Resumos
Este artigo analisa as representações sociais partilhadas por trabalhadores precários acerca do sistema de segurança social em Portugal. Explora-se a hipótese de que a precarização do mundo do trabalho, acentuada no decurso da crise financeira de 2008 e da pandemia de Covid-19, afetou os significados da proteção social no emprego, sobretudo para os trabalhadores vulneráveis. Com base na análise de conteúdo de 53 entrevistas em profundidade conduzidas entre setembro de 2019 e dezembro de 2020 com trabalhadores de diferentes setores de atividade, identificam-se perfis distintos de desproteção social em contextos de precariedade laboral. Associadas a esses perfis, as representações denotam ambiguidades e contradições, traduzindo-se em dissemelhantes avaliações sobre os apoios públicos e projeções sobre o futuro da proteção social. Conclui-se que os trabalhadores precários em Portugal estão a revalorizar a função social do sistema de segurança social, exigindo maior cobertura desse sistema para reduzir a insegurança e a instabilidade provocadas pela precariedade laboral.
Trabalhadores; Portugal; Precariedade; Proteção Social; Vulnerabilidades
This article examines the social representations shared by precarious workers regarding the social security system in Portugal. It explores the hypothesis that the precaritization of work, exacerbated during the 2008 financial crisis and the Covid-19 pandemic, has reshaped the meanings attributed to social protection in employment, especially for vulnerable workers. Drawing on content analysis of 53 in-depth interviews conducted between September 2019 and December 2020 with workers from various sectors, the study identifies distinct profiles of social unprotection in contexts of labor precarity. These profiles reveal representations marked by ambiguities and contradictions, resulting in divergent evaluations of public support and differing projections about the future of social protection. The findings suggest that precarious workers in Portugal are revaluing the social function of the social security system and advocating for broader coverage to mitigate the insecurity and instability caused by labor precarity.
Workers; Portugal; Precarity; Social Protection; Vulnerabilities
INTRODUÇÃO
Os efeitos das políticas de austeridade implementadas em Portugal,1 sob o pretexto de enfrentamento à crise financeira de 2008, contribuíram para o alastramento da precariedade no mercado de trabalho, tornando os trabalhadores mais suscetíveis a formas atípicas de emprego e a situações de desproteção social (Sá, 2010; Abreu et. al., 2013; Carmo; Cantante, 2015). Mais de uma década depois, os efeitos daquela crise ainda se fazem sentir em um quadro socioeconómico problemático, complexificado pela recente pandemia de Covid-19 (Carmo; Caleiras, Roque; Assis, 2021, 2023). Agora, no mundo do trabalho, o emprego é cada vez mais vivido como algo fragmentado, instável e inseguro, com espaço reduzido para vínculos duradouros para conferir estabilidade profissional ao longo da vida (Barbier, 2005; Auer; Gazier, 2006; Oliveira; Carvalho, 2008; Sá, 2010; Carmo; Matias, 2019; Carmo; d’Avelar, 2020).
A incerteza perante o presente e o futuro, seja próximo ou distante, reforça a importância da existência de mecanismos e sistemas públicos capazes de proteger os trabalhadores perante as contingências da vida, nas quais eles podem atravessar eventualidades, como a redução de meios de subsistência, incapacidade para o trabalho ou desemprego. Nesse sentido, a expetativa de haver um Estado Social continua a ser relevante, capaz de se traduzir em um instrumento político eficaz para a promoção da proteção social e de serviços públicos capazes de responder às necessidades coletivas e individuais face às múltiplas vulnerabilidades existentes (Silva, 2017).
Contudo, o que dirão exatamente os trabalhadores precários, quando instados a refletir sobre o sistema de segurança social português? Com base nos resultados de uma investigação intensiva realizada com trabalhadores vulneráveis e vinculados a diferentes setores de atividade, este artigo analisa um conjunto de representações sociais partilhadas por esses indivíduos acerca do atual estado da proteção social em Portugal.
A hipótese de partida é a de que a precarização do emprego, acentuada no decurso da crise financeira de 2008 e que apresentou contornos problemáticos durante a pandemia de Covid-19, condicionou os significados que os trabalhadores atribuem à proteção social no emprego e ao sistema de segurança social. Argumenta-se que, longe de aderirem a uma narrativa que legitima a redução do Estado Social, os trabalhadores precários tendem a valorizar a existência de um sistema público de segurança social, mesmo quando a sua própria integração no sistema ocorre de modo deficiente.
Para desenvolver esta análise, adota-se uma perspetiva teórico-metodológica de cariz sociológico-pragmático. A sociologia pragmática prioriza as críticas e as justificações elaboradas pelos atores, oferecendo uma oportunidade para tratar, ao mesmo tempo, o modo como são geradas estas justificações e críticas a partir das experiências sociais, e identifica a sua eficácia perante a realidade social (Boltanski; Thévenot, 1991; Lemieux, 2007; Barthe et. al., 2016). Nesse sentido, a análise que se segue trata as perceções e representações sociais da proteção social dos trabalhadores precários enquanto formas de crítica, cujo fundamento prático ocorre na experiência prática destes indivíduos, vivida em contextos de precariedade laboral e de desproteção social.
O artigo está organizado em seis seções, além da introdução e da conclusão. Na próxima seção apresenta-se o enquadramento teórico e uma breve contextualização das crises recentes, do mercado de trabalho e da proteção social na sociedade portuguesa; em seguida, a metodologia da investigação aplicada neste estudo é delineada, colocando em evidência as principais questões e dimensões analíticas consideradas, bem como a explicitação dos procedimentos realizados; na quarta seção, uma primeira parte dos resultados é discutida, centrando-se na análise dos diferentes quadros de desproteção social identificados nos contextos de precariedade laboral em Portugal; na quinta seção são discutidas as perceção e representações sociais que os trabalhadores vulneráveis partilham acerca da proteção social, cuja análise se desdobra em subseções temáticas dedicadas aos aspetos mais significativos para a compreensão destas representações; e, por fim, conclui-se que, paralelamente, às críticas tecidas ao funcionamento do sistema de segurança social, os trabalhadores vulneráveis revelam expetativas, que reforçam e legitimam o caráter solidário da dinâmica que sustenta o sistema de proteção social, especialmente para a garantia de respostas sociais em momentos disruptivos como aqueles vividos durante as duas últimas crises.
CRISES, TRABALHO E (DES)PROTEÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL
Estado, capitalismo e proteção social
A combinação de diferentes tendências históricas e processos sociais, como o crescimento demográfico, a industrialização e a urbanização, bem como o avanço do capitalismo, implicou uma grande transformação do Estado (Polanyi, [1944] 2012). Antes centrado, sobretudo, na garantia da ordem social, a alteração paulatina das funções do Estado no decurso da modernidade implicou o reordenamento da utilização das suas forças institucionais e dos seus recursos, tendo em vista equilibrar e tornar compatível o desenvolvimento económico e a oferta de proteção social (Piketty, 2022). Seja a partir da promoção de serviços públicos de proteção social, saúde e de educação, seja por meio da transferência de rendimentos, através de uma rede de mínimos sociais, para proteger os cidadãos em situações de risco e vulnerabilidade social, o Estado Social se fundamentou sob o princípio de prover o bem-estar coletivo e individual através de iniciativas de inclusão social (Esping-Andersen, 1990; Briggs, [1969] 2000; Polanyi, [1944] 2012).
No período pós-Segunda Guerra Mundial, o Estado Social atingiu o seu auge, procurando garantir uma situação social de pleno emprego, inclusive, em sociedades historicamente desiguais como a portuguesa, a partir de uma maior participação na regulamentação da economia de mercado (Pierson, 2006; Piketty, 2022). A partir da década de 1970, porém, o Estado Social entrou em crise, em grande medida em função da atuação do avanço da ideologia do neoliberalismo, que procurou legitimar a redução gradativa do Estado em favor do mercado, apresentado como um sistema socialmente responsável e autorregulado (Antunes, 2002).
Por um lado, a “política social assegurou a reprodução da força de trabalho industrial ao assumir parte dos custos e [...] comprou a paz social considerada essencial para o sucesso do projeto de desenvolvimento em bases capitalistas” (Kerstenetzky, 2011, p. 134). Por outro, como refere Antunes (2002, p. 23):
A crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, que aflorou em fins dos anos 60 e início dos 70 [...], fez com que [...] o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando a recuperação do ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, a reposição do projeto de dominação societal, abalados pela confrontação e conflitualidade do trabalho que questionaram alguns dos pilares da sociabilidade do capital e de seus mecanismos de controle social.
As tentativas de desenvolvimento económico em equilíbrio com a oferta universal de proteção social colocaram em evidência, portanto, o conflito entre o capitalismo e a democracia (Esping-Andersen, 1990; Kerstenetzky, 2011), traduzido em novas formas de conflito entre o capital e o trabalho. Por isso, os sistemas de segurança social têm uma função fundamental para a manutenção da vida social nas sociedades capitalistas, na medida em que se trata de uma forma institucional que, além de proteção social, (re)produz no tempo diferentes “roupagens” da solidariedade social.
A proteção social em Portugal
Não por acaso, as políticas de proteção social não foram desenvolvidas de maneira linear, tampouco da mesma forma, nos países europeus. Inclusivamente, o surgimento e a composição do sistema de segurança social entre determinados países da Europa do Sul, como Portugal, Espanha, Grécia e Itália, que partilham algumas características geográficas, históricas e sociais que os demarcam de outros países é diferenciado. Portugal assume especificidades inerentes às dimensões sociais, económicas, ideológicas e conceituais, que têm vindo a sofrer diversas alterações ao longo do tempo e que se refletem nas políticas de proteção social.
Em comparação com outros países europeus, a proteção social em Portugal foi concebida e incorporada no sistema legal tardiamente. Após a revolução de 25 de Abril de 1974, a Constituição da República Portuguesa ([1976] 2005) consagrou que todos os cidadãos têm direito à segurança social, sendo esta uma tarefa fundamental do Estado. Após várias revisões, a Constituição estipula no nº 2 do artigo 63º que:
incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.2
A Segurança Social3 é o principal mecanismo ou sistema de proteção social em Portugal, abrangendo trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores independentes e os funcionários públicos admitidos desde 2006. O sistema protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de inexistência ou escassez de meios de subsistência, ou incapacidade laboral (por razões física ou psíquica). O sistema de segurança social abrange os sistemas de proteção social de cidadania, previdencial e complementar.
O sistema de proteção social de cidadania pretende garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e coesão sociais. Para a concretização destes objetivos compete a este sistema efetivar o direito a mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência económica, prevenir e erradicar situações de pobreza e de exclusão, compensar por encargos familiares ou por encargos nos domínios da deficiência e dependência. O sistema previdencial, por sua vez, tem por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir4 e o direito às prestações. Visa garantir, assente no princípio de solidariedade de base profissional, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas. A proteção social enquadrada integra situações como de doença, maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice e morte (Cf. Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro). Por fim, está ainda previsto um sistema complementar que compreende um regime público de capitalização e regimes complementares de iniciativa coletiva e de iniciativa individual (este último não concretizado até esta data).
Apesar da abrangência do sistema de proteção social português, a forma através da qual se tornou objeto do debate público nacional tende a ocorrer sob uma perspectiva economicista que simplifica a sua complexidade. Em geral, a discussão se baseia em projeções de cenários definidos por cálculos dos riscos associados à dinâmica provocada pela baixa taxa de natalidade, o envelhecimento populacional e a diminuição do rácio entre ativos e inativos no país (Tavares, 2014; Lagoa, Barradas, 2019; Caldas, 2020).
Este enquadramento, embora importante do ponto de vista económico, muitas vezes, não leva em consideração os efeitos concretos e subjetivos da precarização do mercado de trabalho e das dificuldades que os trabalhadores enfrentam para usufruir do direito, em tese universal, à segurança social (Cabral, Caldas, 2020).
Este debate deixa escapar, portanto, um dos principais sintomas do estado generalizado de mal-estar social atualmente vigente (Carmo; Matias, 2019): o emprego instável, mal remunerado e desprotegido, produto da precariedade, não é refletido em termos dos seus efeitos sobre as perceção e representações sociais que os trabalhadores elaboram e partilham sobre a proteção social, cuja análise pode revelar alguns sentidos subjacentes à compreensão de que estes indivíduos hoje têm do Estado social (Carmo; Caleiras; Roque; Assis, 2021).
(Des)proteção social e emprego em contextos de crises
Em março de 2020, quando eclodiu a pandemia de Covid-19 em Portugal, a economia se encontrava ainda em uma fase de recuperação da crise económico-financeira global de 2008, crise da zona do euro de 2010-2012 e a implementação do “programa de ajustamento” imposto pela troika,5 entre 2011 e 2014. Em 2013, o volume de emprego tinha caído para cerca de 4,4 milhões de postos de trabalho e 16,2% da população ativa estava desempregada (INE, 2013). Desde 2013, e até ao início de 2020, alguns indicadores mostravam sinais animadores de recuperação. Por exemplo, a taxa de desemprego, em 2019, tinha descido para o valor de 6,5%, e o volume de emprego tinha aumentado para níveis próximos dos registados no início deste século (cerca de 4,9 milhões)6.
Além da pesada herança deixada pela crise de 2008, a economia e a sociedade portuguesas continuavam (e continuam) a se caracterizar por vários problemas estruturais: salários baixos, elevada desigualdade na distribuição de rendimentos e segmentação do mercado de trabalho (quase 1/5 dos trabalhadores tinham contratos temporários em 2019)7, entre outros. A percentagem de trabalhadores com contratos permanentes em 2019 era de 79,2%, um valor apenas ligeiramente superior ao registado em 2013 (78,6%). Dessa forma, à entrada da pandemia, 20,8% dos trabalhadores tinham contratos temporários, evidenciando que a retoma do emprego, verificada desde 2013, não se traduziu em uma maior estabilidade no emprego para parte da população empregada (Caleiras; Carmo, 2020; Mamede et. al., 2020; Marques; Guimarães, 2021)8.
O problema da precariedade laboral e da desproteção social a essa associada, nas suas múltiplas variações e intensidades, já se verificava antes da pandemia, e veio expor e reforçar não apenas a sua permanência, mas uma forte relação com situações de desemprego, particularmente, com formas de desemprego desprotegido.9 O choque inicial da Covid-19 provocou uma primeira vaga de desempregados, composta pelos trabalhadores mais precários, desprotegidos e informais,10 nomeadamente trabalhadores imigrantes. Completamente expostos às quebras na procura (interna e externa), em função das medidas de confinamento, constituíram os designados “desempregados imediatos” (Caleiras; Carmo, 2020), ou seja, aqueles que foram quase instantaneamente “varridos” do mercado de trabalho. Parte destes nem sequer teve a possibilidade de se beneficiar das prestações de desemprego, na medida em que não tinham cumprido carreiras contributivas para usufruir do acesso a benefícios sociais.
Desse modo, a crise pandémica evidenciou um conjunto de problemas sociais e existenciais decorrentes da precariedade e da ausência de medidas mais abrangentes de proteção no emprego e no desemprego (Caleiras; Carmo; Roque; Assis, 2022a). Importa referir que foi apenas em 2020, já no quadro da pandemia e das medidas emergenciais para mitigar os seus efeitos, que a taxa de cobertura das prestações de desemprego atingiu o valor de 60%, o mais elevado da segunda metade do século XXI (Cantante, 2021). Ainda assim, 40% dos desempregados continuavam desprotegidos, pelo que foi necessário avançar com outras medidas em 2021, nomeadamente através de um novo instrumento, o Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (AERT).11 Este agregou um conjunto de respostas dispersas, visando assegurar a continuidade de rendimento aos trabalhadores em situação de desproteção que não reunissem condições de acesso às prestações de desemprego, ou que, entretanto, essas tivessem cessado. No entanto, este apoio se revelou complexo, quer em sua arquitetura, quer em sua aplicabilidade, o que de certa maneira reduziu a sua eficácia.
Nesse sentido, essa situação conduziu a várias alterações no sentido de corrigir incongruências e facilitar o seu acesso, por forma a aumentar a sua cobertura de proteção. Além disso, este apoio não combate verdadeiramente o problema na sua raiz, ou seja, as condições e normas laborais que favorecem e potenciam a precariedade laboral, a montante e a jusante, e que impactam, direta e inevitavelmente, os níveis de desproteção social.
METODOLOGIA
No contexto acima referido, a partir de uma amostragem de bola de neve, foram realizadas 53 entrevistas em profundidade com trabalhadores precários em Portugal. Estes se encontravam vinculados a diferentes setores de atividade, como a construção civil, a agricultura, o alojamento local, o turismo, a cultura, os serviços de limpeza, a hotelaria, os call centers e as plataformas de trabalho digital.12 Os trabalhadores foram considerados como precários em função da fragilidade dos seus contratos, das baixas remunerações auferidas e dos fracos (ou mesmo nulos) níveis de proteção social associados ao seu vínculo laboral (Sá, 2010; Standing, 2011; Carmo; Matias, 2019).
Embora esta não seja uma amostra estatisticamente representativa da população de trabalhadores no país, a seleção dos entrevistados procurou assegurar a diversidade de casos, tendo em conta aspetos como género, idade, grau de escolaridade, nacionalidade e profissão.
As entrevistas foram conduzidas de forma presencial, telefónica e on-line (via Zoom, WhatsApp e Skype) entre setembro de 2019 e dezembro de 2020, período este que abrangeu o início da crise decorrente da pandemia de Covid-19, o que permitiu acompanhar alguns impactos da crise pandémica na vida dos trabalhadores precários, pertinentes para uma melhor compreensão das representações que têm da proteção social. As entrevistas procuraram apreender as narrativas dos trabalhadores sobre a sua condição de precariedade, com foco em suas experiências laborais e nas fragilidades de cobertura dos mecanismos de proteção social. Primeiramente, as questões do guião averiguaram os efeitos duradouros da Grande Recessão e, em um segundo momento, durante o contexto pandémico, procuraram identificar os impactos mais imediatos resultantes desta nova conjuntura.
As entrevistas foram organizadas em torno de oito eixos temáticos: i) trajetória laboral; ii) proteção social; iii) enfrentamentos, alternativas e respostas políticas à condição de precariedade e de vulnerabilidade; iv) rendimentos e recursos; v) vida quotidiana e relacional; vi) representação das instituições; vii) perceção do passado, do presente e do futuro; viii) pandemia de Covid-19 e os seus impactos na realidade dos trabalhadores vulneráveis.
Dessa forma, por meio deste leque temático foi possível examinar os sentidos das narrativas dos trabalhadores acerca das formas de (des)proteção social experienciadas no emprego, os modos de acesso e de relação com o sistema de segurança social e os conteúdos das representações que constituem e que partilham acerca desse sistema.
Adotando uma metodologia fundamentada na sociologia pragmática (Barthe, 2016), foi realizada uma análise de conteúdo (Bardin, 2011) com recurso ao software MAXQDA. A partir da sistematização das perceção e das narrativas dos trabalhadores, foi possível identificar o tipo de relação destes com o sistema de segurança social português e analisar as representações que partilham desse sistema. Para tal, a análise se orientou para os sentidos subjacentes aos relatos dos indivíduos sobre os períodos nos quais se encontravam desprotegidos, quer no emprego (sem vínculo contratual, sem enquadramento no regime da Segurança Social ou com salários de tal modo baixos que, muitas vezes, não permitem sair da condição de pobreza relativa), quer no desemprego (isentos de apoio institucional ou, quando abrangidos, com valores de subsídio manifestamente insuficientes e de reduzida duração no tempo).
Foram examinadas, sobretudo, as respostas dadas às seguintes questões: a) considera relevantes as contribuições para a Segurança Social, quer para si, quer para os demais trabalhadores? Qual o motivo? b) Foi beneficiário de algum tipo de prestação social? Como avalia o(s) apoio(s) recebido(s)? e c) O que pensa sobre a reforma?13 Quais são as suas expetativas de vir a usufruir da mesma no futuro? Qual o montante que pensa vir a receber?
PERFIS DE (DES)PROTEÇÃO SOCIAL
Apesar da fragilidade no emprego ser transversal aos trabalhadores precários, a análise de conteúdo das entrevistas revelou que a cobertura de proteção social é diferentemente experienciada entre os mesmos. As narrativas dos trabalhadores sobre si próprios, e sobre a sua condição de desproteção social, colocaram em evidência várias tipificações de relacionamento com o sistema de segurança social, as quais ilustram uma variação dos graus de incerteza e de insegurança no presente e perante o futuro. Em linhas gerais, poder-se-á referir que quanto menor a regularidade das contribuições ou descontos realizados ao longo da trajetória laboral para a Segurança Social, mais difícil se tornará a resposta perante as contingências e eventualidades que possam vir a atravessar, como no caso de um despedimento ou redução dos rendimentos.
Nesse sentido, verifica-se a existência de uma condicionante estrutural que colabora para a produção de níveis distintos de desproteção entre os trabalhadores precários, consequente da própria lógica contributiva de funcionamento do sistema previdencial da Segurança Social: usufruem de maior e melhor cobertura dos mecanismos de proteção social os indivíduos que desempenharam, ao longo da vida, atividades formalmente enquadradas com proteção social associada. Para aqueles cujas trajetórias são mais intermitentes, atravessadas por períodos mais ou menos longos em atividades informais, ou com pouca ou nenhuma contribuição para o sistema previdencial, mais se estreitam as possibilidades de resposta neste sistema, como por exemplo, na eventualidade do desemprego. Contudo, permanecem em aberto outras possibilidades de resposta no âmbito do sistema de proteção social da cidadania que tem por objetivo garantir os direitos básicos dos indivíduos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão social.
O tipo de relação dos trabalhadores precários com a Segurança Social pode ser observado a partir do modo como estes avaliam o seu histórico de contribuições para o sistema previdencial. As suas avaliações sugerem três tipos de contribuições, conforme indicado na Tabela 1.
Nesta Tabela se verifica que 15 entrevistados contribuíram continuamente com descontos, enquanto 29 experienciaram atividades com e sem proteção social associada. Um grupo mais reduzido, 9 indivíduos, nunca se encontrou a trabalhar com enquadramento formal na Segurança Social, encontrando-se mais suscetível a formas atípicas de emprego e à informalidade (Oliveira; Carvalho, 2008; Ramos, 2019).
A variação do tipo de contribuição ajuda a perceber a variação do grau de proteção social no emprego e no desemprego, e permite verificar que a desproteção, em contextos de precariedade, não é um fenómeno experienciado de forma homogénea, mas heterogênea e estratificada. Uma caracterização qualitativa dos indivíduos entrevistados, em função da análise de conteúdo das suas entrevistas e do tipo de contribuição realizada para a Segurança Social, permite visualizar três perfis distintos de desproteção social entre os trabalhadores precários no mercado de trabalho em Portugal. O Quadro 1 reúne os principais traços desses perfis.
À medida que se transita de uma determinada situação para outra relativamente à Segurança Social, isto é, de um perfil em que se verifica um histórico de contribuições regulares para outro no qual os descontos foram intermitentes ou inexistentes, mais frágeis tendem a ser os níveis de apoio na eventualidade de desemprego, acumulando a montante com a desproteção no próprio emprego, ou a jusante, a longo prazo com implicações negativas no valor da reforma.
Essa condição significa que entre os trabalhadores precários, apesar da insegurança e incerteza, mais ou menos transversais, existem aqueles que se encontram mais abrangidos pelos mecanismos de proteção social relativamente aos restantes. Logo, em termos sociológicos, estes perfis de desproteção social permitem conceber a precariedade como uma realidade multifacetada e heterogénea, no interior da qual são instituídos quadros de desproteção social que desafiam, em maior ou menor grau, a adequabilidade dos mecanismos de proteção social, nomeadamente, nas lacunas que escapam ao sistema previdencial como as formas atípicas de trabalho ou os empregos informais (Barbier, 2005).
Para os trabalhadores precários relativamente protegidos, o direito ao subsídio de desemprego está usualmente garantido em função da regularidade das suas contribuições, ainda que com prestações insuficientes na duração e no valor, variáveis estas dependentes da maior ou menor continuidade temporal dos períodos de descontos. Este retrato já não se verifica entre aqueles que experienciaram uma maior rotatividade entre empregos, convertidos em trabalhadores tenuemente protegidos, uma vez que a sua contribuição intermitente fragiliza a relação com o sistema previdencial da Segurança Social. Geralmente, o subsídio de desemprego, quando existente, tende a cobrir um período mais curto. Entre os trabalhadores precários desprotegidos se encontram os indivíduos mais vulneráveis, no sentido em que possuem um perfil mais “rarefeito”, ou inexistente, de relação com o sistema previdencial. Para estes, ter um emprego enquadrado em um regime da Segurança Social e que lhes garanta o acesso à proteção social, poderá ser a solução para os problemas com os quais se encontram “obrigados” a viver, visto que trabalham sem enquadramento formal. Por terem uma carreira contributiva incipiente, ou nula, as suas fragilidades escapam aos mecanismos de proteção social, uma vez que podem não ser elegíveis para as prestações no âmbito desse sistema.
Os diferentes perfis de desproteção social respeitantes aos entrevistados ganham contornos mais definidos ao se considerar as diferenças entre os que receberam e os que nunca receberam apoio da Segurança Social, conforme apresentado no Gráfico 1.
– Número de apoiados e não apoiados pela Segurança Social por perfil de desproteção social (barras empilhadas a 100%)
No Gráfico 1 se verifica que, apesar do número mais elevado de indivíduos apoiados pela Segurança Social se encontrar entre os trabalhadores tenuemente protegidos, a maior proporção de apoiados pelo sistema de proteção social está entre aqueles cuja carreira contributiva foi mais estável, ou seja, os trabalhadores relativamente protegidos. A proporção de indivíduos jamais beneficiados se encontra entre os mais vulneráveis. Apenas entre os tenuemente protegidos é que se verifica algum equilíbrio na distribuição entre beneficiários e não abrangidos por apoios pelo facto de ocorrer uma maior rotatividade entre empregos, intervalados com episódios frequentes de desemprego protegido, isto é, com acesso ao subsídio de desemprego, visto que os períodos de emprego envolveram contribuições para a Segurança Social.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PROTEÇÃO SOCIAL
Os diferentes níveis de desproteção social identificados entre os trabalhadores se refletem em um conjunto diversificado de representações da proteção social. Entendidas como sistemas de valores e de ideias socialmente produzidas e partilhadas, as representações sociais são fundamentais para compreender as perspetivas, as atitudes e os sentidos que permeiam a visão do mundo dos indivíduos que vivem em uma mesma sociedade (Durkheim, [1912] 1996; Mannheim, 1986; Harré, 1984; Porto, 2006; Assis, 2020; Carmo; Caleiras; Roque; Assis, 2021). Analisar as representações sociais de um grupo heterogéneo de indivíduos é, portanto, útil para compreender os aspetos mais subjetivos das experiências vividas na sociedade (Lemieux, 2007). Uma análise das representações sociais permite ainda perceber quais os pontos de vista partilhados, ou diferenciados, acerca daquilo que os indivíduos pensam sobre um determinado domínio da sociedade (Bessy; Chateauraynaud, 1995), abrindo espaço para um universo plural e complexo da própria realidade social em que estão inseridos (Mannheim, 1986 [1929]; Assis, 2020).
Dos trabalhadores precários relativamente seguros aos trabalhadores completamente desprotegidos, a proteção social é diferentemente representada, revelando concordâncias, disputas e contradições sobre o seu significado, bem como acerca do seu valor. Como se discutirá a seguir, foram percecionadas dinâmicas e tendências no âmbito das representações sociais destes trabalhadores, com variação no tempo, oferecendo pistas para situar aspetos comuns nos seus discursos, mas também singularidades que apontam para eventuais tensões e ambiguidades.
Avaliação dos apoios sociais
Uma das chaves de acesso às representações sociais foi conseguida através da avaliação dos apoios públicos feita pelos trabalhadores precários que foram, em algum momento da sua vida, beneficiários da Segurança Social. Com base nas entrevistas, foram identificadas que as avaliações dos trabalhadores que receberam apoio público oscilavam em três sentidos distintos: as avaliações positivas, negativas e conformistas.14
Os trabalhadores precários relativamente seguros avaliam de modo negativo as prestações recebidas, sobretudo, por considerarem os valores dos subsídios baixos ou insuficientes para lidar com os momentos críticos de maior vulnerabilidade (Boltanski; Thévenot, 1991). A conotação negativa, por vezes, dá lugar a um sentimento de injustiça (Bessy; Chateauraynaud, 1995; Lemieux, 2007), sobretudo quando os indivíduos refletem sobre o corte de 10% efetuado no valor do subsídio de desemprego após 180 dias de receção da prestação, aplicado durante a intervenção da troika.15
Quando fui despedida, fizeram-me as contas todas certinhas. Se não arranjássemos trabalho, se não conseguíssemos arranjar nenhum emprego, ao fim de seis meses cortavam-nos uma percentagem no subsídio de desemprego. Foi isso o que me aconteceu. Portanto, eu comecei a receber 1.000€. Passados seis meses, passei para 900€. Depois, passado algum tempo, acabei por receber cerca de 700€. Portanto, até no subsídio de desemprego fui sempre penalizada. [E39, mulher, 46 anos, assistente técnica].
Entre os 14 trabalhadores tenuemente protegidos, que usufruíram de algum tipo de apoio ou prestação por parte da Segurança Social, o sentido que prevalece é o de que os apoios são atribuídos segundo as possibilidades de provisão por parte do Estado (Bourdieu, 2008). Este significado se associa ao reconhecimento de que, apesar de os apoios serem insuficientes para suprir as necessidades mais imediatas, são, todavia, fundamentais para mitigar as dificuldades materiais mais severas, como é o caso do RSI (Rodrigues, 2010). Por isso, mesmo quando estão a receber apoio público, alguns, sem alternativa, “fazem pela vida” e procuram complementar esse rendimento insuficiente com a prestação de serviços ou biscates/bicos.
Tenho o Rendimento Social de Inserção [RSI]. Com o RSI, mais o dinheiro de dois ou três dias de trabalho nas obras que acrescento, ficava resolvido o problema da renda. O pior é que acaba, pois não é muito o que vem do RSI. É insuficiente, mas acaba por ser uma “almofada”. [E33, homem, 41 anos, trabalhador da construção civil]
As representações da proteção social entre os trabalhadores precários ganham um contorno distinto entre os mais vulneráveis e que mais estiveram excluídos do sistema de segurança social ao longo das suas trajetórias laborais. Quando questionados sobre o que pensam dos apoios públicos existentes, estes indivíduos, por vezes, remetiam-se ao silêncio. Apenas dois entrevistados com o perfil de trabalhadores desprotegidos afirmaram terem sido beneficiários de apoio público. No entanto, mesmo estes tiveram dificuldade em elaborar uma narrativa de avaliação, de modo a transparecer uma distância existente entre os mecanismos de proteção social do sistema previdencial e a realidade daqueles que se encontram sujeitos às zonas cinzentas do mercado de trabalho (Azaïs, 2012; Bureau; Dieuaide, 2018).
As entrevistas destes indivíduos revelaram que a permanente dificuldade em vir a ser abrangido por uma proteção institucional pública conduz à elaboração de narrativas mais focadas em suas vulnerabilidades e na própria ausência de segurança social. Tal é visível no caso de duas mulheres, em que uma afirmou que “devido à minha situação dos últimos três anos ser assim tão complicada, não sei nem o que sinto sobre isso” [E29, mulher, 39 anos, formadora] e outra indicou que “apesar de acumular essa frustração, o dia de amanhã será diferente” [E38, mulher, 48 anos, agente imobiliária].
O caráter problemático do funcionamento dos serviços da Segurança Social
A perceção de que existem problemas que dificultam o funcionamento da “máquina” da Segurança Social é transversal às representações que os trabalhadores possuem da proteção social. A análise de conteúdo permitiu identificar aquilo que os indivíduos consideram como adverso, conforme indicado no Gráfico 2.
O Gráfico 2 coloca em evidência que, para os trabalhadores precários relativamente seguros, os principais problemas da Segurança Social residem na inadequação e na morosidade das respostas face às suas necessidades. Além disso, estes indivíduos consideram que os valores das prestações são baixos, problema este agravado pelos cortes introduzidos no tempo da troika, como já referido. O seguinte relato exemplifica este entendimento:
[Solicitei] o subsídio de desemprego. Levou três meses [para começar a receber] e foi muito doloroso. Três meses sem receber nada. Nunca consegui esquecer. O meu subsídio de desemprego era à volta de 600€. Rapidamente passou para os 500€ e pouco. Porque, ao fim de seis meses, era aquele corte brutal. [E1, mulher, 32 anos, assistente administrativa]
A perceção de que os apoios são inadequados para uma resposta perante as necessidades é também um traço das narrativas dos trabalhadores tenuemente protegidos. Neste perfil se referem também as falhas institucionais relacionadas, por um lado, ao que consideram um atendimento “inadequado” ao cidadão e, por outro, ao “indeferimento” dos pedidos de apoio. Estes dois aspetos se encontram interrelacionados. Enquanto o “indeferimento” se refere a situações em que o trabalhador julgaria estar abrangido a ter direito a determinado apoio que lhe havia sido negado, o atendimento “inadequado” se refere às dificuldades na obtenção de informações claras, e que sirvam, pelo menos, como orientação acerca dos procedimentos a seguir no “labirinto” burocrático.
Em relação à Segurança Social em si, tudo o que seja atendimento é o pior, é o caos, é má informação. Se você for a dois balcões diferentes, vai ter duas informações diferentes. [E49, mulher, 36 anos, trabalhadora agrícola]
As lacunas na comunicação com o cidadão são também apontadas pelos trabalhadores com pouca ou nenhuma contribuição para a Segurança Social. A dificuldade em obter informação é um enorme “empecilho” mencionado pelos indivíduos que já foram beneficiários de apoios. Nestes casos, as experiências que ressaltam das narrativas retratam, sobretudo, episódios mais negativos ou relativos às dificuldades no relacionamento com os serviços.
Sim, recebi o subsídio de desemprego. Eu estive de baixa de gravidez de risco. Quando terminou a licença é que recebi o subsídio de desemprego. Mas estive ali quase uns dois meses a esperar. Eu a mandar cartas para a Segurança Social, “porque é que não estavam a pagar?” e a troca de cartas para aqui e para ali. Estive esse tempo sem receber nada. (...) Depois terminou o subsídio de desemprego, supostamente devia começar a receber a baixa [por doença]. Só que houve ali um período de confusão das renovações das baixas, às vezes eles passam à mão, e depois eu tenho que ir entregar pessoalmente, e houve ali uma falha que não entreguei, estou há três meses a enviar cartas e eles ainda não me pagaram o subsídio de doença. Pronto, o de desemprego já terminou, e o de doença não estou a receber. Neste momento, é só o ordenado do meu marido e as ajudas dos pais. [E29, mulher, 39 anos, formadora].
O caráter problemático do relacionamento com os serviços da Segurança Social se revela a partir de diferentes pontos de vista dos entrevistados (Caleiras; Carmo; Roque; Assis, 2022b; Bessy; Chateauraynaud, 1995). Contudo, as críticas formuladas a partir das suas experiências (Boltanski; Thévenot, 1991) não leva os indivíduos a desvalorizarem aquilo que se encontra para lá do funcionamento dos serviços: o sistema de proteção social. Ao contrário, é afirmada e defendida a importância de uma segurança social pública, enquanto pilar e direito fundamental. Assim, importa referir que estes relatos apontam para duas direções principais em função da referência que os indivíduos têm em conta, isto é, a avaliação sobre o sistema de segurança social e a apreciação que é feita sobre o funcionamento da sua estrutura administrativa e dos serviços de atendimento, representado pelo Instituto de Segurança Social.
O primeiro é positivamente valorizado, embora precise de ser aprimorado, no sentido de ser ampliado e ajustado, de modo a continuar a assegurar a sua função pública de instrumento promotor de coesão social e solidariedade; o segundo, entendido enquanto o funcionamento da estrutura e atendimento é, pelo contrário, negativamente valorizado, tendo em conta as experiências de relacionamento dos indivíduos com a máquina administrativa. Isto abre espaço para contradições e ambiguidades, que recaem sobre os níveis de importância que os trabalhadores atribuem às contribuições que realizam para a sustentação do sistema de segurança social.
O valor social das contribuições para o sistema de segurança social
É interessante verificar que a importância das contribuições não reside apenas na cobertura de eventualidades individuais, ou seja, para si próprios, mas é vista e valorizada, em uma perspectiva de solidariedade coletiva que permite um funcionamento das sociedades mais coeso, quer em âmbito intergeracional, quer intrageracional (Rodrigues, 2010; Tavares, 2014; Caldas, 2020). Apenas estes mecanismos solidários asseguram um Estado Social capaz de amenizar crises individuais e coletivas, como no momento da pandemia. Tal é referido por uma trabalhadora com contribuições regulares para a Segurança Social.
As contribuições são fundamentais. Porque são o garante que nós temos que a sociedade funciona. De que o Estado social se mantém, de que as pessoas podem ir à escola, de que as pessoas podem ir ao médico, de que as pessoas podem andar de transportes! De que as pessoas, um dia, eventualmente, vão ter uma reforma, por muito baixa ou muito alta que seja, mas são esse garante. E esse laço de solidariedade, eu acho que é muito importante. [E1, mulher, 32 anos, assistente administrativa]
A perceção de que as contribuições produzem solidariedades e reforçam laços sociais está presente também nas representações sociais dos trabalhadores tenuemente protegidos. A intermitência laboral vivida ao longo do tempo e a rotatividade entre empregos os condiciona perante o reconhecimento e na valorização dos descontos efetuados. Muitos deles optaram por contribuir para a Segurança Social mesmo quando não tinham que fazê-lo. Como destaca um trabalhador da área de investigação:
Eu acho que as contribuições são importantes... há empresas que não fazem. Quando eu soube que podia inscrever-me no Seguro Social Voluntário, optei por isso, e sempre fiz. Não consegui fazer no estágio porque não se considera um emprego, por receber uma bolsa. Considero que descontar sempre devia ser feito. Vejo como uma presença no Estado, não é? Temos obrigação de o fazer, mas também temos obrigação de fiscalizar o que é que se faz com aquele dinheiro da Segurança Social. [E15, homem, 37 anos, investigador]
Os trabalhadores mais vulneráveis e desprotegidos tendem a colocar a tónica em desequilíbrios entre os valores das contribuições (elevados) para a Segurança Social perante os rendimentos (baixos) resultantes do trabalho, face às contrapartidas em termos de cobertura de riscos (insuficientes) e aos valores das prestações (baixos). Por outro lado, revelam também uma relativa desconfiança quanto à capacidade de o sistema garantir prestações em sua vida futura. Trata-se, no fundo, de um receio cultivado em função do problema de sustentabilidade financeira do sistema (Caldas, 2020):
Aquilo que nós recebemos neste país e aquilo que pagamos… é uma “facada” muito grande. E para aquilo que nos vai dar no futuro… não sei, mas eventualmente receber, se calhar 250€ por mês? Faz-me mais falta agora os 100€ ou 200€ que pagava por mês [memória de uma das poucas vezes que esteve a contribuir]. Esse dinheiro, se calhar, nunca vou receber no futuro. Sobrevivo no dia a dia, não fico a pensar no futuro. [E38, mulher, 48 anos, agente imobiliária]
Esta narrativa sublinha um ponto crucial para a compreensão das representações da proteção social entre trabalhadores precários: a desproteção social, como parte da vida quotidiana, sobrepõe a situação vivida no tempo presente perante as expetativas futuras, que tendem a diminuir, ou mesmo a se diluir, uma vez que a insegurança do “agora” dificulta a elaboração de projetos de vida e tende a se agravar entre os mais vulneráveis, como os trabalhadores desprotegidos e os desempregados de longa duração (Carmo; d’Avelar, 2020; Carmo; Caleiras; Roque; Assis, 2021; Roque; Carmo; Assis; Caleiras, 2022).
(In)certezas sobre o rumo da proteção social
Outra questão relevante que importa analisar respeita às perceções dos trabalhadores precários sobre o futuro do sistema de segurança social e em que medida isso condiciona a forma como se concebem a si próprios como eventuais beneficiários de uma reforma ou de uma pensão de velhice. Nesta dimensão, a maioria dos entrevistados indicou que pretendia ser abrangida por uma reforma na velhice. Contudo, colocaram em questão a existência dessa garantia e em que patamar mínimo de valores se colocaria. Para muitos deles, em função das experiências de desproteção pelas quais passaram, particularmente, desde a crise económica e financeira de 2008, faz sentido supor que a precarização do emprego na Europa (Oliveira; Carvalho, 2008) se refletirá em uma deterioração paulatina do Estado Social.
Entre os trabalhadores relativamente protegidos paira uma certa descrença relativamente ao usufruto de uma reforma no futuro. Um trabalhador do setor da cultura mencionou o seguinte:
Dentro de 20 anos já não teremos este modelo de prestações sociais. As pessoas já não terão direito a uma reforma. Mas parece-me que, da forma como o nosso capitalismo está a progredir, não vai haver este tipo de segurança social e de prestações sociais. Posso estar enganado, mas é isso que eu neste momento estou a prever. [...] Eu acho que cada vez menos nós temos aquele modelo de vida de ter o mesmo trabalho a vida inteira, fazer carreira e, portanto, acho que as pessoas neste momento estão mais, em termos financeiros e em termos laborais, a viver o presente, porque nós nunca sabemos qual vai ser o futuro, não é? [E43, homem, 43 anos, assistente de sala de espetáculos]
Em geral, quando revelam a convicção de, eventualmente, vir a usufruir de uma reforma, os trabalhadores vulneráveis acreditam que os montantes que receberão serão no futuro ainda mais baixos relativamente ao presente e, portanto, insuficientes para ter acesso a uma vida digna. Esta perceção não se deve apenas ao fato de terem em conta os valores respeitantes às suas contribuições, mas pelo facto de partilharem a ideia de que a segurança social pública, tal como o emprego, se encontra em um processo de fragilização consequente das transformações provocadas pelos múltiplos efeitos das crises no mercado de trabalho (Carmo; Cantante, 2015).
Entre os trabalhadores com maior rotatividade entre empregos, existem frequentes referências à reforma como um objetivo a ser alcançado ao final de uma trajetória de vida. Apesar da instabilidade que caracteriza os seus percursos, estes indivíduos frisaram que trabalhavam, sobretudo, para receber rendimentos para conseguir sobreviver no quotidiano, mantendo a expetativa de que um dia os seus descontos permitissem o acesso a uma reforma. Por isso, mesmo quando trabalham nas margens da regulação laboral (Azaïs, 2006), isto é, na informalidade, inclusive, algumas vezes, recebendo valores mais elevados do que aqueles obtidos em um emprego formalmente enquadrado, continuam abertos à possibilidade de vir a usufruir de um contrato de trabalho.
Eu gostaria [de ter um emprego formal], não é? É por isso que eu estou a batalhar tanto para ter um contrato de trabalho! Por isso é que eu não quero continuar a trabalhar sem contrato! Agora, porque é que as pessoas vão trabalhar nos Tuk Tuks? Porque uma vez que a Segurança Social está tão frágil e os ordenados são tão baixos, nós nos Tuk Tuks conseguimos facturar ordenados que nunca na vida conseguiríamos noutro emprego qualquer! [E17, mulher, 43 anos, condutora de Tuk Tuk]
O sentido de que os mecanismos de proteção social estão a ser fragilizados é expresso, em alguns casos, pela perceção de que o rumo que está a ser trilhado pelo sistema de proteção social requer saber lidar com desafios estruturais capazes de aprofundar vulnerabilidades e produzir novas fragilidades no mercado de trabalho.
Não é só o emprego que está precário. Agora fala-se que já há mais emprego, portanto, as pessoas deveriam estar a descontar mais, o que tornaria a Segurança Social mais funcional. Se há mais emprego, logo há mais descontos, há mais possibilidade de, no futuro, termos uma reforma. Eu espero que isso aconteça. Agora, como quem contribui são os mais novos e cada vez nascem menos pessoas em Portugal, não sei exactamente como estará a Segurança Social. Estará ainda mais precária [E20, homem, 36 anos, operário fabril]
Existe a perceção de que os desafios estruturais para o sistema da segurança social estão relacionados com as fragilidades no emprego e nos baixos salários praticados no país. Esta situação é vista como potencialmente geradora de crescentes vulnerabilidades no futuro, caso nada seja feito. Os trabalhadores desprotegidos, por exemplo, questionam-se se haverá um sistema de pensões em um contexto social em que a flexibilização do trabalho contribua para a normalização da precariedade e desvalorização do trabalho. Alguns apresentam dúvidas acerca da eventualidade de vir a receber uma pensão no tempo futuro, isto é, quando se reformarem.
Mesmo aqueles que não apresentam dúvidas referem o baixo valor daquilo que poderão vir a receber, tendo em conta as suas carreiras contributivas intermitentes e os salários baixos que se encontram na base do cálculo das pensões. Todavia, as suas narrativas apontam também para uma valorização da solidariedade social intergeracional (Tavares, 2014), uma vez que percebem que a dimensão coletiva de sustentabilidade do sistema de segurança social é aquela que poderá garantir a todos algum apoio, quer no tempo presente, quer no futuro.16
Eu acho pouco provável [vir a receber uma reforma]. É uma incerteza. Mas entendo que o dinheiro que é recolhido pela Segurança Social atualmente é utilizado para segurança de outras pessoas. Eu entendo o valor dessas contribuições. Eu espero que, no fundo, [a reforma seja] suficiente, não é? Seria fabuloso algo que me garantisse, e isto pode ser monetário ou não, acesso à habitação, à alimentação, a cuidados de saúde. Eu gostaria que essa parte estivesse garantida. [E40, mulher, 34 anos, doula].
A lógica de solidariedade social intergeracional, na qual assentam as bases do sistema da segurança social, é avaliada de forma positiva pelos mais frágeis, inclusive, por aqueles que se encontram a trabalhar por conta própria e sem acesso a proteção social. É importante salientar que as representações sociais que valorizam a existência de um sistema de segurança social coletivamente sustentado se tornaram ainda mais evidentes após o eclodir da crise pandémica, conforme discutido a seguir.
A revalorização da proteção social em tempos de crise
À medida que os trabalhadores identificam debilidades estruturais no sistema de segurança social, reconhecem igualmente as virtudes da sua existência e da sua função social de mitigar as situações de maior vulnerabilidade individual. No plano coletivo, isto também se verifica. Como anteriormente demonstrado, se as representações em torno da proteção social incidem em expetativas de maior cobertura, pessoal e material do sistema, de facto, essas representações também apontam para a exigência de respostas imediatas em contexto de crise.
Com a implementação de medidas extraordinárias e apoios emergenciais durante a pandemia da Covid-19, muitos dos trabalhadores entrevistados, e que nunca tinham sido beneficiários da Segurança Social, foram abrangidos por apoios públicos (Manso et. al., 2021). Estes apoios visavam cobrir situações de desproteção social face à suspensão de atividades, perda do emprego e de rendimento durante os períodos de confinamento obrigatório (Manso et. al., 2021) e foram identificados entre os trabalhadores precários dos três perfis, quer entre os relativamente e tenuemente protegidos, quer entre os desprotegidos.
Uma trabalhadora independente, com carreira contributiva regular para a Segurança Social, referiu que:
Pedi apoio à Segurança Social no mês em que fiquei sem rendimentos. Foi-me concedido o subsídio. Agora vamos ver se daqui a uns anos não me pedem isso de volta. [Solicitei] aquele tal subsídio extraordinário, no âmbito da Covid. Tive direito porque quase toda a gente teve. [E47, mulher, 40 anos, formadora do Centro de Emprego].
Um trabalhador do setor da cultura, um dos mais afetados pela pandemia (Neves, 2020), e que possui uma situação de contribuição intermitente, acrescentou que:
Nunca tive apoio do Estado, exceto agora durante a pandemia. A coisa não está pior porque felizmente tenho agora este apoio para trabalhadores independentes. Solicitei e tive sem problemas. Pronto, é uma boa ajuda. Quando entrámos em estado de emergência, eu estava em vésperas de ir para a Itália, fazer um espetáculo. Depois teria o Festival de Poesia e Música em Portugal. Tinha dois espetáculos marcados com uma companhia francesa. Portanto, foi o descalabro total, foi tudo cancelado. Tenho sobrevivido graças ao Apoio Extraordinário à Redução de Atividade [E51, homem, 49 anos, actor].
As medidas de apoio emergencial estenderam a proteção a grupos profissionais e a trabalhadores que não tinham acesso a essa. Apesar de positivas e relativamente abrangentes, as medidas ainda assim não abarcaram todo o universo de trabalhadores vulneráveis, deixando muitos à margem de qualquer apoio institucional (Caleiras; Carmo; Roque; Assis, 2022a), como no caso dos trabalhadores informais, que manifestaram mais perceção negativas, revelando um sentimento de abandono social diante do contexto disruptivo.
Em relação à pandemia, não faço a mínima ideia. Acho que ninguém faz. A nível económico, há aquilo que a gente acredita que deve ser feito, mas há também aquilo que sabemos que é a real possibilidade de um governo em fazer. Agora, evidentemente que isto [o apoio extraordinário] não dá. Por exemplo, nós aqui em casa somos cinco e neste momento quatro de nós não temos trabalho. A gente não se podia candidatar ao apoio porque não somos trabalhadores independentes. Trabalhamos em modo de cooperativa, não estamos registados na Segurança Social, não temos recibos verdes. Pá, conheço bastante gente que trabalha sem contratos há vinte anos e não podem ir à Segurança Social a dizer que precisam, que são trabalhadores que ficaram em lay-off. Há pessoas que eu conheço que não ficaram em lay-off. Foram dispensadas até o patrão poder trabalhar. Para os que mais precisam, a coisa não está a funcionar, na verdade. Só se consegue manter, como eu, porque têm apoio das famílias ou de outras instituições. [E48, homem, 46 anos, trabalhador da construção civil].
De qualquer forma, após o eclodir da pandemia da Covid-19, a representação dominante que sobressai no conjunto dos relatos é a importância reforçada do valor do sistema de proteção social público. Esta situação é decorrente dos apoios extraordinários atribuídos aos trabalhadores durante a pandemia e que demonstraram que os mecanismos de segurança social pública, apesar das suas lacunas, são insubstituíveis e responderam, de forma relativamente eficaz, em um momento tão crítico à escala individual e coletiva. Emblemático, nesse sentido, foi a entrevista a um trabalhador da construção civil que relatou algumas das experiências vividas pelos seus colegas de trabalho durante o período mais crítico da crise recente:
[...] Se muitos nunca tinham com o que contar nesse momento, deram sorte de receber a ajuda com esses apoios na pandemia. Alguns dos meus amigos que foram despedidos e que eu estava a ajudar nas obras conseguiram esse apoio e foi uma grande ajuda. O meu melhor amigo, que trabalhava comigo e que teve renovação do contrato, nunca tinha recebido seguro desemprego na vida e teve esse subsídio agora. [E26, homem, 33 anos, trabalhador da construção civil]
CONCLUSÃO
Ao longo do artigo se analisou a forma como o problema da (des)proteção social, influenciado e potenciado pela pandemia, é vivido e percecionado pelos entrevistados, ou seja, pelos trabalhadores precários. Sem esquecer as variações abordadas, é de salientar que o impacto da crise pandémica, “sentido na pele”, sobretudo pelos mais vulneráveis, ressalvou a importância acrescida da proteção social e, portanto, do sistema público de segurança social.
Como ficou expresso nos relatos, e apesar das insuficiências e lacunas do sistema apontadas pelos entrevistados (e que podem e devem ser melhoradas), a vasta maioria deles reconhece o papel relevante e insubstituível da proteção social pública, sobretudo em momentos críticos como o contexto pandémico, confirmando a hipótese inicial deste artigo. Por outro lado, a relevância e imprescindibilidade são também projetadas para um tempo futuro, através da valorização de que, em um quadro geral, é ressaltada relativamente às contribuições para a Segurança Social, sobretudo, em casos de eventualidades, ora mais próximas, como o desemprego ou a doença, ora mais distantes, como a velhice e a reforma.
Nesse sentido, é importante salientar que o momento disruptivo criado pela pandemia, possa ser usado para progredir em direção a um sistema público de segurança social cada vez mais abrangente, justo, sustentável e financiado coletivamente. Esta é a grande expetativa que resulta da generalidade dos discursos e representações destes (e de outros) trabalhadores. No entanto, é igualmente necessário que o mercado de trabalho seja mais regulamentado, sobretudo nos setores emergentes, como nos casos do trabalho digital em plataformas e do setor do turismo, em que a informalidade é, por vezes, a única opção para a sobrevivência e a obtenção de um rendimento digno, ainda que desconsidere o acesso aos diretos laborais e sociais, quer no presente, quer no futuro.
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1
Este artigo apresenta resultados obtidos no âmbito do Projeto ART63 – O direito à segurança social e a crise: O retrocesso como normalização do estado de exceção financeira, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) (PTDC/DIR-OUT/32096/2017), e foi elaborado em colaboração com o Projeto EmployALL – A crise do emprego e o Estado Social em Portugal: deter a produção de vulnerabilidades sociais e de desigualdades (PTDC/SOC-SOC/30543/2017), igualmente financiado pela FCT através de fundos nacionais de Portugal.
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Desde os anos de 1980 que as políticas de proteção social, como as de emprego, são de certa maneira influenciadas pela participação no projeto de integração europeia, de que Portugal faz parte desde 1986.
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Sempre que se estiver a referir ao Instituto de Segurança Social, utiliza-se o termo Segurança Social em letras maiúsculas.
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As contribuições para o sistema previdencial são vulgarmente conhecidas como “descontos”, termo frequentemente utilizado pelos trabalhadores durante as entrevistas.
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O programa de ajustamento imposto pela troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) consistiu em um programa do governo, em abril de 2011, para prevenir a insolvência do Estado na crise da dívida (Drago, 2021).
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De 2000 a 2013, houve uma perda substancial de postos de trabalho em setores como a construção, indústria de vestuário e calçado, agricultura e pescas, que absorviam parcelas significativas de trabalhadores. Depois da intervenção da troika, a recuperação do emprego fez-se, sobretudo, em setores ligados ao turismo. Nestes setores é maior a incidência de contratos temporários, contribuindo para explicar que a retoma do emprego não foi acompanhada por um aumento da estabilidade das relações de trabalho.
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Refere-se, neste caso, não apenas a trabalhadores com contratos em empresas de trabalho temporário, os quais estão sujeitos a mecanismos de subcontratação, mas também a trabalhadores que, embora não desempenhem funções em empresas de trabalho temporário, possuem contratos de duração definida, isto é, contratos a termo certo, celebrados para a satisfação de necessidades temporárias definidas por parte da entidade empregadora.
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É de registar, no entanto, que a proporção de trabalhadores com contratos permanentes subiu de 78% em 2018 para 79,2% em 2019, ano imediatamente anterior à pandemia. Por outro lado, é de salientar que os jovens (15-24 anos) foram particularmente atingidos, apresentando um valor bem mais elevado (62,2%) em 2019.
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9
Por exemplo, desempregados sem acesso a Subsídio de Desemprego, porque não têm contribuições suficientes para o sistema de segurança social e/ou porque não apresentam carência económica para poderem beneficiar do Subsídio Social de Desemprego ou mesmo do Rendimento Social de Inserção (RSI). O RSI é um apoio destinado à proteção de pessoas em situação de pobreza extrema e prevê, além das prestações, também a oferta de um programa de inserção social aos beneficiários e à sua família.
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Que representam quase 1/8 do emprego total em Portugal (ILO, 2018)
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Informações oficiais sobre este apoio podem ser acedidas em: https://www.seg-social.pt/apoio-extraordinario-ao-rendimento-do-trabalhador-independentes
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Os entrevistados são identificados pela letra E, seguida do número da entrevista (variável entre 1 e 53), género, idade e atividade profissional no momento da entrevista.
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Reforma é o equivalente, em Portugal, ao que no Brasil corresponde à aposentadoria.
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Além dos sentidos positivo e negativo, os entrevistados perspectivaram os apoios com uma atitude conformista (Bourdieu, 2008), avaliando os mesmos como aquilo que lhes era “possível”. Optou-se, assim, por classificar as avaliações segundo estes três níveis, permitindo precisar o sentido dado pelos diferentes pontos de vista.
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No espaço de quatro anos (2011-2014), esta herança afetou cerca de 453 mil desempregados e cortou 267 milhões de euros à prestação social. A regra durou até 2017. O argumento para “esmagar” os valores da prestação social era o clássico: supostamente quanto maior o subsídio, maior a inércia do desempregado para encontrar uma nova ocupação. O corte de 10% ao final de seis meses funcionaria como pressão para que o desempregado aceitasse um novo posto de trabalho.
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O sistema português assente essencialmente no princípio de repartição, também conhecido como “solidariedade intergeracional”, na medida em que a geração que se encontra atualmente a contribuir financia a pensão da geração que se encontra reformada e, por sua vez, a primeira será financiada pela geração seguinte.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jun 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
27 Jun 2022 -
Aceito
23 Jan 2025



Fonte: Projetos ART63 e EmployALLElaboração dos autores com recurso ao software MAXQDA
Fonte: Projetos ART63 e EmployALLElaboração dos autores com recurso ao software MAXQDA