Open-access WALMARTIZAÇÃO À BRASILEIRA: o regime do “custo baixo todo dia” nos supermercados

BRAZILIAN-STYLE WALMARTIZATION: The “Everyday Low Cost” Regime in Supermarkets

WALMARTIZACIÓN A LA BRASILEÑA: El régimen del “bajo costo todos los días” en los supermercados

Resumos

No início do século, o gigante varejista Walmart foi considerado por estudiosos o símbolo de novas relações de poder no capitalismo que estariam levando à uma “corrida para o fundo do poço” no rebaixamento das condições de trabalho em âmbito global. O artigo discute as políticas desenvolvidas no Brasil nas lojas de supermercado da empresa à luz da ideologia corporativa, das tecnologias utilizadas e das práticas de gestão forjadas nos Estados Unidos, país de origem da companhia. Fundamentada em pesquisa de campo, a investigação evidencia como, apesar das resistências e adaptações, a articulação de novos e velhos mecanismos de controle da força de trabalho tem contribuído fortemente para reforçar os processos de flexibilização e precarização do trabalho nos supermercados brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE
Walmartização; Trabalho em supermercados; Regime de trabalho; Gestão do trabalho


At the beginning of the century, the retail giant Walmart was regarded by scholars as a symbol of new power relations in capitalism, which were driving a “race to the bottom” in the deterioration of labor conditions on a global scale. This article discusses the policies implemented in Walmart’s Brazilian supermarket stores in light of the company’s corporate ideology, the technologies employed, and the management practices developed in the United States, the company’s country of origin. Based on field research, the study shows that, despite local resistance and adaptations, the combination of new and old mechanisms of labor control has significantly contributed to the reinforcement of labor flexibilization and precarization processes in Brazilian supermarkets.

KEYWORDS
Walmartization; Supermarket work; Labour regime; Labour management


A comienzos del siglo, el gigante minorista Walmart fue considerado por académicos como un símbolo de nuevas relaciones de poder en el capitalismo, que estarían conduciendo a una “carrera hacia el fondo” en el deterioro de las condiciones laborales a nivel global. El artículo analiza las políticas desarrolladas en Brasil en las tiendas de supermercado de la empresa, a la luz de la ideología corporativa, las tecnologías utilizadas y las prácticas de gestión forjadas en Estados Unidos, país de origen de la compañía. Basada en una investigación de campo, la indagación evidencia cómo, a pesar de las resistencias y adaptaciones, la articulación de nuevos y antiguos mecanismos de control de la fuerza de trabajo ha contribuido de manera significativa a reforzar los procesos de flexibilización y precarización del trabajo en los supermercados brasileños.

PALABRAS CLAVE
Walmartización; Trabajo en supermercados; Régimen laboral; Gestión del trabajo


Em tempos de uberização, falar em walmartização pode parecer ultrapassado, risco que muitos estudiosos têm corrido ao buscar sínteses dos processos de mudança a partir das empresas que representam sua principal expressão, o que se passou também nas análises da Mcdonaldização, anunciada por George Ritzer (1996). A insistência na utilização desse termo, contudo, tem aqui um duplo propósito: resgatar um fenômeno pouco estudado no Brasil e evidenciar elementos de continuidade entre a walmartização e os fenômenos recentes de transformações nas formas de gestão e organização do trabalho que convergem para a proliferação de trabalhadores/as por demanda (De Stefano, 2016).

Essas transformações no mundo do trabalho retornaram com força ao debate no momento que a pandemia de covid-19 escancarou a relação contraditória entre a essencialidade da atividade e a descartabilidade do sujeito que a executa, evidenciando uma das faces do caráter destrutivo do capital. Essa lógica, que desde os primórdios do capitalismo tem sacrificado a vida de milhares de trabalhadoras/es, aprofunda em tempos de pandemia processos de precarização, intensificação do trabalho e adiciona a ameaça direta e explícita à vida.

A fim de contribuir com a visibilização de uma parcela importante dessas/es trabalhadoras/es como parte de um processo de transformação mais amplo e global das relações de trabalho, este artigo apresenta os aspectos principais da dinâmica da gestão do trabalho em uma importante rede varejista transnacional. A partir de pesquisa de campo realizada em lojas de supermercado da rede Walmart no Brasil, 1 busca-se evidenciar a articulação entre ideologia corporativa, tecnologias de controle e vigilância do trabalho e práticas de gestão altamente despóticas. Como resultado de uma articulação complexa entre: i) uma dinâmica particular das redes globais de produção, em que as grandes transnacionais varejistas têm tido crescente poder (Bonacich; Wilson, 2008; Lichtenstein, 2009; 2006), e ii) a realidade do mercado de trabalho brasileiro, marcado por uma precariedade estrutural (Antunes, 2013; Druck, 2011; 2013), a gestão do trabalho em supermercados expressa tendências observadas nas últimas décadas para o conjunto da classe trabalhadora: degradação das condições de trabalho, ampliação das fontes de risco, instabilidade e incerteza no processo de informalização do trabalho formal (Veras de Oliveira, 2011).

A escolha da rede Walmart deu-se não apenas pela magnitude da empresa – considerada até recentemente a maior do mundo em faturamento e também maior empregador privado do globo, com 2, 1 milhões de trabalhadores.2 A companhia varejista, além de ser um ícone das cadeias globais de valor dirigidas por compradores (Gereffi, 1994; Gereffi; Christian, 2009), constitui um exemplo da reestruturação da organização do trabalho com apoio das novas tecnologias da informação, comunicação e logística (Bonacich; Wilson, 2008). Ademais, sua estratégia empresarial é mundialmente conhecida pelos baixos salários e práticas discriminatórias e antissindicais. Para autores importantes do debate internacional, esse “novo colosso do varejo” (Rosen, 2006) seria a expressão também de um novo modelo de negócios e símbolo das novas relações de poder no capitalismo contemporâneo (Lichtenstein, 2006). “Walmartização” foi, então, a denominação adotada para esse processo protagonizado pelo Walmart cuja principal consequência tem sido a pressão constante e generalizada pelo rebaixamento das condições de vida e de trabalho em escala global, o que estaria levando a uma corrida para o fundo do poço (Basso, 2012; Lichtenstein, 2006; 2009; Rosen, 2014).3

No caso brasileiro, observa-se que o Walmart encontrou barreiras à transferência de algumas de suas práticas trabalhistas especialmente no âmbito das relações de emprego, ou seja, nos aspectos em que a regulação do trabalho estabelece patamares mínimos, já que seus trabalhadores eram contratados com registro formal de trabalho (Lemos, 2019). Ao mesmo tempo, a amplitude da exploração e a eficiência da política de custo baixo todo dia vai se viabilizar principalmente por meio da gestão e organização do trabalho, onde a empresa possui liberdade quase que ilimitada de impor normas e práticas coerentes com sua estratégia global, como discutiremos nesse artigo.

Apesar da vasta bibliografia sobre o Walmart, especialmente nos Estados Unidos, os estudos sobre o varejo e, especialmente sobre as características do trabalho nesse setor, são bastante limitadas e despertam pouco interesse, como já diagnosticado por Bozkurt e Grugulis (2011) e Wrigley e Lowe (1996). No intuito de contribuir com essa lacuna no que se refere ao contexto brasileiro, esse artigo discute as políticas do Walmart desenvolvidas no Brasil à luz da ideologia corporativa e das práticas forjadas nos Estados Unidos, país de origem da companhia. O que acontece quando tais práticas foram transferidas para o país? Em que medida elas foram adaptadas, rejeitadas ou implementadas no Brasil? Como os trabalhadores perceberam e interpretaram tais medidas?

Primeiramente, apresentaremos como tem sido desenvolvida no Brasil a identificação com o fundador e a difusão dos princípios e práticas motivacionais. Em seguida, discutiremos o papel das novas tecnologias e as possibilidades abertas por essas inovações no sentido de ampliar o controle e a vigilância sobre o trabalho. Adiante, analisaremos as principais práticas de gestão da empresa no Brasil e de que maneira elas foram implementadas, adaptadas e/ou rejeitadas no país. Por fim, buscamos delinear a política de produção constituída nesses locais de trabalho, de modo a destacar os principais mecanismos de coerção e consentimento que foram consolidados nas lojas pesquisadas no Brasil.4

IDEOLOGIA CORPORATIVA: princípios e práticas motivacionais

A ideologia corporativa está sendo entendida aqui como o conjunto de discursos, premissas e práticas que na literatura empresarial e de negócios, bem como no discurso de gerentes e de muitos dirigentes sindicais, são comumente chamados de “cultura corporativa”.5 Compreende-se ideologia corporativa aqui em três sentidos diferentes e articulados: no sentido “pejorativo”, enquanto mecanismos de dominação e controle das organizações; no sentido “descritivo” de valores e crenças que estão no coração de uma “cultura”; e no sentido “positivo”, enquanto a capacidade das organizações de corresponder a necessidades individuais ou coletivas e criar um sentido de pertencimento (Turnbull, 2001).

Inúmeros estudiosos, bem como os próprios dirigentes do Walmart, ressaltam que a empresa apresenta uma forte cultura organizacional, predominantemente calcada no modelo criado pelo seu fundador, Sam Walton. Seus valores e prioridades têm sido transmitidos globalmente através das políticas das lojas, dos encontros anuais, da difusão de pôsteres motivacionais com “rostos felizes” e de uma determinada visão de comprometimento com a equipe (Dunnett; Arnold, 2006).

No Brasil, o cenário não é diferente. Assim como nos Estados Unidos, os empregados são diferenciados na hierarquia interna pela cor de seus coletes. A possibilidade de participação nos encontros anuais da empresa nos Estados Unidos também é uma das promessas para aqueles trabalhadores que se destacam em cada loja. Esses eventos são fundamentais para que tais “associados” se sintam ainda mais parte do corpo da empresa, sentimento mobilizado a partir da criação de um espírito de comunidade que “perpetua relações desiguais de poder ao mesmo tempo em que mitifica a criação da igualdade” (Schneider, 1998, p. 296).

A forte identificação da empresa com seu fundador está bastante presente no Brasil. A trajetória de Sam Walton é conhecida por todos e vista como um exemplo de história de sucesso. Também são de conhecimento de todos os trabalhadores os princípios formulados por ele: 1) respeito pelo indivíduo; 2) atendimento ao cliente; e 3) a busca pela excelência, evidenciando o tipo de comportamento que é esperado dos seus trabalhadores. Todas as lojas da empresa possuem uma foto de Sam Walton na área interna e quadros com as principais políticas criadas por ele ou inspiradas nos seus ensinamentos: a Regra dos Três Metros, a Regra do Pôr do Sol e a Política de Portas Abertas.

A Regra dos Três Metros consiste em três passos que devem ser seguidos quando se está a uma distância aproximada de três metros de alguém: olhar nos olhos, sorrir e cumprimentar oferecendo ajuda. Já a chamada Regra do Pôr do Sol é a versão de Sam Walton de um ditado bastante popular no Brasil: “por que deixar para amanhã o que você pode fazer hoje”. Com uma foto do pôr do sol ao fundo, os dizeres do quadro são: “É nossa norma fazer tudo hoje... antes do pôr do sol”. O Código de Ética da empresa também destaca como responsabilidade do associado “cumprir a lei em todos os momentos” e diante da ameaça de violação da lei, o trabalhador deve comunicar “imediatamente sua liderança, o Departamento de Ética Local ou o Escritório Global de Ética” (Walmart, [s.d.], p. 05).

O mecanismo de comunicação à liderança se dá pela Política de Portas Abertas, que se propõe a estimular a livre comunicação das equipes com as lideranças e encorajar os empregados a comunicar à gerência ou à área de Capital Humano as violações às políticas internas e ao “Código de Ética”. Intenta-se assim romper com a ideia de uma hierarquia rígida entre os papéis e convergir com o postulado de Sam Walton de que os gerentes e diretores de loja devem ouvir seus trabalhadores. Além disso, busca-se reforçar os mecanismos de identificação destes com a empresa e suprir a necessidade do sindicato enquanto espaço de denúncia de violações de direitos dos trabalhadores (Lichtenstein, 2009).

Além disso, existe o canal de denúncias direto ao Escritório Global, viabilizado por um telefone 0800, em que qualquer empregado do mundo pode ligar e ser atendido na sua própria língua. A empresa ressalta que ninguém pode ser retaliado por comunicar uma preocupação ou violação ética: “O Walmart não desligará, retaliará ou discriminará de qualquer forma os associados por comunicarem suas preocupações éticas.” (Walmart, [s.d.], p. 08).

Disponíveis e conhecidas no Brasil, tais ensinamentos, normas e mecanismos na prática não cumprem o que promete.6 Os relatos de trabalhadores destacam a incoerência da gerência, que não pratica o respeito ao ignorar seus empregados. Além disso, uma trabalhadora explica que esses canais são utilizados, na verdade, para o controle dos trabalhadores:

Então, a política da empresa não é aplicada, [...] você pode entrar, mas geralmente as denúncias, sempre chegam para eles né, aí assim, você que denunciou... Eles sempre procuram abafar [...] (Laura, gerente no setor têxtil, abril de 2016).

Apesar de a empresa alegar que nesses canais de comunicação “todos os contatos realizados são confidenciais e poderiam ser feitos anonimamente”, 7 o relato de um ex-empregado do Walmart confirma o depoimento de Laura. Ele explicou que depois de fazer uma denúncia através do canal da empresa, no dia seguinte houve comentários sobre a sua denúncia e, em seguida, ele foi demitido.

Casos semelhantes também têm sido objeto de conflito na Justiça do Trabalho. Um caso bastante emblemático foi a demissão de dois trabalhadores após reportarem a presença de ratos na padaria da loja. Consta no processo que o trabalhador depoente fez a filmagem em seu próprio celular para o registro do problema a pedido da sanitarista, a quem ele já havia feito a denúncia. Mesmo tendo filmado e entregue apenas à pessoa que solicitou o registro, o funcionário e outro colega que estava presente foram demitidos por justa causa, ação que foi revertida somente após decisão do Tribunal Superior do Trabalho (PROCESSO Nº TST-RR-139-27.2014.5.21.0009, 2014).

Embora a decisão final tenha sido favorável aos trabalhadores, que foram reintegrados à empresa, a situação ilustra a política da companhia de punição àqueles que reportam irregularidades.

POLÍTICA DE ORIENTAÇÃO PARA A MELHORIA (POM) E A DEMISSÃO IMOTIVADA

Outra prática bastante polêmica da “gestão de pessoal” do Walmart no Brasil foi a chamada Política de Orientação para Melhoria (POM). Criada em 2006 no Brasil, essa norma acabou por entrar em conflito com a legislação do país e foi largamente questionada. De acordo com o recurso de revista do processo TST-RR-882-32.2012.5.04.0251, a empresa argumenta que tal política teria se constituído como procedimento prévio à demissão, enquanto etapa de “avaliação da conduta e/ou desempenho do empregado, prévia à decisão pelo afastamento definitivo” (processo TST-RR-882-32.2012.5.04.0251, 2012, fls. 2). Tal programa estabelecia três fases: discussão verbal sobre os problemas de desempenho ou conduta; concessão de uma segunda oportunidade para o associado avaliar seu desempenho; concessão de uma terceira oportunidade ao empregado antes da decisão sobre a dispensa ou sobre a possível aplicação das sanções legais.

Contudo, a partir dos relatos de dirigentes sindicais e trabalhadores/as, cada uma dessas fases já representava um processo punitivo e, no conjunto, acabaram por ser utilizadas arbitrariamente como mecanismos de assédio moral e de discriminação, mesmo quando a aplicação da política não chegava à demissão. Isso porque, desde a primeira aplicação, além da exposição e do constrangimento perante os colegas de trabalho, o programa punia o trabalhador excluindo-o de determinados benefícios, da participação nos processos seletivos internos de promoção e das atividades da empresa, tais como as reuniões anuais. Esse caráter arbitrário e uma certa banalização da punição pela POM acaba se confirmando no testemunho dos trabalhadores entrevistados que já haviam sido notificados nessa política: em três casos a motivação estava relacionada ao registro de ponto ou pequeno atraso.

Na concepção e descrição apresentadas pela empresa, a Política de Orientação para Melhoria buscaria reproduzir no Brasil a linguagem de “orientação” ao invés do “disciplinamento”, a exemplo das práticas adotadas no Walmart nos Estados Unidos (Cf. Lichtenstein, 2009, p. 66). Esse discurso vai ser importante também em outros aspectos como, por exemplo, a respeito do que se espera das chamadas “lideranças” da empresa. Entretanto, a prática do POM no Brasil parece concretizar exatamente o sentimento contrário à orientação que busca melhorias. Perguntado sobre o POM, um ex-empregado do Walmart disse:

Isso aí não é bom eu acho. Eu acho que o verbal é mais legal. [...] Na verdade não é melhoria né, você perde o funcionário, desmotiva completamente o funcionário, porque ele sabe que a partir da segunda fase, se aparecer qualquer promoção, qualquer recrutamento interno, ele não pode participar porque ele tem melhoria. E é a primeira coisa que aparece: “não pode estar em melhoria”, ai depois aparece a descrição da vaga. Aí [a descrição] encaixa no funcionário, mas [ele] tem melhoria, então tá fora. Aí o pessoal já desmotivava. (Francisco, ex supervisor de hortifruti, janeiro de 2018)

Sob o véu de avaliação de desempenho e de aprimoramento do funcionário, a aplicação do POM, além de estratégia para o assédio moral institucionalizado, funcionou também para o Walmart buscar respaldo para a demissão por justa causa, já que esta é menos custosa do que a demissão imotivada no Brasil. Além disso, ao ser considerada facultativa, sua aplicação fere o princípio da isonomia, permitindo que um regulamento de empresa seja aplicado apenas em relação a alguns funcionários. Apesar das contestações e restrições impostas pela Justiça do Trabalho8 não foram encontradas evidências de que a empresa modificou sua conduta.

Vários relatos e processos ilustram a estratégia da empresa de pressionar para que o trabalhador insatisfeito peça demissão e, quando isso não acontece, principalmente quando os trabalhadores adquirem doenças e precisam ficar afastados, os gestores se utilizam de brechas na lei ou provocam situações para a demissão por justa causa: “Ele trabalhava comigo. Perseguiram, perseguiram o rapaz, queriam dar justa causa nele. Fizeram de tudo pra mandar ele embora por justa causa... armaram até uma cilada pra ele também” (Rogério, vendedor do setor de Eletro, SP). Outros dois trabalhadores foram acusados de roubo, sendo que um deles foi demitido por essa razão. Houve também a tentativa por parte do gerente de área de justificar uma demissão por justa causa tentando responsabilizá-lo pela perda de uma quantidade grande de produtos que haviam sido mal armazenados. Como esse trabalhador tinha provas de que seu superior tinha sido avisado do problema, conseguiu, com isso, preservar por mais alguns meses o seu emprego.

Se, por um lado, a ameaça do desemprego pressiona muitas vezes o trabalhador a aceitar quaisquer condições, as humilhações repetidas acabam levando muitos a processos de adoecimento, muitas vezes seguido pelo pedido de desligamento. Quando o trabalhador ou trabalhadora resiste, é recorrente a prática da demissão por justa causa indevida, que demanda recursos e tempo para sua reversão ou indenização na Justiça do Trabalho:

Tem alguns gerentes que eu conheci, eles chamavam funcionário na sala pra conversar e humilhava mesmo... chegava a dar pena... chamava de burro, de incompetente, de... se não quer fazer isso, que peça as contas, que eu não vou mandar você embora, você peça as contas, senão mando você por justa causa pra você receber suas coisas na justiça... eles tinham esse pensamento assim. Tenho vários amigos que saíram de lá, 2 amigos que foram mandados embora até por justa causa também. (Oswaldo, ex-gerente de perecíveis, janeiro de 2017)

Tais relatos ilustram como, apesar da existência de uma legislação que oferece alguns amparos aos trabalhadores, 9 a empresa aos poucos se adapta a esse sistema existente e cria seus próprios mecanismos para se beneficiar dele. Mesmo que posteriormente o Walmart perca a ação na Justiça, por um longo período, a empresa optou por desrespeitar a lei ao invés de pagar os custos de cumpri-la integralmente. Esse comportamento fica ainda mais explícito quando analisamos a jornada de trabalho e a dinâmica das relações de poder na hierarquia interna da gestão da empresa. A situação ainda se torna mais grave quando o acesso à Justiça do Trabalho é dificultado a partir da contrarreforma trabalhista de 2017.

Cabe destacar que, apesar dos limites da pesquisa de campo e o número relativamente pequeno de processos trabalhistas analisados (89), as práticas e políticas relatadas indicam o resultado da política de “gestão de pessoas” da empresa e de sua fidelidade à estratégia de “custo baixo todo dia” que se materializa em mecanismos praticamente idênticos àqueles utilizados nos Estados Unidos (Lichtenstein, 2009, p. 100).

REUNIÕES DIÁRIAS E CHEERS

Outro pilar fundamental da ideologia da empresa consistia nas reuniões motivacionais onde os trabalhadores deveriam, entre outras coisas, entoar o grito de guerra, denominado Cheers. Trata se de uma música que se assemelha aos gritos de torcida norte-americanos e que é uma adaptação da versão criada por Sam Waltom nos Estados Unidos. Segundo a empresa, vários associados se juntam e cantam “a força da empresa, numa só voz, em demonstração a um belo relacionamento interpessoal. Isso é feito para dar mais força aos projetos em processo e para mostrar que todos se divertem ao trabalhar.”10

No caso brasileiro, tanto os trabalhadores entrevistados quanto os processos trabalhistas analisados relatam que tais “cânticos” eram entoados durante as reuniões diárias que aconteciam geralmente duas vezes por dia. Além do relato dos entrevistados, foram encontrados 26 processos do TST, com origem em seis diferentes regionais da Justiça do Trabalho, reclamando indenização aos trabalhadores por essas práticas consideradas constrangedoras.11

No Brasil, esse foi o principal aspecto rejeitado e combatido pelos trabalhadores. A Justiça do Trabalho tem entendido essas práticas como obrigatórias (por serem convocadas e realizadas na frente dos superiores e gerentes), discriminatórias e de exposição do trabalhador a situações vexatórias e de constrangimento, configurando, assim, ofensa à integridade física, intelectual e/ou morais. Observa-se que a própria Justiça destaca a inadequação da transposição desse procedimento à cultura do país:

[...] estes procedimentos utilizados pelo Bompreço, nos Estados Unidos, base do Walmart, proprietário daquele supermercado, pode até ser considerado como normal, sem causar qualquer tipo de constrangimento. Entretanto, há que se considerar que a cultura daquele país é bem diferente da nossa, principalmente daqui da Região Nordeste (Processo TST-RR-1560-98.2012.5.19.0002, Fls. 13).12

Diante desses conflitos, segundo relatos dos trabalhadores, a empresa acabou por abolir o canto nessas reuniões. Contudo, tais encontros continuam sendo importantes na gestão do trabalho como o momento de cobrança diária de metas. Nesse sentido, a pressão pela produtividade e intensificação do trabalho era facilitada não apenas por essas reuniões coletivas, mas pela utilização de inovações tecnológicas que possibilitavam ampliar o controle e a vigilância sobre os trabalhadores.

INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E CONTROLE DO TRABALHO

O crescente poder de grandes varejistas foi possibilitado e tem se sustentado principalmente através das constantes inovações tecnológicas que caracterizam as chamadas revolução varejista e revolução logística, na qual o Walmart foi importante precursor.13 Tais inovações têm sido desenvolvidas como ferramenta para uma determinada organização do trabalho que tem como finalidade aumentar a produtividade e reduzir os custos do trabalho, tanto na cadeia de fornecimento quanto nas operações diretas da empresa em lojas e centros de distribuição. Interessa-nos destacar aqui como esses desenvolvimentos recentes permitiram a redução de custos não apenas na logística e transporte, mas a redução de custos do trabalho – pressionando pela sua intensificação. Nesse sentido, essa articulação entre inovações tecnológicas e determinadas estratégias de organização do trabalho tem impactado diretamente o regime de trabalho que se constitui também nos pontos de venda.

Em comparação com momentos anteriores, como destacado por Simon Head (2014, p. 04-06), as novas tecnologias de informação abrem novas possibilidades em, ao menos, três diferentes aspectos: 1) se expandem para os mais variados tipos de trabalho (não mais centradas no espaço da fábrica); 2) tornam invisíveis os conflitos entre trabalhador e máquina relacionados ao ritmo de trabalho (na medida em que são legitimadas também pelo prestígio da ciência); e 3) com base nas diretrizes da alta administração, tais tecnologias são capazes de determinar como o trabalho deve ser feito, a partir de um poder e velocidade inimagináveis na era pré-digital. Os chamados CBSs (Computer Business Systems) constituem-se, nesse cenário, como “amálgamas de diferentes tecnologias que permitem desempenhar complexas tarefas de controle e monitoramento dos negócios, incluindo empregados”, e permitem conectar estações de trabalho locais com a administração central, esteja ela aonde for (Head, 2014, p. 06).

Como afirmam Carré e Tilly (2017), uma das características do Walmart que não varia ao redor do mundo e ao longo do tempo é o seu sistema logístico altamente automatizado e baseado nas mais avançadas tecnologias de informação e comunicação. Esse sistema possibilita transportar produtos dos fornecedores para as lojas no exato momento em que eles são necessários. O argumento aqui é de que essa mesma tecnologia que foi desenvolvida como um meio de pressionar os fornecedores pelo rebaixamento de custos (a partir do controle das mercadorias desde sua fabricação até a sua venda), também tem sido uma importante ferramenta de controle e pressão para a intensificação do trabalho dos trabalhadores diretamente empregados na empresa.14

As principais evidências de que as tecnologias recentes têm impactado direta e indiretamente o processo de trabalho, servindo de importante ferramenta de controle nas lojas do Walmart encontram-se: 1) na cobrança das metas nas reuniões diárias motivacionais; 2) na Política de Prevenção de Perdas; e 3) nos mecanismos via sistema que permitem a empresa suprimir horas extras ou alterar os valores de comissões.15

Como chama a atenção Lichtenstein (2009, p. 92-93), a propagada lógica do Walmart do beat yesterday (supere o ontem) há algum tempo já se transformou numa mentalidade computadorizada e institucionalizada. As tecnologias de informação desenvolvidas nesse sentido permitem, portanto, o estabelecimento e controle de metas que se articulam com a pressão para atingi-las, e que perpassa todos os níveis hierárquicos da empresa:

Nós tínhamos metas sim, principalmente de venda. Nós tínhamos todo dia uma meta de venda. Eles mandavam todo dia pra gente a meta do ano anterior, quanto vendemos né, e a gente tinha que vender mais do que o ano passado. Eles tinham esse controle. [...]E tinha também a meta de quebra, [...] tinha que ter um limite de quebra por dia, dos produtos que jogavam fora e tinha que ter esse controle (Oswaldo, janeiro 2017).

Já nas atividades das operadoras de caixa, o controle era exercido de outras formas, principalmente na cobrança da agilidade no atendimento além da oferta e venda de produtos e serviços.

Conforme relatado pelos trabalhadores/as entrevistados/as, as metas estabelecidas e o desempenho conseguido eram apresentados nas reuniões diárias de loja. Para os supervisores de setor, essas metas vinham descritas detalhadamente em uma planilha com números que identificavam todos os produtos de seu setor, a quantidade em estoque, a venda do ano anterior e a meta atual. A superação da venda do ano anterior era, portanto, de sua responsabilidade. A mesma lógica se reproduz também nos níveis mais altos da hierarquia, de modo que também foram relatados casos de diretores de loja que haviam sido demitidos devido às dificuldades em atingir balanços positivos.

Essas metas, facilitadas pela tecnologia de controle do estoque, têm sido articuladas com outros diferentes mecanismos de gestão, no intuito de aumentar o controle sobre os trabalhadores e pressioná-los a buscar tais metas a qualquer custo. No caso dos gerentes de mais alta hierarquia, isso tem significado a utilização dos mais autoritários e arbitrários recursos, seja de suspensão, práticas de humilhação ou mesmo de demissão. Conforme testemunho de um empregado do Walmart,

Por exemplo, nessa época [antes de o cheers ser abolido], todo dia quando a gente chegava tinha reunião de piso. No Walmart, reunião de piso é assim: antes de abrir a loja, você faz uma roda com todos os funcionários e se fala de vendas. E naquela época o eletro tava bem, vendia bem, mas se um dia o eletro não atingisse a meta ou ficasse um pouco abaixo, na reunião o diretor olhava pro meu lado e falava: Viu fulano, você tá afundando a loja, você não tá batendo a meta. Assim, ele me esculachava, na frente de todo mundo, entendeu? Aí eu ficava ali, nem respondia né... me sentia constrangido sabe... (Flávio, Gerente do setor de Eletro, janeiro de 2018).

Outra forte evidência da dissociação entre princípios e práticas da empresa se expressa na visão de segurança e sua política de “hospitalidade agressiva”, que de certa maneira contradiz a ideia de familiaridade com os clientes (Dunnett; Arnold, 2006, p. 86–87). O procedimento de checar os clientes, que pode ser entendido como uma acusação de “ladrão em potencial” é uma medida que extrapola a vigilância dos consumidores e se concretiza em uma política sistemática de redução de perdas. A política interna denominada Loss Prevention busca evitar as altas taxas de perdas, focando também ofensivamente nos seus empregados, onde argumentam que está a maior porcentagem de agentes desses roubos. Essa fiscalização tem sido realizada através da revista de pertences, revista em armários etc. e teria como finalidade a prevenção de perdas no faturamento da loja e não a segurança dos clientes e trabalhadores:

Lá eles têm o Loss Prevention. Ou seja, prevenção de perdas, traduzindo. O quê que acontece? É uma perseguição danada aos trabalhadores, no armário, revisa armário de surpresa, olha se a pessoa tá conversando, se atendeu um celular, [...] é justamente pra garantir que a empresa tenha muito lucro e tenha poucas perdas. Se chega lá um bandido, bota lá um revólver na cabeça, no pescoço de um funcionário, como já aconteceu, daí pra eles pouco importa... [...], mas o mais importante é garantir o lucro. Que é pra poder garantir o lucro dos acionistas... não tem dono né, a empresa não tem dono, é acionista. (Marcos, Dirigente sindical, abril de 2016).

A obsessão pela redução de perdas parece ser uma área importante onde a empresa tem investido em tecnologia. Em 2018, o Walmart nos Estados Unidos fez o registro da patente de um sistema de escuta que poderia ser instalado em suas lojas. A companhia alegou que com isso seria possível verificar possíveis diferenças entre o número de itens registrados e a quantidade de produtos efetivamente colocados nas sacolas, mas um segundo objetivo dos sensores era avaliar o desempenho dos empregados.16

O sistema de controle de informações da empresa também permite à administração da loja a manipulação de informações sobre jornada, bem como suprimir horas extras ou alterar os valores de comissões. Essas práticas, já denunciadas nos Estados Unidos, 17 também foram encontradas nas lojas estudadas no Brasil:

Às vezes eu fazia banco de horas e as minhas horas sumiam... manipulação né, no RH. Eles tem uma senha...[...]. Então sumia: tinha quinze horas, aparecia só oito (Rogério, vendedor do setor de Eletro, janeiro de 2018).

E na hora de receber era aquele negócio, as comissões vinham erradas [...]. Eles enrolavam pra pagar e acabava passando né[...]. Aí você não tinha mais controle. [...]. Eles falavam que nossa venda, ela sumiu do sistema (Luis, ex-vendedor do setor de Eletro, agosto de 2018).

A partir desses relatos podemos perceber o papel estratégico dessas ferramentas no controle no local de trabalho. Na medida em que possibilitam a coleta e armazenamento de quantidades gigantescas de informações sobre as transações realizadas diariamente por milhões de empregados, basta a sua articulação via sistema para permitir a avaliação em tempo real das operações em todos os pontos do mundo. Com isso, esses sistemas possibilitam à alta gerência medir, padronizar e aumentar a velocidade das operações. Diferente do fordismo, onde o processo de gestão dependia do fluxo de informações que vinham do chão de fábrica, com os CBSs o conhecimento e a experiência dos empregados são ainda mais marginalizados – de modo que a autonomia dos trabalhadores está ainda mais limitada pelas formas mais rápidas e diretas de controle e monitoramento (Head, 2014, p. 07-10). Esse processo de controle direto e rápido pode ser observado no Walmart, por exemplo, pelo fato de todo o volume de informações que servem de base ao regime de controle dos trabalhadores serem coletados diretamente pelas máquinas, no ponto de venda – no checkout, a partir das compras dos clientes.

Evidente que só a tecnologia não é suficiente, ainda mais quando o processo de trabalho, diferente da linha de produção, depende de certas dimensões humanas, como a iniciativa do trabalhador e sua interação com o cliente. Por isso, no caso do trabalho no varejo, é necessário combinar tal tecnologia com outros mecanismos de controle e patrulhamento. O propósito de vigilância disciplinadora, busca evitar ações disruptivas que vão desde o furto de mercadorias, até a ação coletiva e sindical. Nos limites do que a tecnologia ainda não está sendo mobilizada para intervir está o contato humano na gestão, que teoricamente cumpriria os papéis de explicação, persuasão e justificação e que na prática tem se dado através, por exemplo, das reuniões diárias e das variadas práticas de constrangimento e assédio. Para além das ferramentas tecnológicas, o controle sobre essas dimensões humanas tem se utilizado também dos mais antigos mecanismos. Entre eles, a articulação da ideologia corporativa à extensão da jornada de trabalho e os diferentes meios de roubo do tempo dos trabalhadores.

PRÁTICAS DE ROUBO DO TEMPO DO TRABALHO E A CONCEPÇÃO DE LIDERANÇA SERVIL

O código de ética do Walmart, publicado no Brasil, estabelece explicitamente uma política de respeito à legislação trabalhista e aos limites de jornada e considera violação o trabalho não remunerado (Walmart, [s.d.]). A prática, contudo, tem ido na direção oposta. No Brasil, inúmeras ações trabalhistas reclamam o desrespeito dos direitos através da extensão da jornada de trabalho para além do tempo permitido (horas extras não pagas), do desrespeito aos horários de intervalo, além do roubo do tempo a partir do banco de horas (muitas vezes informal e alterado pelas chefias), do trabalho aos domingos e feriados sem o pagamento devido do valor diferenciado dessas horas ou extrapolando o limite permitido. Esses mecanismos de não pagamento de horas trabalhadas não são exclusividade do Walmart.18 Essas práticas são protagonizadas por grandes corporações como a Amazon que, sob o argumento da competição de mercado, estão na corrida pela crescente difusão, em escala mundial, do impulso para “intensificar, prolongar e tornar flexível o tempo de trabalho” (Basso, 2018, p. 22). Nesse sentido, o autor explica que

[...] junto com a máxima intensificação do tempo de trabalho, prevê a sua máxima flexibilidade, a completa “disponibilidade” do tempo de vida dos assalariados para as empresas, tornando mais incertas as fronteiras entre tempo de trabalho e tempo global de vida. Porque, junto com a redução dos salários, prevê sua crescente subordinação aos montantes de lucros atingidos pela empresa (o que é ainda pior que o salário por peça) e uma parcela de horas extras sistematicamente não remuneradas (Basso, 2018, p. 17).

Esse processo no Brasil tem se propagado de diversas maneiras, impactando principalmente nas relações familiares e na saúde de trabalhadores e trabalhadoras. Tanto os processos trabalhistas quanto o relato dos trabalhadores/as e ex-trabalhadores/as do Walmart corroboram a tese de que parte importante do crescimento do Walmart no país tem sido sustentado pelos gerentes de baixa e média hierarquia. Estes ganham um pouco mais que o/a trabalhador/a comum, possuem pouco ou nenhum poder de decisão e não tem limite de jornada.19 Entre os/as entrevistados/as, todos que passaram por funções de supervisão alegam que depois de assumirem a função, passaram a ter uma rotina completamente dedicada à empresa, sem limite de horas de trabalho e devendo estar à disposição a qualquer momento. Durante o exercício dessa função, era comum trabalharem mais de 12 horas por dia sem registro de ponto, bem como passar a noite na loja em dias de preparação para visitas ou auditorias:

Quando eu virei chefe do perecíveis[...] eu trabalhava mais ainda, passei de 8 horas a fazer 12 horas por dia, às vezes eu virava a noite, entrava às 6 da manhã e saía no outro dia de noite e tinha que limpar a loja porque quando chegava visita [...], a gente tinha que deixar a loja limpa, abastecida[...] (Oswaldo, 2017).

[...]A gente trabalhava 12 horas por dia. Eu entrava 6h30 da manhã e saía 6h30 da tarde. Isso quando saía, porque às vezes eu trabalhava 8, 9, 12 horas dependendo da visita que tinha... [...] Dia de inventário, eu entrava 6 horas da manhã e saia 3 horas da tarde do outro dia. Tudo isso pra quê? Pra poder crescer, porque você quer crescer (Laura, 2016).

No Walmart era no mínimo doze a catorze horas, é complicado. Tinha dia que a gente chegava a dormir no Walmart, pousar, pra fazer balanço (Francisco, 2018). Eu trabalhei um ano e meio como gerente no sistema escravo, né. Eu ficava às vezes doze, treze, até catorze horas, quase não dormia. Nessa época era terrível. Eu tava sempre de mau humor (Flávio, 2018).

A estratégia empreendida pela empresa para burlar o pagamento dessas horas deu-se através da exceção legal contida na CLT para os “cargos de confiança”.20 Perante a Justiça, a empresa argumentava a desobrigação do pagamento de horas extras alegando que eles possuíam autonomia sobre sua jornada e não se submetiam a controle de horário, bem como dispunham de autonomia para advertir ou suspender seus subordinados. Contudo, os processos analisados deram ganho de causa aos trabalhadores/as, sustentado nas evidências de que tais funcionários/as, de modo geral, não possuíam essa autoridade nem recebiam o pagamento da gratificação de função em valor superior a 40% do salário como exigido pela legislação. A concepção de gerência da legislação referia-se a cargo que substitui o empregador, algo completamente distante da realidade desses gerentes de baixa hierarquia do Walmart: “Nunca bati cartão. Eles querem falar que é cargo de confiança, só que você não tem poder nenhum, você não pode mandar embora, você não pode contratar, você não pode fazer nada...” (Francisco, ex-supervisor de hortifruti, 2018). Ao contrário do que alega a empresa, qualquer advertência ou até a validação de atestado médico, necessita da assinatura do diretor da loja ou gerente superior. Após perder várias ações trabalhistas na Justiça, a própria empresa havia anunciado que, a partir de 2016, faria treinamento para que os funcionários registrassem o ponto corretamente a fim de evitar conflitos trabalhistas.21 Contudo, os próprios sindicalistas reconhecem que, apesar da maior pressão sobre a empresa, não existe garantia de que essa prática será abolida, já que ela está fortemente vinculada à concepção de “liderança” da empresa.

A noção de liderança servil como apresentado no livro dos associados criado por Sam Walton em 1991, prega uma visão do líder como alguém que “serve aos membros escutando suas ideias, apoiando seus esforços e encorajando seu progresso” (Dunnett; Arnold, 2006, p. 83). O termo líder servil foi criado na década de 1970 por Robert Greenleaf. Em seu livro sobre o assunto, o autor enfatiza uma abordagem abrangente do trabalho, um senso de comunidade, trabalho em equipe e o compartilhamento do poder na tomada de decisões. Tal conceito acabou posteriormente sendo popularizado por alguns autores de livros sobre negócios, muitos de orientação explicitamente evangélica. Suas premissas têm servido como uma ideologia bastante funcional: “Em uma economia crescentemente devotada às vendas, aos serviços e à comoditização de si mesmo, a ideia de líder servil racionaliza a autoexploração e empresta um ar sacerdotal à hierarquia corporativa” (Lichtenstein, 2009, p. 76, tradução livre).

Esse conceito é particularmente importante para a motivação dos baixos níveis de hierarquia, que operam com um corpo de funcionários muito menor do que o necessário. Essa situação crônica é constituída a partir de um processo contínuo de redução do quadro. Flávio, um gerente do setor de eletro explicou que, na loja em que trabalha, a atividade realizada por 9 estoquistas agora é feita por quatro vendedores, já que todos os estoquistas foram demitidos. Em 8 anos, a loja passou de 380 para 160 funcionários. Neste cenário, reforça-se a cobrança por uma postura ativa e polivalente:

Fiquei como gerente de perecíveis até a minha saída. Só que eu também ficava na operação da loja e mercearia [...] Eu também operava caixa e limpava banheiro. [...] toda hora eles reduziam os funcionários e aí ficamos sempre com várias funções (Oswaldo, 2017).

A ideologia do líder servil parece, portanto, se adequar perfeitamente a essas exigências. Além disso, o Walmart a mobiliza de modo articulado com outros princípios, o que evidencia a plasticidade dessa noção. Ao mesmo tempo em que essa ideologia incentiva a dedicação e entusiasmo de seus gerentes, ela também ajuda a sustentar o princípio do diálogo, da política de portas abertas, a partir do discurso de que seus associados podem falar por si mesmos, em vez de necessitarem de representação, especialmente sindical (Lichtenstein, 2009).

Entretanto, o discurso focado na liderança não significa o seu empoderamento ou maior autonomia e participação real nas decisões da empresa. Ao contrário, nossa pesquisa converge com a realidade já retratada por Grugulis, Bozkurt e Clegg (2011), a respeito do papel das lideranças nos supermercados do Reino Unido: apesar da ideologia corporativa que estimula a imagem dos gerentes enquanto visionários e empreendedores, seu trabalho é geralmente bastante prescrito, já que pedidos, gamas de produtos, níveis de estoque, layout de lojas, preços, ofertas especiais e políticas de pessoal são geralmente definidos pelas respectivas divisões da sede administrativa. Além disso, o trabalho desses gerentes é geralmente monitorado de perto através da inspeção dos resultados de venda, lucros e desempenho do serviço ao cliente. A liderança, portanto, aparece ali como um eufemismo para a demanda de que os gerentes mobilizem seus recursos físicos, emocionais e sociais para compensar as discrepâncias entre metas e recursos e serem, com isso, perseguidores dos objetivos dos empregadores na relação entre “esforço e salário” (Grugulis; Bozkurt; Clegg, 2011, p. 1-2).

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLÍTICA DA PRODUÇÃO NA EXPERIÊNCIA DO WALMART NO BRASIL

Diante desse conjunto de práticas, nosso esforço aqui foi demonstrar de que maneira a articulação entre inovações tecnológicas, ideologia corporativa e aspectos da organização e gestão do trabalho no Walmart Brasil conformou uma determinada “política da produção”22 composta por novos e velhos mecanismos de controle.

Para entender como e porque operam esses mecanismos, é necessário retomar o problema do controle do trabalho como fundamental na reprodução do modo de produção capitalista. Como bem explica Burawoy (1979), na medida em que os capitalistas detêm a força de trabalho, mas não o trabalhador, surge a necessidade do desenvolvimento de práticas que incentivem ou forcem os trabalhadores a ter uma participação ativa no processo de trabalho. O trabalho no capitalismo contém, portanto, essa tensão entre a necessidade de controle do trabalho e a necessidade de participação criativa dos trabalhadores (Storper; Walker, 1989 apud Jonas, 1996, p. 325). É a busca de soluções para esse problema que sustenta as diferentes formas de organizar e gerir a força de trabalho.

No caso do Walmart, essa organização apoia-se, entre outras coisas, na identificação de interesses entre trabalhadores e a empresas. Pela própria característica do trabalho na loja, a função primordial de cada trabalhador é criar as condições para aumentar as vendas e, com isso, os lucros da empresa. A estratégia do beat yesterday e a gestão altamente controlada pelos resultados e metas de vendas e de perdas, guiada pela competição entre os setores, mas principalmente entre lojas, reforça essa identificação e ajuda a naturalizar os seus objetivos. Isso porque os trabalhadores sabem que se não houver resultados positivos não apenas a alta gerência será substituída, como medidas de redução de quadros e de fechamento de lojas serão tomadas rapidamente pela administração central. Além disso, a ideologia da satisfação dos clientes contribui para reforçar e justificar a necessidade da liderança servil. Diante da falta de oportunidades melhores no mercado de trabalho, ajustar-se a um emprego formal também se torna imperativo.

Essas características do trabalho no Walmart parecem reforçar a tendência de estímulo a uma “mentalidade flexível” (Rajan; Van Eupen, 1998 apud Huws, 2017, p. 227) que tende a “racionalizar a autoexploração” (Lichtenstein, 2009, p. 76). Esse processo de internalização do poder coercitivo do gerente, para Huws (2017), resulta dessa combinação entre práticas vinculadas aos resultados e à performance, a intensificação das pressões no trabalho e o medo da demissão. Nessa configuração, o ritmo de trabalho é “ditado por uma compulsão gerada pelo próprio empregado” [...] e que ganha força quando a relação ente trabalhador e empregador se confunde, especialmente nos casos em que há também uma separação física entre eles (Huws, 2017, p. 227).

Ao mesmo tempo, a empresa se utiliza dos mais variados mecanismos despóticos de coerção e disciplinamento da sua força de trabalho: pressiona pela intensificação do trabalho explicitamente como, por exemplo, na regra do pôr do sol e implicitamente, com o enxugamento sistemático do quadro de empregados; promove a extensão ilimitada da jornada e legitima práticas de assédio moral, reforço da hierarquia e burla à legislação trabalhista a fim de garantir o controle de custos e atingir o crescimento esperado das vendas.

Essa política na produção, contudo, não foi instaurada sem conflito. No processo de internacionalização da empresa, seus valores e práticas, forjados no contexto estadunidense, foram difundidos para outros países. No caso brasileiro, como tentamos mostrar, algumas práticas foram recusadas, como o Cheers. Outras foram adaptadas e têm sido objeto de resistência, como no caso da Política de Orientação para Melhoria. Se, por um lado, essas práticas incorporam em tese a noção do coach, que deve guiar, dar suporte e encorajar os seus associados para que eles sejam bem-sucedidos, por outro, adapta tal discurso a práticas que desrespeitam a lei e facilitam a demissão com mais baixo custo. Já a lógica de trabalho das lideranças de baixa hierarquia tem difundido a mesma estrutura baseada na liderança servil, ainda que em conflito com a legislação trabalhista nacional. Além disso, no Brasil, a própria existência dos sindicatos, apesar de sua baixa tradição de mobilização no setor, e da Justiça do Trabalho possibilita aos trabalhadores buscar o acesso a seus direitos (Lemos, 2019).

O discurso e as práticas do Walmart, apesar de suas adaptações ao ambiente nacional, evidenciam a reprodução de uma ideologia corporativa que possui muitos aspectos em comum com as novas formas de gestão e seus mecanismos e fazem com que os trabalhadores e trabalhadoras se sintam individualmente responsáveis pelo sucesso da empresa. Tal individualização, “desenvolvida e mantida pelos múltiplos discursos, procedimentos e dispositivos” gera sofrimento, na medida em que potencializa a “contradição fundamental entre mais responsabilidades aceitas, ou sobretudo impostas, e uma falta de autonomia real quanto à definição da tarefa a ser cumprida, assim como aos meios de fazê-lo” (Linhart, 2007, p. 114).

Além de gerar sofrimento, tal modelo baseado nas metas (em uma forte pressão por resultados, utilizando diversas formas de intimidação, bem como as ameaças de demissão) demonstra uma contradição entre o discurso do respeito às pessoas, aos clientes e ao trabalhador como associado, e uma prática agressiva que caminha no sentido oposto a aqueles princípios. Tal estrutura organizacional impessoal, que não assume compromissos, mas cria a ilusão de abertura para o diálogo, é apenas uma das expressões da combinação entre o estímulo ao poder gerencialista, que busca uma submissão consentida pelos trabalhadores (Gaulejac, 2007), e um tipo de gestão por “intimidação” (Adam, 2006).

O caráter pioneiro do Walmart parece, portanto, ter se construído principalmente a partir de uma ideologia corporativa que “combinou harmonicamente a celebração de uma ideologia da família, da fé e do sentimentalismo das pequenas cidades com o mundo do comércio transnacional, de insegurança no emprego e de baixos níveis salariais” (Lichtenstein, 2009, p. 53). Sua particularidade reside nessa articulação entre o novo e o velho, na combinação das mais sofisticadas tecnologias com o reforço dos antigos valores de “trabalho árduo e de lealdade inabalável” (Lichtenstein, 2009, p. 64). Seu modelo inovador de organização tem como pilar a obsessão pelo “desperdício zero” do trabalho, herança do chamado modelo toyotista, somada à uma gestão do trabalho fundada em “práticas precisas de ‘empresariamento’ dos trabalhadores, [...], o cultivo do espírito de grupo, os cantos e rituais walmartianos e, obviamente, a hora extra obrigatória não paga como expressão de fidelidade à empresa (Basso, 2014, p. 78).

Importante perceber a articulação de diferentes elementos que situam os modelos produtivos não como sistemas contraditórios ou excludentes. Nesse sentido, é fundamental não apenas situar os movimentos mais globais da empresa, mas entender as dinâmicas que se combinam em cada localidade. Se a ideologia corporativa da empresa, por um lado, busca mecanismos de assegurar um regime hegemônico consentido, a estratégia global do baixo custo todo dia não permite deixar espaço aberto para tanta indeterminação, o que no cotidiano do trabalho se reflete nas práticas despóticas relatadas e resistidas pelos trabalhadores.

Com foco na análise do trabalho no ponto de venda, percebemos que as tecnologias desenvolvidas a fim de servir a estratégia da empresa têm sido articuladas com as chamadas políticas de “gestão de pessoas” para a constituição de um regime de controle em que o Walmart tem conseguido beneficiar-se fortemente da redução de custos de trabalho e de sua intensificação. Se por um lado, o discurso dos princípios e valores da empresa buscam mobilizar elementos de consenso, por outro lado, práticas motivacionais, de punição e de flexibilização e intensificação da jornada de trabalho tem se destacado como elementos de coerção e intimidação que trazem novos desafios à organização coletiva desses trabalhadores.

Nesse quadro de tensões, a pesquisa realizada nas lojas do Walmart no Brasil evidencia que parte importante das mudanças na organização e gestão do trabalho estão relacionadas ao desenvolvimento de políticas e práticas que a empresa tem conseguido generalizar ao redor do globo. Estas políticas e práticas, articuladas especialmente com a implementação de novas tecnologias de controle, têm apontado para novos elementos de coerção e consenso nos locais de trabalho (Newsome, 2010; Newsome; Thompson; Commander, 2013) e para além dele. Forjadas dentro da lógica e da estratégia definida na alta administração da empresa e expressas no lema “preço baixo e custo baixo todo dia”, tais práticas não são facilmente replicadas a qualquer localidade. Contudo, ainda que com resistências e adaptações, a articulação de novos e velhos mecanismos de organização e controle da força de trabalho tem contribuído fortemente para reforçar os processos de flexibilização e precarização do trabalho já em curso no Brasil.

No entanto, para compreender a constituição dessas relações e por que motivos o Walmart foi capaz de reproduzir o núcleo fundamental de sua estratégia e de sua ideologia corporativa na organização de trabalho, é preciso considerar um conjunto complexo de relações. Destacamos aqui a organização do trabalho interna à empresa, mas é necessário olhar também para as instituições nacionais, o mercado de trabalho e as características do setor. Além disso, o regime de controle no local de trabalho só pode ser compreendido à luz das ações levadas a cabos pelos sindicatos; da própria visão dos trabalhadores sobre seu emprego, de suas condições de trabalho e sobre as possibilidades de transformá-las.

Ao mesmo tempo, compreender os impactos e os limites da walmartização no Brasil pode trazer contribuições para a investigação das linhas de continuidade nas transformações no mundo do trabalho. Isso porque, estratégias como a do Walmart, prenunciam no interior de relações assalariadas formais aspectos centrais de tendências recentes voltadas à construção de um modelo de trabalhador por demanda e de formas de autogerenciamento que ganham novos patamares nos processos de uberização do trabalho (Abílio, 2020; 2021).

  • 1
    A rede não opera mais no Brasil sob controle da companhia americana desde junho de 2018 quando o fundo norte-americano de investimentos Advent International adquiriu 80% do Walmart Brasil. A pesquisa de campo foi realizada no período de 2014 a 2018 como parte da investigação de doutorado que resultou na tese defendida no Programa em Ciências Sociais da Unicamp, em maio de 2019 (Lemos, 2019) . A pesquisa de campo abarcou três diferentes cidades (duas em São Paulo e uma na Paraíba) cuja trajetória vinha de diferentes redes compradas pelo Walmart. Os processos trabalhistas analisados que chegaram ao Tribunal Superior do Trabalho também tiveram origem nas mais diversas regionais. Também foram ouvidos sindicalistas de todo o Brasil que representavam trabalhadores do Walmart a partir da rede organizada pela Uni Global, 15 empregados/as e 5 ex-empregados/as do Walmart. Com isso, buscamos identificar se haviam práticas herdadas localmente e quais eram replicadas nacionalmente. Maiores informações sobre as escolhas e limitações metodológicas, podem ser consultadas no anexo metodológico da tese original. Os nomes nos depoimentos aqui citados são fictícios.
  • 2
    Dados divulgados pela revista Forbes para o ano de 2015. Ver: https://forbes.com.br/listas/2015/06/10-empresas-que-mais-empregam-no-mundo/#foto3. Último acesso em 30/08/2022.
  • 3
    Anita Chan (2011) explica que o termo Walmartização tem sido utilizado em sentido pejorativo para se referir a pelo menos três processos diferentes, mas inter-relacionados: 1) ao impacto econômico dos grandes varejistas sobre os pequenos comércios locais; 2) às mudanças na organização da produção para um regime de cadeias dirigidas pelos grandes compradores e 3) ao movimento de rebaixamento de salários, benefícios e à política antissindical como diretrizes fundamentais da estratégia de gestão do trabalho.
  • 4
    Uma versão preliminar e resumida desta análise foi publicada em italiano pela revista Sociologia del Lavoro, n. 151, em outubro de 2018. Disponível em: https://www.francoangeli.it/riviste/Scheda_Rivista.aspx?IDArticolo=62342&Tipo=Articolo%20PDF&lingua=it&idRivista=83.
  • 5
    Ao utilizar o termo ideologia buscamos recusar o “uso abusivo e trivial” da noção de cultura da empresa enquanto “cimento social” já que, na verdade, a cultura implica interdependência entre história, estrutura social, condições de vida e experiências subjetivas das pessoas (Aktouf, 1996 apud Bridi, 2008, p. 22-23).
  • 6
    Destaca-se que as contradições entre o discurso e a prática da gestão da empresa já havia sido percebida por SILVA (2012, p. 123) em estudo realizado na cidade de João Pessoa.
  • 7
  • 8
    A implementação dessa política foi tão polêmica e problemática que, em 08 de setembro de 2015 entrou em vigor a Súmula 72 do TRT-RS, que estabelece a observância obrigatória da POM como condição mais benéfica para o trabalhador. No mesmo ano, tal norma interna do Walmart foi objeto também da ação civil pública n° 0000238-75.2015.5.12.0035, na qual a empresa foi obrigada a suspender a aplicação dessa política (Fonte: Ofício MPT-SC/PRT12ª/R N° 44347/2017).
  • 9
    Importante ressaltar aqui que a maior parte da pesquisa de campo foi realizada antes da entrada em vigor da recente contrarreforma trabalhista.
  • 10
  • 11
    A partir da consulta realizada na página do TST em abril de 2016, foram analisadas as decisões dessa instância relativas a 89 processos trabalhistas do Tribunal Superior do rabalho envolvendo diretamente o Walmart. Mais informações podem ser consultadas em Lemos (2019).
  • 12
    Ao apresentarmos esse argumento não estamos referendando a tese de que se trata de um problema de natureza “cultural”. Ao contrário, na nossa concepção, esse tipo de prática tem se disseminado como parte de um modelo mais amplo de gestão que é nocivo ao trabalhador e que tem como premissa o estímulo a essas atividades em equipe, muitas vezes em analogia com práticas esportivas e que favorecem a flexibilidade sem eliminar os elementos autoritários do modelo de gestão (Mulholland, 2011).
  • 13
    O Walmart decidiu comprar e controlar seus próprios caminhões e sistemas de computadores. Nos anos 80 compraram um sistema de comunicação por satélite e se tornaram proprietários da maior rede privada de comunicação do país (Rosen, 2005).
  • 14
    Esse argumento não é novo. Apenas estamos explorando como se desenvolveu no Brasil esse processo já observado por Lichtenstein nos EUA (Lichtenstein, 2009, p. 91-92).
  • 15
    Essa discussão foi apresentada em formato resumido e menos formal em Lemos (2020).
  • 16
    “‘This patent is a concept that would help us gather metrics and improve the checkout process by listening to sounds produced by the bags, carts and cash registers and not intended for any other use, ’ the company said in a statement.” Walmart gains patent to eavesdrop on shoppers and employees in Stores. 13 de julho de 2018. Disponível em: https://www.cnet.com/news/walmart-gains-patent-to-eavesdrop-on-shoppers-and-employees-in-stores/. Última consulta:15/10/2018.
  • 17
    No documentário “O custo alto do preço baixo” há diversos depoimentos relatando essas práticas naquele país. Ver: The High Cost of Low Price, 2005, dirigido por Robert Greenwald.
  • 18
  • 19
    Convém destacar que essa é uma prática também comum no país de origem, como atestado por Lichtenstein (2009, p. 93, 106).
  • 20
    De acordo com o artigo 62, inciso II, da CLT, o regime que estabelece as regras relativas à jornada de não se aplica para: “ II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.”(BRASIL, 1943)
  • 21
    Fonte: exame.abril.com.br/negócios/noticias/walmart-enfrenta-tropecos-no-mercado-brasileiro, consultado pela última vez em 17/04/2016; ver também: http://www.contracs.org.br/noticias/15240/walmart-pagara-r-350-mil-por-violar-intervalos-dos-empregados, consultado em 17/04/2016.
  • 22
    Como já mencionado, o conceito de “política de produção” é entendido aqui de forma ampliada para compreender o momento da distribuição e troca, a exemplo do trabalho de Newsome, Thompson e Commander (2013).

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  • Editor Chefe:
    Renato Francisquini Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Aceito
    18 Mar 2025
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