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O MOVIMENTO ZAPATISTA E A INDIGENIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR

THE ZAPATISTA MOVEMENT AND THE INDIGENIZATION OF POPULAR EDUCATION

LE MOUVEMENT ZAPATISTE ET L’INDIGENISATION DE L’ÉDUCATION POPULAIRE

Resumos

O zapatismo tece um modo de vida autônomo que tem a educação como pilar central. Experimentamos pensar a educação zapatista como uma indigenização da educação popular que potencializa sua descolonização. Para tal, realizamos um panorama da “refundação da educação popular”, evidenciando as rupturas e continuidades de perspectivas interseccionais e freirianas, para, em seguida, discutirmos a educação zapatista a partir de trabalho etnográfico. Aproximando educação e antropologia, destacamos traduções “equívocas” produzidas pelos zapatistas sobre questões caras à educação popular, como autonomia, feminismo e conscientização. Há um deslocamento do humanismo em prol de uma rede de relações com diferentes seres não humanos, e o protagonismo das mulheres, que parte da multiplicidade. Por fim, qualificamos a indigenização zapatista não como retorno a um passado perdido, mas como afirmação da contemporaneidade dos povos a partir da coexistência das temporalidades e saberes, com uma relação própria com a Terra.

Movimento Zapatista; Educação Popular; Descolonização; Cosmopolítica; Chiapas


Zapatismo promotes an autonomous way of life that has education as a central pillar. We try to think of Zapatista education as an indigenization of popular education that potentializes its decolonization. To this end, we carried out an overview of the “refoundation of popular education,” highlighting the ruptures and continuities of intersectional and Freirean perspectives, to then discuss Zapatista education based on ethnographic work. Bringing education and anthropology closer together, we highlight “equivocal” translations produced by Zapatists on issues dear to popular education, such as autonomy, feminism, and awareness. There is a displacement of humanism in favor of a network of relationships with different non-human beings and the protagonism of women, which starts from the multiplicity. Finally, we seek to qualify the Zapatist indigenization not as a return to a lost past, but as an affirmation of the contemporaneity of peoples based on the coexistence of temporalities and knowledge, with their own relationship with the Earth.

Zapatista Movement; Popular Education; Decolonization; Cosmopolitics; Chiapas


Le zapatisme tisse un mode de vie autonome qui a l’éducation comme pilier central. Nous essayons de penser l’éducation zapatiste comme une indigénisation de l’éducation populaire qui potentialise sa décolonisation. Pour cela, nous avons réalisé un aperçu de la “refondation de l’éducation populaire”, mettant en évidence les ruptures et les continuités des perspectives intersectionnelles et freireennes, pour ensuite discuter de l’éducation zapatiste à partir du travail ethnographique. Rapprochant éducation et anthropologie, nous mettons en lumière des traductions “équivoques” produits par des Zapatistes sur des questions chères à l’éducation populaire, telles que l’autonomie, le féminisme et la prise de conscience. Il y a un déplacement de l’humanisme au profit d’un réseau de relations avec différents êtres non humains et le protagonisme des femmes, qui part de la multiplicité. Enfin, nous cherchons à qualifier l’ indigénisation zapatiste non pas comme un retour vers un passé perdu, mais comme une affirmation de la contemporanéité des peuples fondée sur la coexistence des temporalités et des savoirs, avec leur propre rapport à la Terre.

Mouvement Zapatiste; Éducation Populaire; Décolonisation; Cosmopolitique; Chiapas


APRESENTAÇÃO

O movimento zapatista é um dos maiores movimentos indígenas do mundo, composto por milhares de indígenas de diferentes etnias Maya de Chiapas, no sudeste mexicano. Vindo a público a partir do levante de 1º de janeiro de 1994, o movimento contrariou as projeções fatalistas do domínio absoluto do neoliberalismo e do “fim da história”, tecendo, ao longo dos anos, uma organização social autônoma que busca “mudar o mundo sem tomar o poder” ( Holloway, 2002HOLLOWAY, J. Cambiar el mundo sin tomar el poder: el significado de la revolución hoy. Barcelona: El Viejo Topo, 2002. ). Um dos principais pilares do movimento é a educação, que parte de uma intensa mobilização coletiva: educadores, educandos, familiares e assembleias comunitárias estão envolvidos na gestão das escolas zapatistas.

Com seu funcionamento entrelaçado à vida comunitária dos povos da região, a educação zapatista não se encerra na realidade local, mas é um experimento que articula os saberes indígenas e científicos ( Baschet, 2021BASCHET, J. A experiência zapatista: rebeldia, resistência, autonomia. São Paulo: N-1, 2021. ). Tal articulação é traço constituinte dos “movimentos de educação popular” que ganham força em diferentes realidades da América Latina na segunda metade do século XX e buscam fazer da educação uma prática de transformação radical da sociedade, permeada pelas relações entre os saberes populares e os saberes acumulados pelas pesquisas-ação participantes ( Paludo, 2010PALUDO, C. Movimentos sociais e educação popular: atualidade do legado de Freire. In: STRECK, D. et al. (org.). Leituras de Paulo Freire: contribuições para o debate pedagógico (II). Brasilia: Liber Livro, 2010, p. 39-55. ). Há, inegavelmente, uma influência histórica da educação popular na própria composição do zapatismo: a teologia da libertação, uma das vertentes que participou ativamente da constituição do movimento, é transformada, em Chiapas, em teologia índia,1 1 Na década de 1980, período em que ocorreu o Concílio Vaticano II, é também quando se desenvolve a teologia índia. Considerada como um ramo da teologia da libertação, a teologia índia tem seu foco nos povos indígenas. Se na sua fase inicial a teologia da libertação é marcada pela categoria “pobres”, sendo os indígenas incluídos dentro dessa maioria empobrecida, nesse outro momento abre-se espaço para uma atenção especial aos povos indígenas, o que se exprime na criação dessa nova tendência, a teologia índia. A religiosidade dos povos indígenas, historicamente combatida pela Igreja Católica, agora passa a ser reinterpretada a partir de Cristo ( Lupo, 2012 ). Os indígenas, em vez de serem povos sem fé, passam a ser os primeiros e verdadeiros cristãos. e se desenvolve em consonância com os movimentos de educação popular, compartilhando dos mesmos princípios ético-políticos.

No entanto, o movimento zapatista não pode ser pensado como uma simples expressão particular da educação popular enquanto uma teoria generalizante. Aproximando antropologia e educação, compreendemos as propostas educativas zapatistas como traduções “equívocas” ( Viveiros de Castro, 2004VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectival anthropology and the method of controlled equivocation. Tipití, San Antonio, v. 2, n. 1, p. 3-22, 2004. ) da educação popular a partir dos próprios termos dos educadores indígenas zapatistas. A equivocação permite não igualar diferentes pensamentos, mas funda a relação a partir da diferença de perspectiva.

A equivocação não é o que impede a relação, mas o que a funda e impele: a diferença de perspectiva. Para traduzir é preciso presumir que uma equivocação sempre existe, e é isso que comunica as diferenças ao invés de silenciar o outro presumindo uma univocidade – a similaridade essencial – entre o que o Outro e nós estamos dizendo ( Viveiros de Castro, 2004VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectival anthropology and the method of controlled equivocation. Tipití, San Antonio, v. 2, n. 1, p. 3-22, 2004. , p. 8).

Nesse sentido, acreditamos que a equivocação produzida pelos zapatistas em relação à educação popular pode trazer contribuições para pensarmos a própria descolonização2 2 Compreendemos descolonização no sentido anticolonial que propõe Silvia Cusicanqui (2019) , diferenciando-a, assim, das propostas decoloniais e pós-coloniais: “Desde tiempos coloniales se han dado procesos de lucha anticolonial; en cambio, lo decolonial es una moda muy reciente que, de algún modo, usufructúa y reinterpreta esos procesos de lucha, pero creo que los despolitiza, puesto que lo decolonial es un estado o una situación pero no es una actividad, no implica una agencia, ni una participación consciente. Llevo la lucha anticolonial a la práctica en los hechos, de algún modo, deslegitimizando todas las formas de cosificación y del uso ornamental de lo indígena que hace el Estado”. da educação popular. Para desenvolvermos tais questões, partimos de um trabalho de campo etnográfico realizado durante um ano em Chiapas.3 3 Tal trabalho etnográfico foi base da tese de Morel (2018a). Frequentei, enquanto pesquisadora, militante e aluna do movimento, espaços educativos zapatistas, como um curso de língua tzotzil, uma das línguas maya faladas na região. Percebi que a educação zapatista é construída pelos e para os próprios indígenas zapatistas, mas, invertendo a lógica colonial, também há espaços onde os indígenas zapatistas ensinam os apoiadores não indígenas, em sua maioria brancos. Tais espaços traçam caminhos distintos de uma relação mimética, ou um processo de aculturação, mas são constituídos a partir de traduções entre diferentes mundos feitas pelos próprios termos dos indígenas zapatistas. Essas traduções possibilitavam aos educandos ampliar a imaginação política tão deteriorada pela vida colonial e capitalista, fornecendo algumas boas ideias para adiar o fim do mundo – para usar a expressão de Ailton Krenak (2019)KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. –, em tempos de crise ecológica e civilizacional.

Estes escritos buscam, então, trazer para outras geografias uma pequena parte do movimento intelectual interno ao zapatismo4 4 É preciso reiterar também que, quando tratamos do movimento zapatista, falamos de uma diversidade de pessoas e comunidades heterogêneas do ponto de vista de suas condições materiais, religião, deuses, línguas etc. Estes escritos trazem apenas uma pequena parte dessa diversidade. a partir do diálogo com os educadores zapatistas que participam de formações e debates políticos cotidianos. Esse movimento intelectual é pouco conhecido, e, ainda que se façam alusões a ele e aos saberes dos indígenas zapatistas nos comunicados do movimento, poucas vezes são mostrados ao público externo. Atualmente, existem dois porta-vozes principais do movimento para o público geral: os subcomandantes Galeano e Moisés. Galeano, em suas falas e comunicados, segue uma linha bastante semelhante à do falecido subcomandante Marcos,5 5 O personagem de Marcos é de um mexicano “branco”, de formação universitária, que passa a conviver com os indígenas a partir do início da guerrilha. Ele desapareceu na ocasião do assassinato do promotor de educação zapatista Galeano para renascer no novo personagem do subcomandante Galeano. O comunicado que trata do desaparecimento de Marcos pode ser encontrado em: https://enlacezapatista.ezln.org.mx/2014/05/25/entre-la-luz-y-la-sombra/ . criando uma narrativa que lança mão de diferentes referências acadêmicas e eruditas do mundo dos brancos, assim como de traduções a partir de sua vivência entre os povos, desenvolvendo uma linguagem poética permeada por contos e metáforas.6 6 Os diversos comunicados dos subcomandantes estão disponíveis em: https://enlacezapatista.ezln.org.mx/ . Acesso em: 6 mar. 2023. Já Moisés, indígena Tzeltal, não utiliza os mesmos recursos de Galeano, e, ainda que não faça referência direta aos conceitos de sua língua, parte de algumas questões da vida indígena. Essa polifonia em suas falas e seus deslocamentos parecem ser um dos aspectos marcantes do zapatismo.

Mesmo levando em conta apenas as vozes dos “porta-vozes” zapatistas, já é possível afirmar que o zapatismo possibilitou uma “revolução teórica” ( Mignolo, 1997MIGNOLO, W. La revolución teórica del Zapatismo: sus consecuencias históricas, éticas y políticas. Orbis Tertius, Ensenada, v. 2, n. 5, p. 1-12, 1997. ) em relação à epistemologia colonial que tantas vezes atravessou, ou ainda atravessa, os movimentos sociais, mesmo aqueles situados nos países “periféricos”. Segundo Mignolo (1997)MIGNOLO, W. La revolución teórica del Zapatismo: sus consecuencias históricas, éticas y políticas. Orbis Tertius, Ensenada, v. 2, n. 5, p. 1-12, 1997. , essa “revolução teórica” estaria presente nas vozes dos subcomandantes que, de certa maneira, também se confundem com a própria vida indígena e o projeto de construção da autonomia. Sem negar estas colocações, mas indo em um sentido um pouco distinto daquele do autor decolonial, que utiliza quase exclusivamente os comunicados e falas públicas do movimento, buscaremos dar ênfase às vozes dos educadores indígenas. A ideia é experimentar com essas vozes considerando as escolas autônomas, além das atividades que as transbordam. A comunidade e o próprio movimento são um “princípio educativo” ( Caldart, 2001CALDART, R. S. O MST e a formação dos sem terra: o movimento social como princípio educativo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 15, n. 43, p. 207-224, 2001 ). As teorias dos educadores zapatistas falam de seu lugar, suas lutas, seus deuses e da relação com o mundo branco e capitalista.

É importante destacar que, por conta da relação entre indígenas e militantes brancos, há um debate que atravessa a história do zapatismo e traz consigo uma vasta polêmica. Ao analisar a composição do movimento, formado, inicialmente, por um grupo de militantes de origem urbana que passa a viver entre os indígenas Maya em Chiapas, há uma oposição entre aqueles que acreditam que o zapatismo pratica uma “política ventríloqua” ( Pitarch, 2004PITARCH, Pedro. Los zapatistas y el arte de la ventriloquia. Istor, Ciudad de México, ano 5, n. 17, p. 95-132, 2004. ) e os que vislumbram nele uma possibilidade de “interação criativa” ( Baschet, 2005BASCHÊT, J. Los zapatistas: ¿“ventriloquia india” o interacciones creativas? Istor, México, DF, ano 6, n. 22, p. 110-128, 2005. ) entre os imaginários ocidental e indígena. Os defensores da primeira posição acreditam ter ocorrido uma transformação rápida movida por considerações de ordem tática – a saber, convencer a “opinião pública” mexicana – de uma organização revolucionária comunista em movimento de autonomia cultural indígena. Este último exprimiria um indigenismo artificial e instrumentalizado, onde o “índio” seria apenas uma marionete usada pelos militantes brancos do movimento. Os defensores da segunda posição acreditam existir uma interação complexa entre diferentes ideias-forças políticas e culturais (marxista, indígena Maya, teologia da libertação, educação popular) que atravessam o zapatismo, o que impede que ele seja interpretado como um todo único homogêneo, redutível – em última análise – a mais uma fantasia política “branca”, na qual os indígenas continuam no lugar de objeto.

Pareceu-nos inevitável, sobretudo pela experiência que tivemos em campo, nos aproximarmos da segunda vertente, concebendo esta composição na chave em que Marshall Sahlins (1981)SAHLINS, M. Historical metaphors and mythical realities: structure in the Early History of the Sandwich Islands Kingdom. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1981. aborda a transformação das sociedades indígenas e “modernas”, a saber, como uma relação entre partes que se influenciam e modificam mutuamente .7 7 Seguimos, então, a “rotação de perspectiva” proposta para a etnologia brasileira ( Viveiros de Castro, 1999 ). Tal deslocamento parte do princípio de que a dominação político-econômica das sociedades indígenas pela “sociedade envolvente” e seu aparelho de Estado não deve levar ao privilegiamento teórico da segunda, o que pressuporia um englobamento absoluto, heteronômico, dos povos politicamente dominados pelo Estado-Nação. Trata-se de insistir, na construção do trabalho etnográfico, sobre a realidade e a efetividade das resistências à unificação promovida pela lógica estatal. Não há movimento de “inclusão” unilateral. Sem desconsiderar toda a violência sociopolítica e cultural do “contato” com a sociedade nacional, esta interpretação permite perceber que não são apenas as sociedades indígenas que se transformam no curso do “contato”, mas também a chamada “sociedade envolvente”. Contrapondo-se a noção de aculturação, Sahlins (1981)SAHLINS, M. Historical metaphors and mythical realities: structure in the Early History of the Sandwich Islands Kingdom. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1981. cunha o termo indigenização , que é recuperado por Célia Xakriabá ao refletir sobre as escolas indígenas no seu povo:

Utilizamos o conceito [indigenização] para falar das estratégias com as quais o povo Xakriabá lida com a escola que chega até nós e como a ressignificamos. Sahlins apresenta a categoria de indigenização buscando diferenciá-la do conceito de aculturação – e isto nos interessa, sobretudo, como forma de contrapor a imagem preconcebida de que nós, povos indígenas, seríamos “aculturados” (Xakriabá, 2020, p. 112).

A autora traz a importância de reconhecer a participação indígena no fazer epistemológico como uma maneira de contribuir para a descolonização na educação, contrapondo-se, assim, ao pensamento preconceituoso de que os indígenas não podem acompanhar e transformar qualquer ideia ou prática que venha de fora da aldeia. A partir das provocações de Célia Xakriabá, questionamos: por que não pensar a educação zapatista como uma indigenização da educação popular? Para discutir tal questão, faremos um panorama das questões em torno da refundação da educação popular, para em seguida discutirmos sobre a educação zapatista e suas contribuições para o debate.

REFUNDAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR

Os “movimentos de educação popular”, que ganharam força a partir da década de 1950 em diferentes realidades na América Latina, compõem uma espécie de momento fundacional da educação popular, que vai se desenrolando até os dias de hoje, em uma relação histórica de continuidades e rupturas. É a partir deste momento que a denominação “educação popular” não é mais usada apenas como um tipo de educação para o povo, com objetivo de moralizá-lo e “integrá-lo” ao desenvolvimento, mas passa a se relacionar às contribuições de uma nova forma de educar libertadora, no sentido freiriano.

É inegável que estes movimentos, ainda que muitas vezes partam de referenciais teóricos ocidentais, convocam a uma abertura da pedagogia crítica para as perspectivas dos povos indígenas ( Fleuri, 2018FLEURI, R. M. Paulo Freire: aprender a educar com os povos indígenas. In: GADOTTI, M.; CARNOY, M. (org.). Reinventando Freire. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2018. p. 229-236. ). O pedagogo Paulo Freire, um dos principais expoentes da educação popular, defende uma pedagogia que parta dos saberes populares, o que inclui os saberes indígenas. Em um dos seus livros mais conhecidos, Pedagogia do oprimido , o autor defende o diálogo com iguais e diferentes, salientando que, com os antagônicos, que buscam roubar a pronúncia do mundo, só é possível o conflito ( Freire, 1987FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ). Os “diferentes” a que se refere Paulo Freire produzem a heterogeneidade dos saberes e movimentos populares presentes nas vidas cotidianas dos mais diversos povos. Os “antagônicos” são os opressores, as classes dominantes empenhadas em difundir um tipo de educação tecnicista que é também colonialista. A crítica à educação colonial aparece explicitamente em Cartas à Guiné-Bissau ( Freire, 1978FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. ), em que o pedagogo denomina a educação feita pelos colonizadores como um tipo de “invasão cultural” e uma “educação bancária”, que só poderia ser combatida através da “descolonização das mentes” e da “reafricanização das mentalidades”.

A abertura para a descolonização, já propiciada pela educação popular desde os seus primórdios, é intensificada a partir dos anos 1980, mesma década de gestação do movimento zapatista, quando os membros de origem urbana da Frente de Libertação Nacional (FLN) começam a viver entre os indígenas Maya da Selva Lacandona para organizar lentamente o levante armado. É nesse período que alguns autores identificam um processo de “refundação da educação popular” (Mota Neto, 2015). Se, desde o seu momento fundacional, a educação popular centrava sua leitura de mundo na categoria “classe social”, muitas vezes secundarizando as questões de gênero, sexualidade, raça e etnia, nessa refundação há uma tentativa de considerar também esses outros marcadores sociais das desigualdades. Alguns pilares e referências da educação popular passam a ser questionados: as leituras economicistas e deterministas do marxismo ortodoxo que focam unicamente nas questões de classe; as poucas discussões considerando outros sujeitos sociais marginalizados, como indígenas, negros, mulheres e a população LGBTQIA+; a concepção política de tomada do poder que desconsiderava outras concepções de democracia participativa; e a pouca atenção aos aspectos subjetivos como parte fundamental da vida social (Mota Neto, 2015).

Tais questionamentos ainda estão em voga hoje e levam alguns autores a problematizarem as transformações que a educação popular passa neste período. Uma das ressalvas comuns seria que esses novos movimentos na educação popular, na tentativa de criticar o economicismo, acabam por reproduzir um culturalismo despolitizante, que abandona o olhar sistêmico para as opressões estruturais que determinariam a própria cultura popular (Mota Neto, 2015).

Junto desses tensionamentos, tal momento de refundação propiciou a composição de potentes perspectivas de descolonização com a educação popular. Por exemplo, Patricia Hills Collins, uma das principais expoentes atuais da práxis da interseccionalidade, aponta para sua confluência com a educação crítica. A autora chama a atenção como o livro clássico Pedagogia do oprimido , ainda que não seja qualificado desta maneira, é um texto fundamental para a interseccionalidade, pois rejeitaria as análises fundadas unicamente nas classes sociais em prol das categorias de “opressão” e “oprimidos”:

Os oprimidos de Paulo Freire no Brasil do século XX são análogos aos de hoje: sem-teto, sem-terra, mulheres, pobres, pessoas negras, minorias sexuais, indígenas, imigrantes sem documentos, indivíduos em cárcere, minorias religiosas, jovens e pessoas com deficiência. O uso que Paulo Freire dá aos termos “opressão” e “oprimidos” evoca desigualdades interseccionais de classe, raça, etnia, idade, religião e cidadania. […] A palavra opressão pode estar fora de moda, mas as condições sociais que ela descreve não ( Collins; Bilge, 2021COLLINS, P. H.; BILGE, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021. , p. 212).

Na leitura da autora, um ponto chave de encontro da educação popular com a interseccionalidade seria a ênfase em navegar pelas diferenças como parte importante do desenvolvimento da consciência crítica. Em caminho semelhante, bell hooks, uma expoente do feminismo negro, aponta para o elo entre a “conscientização” proposta por Paulo Freire e os processos de descolonização. A autora enfatiza como o momento inicial de transformação das condições sociais que articulam distintas opressões passa por “começarmos a pensar criticamente sobre nós mesmas, construindo uma identidade diante das circunstâncias políticas” (hooks, 2017, p. 67), remetendo à importância das composições entre a educação popular e a luta interseccional.

Esses são alguns exemplos das potentes práxis interseccionais e anticoloniais que evidenciam uma história de continuidades e rupturas com o momento fundacional da educação popular. O próprio movimento zapatista está imerso nesses questionamentos.

Já mencionamos o amplo debate sobre as transformações do zapatismo, que passa cada vez mais de movimento guerrilheiro pela tomada do poder a movimento indígena autonomista. A partir do levante de 1994, o zapatismo se torna explicitamente uma “organização indígena”. O subcomandante Marcos chegou a afirmar: “O fundamental da nossa luta é a demanda dos direitos e da cultura indígenas, porque isso somos”. É importante notar que essas transformações também podem ser percebidas em diversos outros movimentos do México e da América Latina. Se, na década de 1970, grande parte deles não incluíam as demandas de caráter étnico em seus programas políticos, no final da década de 1980, isso vai se modificando. Os movimentos indígenas que acumulam forças em fins dos anos 1980 explodem na vida pública na década de 1990, proporcionando o que Yvon Le Bot (2013)LE BOT, Y. La gran revuelta indígena. México, DF: Océano, 2013. denominou de “ la gran revuelta indígena ” na América Latina.

É preciso ressaltar que, sendo um dos protagonistas principais da “primavera indígena” ( Le Bot, 2013LE BOT, Y. La gran revuelta indígena. México, DF: Océano, 2013. ), o movimento zapatista, embora tenha se transformado, não se afastou de uma perspectiva anticapitalista, nem abandonou a terra como uma das suas reivindicações principais. A polarização que muitas vezes se coloca para os movimentos sociais entre defender aspectos agrários e econômicos (típicos dos movimentos ditos clássicos) ou aspectos étnicos e culturais (típicos dos movimentos que surgem a partir do final da década de 1980) não parece fazer sentido no decorrer da história zapatista. A autonomia indígena não pode ser construída sem a terra e os meios para bem viver nela. A terra, ao estar nas vidas e nas bocas dos indígenas do movimento, parece ganhar um sentido bastante distinto, pois não é apenas um recurso, mas todo um referencial cosmopolítico ( Morel, 2019MOREL, A. A luta pela terra na cosmopolítica do movimento zapatista. Revista Estudos Libertários, [s. l.], v. 1, n. 1, 2019. ). A educação zapatista tampouco pode ser pensada sem a terra produzindo um movimento de descolonização das escolas.

A EDUCAÇÃO AUTÔNOMA

O zapatismo constrói um sistema de educação autônomo que se distingue das instituições privadas e estatais de ensino. A partir do fim das negociações com o Estado mexicano, em 1997, os zapatistas organizam seus membros para a formação dos educadores e começam mutirões para a construção das escolas autônomas, que se intensificam nos anos 2000. Segundo materiais da Escuelita Zapatista, apenas em Los Altos, uma das cinco regiões zapatistas, existiam, em 2013, 157 escolas autônomas, com 496 educadores e 4.886 educandos.

Os educadores, chamados de promotores de educação, são indígenas das comunidades que têm uma formação contínua em educação autônoma nos espaços do movimento, mas não perdem sua relação com a terra pois seguem sendo camponeses. Em tzotzil, o educador/promotor é chamado jnikesvany , que significa “a pessoa que move”. Os jnikesvany de educação movem e promovem a relação com o conhecimento a partir das necessidades que surgem por parte dos alunos e da comunidade. O mesmo ocorre com os promotores de outras áreas de atuação zapatista, como a saúde, a comunicação e a agroecologia.

Os promotores de educação são nomeados por voto majoritário ou por consenso nas assembleias. Há também uma comissão de educação (igualmente eleita pela comunidade), responsável por orientar e apoiar o trabalho dos promotores. Cada promotor de educação é responsável mediante a coletividade. Ao mesmo tempo, a comunidade também tem suas responsabilidades frente aos promotores: os promotores não recebem salário, mas, durante o tempo em que se dedicam às atividades educativas da comunidade, esta deve retribuir diretamente com milho e feijão ou com trabalho coletivo na plantação da família do promotor. Isso ocorre para compensar o fato de que, muitas vezes, os promotores não conseguem trabalhar por períodos longos em suas terras, devido ao tempo em que estão dedicados às atividades educativas. Além das horas em sala de aula, os promotores de educação devem reservar outro tempo para as formações. Eles recebem uma primeira formação mais longa antes de começar a atuar propriamente em sala de aula e, depois, quando já estão dando aulas, seguem com formações periódicas, que incluem encontros com outros educadores da sua escola, região e de seu caracol ( Morel, 2018MOREL, A. Caminhar perguntando: a educação autônoma zapatista. RevistAleph, Rio de Janeiro, n. 31, 2018b. ).

Para a criação das escolas autônomas, foram realizadas oficinas que envolviam todos os municípios autônomos. Em um primeiro momento, a instabilidade política e as constantes violências sofridas pelos zapatistas impediam a consolidação de uma estrutura organizativa que pudesse impulsionar de maneira mais sistemática o projeto de educação autônoma ( Mora, 2018MORA, M. Política kuxlejal: autonomía indígena, el Estado racial e investigación descolonizante en comunidades zapatistas. México, DF: CIESAS, 2018. ). Muitas atividades de formação e reuniões foram canceladas por ameaças de operações militares. Quando a situação ficou um pouco mais estável, uma das primeiras tarefas foi desenhar um plano de estudos para as escolas primárias. Em cada comunidade convocaram uma assembleia para discutir as prioridades para a educação autônoma. O primeiro ponto de discussão foi sobre as críticas aos processos educativos vivenciados nas escolas oficiais antes do levante zapatista. A partir dos distintos relatos que versavam sobre os autoritarismos e racismos vivenciados na educação oficial, foi criado um acúmulo coletivo dos acordos necessários para instaurar o sistema autônomo de educação.

Mariana Mora (2018)MORA, M. Política kuxlejal: autonomía indígena, el Estado racial e investigación descolonizante en comunidades zapatistas. México, DF: CIESAS, 2018. aponta alguns pontos comuns desses acordos discutidos em assembleias. Primeiro, a aprendizagem na escola deve vir unida ao que se aprende na comunidade, floresta ou plantação. Por isso, os estudantes não passam todo o tempo nas salas de aula, mas devem participar dos contextos em que se aprende a partir da vida cotidiana e da prática de autonomia. Outro ponto é que os estudantes não são recipientes vazios que simplesmente recebem conteúdo dos educadores. Não importa a idade, os estudantes são sujeitos de direito na autonomia e podem participar da tomada de decisões sobre o sistema educativo, inclusive participando das assembleias. Por último, as escolas autônomas têm como idioma principal o idioma materno da comunidade e, ao longo do processo educativo, vão sendo incorporados outros idiomas, como o espanhol.

Cada assembleia municipal discutiu e aprovou os acordos junto da versão final do plano educativo. O processo de discussão inicial das escolas primárias durou mais de um ano, entre idas e vindas das assembleias locais, até os níveis regionais das autoridades autônomas que sistematizavam as propostas discutidas localmente. Tal acúmulo permitiu definir os conteúdos dos materiais didáticos para as escolas primárias, baseados em um tipo de produção de conhecimento voltado não apenas para os familiares dos estudantes, mas que considera o conjunto das organizações comunitárias.

Tal proposta implica um experimento da própria instituição escolar. Os educadores têm toda a clareza de sua proximidade com as escolas tradicionais, produtoras de uma “educação bancária”, para usar o termo de Paulo Freire, mas estão justamente engajados na tentativa de transformá-las. Certa vez, um educador comentou:

Na educação autônoma temos o sonho de recuperar nosso ch’ulel (espírito), mesmo que ainda seja uma proposta muito próxima da escola tradicional, com salas fechadas e quadros. Muitas vezes os povos se apropriam das coisas dos de cima a seu modo para libertar-se.

O promotor reconhece as limitações da escola, mas, por outro lado, também entende que essa apropriação da escola, enquanto “coisa de cima”, pode potencializar sua libertação. É nesse sentido que as “escolas autônomas” também propiciam experimentações – experimentações que se fortalecem pela abertura gerada pela intervenção coletiva: nas decisões tomadas em assembleias que gerem o funcionamento da escola; na possibilidade de sair e voltar da sala de aula, ocupar o gramado, falar a própria língua, conversar com os colegas, contar com um educador da própria comunidade. Assim, mesmo a educação escolar não se foca necessariamente no único espaço da escola: o movimento, a terra e a comunidade também são espaços educativos fundamentais, e é impossível pensar as escolas autônomas sem eles.

Ao refletir sobre as relações entre a educação zapatista e a educação popular, alguns autores as definem como uma apropriação das ideias de Paulo Freire e dos movimentos de educação popular com ênfase na valorização do modo de vida indígena ( Santos, 2008SANTOS, J. S. dos. O movimento zapatista e a educação: direitos humanos, igualdade e diferença. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. ), ou, ainda, um misto das ideias de Paulo Freire com ideais multiculturais (Gutiérrez Narváez, 2006). É inegável a influência da obra de Paulo Freire e da educação popular nas práticas da teologia da libertação e nos diferentes movimentos sociais da América Latina, o que inclui o próprio zapatismo. No entanto, a educação zapatista parece fazer uma “devoração” da educação popular, para usar uma metáfora antropofágica, a partir dos próprios termos da “imaginação conceitual” indígena.

É verdade que, diferentemente de outras epistemologias educacionais, a educação popular não tem um único “guia de pensamento”, pessoa líder, ou coletivo proeminente. Ainda que Paulo Freire seja um “companheiro das primeiras ideias e práticas”, uma referência autoral que desenvolveu um repertório de princípios, preceitos e práticas pedagógicas, a educação popular emergiu a partir de uma interação aberta e dialógica de pessoas e de seus coletivos ( Brandão; Vasconcelos, 2021BRANDÃO, C. R.; VASCONCELOS, V. Entre as origens e o agora: memórias e trajetos da educação popular. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 29, n. 2, p. 10-24, 2021. ). Tudo se passa entre educadores e coletivos que compõem uma “pluri-comunidade político-pedagógica”. No entanto, existiria uma continuidade que marca tal corrente educacional: o entrelaçamento entre diferentes tipos de humanismos. Nas palavras de Brandão e Vasconcelos (2021BRANDÃO, C. R.; VASCONCELOS, V. Entre as origens e o agora: memórias e trajetos da educação popular. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 29, n. 2, p. 10-24, 2021. , p. 18), a continuidade fecunda na educação popular se dá entre:

[…] humanistas laicos/as (como o próprio Freire), humanistas cristãos/ãs (como vários companheiros/as de equipe de Paulo no Nordeste, no Chile, e no exílio na Europa), e humanistas marxistas, criadores/as inclusive de variantes do marxismo de origem e vocação latino-americana. Lembremos que as palavras: “homem”, “humano”, “humanismo” e “humanista” povoarão páginas e páginas da “Pedagogia do Oprimido” e de outros livros de Paulo Freire, como portas de entrada e vias de saída de toda a sua pedagogia.

Em uma perspectiva cosmopolítica ( Stengers, 2007STENGERS, I. La proposition cosmopolitique. In: LOLIVE, J.; SOUBEYRAN, O. (dir.). L’émergence des cosmopolitiques. Paris: La Découverte, 2007. p. 45-68. ), os humanismos que atravessam a educação popular são deslocados pelas teorias dos educadores zapatistas para quem as relações entre humanos consistem em apenas uma das relações dentre a rede de relações fundada por seres humanos e não humanos. Nesse sentido, a própria noção de autonomia ganha uma conotação distinta.

Sabemos que a autonomia é um tema caro para os debates pedagógicos, especialmente para a educação popular. Paulo Freire (2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. , p. 58) afirma que um saber necessário à prática educativa é o respeito à autonomia do ser do educando: “Esse é um imperativo ético e não um favor que devemos conceber uns aos outros”. A pedagogia da autonomia, segundo o autor, deve escapar das “alternativas infernais” entre o professor autoritário e o professor licencioso. A dialogicidade verdadeira se dá quando os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, o que também passa por romper com qualquer discriminação, machista, racista ou classista. A ênfase no diálogo, na diferença e no combate às opressões é um ponto de encontro entre a pedagogia da autonomia freiriana e a autonomia zapatista. Outra convergência é a noção defendida por Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. de que “ninguém é autônomo primeiro para decidir depois”. Também nas comunidades zapatistas vemos que a autonomia não é um princípio abstrato fundado em uma declaração, mas se faz nas escolhas cotidianas das comunidades.

A autonomia defendida por Paulo Freire não pode ser tutelada, mas tampouco é um evento automatizado, pois passa por um processo marcado por experiências respeitosas de liberdade. Nas palavras do autor:

Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade ( Freire, 2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. , p. 105).

Se os zapatistas também percebem a autonomia com um processo construído na base do “ lento, pero avanzo ”, para usar uma expressão do movimento, em que as decisões e responsabilidades dos sujeitos envolvidos na luta são fundamentais, o movimento acrescenta uma dimensão essencial: o ch’ulel (espírito). O amadurecimento que possibilita a construção da autonomia se dá a partir do ch’ulel , que pode se enfraquecer ou expandir a depender da rede de relações criadas. O ch’ulel tampouco é atributo unicamente humano, mas atravessa animais, objetos, montanhas, rios. A autonomia e as práticas de educação autônoma só são possíveis nas relações que se constroem entre os mais diversos seres.

Já abordamos as conceitualizações dos zapatistas sobre educação ( Morel, 2018MOREL, A. Caminhar perguntando: a educação autônoma zapatista. RevistAleph, Rio de Janeiro, n. 31, 2018b. ): a educação autônoma é um caminho para o chanel , a educação verdadeira, que transborda a escola. A educação verdadeira concebe a verdade não no sentido cartesiano, pairando acima dos sujeitos, mas é a educação própria de um povo, de um povo que pertence a uma terra. Nessa educação, é preciso aprender junto, entre humanos, mas também aprender com os seres não humanos: as árvores, as formigas, os rios, as montanhas, os deuses ( yajval ) que habitam a terra e os lugares importantes do mundo. A educação verdadeira é a dinâmica de aprender com o todo. O chanel possibilita p’iju’mtasel , que é algo como “preparar-se para viver no mundo”, mas através de um viver real, na relação com o cosmos. A autonomia é traduzida em tzotzil como vida própria de um povo xkuxlejal (vida) stuk (própria) jteklum (povo), que passa por todo um cuidado com os seres que habitam a terra, inclusive os deuses.

A terra, as montanhas, os rios, todos os lugares importantes do mundo não são espaços inertes sobre os quais os homens simplesmente intervêm (e, em tantos casos, vendem e destroem), mas são habitados por deuses viventes que protegem esses lugares: os yajval . Uma educadora zapatista contou: “A terra tem vida, cada lugar tem um ser importante, seu yajval ”. Os deuses foram assunto recorrente nas aulas das quais participei. A arte de engrandecer o ch’ulel depende de um constante diálogo com os deuses. A falta desse diálogo traria consequências negativas para as pessoas. Para passar por um rio, para plantar em uma terra, é preciso demonstrar respeito e dialogar com os donos dos lugares importantes.

A noção de emancipação, tão cara à educação popular, para os zapatistas, não se restringe à ideia de uma humanidade liberada da natureza, como um Sujeito único do planeta: os seres humanos terão sempre que negociar com os deuses. Com isso, parece se produzir uma certa “arte do cuidado”, isto é, “a recusa do esquecimento da capacidade de pensar e de agir conjuntamente exigidos pela ordem pública” ( Stengers, 2015STENGERS, I. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac Naify, 2015. , p. 71). É preciso aprender a ter cuidado com cada ato, pois cada mínima ação pode trazer diferentes efeitos na relação com os yajval: para atravessar um rio, para plantar, para passar por um novo caminho, é preciso aguçar a capacidade de agir e pensar coletivamente. É preciso ter atenção redobrada pois o mundo está cheio dos deuses dos lugares importantes.

Além do deslocamento do humanismo que atravessa a tradição da educação popular, os zapatistas também propõem uma interessante abordagem para os debates em torno da interseccionalidade. As mulheres zapatistas são vozes fundamentais na luta por autonomia; participaram ativamente do levante armado e são base da construção cotidiana nas comunidades. O subcomandante Marcos afirma que a primeira revolta não foi a de 1994, mas, sim, a que culminou na Lei Revolucionária das Mulheres, em 1993. Diante de um cenário de violência doméstica, discriminação e exploração, essa lei é a expressão da organização das indígenas zapatistas em busca de transformação e foi gerada a partir de um amplo debate comunitário. As primeiras mulheres que participaram do movimento, antes do levante de 1994, percorreram suas comunidades para dialogar com outras mulheres sobre o movimento e as questões que as atravessavam. O debate gerado abriu caminho para um processo de formação educativa, cujo núcleo reflexivo comum se centrava na problematização em torno das condições de vida das mulheres indígenas ( Barbosa, 2018BARBOSA, L. P. Mulheres Zapatistas e a Pedagogia da Palavra no tecer da outra educação. In: CASTRO, A. M.; MACHADO, R. de C. (org.). Estudos feministas, mulheres e educação popular. São Paulo: LiberArs, 2018. v. 2, p. 25-48. ).

Sylvia Marcos (2010)MARCOS, S. Tomado de los labios: género y eros en Mesoamérica. Quito: Abya-Yala, 2010. aponta como a lei de mulheres não pode ser lida à luz de uma abordagem feminista convencional. A máxima das mulheres zapatistas “somos iguais porque somos diferentes” aponta para caminhos bem distintos do conceito de ser individual próprio do “feminismo da igualdade”. Operando mais uma tradução equívoca , desta vez, do feminismo, as zapatistas mostram como suas concepções estão inscritas no conceito de sujeito coletivo. Segundo a autora, adentra-se em uma base filosófica tão outra que se consegue propor e construir igualdades nas práticas cotidianas e políticas sem implicar em uma identidade de sujeitas independentes individuais.

Em caminho semelhante, Lia Barbosa (2018)BARBOSA, L. P. Mulheres Zapatistas e a Pedagogia da Palavra no tecer da outra educação. In: CASTRO, A. M.; MACHADO, R. de C. (org.). Estudos feministas, mulheres e educação popular. São Paulo: LiberArs, 2018. v. 2, p. 25-48. aponta uma dualidade complementar (e não exclusão) para pensar as questões de gênero na filosofia Maya. Para as zapatistas e as pessoas nos mundos mesoamericanos, seu ser não está encapsulado. O outro, seja homem, mulher, filho, mãe, avó, animais, plantas, não está fora de si. A coletividade faz parte do próprio eu. Forma-se, assim, uma das bases para sustentar a afirmação dessa diferença, como expressão do ser igual ( Marcos, 2010MARCOS, S. Tomado de los labios: género y eros en Mesoamérica. Quito: Abya-Yala, 2010. ). Na luta das mulheres zapatistas, tudo é concebido como particular em sua multiplicidade – e não idêntico.

A educação zapatista em suas ações que conectam a escola e a terra, parte do protagonismo das mulheres como parte de um viés formativo que desloca as bases da educação popular por meio do pensamento Maya e sua afirmação da multiplicidade. Cabe discutirmos como essa proposta pode ser entendida como uma indigenização da educação popular.

INDIGENIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR

Ao pensarmos uma indigenização da educação popular, cabe qualificar melhor o próprio termo indigenização de acordo com a proposta zapatista. Ainda que em sentido muito distinto, o discurso oficial da história nacional mexicana é marcado por uma estreita vinculação com os povos indígenas. Por essa perspectiva, os povos seriam a “essência” da nação mexicana, os verdadeiros mexicanos originais. Mas, como afirma Pedro Pitarch (2013)PITARCH, P. La cara oculta del pliegue: antropología indígena. Conaculta: Artes de México, 2013. , ao analisar a imagística exibida no imponente Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México, os indígenas valorizados não são quaisquer indígenas, mas, sim, os povos indígenas dos chamados impérios do passado pré-colombiano, dos quais os índios contemporâneos seriam apenas vestígios.

Já a indigenização da educação zapatista é feita em um sentido bem distinto, pois não é sinônimo de relegar os povos indígenas a um passado perdido. O movimento zapatista afirma a contemporaneidade dos povos indígenas e produz uma ruptura com a própria história oficial nacional. Não se trata mais de identificar esses povos com a essência original de uma nação homogênea, mas denunciar a ação etnocida colonizadora e capitalista dos últimos séculos, afirmando a diferença dos povos indígenas e a possibilidade de construir, a partir deles, outros presentes.

Tal proposta não se vincula a um retorno a um passado intocado, mas traz a perspectiva de tempo e das relações dos caracóis. Os caracóis são os centros administrativos zapatistas e têm um nome que remetem à circularidade do tempo, são um espiral. É uma maneira de dizer que não há princípio nem fim, pois é um espaço aberto para muitas formas de viver diferentes. Para os mais velhos, a palavra caracol ( to’t ) significa que vão comunicar algo para muita gente. Os caracóis são espaços de relação dos zapatistas com outras pessoas, movimentos, países. Rocío Noemi aponta como a ideia do caracol é convocadora e está relacionada com a fusão de distintas realidades presentes nos rituais indígenas:

O caracol é, portanto, uma ressonância não somente do tempo, mas também de um som que as pessoas reconhecem e sabem que algo importante as chama. Os chamados dos rituais indígenas se fazem com os Ok’es – assim se chama a concha do mar. E quer dizer guincho dos animais. É o antigo guincho do canto do jaguar, mas também o canto dos pássaros. É uma fusão de realidades distintas, de mundos diversos que compõem a diversidade da natureza maia nesse canto. […] É muito significativo que “caracol” seja o nome dos espaços que são aglutinadores do mundo externo às comunidades indígenas, mas que o zapatismo também chama para a luta (Baschet; Noemi, 2021, p. 54).

Em um movimento contínuo entre o fora e o dentro, os caracóis são espaços fundamentais para o zapatismo e remetem a um tempo cíclico na coexistência de mundos. Em sentido semelhante, a pensadora boliviana Silvia Cusicanqui (2021)CUSICANQUI, S. R. Ch’ixinakax utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. São Paulo: N-1, 2021. , a partir do pensamento Aymara, propõe uma visão de história que não é linear, nem teleológica, mas que se move em ciclos e espirais. O passado-futuro está contido no presente. Para a autora, o mundo ao revés do colonialismo só voltará ao seu eixo se for possível derrotar aqueles que se empenham em conservar o passado com todo o seu lastro de privilégios ilegítimos. Segundo Cusicanqui (2021)CUSICANQUI, S. R. Ch’ixinakax utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. São Paulo: N-1, 2021. , os projetos de modernidade indígena assentam-se na coexistência de tempos e modos de existência, que, sem harmonia ou fusão, abrem brechas para as sementes do futuro que brotam do fundo do passado. No mesmo caminho da proposta zapatista, os povos indígenas não seriam originários, mas, sobretudo, contemporâneos.

A indigenização da educação zapatista não pode ser pensada, então, como um retorno a uma essência vinda do passado, mas como contemporânea, a partir da dimensão do caracol, na coexistência de mundos. Se o chamado zapatista é indiscutivelmente indígena por sua composição de diferentes etnias Maya, sua perspectiva e seus modos, ele não é essencialista, nem apoiado no multiculturalismo. Como aponta Baschet (2021)BASCHET, J. A experiência zapatista: rebeldia, resistência, autonomia. São Paulo: N-1, 2021. , a máxima zapatista “por um mundo onde caibam muitos mundos” entrelaça a luta indígena e anticapitalista e uma resistência planetária. O mundo, planeta, espaço comum, não seria neutro, mas compartilhado nas e através das diferenças. Tal máxima nos ajuda a pensar a importância da autodeterminação dos povos em tempos de degradação ecológica de um mesmo mundo.

No âmbito da reconfiguração da educação popular, lutar por “um mundo onde caibam muitos mundos” pode nos dar pistas interessantes para as seguintes questões: a América Latina ainda é um espaço de resistências diante da crise ecológica global? Como praticar uma educação para a diversidade e a multiplicidade em tempos de catástrofe de um mesmo mundo? Em relação à última, vemos como os zapatistas, no encontro ConCiências,8 8 O encontro reuniu diversos cientistas do mundo em presença dos indígenas zapatistas em 2017. Mais informações disponíveis em: http://conciencias.org.mx/ . Acesso em: 6 mar. 2023. afirmaram que, diante das mudanças ambientais causadas pela hidra capitalista, é preciso reconfigurar os conhecimentos. Para exemplificar, o subcomandante Moisés menciona que, nas plantações de milho feitas na selva, antigamente, eram necessários três meses para poder colher. Atualmente, os indígenas da região não podem mais contar com o ciclo antigo, pois a frequência da colheita diminuiu bastante. Neste cenário, os conhecimentos científicos podem ajudar a lidar com tal situação dramática, especialmente quando estão em presença dos questionamentos indígenas sobre seus próprios fundamentos coloniais.

A educação zapatista como uma indigenização não essencialista envolve, então, uma negociação permanente entre diferentes mundos. A escola como instituição de origem colonial, e que durante muito tempo teve um papel etnocida na região, torna-se um experimento que, nas palavras dos educadores zapatistas, possibilita a coexistência de mundos – o que, porém, não implica uma fusão harmônica. Nestas conexões, as partes não se enganam nem se englobam e podem até aprender mutuamente, sem que, por isso, se tornem uma coisa só.

Devemos nos perguntar sempre: o que sabiam os maias, nossos antepassados e o que nós sabemos hoje sobre isso? […] Depois nos perguntaremos igualmente: o que sabem e o que fazem hoje as ciências modernas, desenvolvidas há mais de quinhentos anos, graças à exploração da humanidade e do planeta? (Documento da ESRAZ, 2001, apud Gutiérrez Narváez, 2011GUTIÉRREZ NARVÁEZ, R. Dos proyectos de sociedade en Los Altos de Chiapas. Escuelas secundarias oficial y autónoma entre los tsotsiles de San Andrés. In: BARONNET, B.; BAYO, M. M. STAHLER-SHOLK, R. (coord.). Luchas “muy otras”: zapatismo y autonomía en las comunidades de indígenas de Chiapas. México, DF: UAM-X, 2011. p. 237-266. , p. 257).

Quando a educação popular é indigenizada pelo zapatismo, ela também se transforma, pois, como já foi dito, não há uma simples fusão harmônica. Há um deslocamento do humanismo, em prol de uma rede de relações com diferentes seres não humanos. Há o protagonismo das mulheres que parte da multiplicidade na luta por um mundo onde caibam muitos mundos. A descolonização da educação popular abre espaço para que o diálogo problematizador a partir dos “temas geradores”, tão caro à educação popular, possa, sem abandonar a crítica ao enfoque econômico-político dos processos de opressão e dominação, questionar também os fundamentos epistêmicos (e ontológicos) coloniais ( Fleuri, 2018FLEURI, R. M. Paulo Freire: aprender a educar com os povos indígenas. In: GADOTTI, M.; CARNOY, M. (org.). Reinventando Freire. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2018. p. 229-236. ). Além disso, vemos a importância de pensar as experiências de educação popular não apenas como expressão de uma grande teoria ou práxis, mas produzindo transformações para o acúmulo histórico de tal perspectiva, considerando que as reflexões dos educadores dos distintos povos podem ter o mesmo “status ontológico” que os autores clássicos do campo.

Nesse sentido, compreendemos que a “conscientização” de que fala Paulo Freire (1987)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ocorre entre os zapatistas em diferentes sentidos, pois, como já falamos, nos espaços educativos autônomos muitas vezes são os indígenas que ensinam os brancos. Em caminhos semelhantes, Davi Kopenawa, no livro A queda do céu ( Kopenawa; Albert, 2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. ), ao elaborar uma crítica xamânica à economia da natureza dos brancos – a quem chama de “povo da mercadoria” –, reitera diversas vezes: “Os brancos não sabem”. A elaboração de Kopenawa, assim como dos zapatistas, não trata apenas da conscientização sobre a opressão sofrida por seu povo, mas, invertendo a lógica colonial habitual, ambos buscam conscientizar também os brancos, sobre o lugar que ocupam no sistema colonial das mercadorias e sobre seu papel na destruição e no adoecimento da terra e dos seres que a habitam.

Essa conscientização, entre os zapatistas, passa por engrandecer o ch’ulel , que, além de “espírito”, também pode ser traduzido como “consciência”. É preciso atentar que tal tradução parece ganhar um sentido bastante diferente do utilizado, por exemplo, na filosofia cartesiana, já que não se trata de uma dominação consciente das paixões pela alma, baseada na compreensão de que, quando o corpo age, a alma padece. Segundo os zapatistas, ter consciência e engrandecer o ch’ulel é aprender da vida, ter respeito ao que existe, é se encontrar, é algo que vai se desenvolvendo continuamente na relação com o mundo.

Por fim, lembramos que uma tradução possível para indígena em tzoztil é bats’i ants vinik (mulheres e homens verdadeiros). Verdadeiro não significa alcançar uma verdade absoluta e imutável, mas pertencer a um lugar, a uma terra, o que nos parece o completo oposto de ser proprietário de uma terra, e, nesse sentido, transcendê-la, englobá-la, contê-la como sua “coisa”. A indigenização zapatista estabelece uma relação própria com a terra. Sem retorno a um passado perdido, é uma subsistência de futuro que permite ampliar os horizontes dos debates educacionais.

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  • XAKRIABÁ, C. Amansar o giz. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 14, p. 110-117, 2020.
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    Na década de 1980, período em que ocorreu o Concílio Vaticano II, é também quando se desenvolve a teologia índia. Considerada como um ramo da teologia da libertação, a teologia índia tem seu foco nos povos indígenas. Se na sua fase inicial a teologia da libertação é marcada pela categoria “pobres”, sendo os indígenas incluídos dentro dessa maioria empobrecida, nesse outro momento abre-se espaço para uma atenção especial aos povos indígenas, o que se exprime na criação dessa nova tendência, a teologia índia. A religiosidade dos povos indígenas, historicamente combatida pela Igreja Católica, agora passa a ser reinterpretada a partir de Cristo ( Lupo, 2012LUPO, A. La indianización del Evangelio: los protagonistas de la transformación posconciliar del catolicismo indígena mexicano. In: PITARCH, P.; OROBITG, G. Modernidades indígenas. Madrid: Iberoamericana, 2012. ). Os indígenas, em vez de serem povos sem fé, passam a ser os primeiros e verdadeiros cristãos.
  • 2
    Compreendemos descolonização no sentido anticolonial que propõe Silvia Cusicanqui (2019)CUSICANQUI, S. R. “Tenemos que producir pensamiento a partir de lo cotidiano”. [Entrevista cedida a] Kattalin Barber. El Salto, Madrid, 17 fev. 2019 Disponível em: https://www.elsaltodiario.com/feminismo-poscolonial/silvia-rivera-cusicanqui-producir-pensamiento-cotidiano-pensamiento-indigena. Acesso em: 5 ago. 2021.
    https://www.elsaltodiario.com/feminismo-...
    , diferenciando-a, assim, das propostas decoloniais e pós-coloniais: “Desde tiempos coloniales se han dado procesos de lucha anticolonial; en cambio, lo decolonial es una moda muy reciente que, de algún modo, usufructúa y reinterpreta esos procesos de lucha, pero creo que los despolitiza, puesto que lo decolonial es un estado o una situación pero no es una actividad, no implica una agencia, ni una participación consciente. Llevo la lucha anticolonial a la práctica en los hechos, de algún modo, deslegitimizando todas las formas de cosificación y del uso ornamental de lo indígena que hace el Estado”.
  • 3
    Tal trabalho etnográfico foi base da tese de Morel (2018a).
  • 4
    É preciso reiterar também que, quando tratamos do movimento zapatista, falamos de uma diversidade de pessoas e comunidades heterogêneas do ponto de vista de suas condições materiais, religião, deuses, línguas etc. Estes escritos trazem apenas uma pequena parte dessa diversidade.
  • 5
    O personagem de Marcos é de um mexicano “branco”, de formação universitária, que passa a conviver com os indígenas a partir do início da guerrilha. Ele desapareceu na ocasião do assassinato do promotor de educação zapatista Galeano para renascer no novo personagem do subcomandante Galeano. O comunicado que trata do desaparecimento de Marcos pode ser encontrado em: https://enlacezapatista.ezln.org.mx/2014/05/25/entre-la-luz-y-la-sombra/ .
  • 6
    Os diversos comunicados dos subcomandantes estão disponíveis em: https://enlacezapatista.ezln.org.mx/ . Acesso em: 6 mar. 2023.
  • 7
    Seguimos, então, a “rotação de perspectiva” proposta para a etnologia brasileira ( Viveiros de Castro, 1999VIVEIROS DE CASTRO, E. Etnologia brasileira. In: MICELI, S. (org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo: Sumaré/ANPOCS; Brasília: CAPES, 1999. p. 164-168. ). Tal deslocamento parte do princípio de que a dominação político-econômica das sociedades indígenas pela “sociedade envolvente” e seu aparelho de Estado não deve levar ao privilegiamento teórico da segunda, o que pressuporia um englobamento absoluto, heteronômico, dos povos politicamente dominados pelo Estado-Nação. Trata-se de insistir, na construção do trabalho etnográfico, sobre a realidade e a efetividade das resistências à unificação promovida pela lógica estatal.
  • 8
    O encontro reuniu diversos cientistas do mundo em presença dos indígenas zapatistas em 2017. Mais informações disponíveis em: http://conciencias.org.mx/ . Acesso em: 6 mar. 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2022
  • Aceito
    27 Fev 2023
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