um plano inferior as contingências históricas, existentes no seio das classes trabalhadoras, que as submetem a esse novo jogo do capital.

O empreendedorismo, portanto, não é apenas um novo ethos que orienta a conduta dos indivíduos ou uma ideologia externa à qual os trabalhadores simplesmente aderem, mas um conjunto de relações sociais (laborais, políticas, micropolíticas, morais, econômicas e ideológicas) que orientam a quase totalidade das formas de interação social. É nesse sentido que o empreendedorismo se impõe como a atual e hegemônica forma de se viver no capitalismo. Forma esta ancorada em uma tentativa do capital, até agora exitosa, de refundar a subordinação classista do trabalho. Ao reforçar os elementos que conformam os trabalhadores como competidores entre si, mas situados como “colaboradores” do capital, busca-se, portanto, naturalizar a reprodução do antagonismo classista, criando novos limites para a resistência da classe trabalhadora diante da dominação neoliberal, já que, ao fim e ao cabo, todos poderiam ser empreendedores, pelo menos à primeira vista.

A DIFUSÃO DO EMPREENDEDORISMO: trabalho e educação

O conceito de hegemonia em Gramsci nos ajuda a compreender como a construção social desse novo trabalhador é realizada contemporaneamente. Retomando mais uma vez a relação entre o Americanismo e o Fordismo, o autor italiano demonstra como persuasão e coerção atuam de maneira combinada para a adaptação dos trabalhadores às diferentes formas de organização do processo produtivo, estando a sociedade civil, o conjunto de organismos e instituições públicos e privados que contribuem para a manutenção da dominação classista, integrado à sociedade política na produção desse consenso ( Bianchi, 2007BIANCHI, Á. Estratégia do contratempo: notas para uma pesquisa do conceito gramsciano de hegemonia. Cadernos Cemarx, Campinas, v. 4, p. 9-39, 2007. ).

Gramsci (2001)GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. aponta para o decisivo papel do Estado e da educação na produção e reprodução do modo de vida americano, destacando sua função ativa na implementação das práticas puritanas, como de fato ocorreu durante a “Lei Seca”, que vigorou entre 1920 e 1933 nos Estados Unidos, e as iniciativas educacionais empreendidas pelos industriais para que os trabalhadores não tivessem pensamentos inconformistas enquanto desempenhavam suas atividades. O empreendedorismo, como modo de vida neoliberal, também é produto da articulação entre a sociedade civil e sociedade política,21 21 Importante salientar que, para Gramsci (1975) , não há uma separação, senão metódica, entre a sociedade civil e a sociedade política. Elas formam, na prática, uma unidade orgânica que é o próprio Estado em seu sentido integral. constituindo a hegemonia de uma fração da classe dominante sobre toda a sociedade, uma forma de revolução passiva22 22 O conceito de “revolução passiva” ou “revolução-restauração” é utilizado por Gramsci para analisar o processo de Risorgimento italiano, podendo ser generalizado para outros momentos históricos nos quais a classe dominante promove modernizações conservadoras para manter a sua dominação de classe. Esses momentos são compreendidos pela adoção de uma série de reformas e transformações que restauram o poder classista, sem que, com isso, seja realizada uma revolução política, promovendo assim uma passivação das lutas sociais. Ver, sobre o tema, Dias (1997) e Kebir (2003) . baseada na produção de consensos, e não apenas em mecanismos de coerção. Tal produção da hegemonia é realizada, muitas vezes, de forma mediada pelo Estado, no sentido em que o empreendedorismo é difundido pública e privadamente, como pode ser notado no caso brasileiro.

No Brasil, a noção de empreendedorismo ganhou visibilidade a partir da década de 1990, motivada pela preocupação com o significativo aumento dos índices de desemprego, que passou de 4,6%, em 1991, para 8,4%, em 1999, somente nas regiões metropolitanas ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Taxa de desemprego aberto das pessoas de 15 anos e mais de idade. Pesquisa Mensal de Emprego dez./1991 a dez./2002. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=FDT10&t=taxa-desemprego-aberto-pessoas-15-anos. Acesso em: 29 ago. 2019.
https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/s...
). Nesse contexto são formuladas, ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, políticas públicas voltadas para a formação de empreendedores, implementadas por meio de programas de qualificação e formação profissional, cujo propósito foi combater o desemprego, especialmente o juvenil, criando renda e novos postos de trabalho ( Drewinski, 2009DREWINSKI, J. M. A. Empreendedorismo: o discurso pedagógico no contexto do agravamento do desemprego juvenil. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. ). Dentre as ações estatais com esses objetivos, destacamos o “Projeto Jovem Empreendedor”, criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE), na primeira gestão do Governo Lula, em 2004. Esse projeto, baseado na concepção de protagonismo juvenil – isto é, na visão de que os jovens devem obter sucesso profissional por seus méritos próprios –, capacitava a juventude a ingressar no mercado de trabalho pela via do empreendedorismo e no uso do microcrédito ( Drewinski, 2009DREWINSKI, J. M. A. Empreendedorismo: o discurso pedagógico no contexto do agravamento do desemprego juvenil. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. ).

Além dessa iniciativa, o Estado brasileiro também vem demonstrando papel ativo na consolidação do empreendedorismo via (des)regulação das leis e proteção ao trabalhador. Exemplo disso pode ser encontrado na criação do microempreendedor individual (MEI), em 2008.23 23 Trata-se de uma possibilidade de formalização com base no enquadramento do trabalhador como empreendedor, para quem trabalha por conta própria ou conta no máximo com um funcionário e tem faturamento anual de no máximo R$ 81 mil. Abre-se, dessa forma, um importante caminho para a proliferação do empreendedorismo, possibilitada pelo registro de atividades laborais desempenhadas de forma autônoma. Nos últimos anos, tal processo foi fortalecido com a aprovação da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017), na qual se consolidou a figura do autônomo exclusivo ( Brasil, 2017BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Brasília, DF: Presidência da República, 2017. ), enquadramento que permite que o trabalhador possa ser contratado via Pessoa Jurídica para a prestação contínua e exclusiva de serviço a uma empresa sem receber direitos trabalhistas.

Por omissão, o Estado também atua fortalecendo o empreendedorismo com o trabalho precário, como no caso da recente proliferação dos trabalhos por aplicativos, também chamados de trabalhos uberizados ou plataformizados digitalmente ( Abílio, 2019ABÍLIO, L. C. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, p. 41-51, 2019. ; Grohmann, 2020GROHMANN, R. Plataformização do trabalho: entre a dataficação, a financeirização e a racionalidade neoliberal. Revista Eptic, Aracaju, v. 22, n. 1, p. 106-122, 2020. ; Poell; Nieborg; Van Dijck, 2019). Diversas plataformas de intermediação para prestação de serviços, que enquadram seus trabalhadores como prestadores autônomos de forma a camuflar relações formais de trabalho, surgem diariamente no Brasil. Sem a regulação dos poderes públicos sobre seu funcionamento, tais empresas vêm criando novos empregos precários que estariam em consonância com os preceitos empreendedoristas, já que os trabalhadores desempenhariam suas atividades de forma autônoma.24 24 Na relação existente entre os trabalhadores e as empresas-aplicativo, não é reconhecido o vínculo empregatício, permitindo que as empresas não sejam responsabilizadas pela garantia dos direitos trabalhistas previstos na constituição brasileira. Nesta forma de trabalho, os riscos e custos existentes na prestação do serviço são transferidos aos trabalhadores, já que as empresas se colocam como meras intermediárias entre os prestadores de serviço e os consumidores. Além disso, a remuneração dos trabalhadores é completamente vinculada à produtividade, tendo por base um percentual do valor total cobrado pela prestação do serviço. Entretanto, análises mais detidas da maneira pela qual essa forma de trabalho é organizada apontam para como as empresas se valem da desregulação do mercado de trabalho para aumentar as formas de controle e vigilância dos processos de trabalho, configurando, portanto, uma forma disfarçada de incentivo aos trabalhadores para organizarem sua rotina de forma autônoma (Amorim; Moda; Mevis, 2021).

Para além das políticas que incidem diretamente nas relações de trabalho, a educação também tem sido um campo fértil de propagação do empreendedorismo. Tal incentivo pode ser observado em ações de organismos internacionais que vêm estimulando a introdução do empreendedorismo no ensino formal e profissionalizante por meio de relatórios como o do Projeto Regional de Educação para a América Latina e Caribe – Prelac (2004). Neste relatório, formulado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), em conjunto com a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o “aprender a empreender” é sugerido como o quinto pilar da educação, motivando a elaboração de diversos projetos de lei que tramitaram em diferentes casas legislativas brasileiras nos últimos anos.25 25 A inclusão do empreendedorismo como temática obrigatória, por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9394/1996), foi conteúdo de diversos projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei nº 1.673, de 2011, que incluía, nos currículos do ensino fundamental e médio, o tema do empreendedorismo; e o Projeto de Lei do Senado nº 772, de 2015, que incluía o empreendedorismo como diretriz dos conteúdos curriculares da educação básica e estabelecia como finalidade da educação superior o estímulo ao empreendedorismo e à inovação.

Ainda que não esteja presente como tema obrigatório na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) ( Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação, 1996. ), alguns estados e municípios vêm inserindo a temática em suas redes de ensino. Este é o caso do estado de São Paulo, que criou o Plano Estadual de Educação Empreendedora (PEEE), Lei nº 15.693/2015 ( São Paulo, 2015SÃO PAULO. Lei nº 15.693, de 3 de março de 2015. Cria o Plano Estadual de Educação Empreendedora, para inserção do empreendedorismo nas escolas de ensino médio e escolas técnicas. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2015. ), com o objetivo de inserir o empreendedorismo no ensino formal, nas escolas de ensino médio e em escolas técnicas. Entretanto, a partir da homologação do documento Base Nacional Comum Curricular para a etapa do Ensino Médio, em 14 de dezembro de 2018, no qual o empreendedorismo aparece como eixo temático dos itinerários formativos para esta etapa de ensino, sua inclusão na rede pública de ensino vem se dando de forma mais evidente e com abrangência nacional. Já no contexto do ensino superior, diversas universidades públicas e privadas aderiram ao discurso empreendedor, desenvolvendo projetos de incentivo ao empreendedorismo e à inovação.26 26 Podemos citar como exemplo a Universidade Federal do ABC que criou o Desafio UFABC , em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai) –, cujo objetivo principal é a difusão do empreendedorismo no contexto acadêmico. Na rede privada, temos o exemplo do Núcleo de Empreendedorismo (Nemp) do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), uma incubadora para microempresas de propriedade dos estudantes que incentiva o empreendedorismo na formação curricular dos diversos cursos do instituto.

Contudo, para além das ações estatais, a atuação da iniciativa privada ainda prevalece, sendo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae)27 27 Fundada, em 1972, como Cebrae e vinculada ao governo federal, a organização muda seu nome para Sebrae em 1990, tornando-se uma entidade privada sem fins lucrativos, mantida por repasses das maiores empresas do país, proporcionais às suas folhas de pagamento. Nesse sentido, podemos notar um crescente interesse do setor empresarial brasileiro em estimular a expansão do empreendedorismo. uma instituição central da difusão do empreendedorismo no Brasil. Em seus termos, além de promover a competitividade e o desenvolvimento sustentável de pequenos negócios e fomentar o empreendedorismo, o Sebrae representa hoje a principal instituição privada impulsionadora da educação empreendedora no país, promovendo, por meio do Programa Nacional de Educação Empreendedora (PNEE), diversos programas de formação voltados para todos os níveis de ensino.28 28 Para além do Sebrae, há diversas ações da iniciativa privada que promovem a formação de empreendedores. Temos, por exemplo, o Google Campus for Moms, uma iniciativa da empresa Google voltada para pais e mães que querem abrir um negócio; o Instituto Fazendo Acontecer e a Junior Achievement Brasil, que promovem oficinas e projetos de formação empreendedora em escolas do ensino fundamental e médio. Temos a ENDEAVOR, com programas de incentivo ao empreendedorismo para o ensino superior, havendo também projetos municipais como o Pedagogia Empreendedora dos Sonhos, desenvolvido em São José dos Campos (SP), que contempla crianças de quatro e cinco anos, entre diversas outras formações presenciais e a distância que visam a formação empreendedora.

Assim, desde as mais novas idades, busca-se convencer os trabalhadores, agora empreendedores, de que seria preciso agir com proatividade, liderança e determinação para vencer socialmente. Essa crescente difusão do empreendedorismo na área educacional, para Campos e Soeiro (2016), é decorrente do crescimento de teorias que sustentam o empreendedorismo como uma forma de personalidade29 29 Considerando que há um conjunto de traços de personalidade que determinam a predisposição ao comportamento empreendedor, Dantas e Silva (2014) apontam para a necessidade de “orientar” tais características da personalidade por meio da educação, sendo, para tanto, necessário desenvolvê-las nos primeiros anos de vida. e que, portanto, deve ser desenvolvida desde muito cedo para que essa forma de organizar a vida seja plenamente assimilada e reproduzida socialmente. Nesse sentido, a difusão do ideário empreendedor por meio de políticas públicas estatais e de ações da iniciativa privada passam a ser implementadas como mecanismos de construção do consenso social e ponto de apoio para a constituição de um novo tipo de trabalhador. Educa-se a sociedade, em seu conjunto, a agir como sujeitos empreendedores, sendo tal educação desenvolvida nos diferentes campos de socialização e vivência dos trabalhadores, como, por exemplo, nas escolas e locais de trabalho, tornando as relações sociais funcionais à reconfiguração do processo de valorização e acumulação capitalistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não nos parece um simples esquecimento a ausência de Antonio Gramsci no debate contemporâneo sobre o empreendedorismo. Ao fazer referência a Gramsci, impõe-se, necessariamente, retomar a perspectiva classista e forçosamente alargar o debate sobre o horizonte de possibilidades que o antagonismo classista estabelece teórica e socialmente. Assim, a bibliografia crítica ao empreendedorismo, mesmo observando a estruturação de um novo modo de vida, insiste em recusar a temática das classes sociais, haja vista um suposto economicismo que esse conceito carregaria.

Se o empreendedorismo, por um lado, em suas variadas manifestações teóricas e sociais, procura naturalizar o modo de vida dominante como universal, mistificando as contradições ideológicas, culturais, econômicas e políticas, com a recusa do conceito de classes sociais, corre-se o mesmo risco. Realiza-se um diagnóstico, prescreve-se um remédio, o corpo social se levanta outra vez, mas o problema estrutural permanece, ou seja, a correção dos problemas sociais contingentes, por mais necessária que seja, nos leva apenas a uma nova conjuntura, estruturada por um novo modo de vida, mais uma vez eficaz e eficiente à reprodução dos interesses de classe dominantes.

Foi nesse sentido que Gramsci ressaltou, nos anos 1930, o alcance objetivo do Americanismo como sendo o maior esforço coletivo até então existente de construção racional de “um novo tipo de trabalhador e de homem”. Não obstante, ao descrever esse novo modo de vida, que trazia consigo o taylorismo e o fordismo e que se apresentava de forma mais intensa, mais profunda e brutal que os precedentes, nos mostrou sê-lo apenas e tão somente mais uma fase de um longo processo histórico de radicalizações da subordinação do trabalho ao capital que nascera com o industrialismo. Uma fase que também, levando em conta a necessidade de ampliação do capital, seria superada historicamente por outra ainda mais intensa, mais profunda e brutal que as precedentes ( Gramsci, 2001GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. , p. 266).

Como um modulador das formas de ser, agir e pensar das sociedades contemporâneas, não compreendemos o empreendedorismo como mero discurso ou conjunto de ideias operando na realidade ou, ainda, como algo externo que capturaria a subjetividade humana, mas como algo intrínseco à própria forma como o modo de produção está sendo (re)estruturado. Portanto, não se trata de algo exterior que paire na forma de espírito ou racionalidade sobre mentes incautas e inabitadas de ideias e concepções de mundo. O empreendedorismo é, contrariamente, o alicerce do neoliberalismo que reproduz, em um jogo de coerção e consenso, os interesses das classes dominantes, naturalizando-os como universais.

Portanto, do nosso ponto de vista, o empreendedorismo se apresenta como um novo tipo de americanismo, que radicaliza a subordinação da classe trabalhadora ao capital no contexto contemporâneo. Configura uma nova fase na qual o novo nexo psicofísico se estrutura com base na autotaylorização, no autogerenciamento, no autocontrole, na autometa, na responsabilização individual pela qualificação profissional, pela formação educacional, pelos riscos no e do trabalho, e pelos salários diretos e indiretos. Uma nova fase na qual os softwares e algoritmos aprofundam a subsunção real do trabalho ao capital, na medida em que prescrevem racional e calculadamente o ritmo, a cadência, a produtividade do trabalho em tempo real, com base nos aplicativos e nos scripts, eliminando ainda mais os “tempos mortos”: as pausas, os descansos e os intervalos.

Associando o ato de empreender às noções de liberdade, autonomia e autorrealização, o empreendedorismo contemporâneo se apresenta como radicalização de uma das condições básicas da produção capitalista apontadas por Marx (2012MARX, K. O capital, livro 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 571 p. , p. 836) na fase de acumulação primitiva de capital: a existência de trabalhadores “livres como pássaros”. Realizar atividades que promovam sua satisfação pessoal, trabalhando nos dias e horários de seu interesse e sem a rigidez dos contratos de trabalho são elementos que estruturam o discurso dos difusores do empreendedorismo, realçando a liberdade do ato de empreender. Porém, nesse discurso se suprime, de maneira proposital, as consequências necessárias dessa “maior liberdade”: uma maior submissão dos trabalhadores aos ritmos, objetivos e interesses do capital.

Ao promover um novo consenso social baseado na tese de que todos podem e devem ser empreendedores, o capital aprofunda a flexibilização do trabalho, desfigura convenções coletivas de trabalho e de seguridade social, rompendo com mais uma das amarras que, em parte, limitava a exploração contemporânea do trabalho, permitindo, assim, que todos sejam microempreendedores “livres e felizes” como pássaros, mesmo que dentro de amarras informais, remotas, digitais ou imateriais – todas elas precárias.

REFERÊNCIAS

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  • 2
    O americanismo pressupõe a existência de um Estado estruturado por preceitos liberais, sobretudo no sentido de aprofundar a livre iniciativa, permitindo que o individualismo econômico se materialize tanto na forma de um regime de concentração industrial e de monopólio, como também nas práticas laborais profundamente competitivas e necessárias ao desenvolvimento do fordismo ( Gramsci, 2001GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. ).
  • 3
    Ainda segundo Gramsci, diferentes modos de vida coexistem em determinado contexto social, sendo que as diferentes classes sociais buscam construir seu modo de vida como hegemônico, o que, na prática, fundamenta os antagonismos sociais. Destacamos que as considerações feitas por nós sobre o modo de vida da sociedade dos anos de 1920 e 1930 dizem respeito ao modo de vida hegemônico nesse período histórico, um modo de vida que reproduz, estruturalmente, os interesses do capital.
  • 4
    Essa adaptação, segundo Gramsci (2001)GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. , manifestava-se na conduta dos trabalhadores em suas mais variadas dimensões sociais e culturais. Essa conduta social, é importante mencionar, era controlada por inspetores de Ford que circulavam nos bairros operários.
  • 5
    Para Gramsci (2001)GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: GRAMSCI, A. (org.). Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. V. 4. p. 241-282. , o industrialismo, desde seu início, foi uma luta contra a animalidade humana, visando a sujeição dos instintos às necessidades da ordem. Essa luta é imposta de forma coercitiva, de fora para dentro, a partir das instituições sobre os indivíduos, objetivando a criação de uma segunda natureza, um novo modo de vida em que homens e mulheres são educados sob a lógica dos novos tipos de civilização.
  • 6
    O empreendedor schumpeteriano seria o responsável pela destruição criativa, a força motriz do desenvolvimento, o que, na linguagem empreendedora contemporânea, é chamado de “inovação disruptiva”. A partir desse conceito, correntes da pedagogia empreendedora brasileira e estrangeira ( Dolabela; Filion, 2013DOLABELA, F.; FILION, L. J. Fazendo revolução no Brasil: a introdução da pedagogia empreendedora nos estágios iniciais da educação. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, [s. l.], v. 3, n. 2, p. 134-181, 2013. ; Filion, 1999FILION, L. J. Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 6-28, 1999. ) sugerem uma reestruturação do ensino baseada na ruptura com as metodologias tradicionais, nas quais o professor é o responsável por transferir aos alunos conteúdos, propondo, em seu lugar, uma abordagem metodológica na qual se assumiria um papel de proatividade e no qual seriam sujeitos de sua própria aprendizagem, o que promoveria uma educação inovadora e disruptiva.
  • 7
    O que na concepção gramsciana (Gramsci, 1982) são chamados de intelectuais orgânicos das classes dominantes. Ver sobre o tema: Amorim et al, 2021.
  • 8
    O Sebrae é o principal formulador e difusor da “cultura do empreendedorismo” no Brasil.
  • 9
    Colbari (2007)COLBARI, A. L. A retórica do empreendedorismo e a formação para o trabalho na sociedade brasileira. Sinais, Vitória, v. 1, n. 1, p. 75-111, 2007. demonstra como os preceitos do empreendedorismo não atuam apenas no mercado informal, mas são mobilizados também no trabalho com carteira de trabalho assinada. As empresas estão modificando sua forma de organizar a produção, buscando desenvolver práticas gerenciais nas quais se cria a aparência de centralidade subjetiva dos trabalhadores nos processos de trabalho. Busca-se estimular a proatividade e a criatividade dos trabalhadores ao desempenharem suas funções, porém tais estímulos não rompem com a lógica do mercado e a necessidade do lucro. Logo as novas “competências” mobilizadas têm como obrigatoriedade o resultado financeiro, transferindo parte das funções gerenciais para os próprios trabalhadores e, consequentemente, aumentando sua responsabilidade em relação aos resultados da empresa.
  • 10
    Além disso, há a defesa de que todos os indivíduos atuariam de maneira utilitária na sociedade, buscando maximizar seus ganhos e prazeres, elevando indiretamente os níveis de felicidade geral ( Mill, 2000MILL, S. A liberdade/utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ).
  • 11
    Sobre o tema, ver Clarke (1991)CLARKE, S. Crise do fordismo ou crise da social-democracia? Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 24, p. 117-150, 1991. e Bihr (1998)BIHR, A. Da Grande Noite à Alternativa: o movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998. .
  • 12
    Segundo Harvey (2008)HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Editora Loyola, 2008. 256 p. , o neoliberalismo tem como uma de suas características defender que o bem-estar humano ocorre a partir da liberação das capacidades empreendedoras individuais, o que advém do fortalecimento de uma estrutura institucional que defenda a iniciativa privada, os livres mercados e o livre comércio. Bourdieu (1998)BOURDIEU, P. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. , por seu turno, compreende o neoliberalismo como uma tentativa de imposição de valores tradicionais e conservadores na sociedade contemporânea. Essa imposição seria feita pela chamada mão direita do Estado, os burocratas presentes nos órgãos ministeriais, bancários e gabinetes governamentais, contra a esquerda, os trabalhadores sociais que representam o Estado na prestação dos serviços para a população. Com as políticas governamentais passando a implementar as concepções desenvolvidas por uma nova elite que se apodera do Estado, consequentemente desvalorizando os trabalhadores do Estado que estão em contato direto com a população, teríamos a consolidação de uma sociedade marcada pela precarização e pela insegurança, aumentando a submissão e a aceitação da exploração.
  • 13
    Aproximando-se de nossa leitura, Salgado (2016SALGADO, J. Entre solitários e solidários: o empreendedor no discurso da Folha de S. Paulo (1972 – 2011). 2016. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. , p. 21) indica que: “A hegemonia de um modelo único do empreendedor como o grande proprietário dos meios de produção (indústria), de circulação (comércio) ou do capital (finanças) cede espaço para a multiplicação nos modos de empreender e, portanto, ser empreendedor. Do microempreendedor individual, que empreende sozinho para o sustento próprio, ao empreendedor social, que mira o ganho coletivo para além daquele pessoal, hoje assistimos a um sortimento de identidades empreendedoras: o empreendedor coletivo, o empreendedor digital, o intraempreendedor”.
  • 14
    A garantia da reprodução social de maneira autônoma tem como consequência a maior responsabilização dos trabalhadores sobre os riscos e os custos envolvidos em seus trabalhos, configurando relações de trabalho orquestradas pelo autogerenciamento, pela autotaylorização e destituídas de direitos trabalhistas. Sobre o tema da autotaylorização do trabalho, sobretudo entre os programadores de software, ver Amorim e Grazia (2021)AMORIM, H.; GRAZIA, M. The precariousness of immaterial labor: self-taylorization in the Brazilian software industry. Latin American Perspectives, Thousand Oaks, v. 1, 2021. Não paginado. , Abílio (2019)ABÍLIO, L. C. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, p. 41-51, 2019. e Amorim, Moda e Mevis (2021). Estes últimos desenvolvem o tema da autotaylorização nos trabalhos por plataformas digitais. Amorim e Grohmann (2021)AMORIM, H.; GROHMANN, R. O futuro do trabalho: entre novidades e permanências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2021. aprofundam esta leitura, demonstrando o impacto do empreendedorismo e da financeirização sobre as relações de trabalho.
  • 15
    Mises e Hayek desenvolveram suas teses, respectivamente, nas décadas de 1920 e 1940, porém sua difusão aconteceu nos anos 1970, tendo como objetivo combater a política econômica aplicada pelos partidos sociais democratas e comunistas e as inspirações keynesianas que propagavam a planificação estatal da economia como forma de garantir o desenvolvimento econômico e social. Para os autores, o Estado interventor atuaria de forma a sobrepor o coletivo ao indivíduo, gerando distorções que “destruiriam a ordem social baseada na propriedade privada dos meios de produção” ( Mises, 1987MISES, L. V. Uma crítica ao intervencionismo. Rio de Janeiro: Nórdica, 1987. 144 p. , p. 107).
  • 16
    Para aprofundar a leitura sobre a relação entre o neoliberalismo e o avanço da lógica mercantil, ver Brown (2003)BROWN, W. Neo-liberalism and the end of liberal democracy. Theory & Event, v. 7, n. 1, p. 37-59, 2003. .
  • 17
    Harvey (2005)HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Editora Loyola, 2005. 208 p. conceituou está mercantilização do “eu” como uma das formas de acumulação capitalista por espoliação. Por sua vez, Han (2018)HAN, B.-C. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2018. 117 p. desenvolve como o neoliberalismo se configura como uma nova técnica de poder visando o controle e a exploração da psique, tornando o nosso “eu” funcional à valorização do capital.
  • 18
    Grespan (2019)GRESPAN, J. Marx e a crítica do modo de representação capitalista. São Paulo: Boitempo, 2019. , ao demonstrar como o modo de produção capitalista engendra uma maneira própria de representação, aponta que um dos fetichismos da inversão entre sujeito e objeto presentes na sociedade capitalista deriva do duplo papel dos trabalhadores, já que são, ao mesmo tempo, trabalhadores na esfera produtiva e proprietários de si mesmos na esfera do consumo. Ou seja, o atual movimento de valorização dos “trabalhadores empresários-de-si”, muitas vezes realizada pelos próprios trabalhadores, está ancorado em uma contradição própria do atual modo de produção, na qual as formas de consciência criam representações distorcidas, impostas pelo capital, da maneira pela qual as relações sociais se apresentam.
  • 19
    Não obstante, é importante reiterar que essa valorização é de inteira responsabilidade do trabalhador “empreendedor” e, em consequência, o erro, a falta, o equívoco, a imperfeição, o insucesso, a falha seriam também resultados diretos de suas escolhas pessoais e, portanto, de sua inequívoca responsabilidade. Se considerássemos, por exemplo, as relações sociais; o processo social de produção do valor; a apropriação dos lucros e a valorização do capital, e nos perguntássemos quem seria de fato o “sujeito” do empreendedorismo nas relações de classe, as “escolhas pessoais do empreendedor” apareceriam como uma dimensão menor desse processo, tornando-se apenas uma forma cínica de ocultar as relações sociais existentes ( Bihr, 2007BIHR, A. A fraude do conceito de “capital humano”. Le Monde Diplomatique, 1 dez. 2007. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-fraude-do-conceito-de-capital-humano/. Acesso em: 28 maio 2019.
    https://diplomatique.org.br/a-fraude-do-...
    ).
  • 20
    É curioso notar como também se constitui, com um dos elementos desse novo modo de vida empreendedor, uma nova linguagem. Mistifica-se o trabalho na figura do colaborador que adere a um projeto cooperativo, no qual todos seriam supostamente parceiros. O vocabulário é extenso e remete, na quase totalidade dos casos, a uma conversão de direitos sociais em responsabilização individual, a ponto de assimilarmos individualmente a responsabilidade de problemas sociais de origem claramente público-estatal. Afinal, “não há desemprego, e sim gente preguiçosa”; “quem quer consegue arrumar emprego”; ou a máxima: “é melhor um trabalho sem garantias que nenhum trabalho”. Ver, sobre o tema, Bihr (2017)BIHR, A. La nov langue neoliberale: la rhetorique du fetichisme capitaliste. Paris: Éditions Page, 2017. .
  • 21
    Importante salientar que, para Gramsci (1975)GRAMSCI, A. Quadernidel cárcere. Torino: Einaudi Tascabili, 1975. V. 4. , não há uma separação, senão metódica, entre a sociedade civil e a sociedade política. Elas formam, na prática, uma unidade orgânica que é o próprio Estado em seu sentido integral.
  • 22
    O conceito de “revolução passiva” ou “revolução-restauração” é utilizado por Gramsci para analisar o processo de Risorgimento italiano, podendo ser generalizado para outros momentos históricos nos quais a classe dominante promove modernizações conservadoras para manter a sua dominação de classe. Esses momentos são compreendidos pela adoção de uma série de reformas e transformações que restauram o poder classista, sem que, com isso, seja realizada uma revolução política, promovendo assim uma passivação das lutas sociais. Ver, sobre o tema, Dias (1997)DIAS, E. A liberdade (im)possível na ordem do capital: reestruturação produtiva e passivização. Campinas: Unicamp, 1997. e Kebir (2003)KEBIR, S. “Revolução-restauração” e “revolução passiva”: conceitos de história universal. In: COUTINHO, C. (org.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 147-156. .
  • 23
    Trata-se de uma possibilidade de formalização com base no enquadramento do trabalhador como empreendedor, para quem trabalha por conta própria ou conta no máximo com um funcionário e tem faturamento anual de no máximo R$ 81 mil. Abre-se, dessa forma, um importante caminho para a proliferação do empreendedorismo, possibilitada pelo registro de atividades laborais desempenhadas de forma autônoma.
  • 24
    Na relação existente entre os trabalhadores e as empresas-aplicativo, não é reconhecido o vínculo empregatício, permitindo que as empresas não sejam responsabilizadas pela garantia dos direitos trabalhistas previstos na constituição brasileira. Nesta forma de trabalho, os riscos e custos existentes na prestação do serviço são transferidos aos trabalhadores, já que as empresas se colocam como meras intermediárias entre os prestadores de serviço e os consumidores. Além disso, a remuneração dos trabalhadores é completamente vinculada à produtividade, tendo por base um percentual do valor total cobrado pela prestação do serviço.
  • 25
    A inclusão do empreendedorismo como temática obrigatória, por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9394/1996), foi conteúdo de diversos projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional, como o Projeto de Lei nº 1.673, de 2011, que incluía, nos currículos do ensino fundamental e médio, o tema do empreendedorismo; e o Projeto de Lei do Senado nº 772, de 2015, que incluía o empreendedorismo como diretriz dos conteúdos curriculares da educação básica e estabelecia como finalidade da educação superior o estímulo ao empreendedorismo e à inovação.
  • 26
    Podemos citar como exemplo a Universidade Federal do ABC que criou o Desafio UFABC , em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai) –, cujo objetivo principal é a difusão do empreendedorismo no contexto acadêmico. Na rede privada, temos o exemplo do Núcleo de Empreendedorismo (Nemp) do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), uma incubadora para microempresas de propriedade dos estudantes que incentiva o empreendedorismo na formação curricular dos diversos cursos do instituto.
  • 27
    Fundada, em 1972, como Cebrae e vinculada ao governo federal, a organização muda seu nome para Sebrae em 1990, tornando-se uma entidade privada sem fins lucrativos, mantida por repasses das maiores empresas do país, proporcionais às suas folhas de pagamento. Nesse sentido, podemos notar um crescente interesse do setor empresarial brasileiro em estimular a expansão do empreendedorismo.
  • 28
    Para além do Sebrae, há diversas ações da iniciativa privada que promovem a formação de empreendedores. Temos, por exemplo, o Google Campus for Moms, uma iniciativa da empresa Google voltada para pais e mães que querem abrir um negócio; o Instituto Fazendo Acontecer e a Junior Achievement Brasil, que promovem oficinas e projetos de formação empreendedora em escolas do ensino fundamental e médio. Temos a ENDEAVOR, com programas de incentivo ao empreendedorismo para o ensino superior, havendo também projetos municipais como o Pedagogia Empreendedora dos Sonhos, desenvolvido em São José dos Campos (SP), que contempla crianças de quatro e cinco anos, entre diversas outras formações presenciais e a distância que visam a formação empreendedora.
  • 29
    Considerando que há um conjunto de traços de personalidade que determinam a predisposição ao comportamento empreendedor, Dantas e Silva (2014)DANTAS, J. G. L.; SILVA, L. M. G. Empreendedorismo e empreendedores: o papel da educação. Sensos, Porto, v. 4, n. 8, p. 175-186, 2014. apontam para a necessidade de “orientar” tais características da personalidade por meio da educação, sendo, para tanto, necessário desenvolvê-las nos primeiros anos de vida.
  • 1
    Este artigo é fruto de pesquisa desenvolvida com o apoio de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ). Agradecemos a revisão e as considerações do Grupo de Pesquisa Classes Sociais e Trabalho da Universidade Federal de São Paulo (GPCT), no qual este artigo foi debatido. Agradecemos, em particular, a João Gabriel Pelegrini, Guilherme Henrique Guilherme e Henrique Oliveira pela ajuda substancial na preparação do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    4 Abr 2020
  • Aceito
    24 Ago 2021
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