Acessibilidade / Reportar erro

VIDA ACELERADA E ESGOTAMENTO: ensaio sobre a mera-vida urbana contemporânea

ACCELERATED LIFE AND EXHAUSTION: essay on the contemporary urban mere-life

VIE ACCÉLÉRÉE ET L’ÉPUISEMENT: essai sur la vie simple urbaine contemporaine

Resumos

A partir das reflexões de Hartmut Rosa sobre aceleração e ressonância, e da noção de concorrência como modelo de subjetivação, de Pierre Dardot e Christian Laval, pretende-se discutir a alteração dos padrões de autovigilância das condutas, nomeadamente aquelas que se dão no ciclo acumulativo sempre crescente de esforços pessoais para a manutenção e superação dos padrões atuais de produção. A reflexão parte da constatação de que vivemos experiências urbanas cada vez mais aceleradas e incitadas, sobretudo, pelas práticas de consumo que resultam em experiências urbanas esgotantes e alienantes. Disso resultam experiências urbanas de pouca ou nenhuma durabilidade, marcadamente efêmeras, sem implicações territoriais para além do mero consumo do próprio espaço.

Palavras-chave:
Aceleração; Esgotamento; Mera-vida


Drawing on Hartmut Rosa’s reflections on acceleration and resonance, and on Pierre Dardot and Christian Laval’s notion of competition as a model of subjectivation, this essay discusses the changes in the self-surveillance patterns of behaviors, namely those that take place in the ever-increasing accumulative cycle of personal efforts for maintaining and surpassing current production standards. This reflection starts from the realization that we experience increasingly accelerated urban lives, mainly urged by consumption practices that lead to exhausting and alienating urban experiences. This results in urban experiences of little or no durability, markedly ephemeral, without territorial implications beyond the mere consumption of space itself.

Keywords:
Acceleration; Exhaustion; Mere-life


En s’appuyant sur les réflexions de Hartmut Rosa sur l’accélération et la résonance, et sur la notion de compétition comme modèle de subjectivation de Pierre Dardot et Christian Laval, cet essai discute des changements dans les schémas d’autosurveillance comportementale, à savoir ceux qui ont lieu dans le cycle d’accumulation toujours croissant des efforts personnels pour maintenir et dépasser les normes de production actuelles. Cette réflexion part du constat que nous vivons des expériences urbaines de plus en plus accélérées, poussées avant tout par des pratiques de consommation qui conduisent à des expériences urbaines épuisantes et aliénantes. Il en résulte des expériences urbaines peu ou pas durables, nettement éphémères, sans implications territoriales au-delà de la simple consommation de l’espace lui-même.

Mots-clés:
Accélération; Epuisement; Vie simple


INTRODUÇÃO

O título deste artigo revela, de saída, a constatação que tomo como ponto de partida para logo em seguida aventar a hipótese que sugiro como possível via de chegada. A constatação, baseada em Simmel (1997)SIMMEL, G. A metrópole e a vida do espírito. In: Fortuna, C. (org.). Cidade, cultura e globalização. Oeiras, Portugal: Celta, 1997. p. 35-44., Harvey (1992)HARVEY, D. A condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1992., Han (2016)HAN, B. C. O aroma do tempo. Lisboa: Relógio D’água, 2016. e Rosa (2019)ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., é que vivemos experiências urbanas cada vez mais aceleradas, sobrepostas, maniacamente incitadas, sobretudo, pelas práticas de consumo que resultam, por fim, em experiências urbanas esgotantes e alienantes.

A hipótese é que a dimensão econômica da cultura (Baudrillard, 2014Baudrillard, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2014.; Slater; Tonkiss, 2021SLATER, D.; TONKISS, F. A Sociedade de Mercado. São Paulo: Edusp, 2021.) precipita na experiência urbana contemporânea uma espécie de mera-vida (Agamben, 2014AGAMBEN, G. Nudez. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.) no vácuo marcado por fluxos socioespaciais, com baixa ou nenhuma densidade territorial. Disso resultam experiências urbanas de pouca ou nenhuma durabilidade, marcadamente efêmeras, sem implicações territoriais para além do mero consumo do próprio espaço. Entende-se aqui que o espaço urbano acompanha e deriva suas atuais caraterísticas das configurações contemporâneas da sociedade de consumo, seja na sua funcionalidade, seja, sobretudo, na formação dos sentidos a ele atribuídos.

Essa possível reação causal do espaço à sociedade de consumo não subsume a reflexividade que implica pensar em como o espaço também incide sobre as condutas e práticas de consumo. Não há aqui nenhuma intenção de recuperar o falso apartheid entre a cidade em sua dimensão física e funcional (Ville) e a cidade compreendida em sua dimensão sociocultural (Cité), cujo debate já foi possivelmente equacionado pelo urbanismo moderno (Brenner, 2018BRENNER, N. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2018.) e pela sociologia urbana contemporânea (Sennett, 2018SENNETT, R. Construir e habitar: ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro: Record, 2018.; Fortuna, 2020FORTUNA, C. Cidades e Urbanidade. Florianópolis: Editora Insular, 2020.). O argumento desse artigo parte de uma preocupação tradicional da perspectiva crítica sobre a cultura de consumo, nomeadamente aquela que almeja discutir os efeitos da predominância da racionalidade econômica sobre a cultura em geral (Slater; Tonkiss, 2021SLATER, D.; TONKISS, F. A Sociedade de Mercado. São Paulo: Edusp, 2021.) e, no nosso caso, sobre a cultura urbana em particular (Leite, 2018bLEITE, R. P. O futuro incerto das cidades: uma reflexão niilista sobre as atopias urbanas. Tempo Social, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 255-276, 2018b. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/123174/142060. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://www.revistas.usp.br/ts/article/v...
).

A CULTURA URBANA DA NOVA CITÉ

Em texto que se tonou clássico para a sociologia urbana, Georg Simmel reflete sobre essa atitude que seria típica da vida moderna na metrópole. Uma versão atual do conceito de Blasé poderia justamente destacar que ele não é mais apenas um indiferente diante da vida, mas é precisamente um esgotado. Para Simmel (1997SIMMEL, G. A metrópole e a vida do espírito. In: Fortuna, C. (org.). Cidade, cultura e globalização. Oeiras, Portugal: Celta, 1997. p. 35-44., p. 35), “uma vida sensorial imoderada torna uma pessoa blasé porque estimula os nervos até à sua máxima reactividade – até ao ponto de deixarem de ter qualquer reação”.

Essa atitude de impessoal indiferença, fruto da crescente monetarização da vida, compromete as possibilidades interativas devido à existência de um “mútuo estranhamento”, mas, de outra forma, assegura certa liberdade pessoal a esse indivíduo mediante essa conduta defensiva do blasé.

Esse indivíduo como parte de uma crescente cultura monetária da economia e da vida é um tema clássico presente em diferentes visões e análises sobre a vida moderna. O mestre expressionista Fritz Lang criou uma das imagens arquetípicas que fora eternizada sobre o trabalho fabril moderno: em meio à paisagem urbana futurista de Metrópolis (1927), trabalhadores perfilados e nivelados pelo macacão cinza, como uniforme de presidiários, a adentrar a fábrica a passos e compassos, como parte de uma engrenagem mecânica. A imagem remete à ideia de precisão, temporalidade, rotinização. Desde a ideia puritana de ascese vocacional (Weber, 1987WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1987.) até o modelo pós-fordista de organização do processo produtivo, inúmeras técnicas aperfeiçoaram as rotinas, procedimentos e ferramentas do processo produtivo. Com elas, foi se elevando cada vez mais o grau de mecanização corporal e adestramento mental necessários para a otimização dos recursos técnicos e humanos desprendidos na produção rotineira das mercadorias. Essa dinamização implicou, como ressalta Hartmut Rosa (2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 11) em sua Teoria da Aceleração Social, a ideia de um “aumento quantitativo por unidade de tempo”. Para Rosa, um dos aspectos constitutivos da Modernidade é a aceleração ou a aniquilação do espaço pelo tempo. A globalização, como processo, consiste nessa compressão espaçotemporal, como define David Harvey (1992)HARVEY, D. A condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1992.; ou no distanciamento espaçotempo, na forma sugerida por Anthony Giddens (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.).

A modernidade deve ser considerada na concepção de Rosa (2019)ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019. uma espécie de sistema autorreprodutivo em alta aceleração e com uma “compulsão a crescer”, que na maioria das vezes não implica nem autonomia nem estabilidade. A busca em estabelecer movimentos e processos cada vez mais velozes cria uma propensão ao crescimento acelerado e a dinâmicas que impregnam todas as esferas da sociedade com a ideia compulsiva de eficiência, superação, intensidade, inovação: “Aqui se manifesta, de forma especialmente impressionante, a irracionalidade moderna da lógica escalar, que se assemelha a um ‘correr às cegas’: os esforços de hoje não significam um alívio duradouro amanhã, antes uma dificuldade e uma agudização do problema” (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 15).

Essa afirmação alcança uma problemática bastante conhecida nos meios corporativos, e não apenas nos ambientes relacionados à vida produtiva, mas em todos os espaços da vida social: a escalada concorrencial e sua lógica acumulativa parecem ter atingido todas as esferas da sociedade. Em todos os âmbitos se fala em metas, crescimento, ampliação: igrejas almejam mais fiéis e mais templos; sindicatos cobiçam mais associados; escolas desejam sempre mais alunos. E cada uma se presta a potencializar suas ações: mais cultos, mais aulas, mais tarefas, mais negócios. O capítulo referente à vida acadêmica, em praticamente todo o mundo, é uma parte quase trágica desse enredo. A busca desenfreada por pontuação curricular enaltece as performances fast-papers e empobrece biografias. Os sistemas de avaliação quadrienal da pós-graduação brasileira é um modelo típico dessa lógica: artigos pontuam mais que livros, fato que pode fazer sentido para as ciências experimentais, mas é um verdadeiro disparate para as ciências humanas e sociais; e a cada quatro anos zeram as pontuações para começar tudo de novo, em ciclos descontínuos a cobrar produtos numa lógica escalar que privilegia abertamente o quantitativo produzido em detrimento da valorização real dos contributos e seus impactos nos campos do saber. E todos parecem estar imersos numa espécie de maratona infinita com obstáculos móveis e metas cambiantes, onde não basta o que fizermos hoje: é preciso fazer sempre e cada vez mais. A curva do gráfico é sempre maniacamente ascendente:

A dureza de aço dessa dinâmica escalar faz-se notória na seguinte circunstância: não importa com quanto êxito, individual e coletivamente, vivemos, trabalhamos e nos orientamos economicamente neste ano; no próximo ano, para mantermos nosso lugar no mundo, devemos ser melhores, mais velozes, eficientes e inovadores – e, no ano seguinte, coloca-se o nível ainda um pouco acima (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 15).

O ciclo acumulativo sempre crescente de esforços pessoais para a manutenção e superação dos padrões de produção é acompanhado por mecanismos de monitoramento e avaliação das performances. Submetidas à avaliação e autoavaliação permanentes, as pessoas imputam a si e aos outros esses parâmetros cada vez mais elevados de produção. A concorrência contínua e ininterrupta cria um ambiente cada vez mais hostil, onde inexiste solidariedade e confiança. Ao contrário, predominam formas ampliadas de competição e autovigilância em todos os níveis. A aceleração da sociedade neoliberal faz a biopolítica do homo oeconomicus de Foucault (2008)FOUCAULT, M. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. se transformar em psicopolítica do esgotamento, baseada na ideia de desempenho (Han, 2015HAN, B. C. Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder. Lisboa: Relógio D’água, 2015.), aceleração dos ritmos de vida (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.) e na concorrência como modelo de subjetivação (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.).

Uso aqui o termo neoliberalismo no sentido mais amplo de uma concepção de mundo, e não apenas no sentido restrito de uma teoria econômica, na mesma perspectiva utlizada por Han (2015)HAN, B. C. Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder. Lisboa: Relógio D’água, 2015., Safatle (2020)SAFATLE, V. A economia é a continuação da psicologia por outros meios: sofrimento psíquico e neoliberalismo como economia moral. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 14-43., Dunker (2020)DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219. e Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.. Nessas concepções, a sociedade da produção e do consumo passa a se constituir em um meio e um fim para a mera reprodução de si mesma. O sistema produtivo se transmuta em uma engrenagem cíclica e autorreferente: o sujeito trabalha para viver e vive para trabalhar. O corpo, já disciplinado e dominado, cede lugar aos processos psíquicos de dominação (Butler, 2017BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.). Trabalha-se por desejos supérfluos e necessidades inúteis: por entretenimento, compulsão, e tudo é tratado como ou se transforma em mercadoria. A vida se torna imediata, mera-vida, vida passiva, vida-jogo praticada a cada lance como se fosse o último: “O ser que não contempla a morte como possibilidade de já-não-poder-ser-aí é um ser sujeitado, no sentido de estar submerso no fluxo contínuo da mera vida. Esse ser sujeitado seria um ser passivo e ajustado à positividade da sociedade de consumo” (Leite, 2018aLEITE, R. P. Labirínticas: Veneza como empiria para uma razão cega. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 1-13, 2018a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/5Tcpj3fy9dWq6HDWsDDhMfr/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/5Tcpj3f...
, p. 10).

Esse “sujeito do rendimento”, assujeitado à mera vida, se autovigia e se autocontrola, mediante dispositivos psicopolíticos (Leite, 2021LEITE, R. P. Uma introdução à psicopolítica: autovigilância e ascese do desempenho. In: LEITE, R. P.; VIEIRA, E. C. J. (org.). Distopias urbanas. Aracaju: Editora Criação, 2021. p. 311-340. (Coleção Sociologias Necessárias, v. 4)), e a vida urbana se transfigura para dar suporte às novas experiências de autocontrole e vigilância. Por psicopolítica entendo aqui uma forma de controle, mais precisamente um conjunto de dispositivos sociopsicológicos de autocontrole técnico-moral do sujeito neoliberal, que operam formas de poder e monitoramento das ações, mediante a modulação da conduta econômica e moral, ancorados em uma subjetivação centrada no desempenho. Com essa ideia, reitero a tese de que o trabalho realizado compulsivamente na pespectiva do acúmulo e da concorrência do sujeito empreendedor é mera ilusão do sucesso e a nova “gaiola de ferro” da sociedade contemporânea.

Nesse sentido, gostaria de poder argumentar que os dispositivos de esgotamento não são mera consequência das configurações do trabalho na sociedade de consumo e da aceleração, mas uma psicopolítica da nova cultura urbana do consumo que almeja formas mais eficazes de autocontrole e vigilância, pela via do próprio esgotamento desse sujeito do desempenho.

ACELERAÇAO E RAZÃO NEOLIBERAL

O conceito de aceleração na modernidade, elaborado por Hartmut Rosa (2019)ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., tem forte apelo heurístico para o argumento que intento desenvolver, em torno da ideia do esgotamento como agente de controle da nova cultura urbana. A análise de Rosa revela o caráter circular e paradoxal da relação entre aceleração técnica e a aceleração do ritmo da vida. Por aceleração do ritmo da vida, entende Rosa o “aumento dos episódios de ação e/ou de experiência por unidade de tempo, isso em função de um escasseamento dos recursos temporais” (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 239).

Em princípio, a aceleração técnica atua na economia do tempo liberando recursos temporais que deveriam impactar na desaceleração da vida. Contudo, a aceleração técnica acaba também por aumentar o ritmo da vida, à medida que os atores reagem ao maior tempo disponível adensando ações ou sobrepondo atividades. Em vez de disporem do maior tempo para se dedicar a outras atividades não produtivas (no sentido de não estarem relacionadas ao processo produtivo de bens e serviços), as pessoas acabam engolfadas pela lógica produtivista e passam a trabalhar ainda mais. Nisso consiste o ciclo vicioso e paradoxal, e o caráter autopropulsor da aceleração na Modernidade: a escassez temporal gera a aceleração técnica que cria mais tempo para a aceleração dos ritmos da vida: “a aceleração social da Modernidade se torna um processo autopropulsor […]. A aceleração dentro desse círculo gera, assim, sempre e inevitavelmente, mais aceleração, torna-se um ‘sistema de feedback’ que se fortalece a si mesmo” (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 302).

Quanto mais se aceleram os ritmos da vida e mais escassos são os recursos temporais, mais surgem demandas por novas técnicas e tecnologias que impactam, por sua vez, na aceleração geral da vida. Um dos aspectos que envolvem essa aceleração dos ritmos da vida é justamente a busca por melhorias do desempenho. Como se sabe, a passagem das formas de controle biopolítico (corporal) para a psicopolítica (psíquico) implica na mudança do eixo de controle de fora (instituições, normas etc.) para dentro (subjetividades) por meio – e principalmente – da interiorização generalizada dos padrões de rendimento como metas de vida (Leite, 2020LEITE, R. P. Psicopolítica e distopias da sociedade de consumo. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 44., 2020, [s. l.]. Anais […]. São Paulo: ANPOCS, 2020. p. 1-18.). Essa sujeição psicopolítica ocorre com o aumento da razão neoliberal centrada no sujeito do rendimento: “O neoliberalismo, como forma de mutação do capitalismo, transforma o trabalhador em empresário. […] Hoje, cada um de nós é um trabalhador que se explora a si mesmo na sua própria empresa. Cada um de nós é senhor e escravo na sua mesma pessoa” (Han, 2015HAN, B. C. Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder. Lisboa: Relógio D’água, 2015., p. 15).

A busca por desempenho cada vez mais otimizado, dentro dessa lógica concorrencial e neoliberal da vida, impulsiona as pessoas para a busca sempre crescente de novas metas, com performances de desempenho sempre mais elevadas, com inevitáveis impactos na aceleração dos ritmos da vida. Como ressalta Hartmut Rosa, ao invés de almejarmos “posições biográficas” contruídas ao longo de uma vida, e que resultam da dedicação robusta a uma atividade ou conhecimento, busca-se hoje resultados imediatos e superáveis, através de “performances dinâmicas”, em ciclos curtos e altamente competitivos da produção: “É necessário desempenhar sempre um pouco mais e, para tal, investir mais energia que o concorrente – que, por sua vez, deverá forçar a competição ainda mais. […] O que no esporte se chama de doping, em outras esferas sociais se chama human enhacement” (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 17).

Uma das formas de aprimoramento das performances reside no uso indiscriminado de psicoativos potencializadores cognitivos, como Ritalina, Modafinil e Adderal, as chamadas smart drugs. Esses medicamentos visam aprimorar atenção, desempenho e foco, cujos usos anunciam uma nova perspectiva psiquiátrica: “a passagem da psiquiatria de uma função terapêutica, ainda inserida no interior da clínica médica, a uma função de aprimoramento (enhacement), decididamente tributária da lógica econômica” (Neves et al., 2020NEVES, A. et al. A psiquiatria sob o neoliberalismo: da clínica dos transtornos ao aprimoramento de si. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 126-179., p. 125).

Uma das discussões derivadas dessa ideia de enhacement reside nas abordagens sobre trans-humanismo ou pós-humanismo (Prazeres, 2021PRAZERES, A. J. Trans-humanismo e secularização: escatologia tecnognóstica. Campinas: Editora Saber Criativo, 2021.; Vandenberghe, 2017VANDENBERGHE, F. Pós-humanismo ou a lógica cultural do neocapitalismo global. São Paulo: Annablume, 2017.). Grosso modo, a ideia gira em torno de como a técnica aperfeiçoa e cria habilidades humanas, permitindo melhores processos adaptativos ou superações dos seus limites naturais humanos. O debate se origina na concepção heideggeriana da técnica e flui para a abordagem deleuziana sobre a tecnogênese humana e mais recentemente na ideia de antropotécnica, de Peter Sloterdijk (2018)SLOTERDIJK, P. Tens de mudar de vida. Lisboa: Relógio D’água, 2018..

Há certa aproximação entre a noção de antropotécnica de Sloterdijk e a sociologia rizomática de Deleuze. Ambos reconhecem que o ser humano fracassou como animal e que, a partir disso, se superou por meio da técnica. Ambos também estabelecem, a partir desse ponto, uma visão crítica do capitalismo, no qual esse reforço técnico ajustou o ser humano ao modelo mercantil e maquínico de sociedade. Deleuze (2006)DELEUZE G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2006. estabelece uma fundamental base paradigmática para esse debate, a partir de sua forte crítica ao capitalismo e da sua visionária ideia de que o capitalismo colapsaria pela acentuada mercantilização do próprio ser humano, essas “máquinas desejantes”. Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. também abordam essa associação alienante entre o desejo e as novas formas de gestão desse novo sujeito, modulado para que ele deseje a sua própria servidão:

O sujeito unitário é o sujeito do envolvimento total de si mesmo. A vontade de realização pessoal, o projeto que se quer levar a cabo, a motivação que anima o “colaborador” da empresa, enfim, o desejo com todos os nomes que se queira dar a ele é o alvo do novo poder. O ser desejante não é apenas o ponto de aplicação desse poder; ele é o substituto dos dispositivos de direção das condutas. Porque o efeito procurado pelas novas práticas de fabricação e gestão do novo sujeito é fazer com que o indivíduo trabalhe para a empresa como se trabalhasse para si mesmo e, assim, eliminar qualquer sentimento de alienação e até mesmo qualquer distância entre o indivíduo e a empresa que o emprega (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 740).

Imerso subjetivamente na ideia de realização pessoal e do gozo potencializado pela capacidade de trabalhar cada vez mais, a otimização do trabalho é alcançada também pela sobreposição de atividades realizadas concomitantemente. Conhecido como multitasking (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019., p. 246), essa prática tem sido cada vez mais como um indicador da capacidade da pessoa executar múltiplas tarefas, associando a conduta como alta performance. Esta forma de aceleração do desempenho tem sido vista, por outro lado, como uma das principais causas do esgotamento físico e mental das pessoas. Ademais, embora a pessoa consiga com essa prática realizar mais tarefas, isso não significa que ela encurta o tempo ou prolonga a vida. Nem mesmo melhora cada atividade individual que realiza. Ao contrário, provavelmente piore a qualidade da tarefa em virtude do menor tempo dedicado individualmente a cada uma delas. O tempo não se dilata, e, neste caso, encurta a própria vida da pessoa, como sugere Byung-Chul Han:

Quem tenta viver mais rapidamente acaba também por morrer mais depressa. É a experiência da duração, e não o número das vivências, que faz com que a vida seja plena. […] Uma vida a toda velocidade, sem perdurabilidade nem lentidão, marcada por vivências fugazes, repentinas e passageiras, por mais elevada que seja a “cota de vivências”, continuará a ser uma vida curta (Han, 2016HAN, B. C. O aroma do tempo. Lisboa: Relógio D’água, 2016., p. 50).

As práticas de otimização do desempenho e de aceleração do ritmo da vida são constitutivas dos processos contemporâneos que estruturam não apenas uma economia liberal, mas também de uma moral e de uma psicologia associada ao desempenho. E podemos sugerir que essa é uma característica central da vida moderna, que parece ter alcançado seu auge no contexto atual, como sinaliza Rosa (2020ROSA, H. Lo indisponible. Barcelona: Herder Editorial, 2020., p. 17): “para los sujetos tardomodernos, el mundo se ha convertido por completo en un punto de agresión. Todo lo que aparece debe ser conocido, dominado, conquistado y aprovechado”.

Quando a vida é vista como agressão, não há como não esperar que a conduta humana descambe para uma colonização violenta do mundo da vida. Esse tipo de reação predatória é estimulado pela ideia liberal de liquidar a concorrência em regras livres do mercado, neutralizar inimigos e vencer na vida. A internalização dessa concepção neoliberal da vida extrapolou o sentido puramente econômico do termo para englobar dimensões morais, sociais e psíquicas voltadas à orientação de condutas e criou um “[…] fundamento normativo para a internalização de um trabalho de vigilância e controle baseado na autoavaliação constante de si a partir de critérios derivados do mundo da administração de empresas” (Safatle, 2020SAFATLE, V. A economia é a continuação da psicologia por outros meios: sofrimento psíquico e neoliberalismo como economia moral. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 14-43., p. 31). Essa é precisamente a chamada nova razão do mundo (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.) que entorpece e acelera o ritmo da vida e faz do neoliberalismo um modo de vida, no qual a concorrência intrageracional (Rosa, 2019ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.) passa a guiar subjetivamente as ações e interações, na qual a pessoa passar a ser também uma mercadoria: “Sob o neoliberalismo, a coerção é internalizada, de modo que os sujeitos se autorreificam sob a égide da lógica da mercadoria” (Franco et al., 2020FRANCO, F. et al. O sujeito e a ordem do mercado: gênese teórica do neoliberalismo. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 44-74., p. 49).

Como parte ativa do sistema e da lógica da mercadoria, esse sujeito hiperativo do rendimento encerra outro paradoxo: a aceleração da vida produtiva potencializa a exploração da pessoa até a sua morte. Nesta morte lenta, nega-se a vida e também, paradoxalmente, o direito de morrer: “O poder se expressa pela suspensão da morte. Tal como a vida que o escravo não possui, tal é a morte que também não possui. A sociedade contemporânea nega a morte e reitera, em suas rotinas aceleradas, a vida pela vida, a mera vida” (Leite, 2018aLEITE, R. P. Labirínticas: Veneza como empiria para uma razão cega. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 1-13, 2018a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/5Tcpj3fy9dWq6HDWsDDhMfr/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/5Tcpj3f...
, p. 9).

A morte é negada pela apologia da vida meramente produtiva, associada à potência do trabalho. A morte representa, no limite extremo, o não-ser. A vida acelerada nega a dimensão emblemática da finitude do ser, representada pela possibilidade de não mais produzir e nem existir. Se o que interessa é a vida produtiva, e tão somente ela, em todas as suas dimensões hiperativas, a lógica neoliberal recusa também a morte como possibilidade, e tudo que a ela se associa e que atrapalha a aceleração: o envelhecimento, a lentidão, a limitação corporal, a percepção transcendental da existência material, a contemplação.

Aceitar a finitude da vida como algo constitutivo da existência desaqueceria os ânimos produtivos, tão necessários à compulsão maníaca pelo sucesso material. Por essa razão, nega-se a vida e também a morte. Só interessa a vida activa, imersa na alienação do trabalho e na consumação diária do ser que produz e consome, é produzido e consumido. Byung-Chul Han (2016)HAN, B. C. O aroma do tempo. Lisboa: Relógio D’água, 2016. sugere que a noção de tédio profundo de Heidegger se refere exatamente a esse vazio da vida activa, no qual o ser se rende a uma total indiferença por não encontrar mais sentido à existência. A vida activa transforma o ser em um mero “processador funcional” que desconhece sentido fora da aceleração:

O processador, que só conhece processos de cálculo, vê-se submetido à pressão da aceleração. Deixa-se acelerar de bom grado, porque não tem qualquer estrutura de sentido, qualquer ritmo próprio, porque se reduz à mera eficiência funcional, que registra qualquer demora como uma moléstia (Han, 2016HAN, B. C. O aroma do tempo. Lisboa: Relógio D’água, 2016., p. 88).

PSICOPOLÍTICA DO DESEMPENHO E ESGOTAMENTO

Um aspecto importante da aceleração dos ritmos da vida é a dimensão subjetiva da “pressão temporal” e as experiências de estresse. Há muitas maneiras de exercer controle social sobre as pessoas. Uma delas é exatamente mantendo-as sob contínuo estresse: ocupadas e esgotadas. Em outras palavras, podemos entender essa aceleração como uma das causas do esgotamento, no sentido definido por Peter Pál Pelbart (2016PELBART, P. P. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. 2. ed. São Paulo: N-1 Edições, 2016., p. 42): “O esgotado é aquele que, tendo esgotado seu objeto, se esgota ele mesmo, de modo que essa dissolução do sujeito corresponde à abolição do mundo”. As dimensões do cansaço e do esgotamento passam ser socialmente almejadas e estimuladas socialmente, compartilhadas e levadas a cabo pelo próprio neossujeito liberal, cujas subjetividades se atrofiam ao nível mais elementar do eficaz assujeitamento das pessoas aos dispositivos sociopsicológicos de autocontrole técnico-moral do sujeito neoliberal, fincados na ideia de rendimento, competitividade, sucesso, desempenho.

A dissolução do sujeito pelo esgotamento, contudo, deve ser entendida como uma aniquilação parcial da pessoa, não da sua força de trabalho. O sujeito esgotado é uma pessoa vencida, porém ainda mais ativamente submissa e estimulada aos processos produtivos. Quanto mais esgotada, mais a pessoa se torna, paradoxalmente, produtiva porque impera a hiperatividade (Han, 2014HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio d’Água, 2014.) em suas estruturas psíquicas – a lógica concorrencial do desempenho neoliberal. Essa hiperatividade que esgota é também uma forma “extremamente passiva da ação que já não permite qualquer atividade livre. Radica numa absolutização unilateral da potência positiva” (Han, 2014HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio d’Água, 2014., p. 43).

Em seu ensaio A hipótese depressiva, Christian Dunker reflete obre as mudanças de visão do capitalismo, que passa a explorar o sofrimento como parte constitutiva da guinada ultraliberal: “Mas em meados dos anos 1970 o próprio capitalismo parece ter sofrido uma mutação. Em vez de proteção e narrativização do sofrimento, descobre-se que a administração do sofrimento, em dose certa e de forma adequada, pode ser um forte impulso para o aumento da produtividade” (Dunker, 2020DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219., p. 181).

Dessa feita, podemos aventar que, assim como a aceleração na Modernidade é um mecanismo autopropulsor, o esgotamento por ela gerado atua de modo similar como forma de autovigilância e controle em busca de maior desempenho. Podemos, então, sugerir a existência de um sistema de feedback similar ao proposto por Hartmut Rosa em relação à aceleração: quanto mais a pessoa acelera seu ritmo de vida e potencializa seu desempenho, mais ela individualiza sua culpa quando fracassa e quando se esgota, e esse esgotamento imputa mais autovigilância para que ela continue a manter ou melhorar o seu desempenho que, por sua vez, a manterá esgotada e assim, sucessivamente, até que os dispositivos psicopolíticos de desempenho se retroalimentem, mantendo a pessoa serva de si mesma e da lógica neoliberal.

Essa hipótese não anula a sugerida por Dunker (2020)DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219., mas a complementa. Dunker argumenta que a depressão se tornou uma forma generalizada de sofrimento porque é “egossintônica” (Dunker, 2020DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219., p. 182). Em interpretação mais ou menos livre, podemos entender um sintoma egossintônico como aqueles sentimentos que atribuímos ao nosso próprio eu, sem as conexões devidas com o mundo estruturante, de modo que há uma espécie de esvaziamento social do sintoma. No caso da depressão, equivaleria a sentir o sofrimento de tristeza profunda e sensação de incapacidade, sem poder vislumbrar os condicionantes sociais conflitivos desse sintoma. Dunker (2020)DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219. e Safatle (2020)SAFATLE, V. A economia é a continuação da psicologia por outros meios: sofrimento psíquico e neoliberalismo como economia moral. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 14-43. ressaltam que se trata de uma nova maneira da psiquiatria entender e descrever o sofrimento psíquico:

Esta nova narrativa de sofrimento individualiza o fracasso, na forma de culpa, sem interiorizá-lo na forma de conflitos. Com isso ela consegue isolar completamente a dimensão política, das determinações objetivas que atacam nossa forma de vida, redimensionando trabalho, linguagem e desejo, do sofrimento psíquico (Dunker; 2020DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219., p. 190).

Esse fracasso autoatribuído gera depressão e apatia política, que seriam usados pelo neoliberalismo como forma de esvaziar o conteúdo político dos sofrimentos psíquicos, como se fossem alheios ao sistema produtivo: “a depressão herda assim a figura social do fracassado, do inadequado, daquele que não consegue se ajustar a normas e regras” (Dunker; 2020DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219., p. 189). A depressão, uma vez esvaziada dos seus contornos sociais e políticas, passa a ser considerada “normal” e “individual”. Em sua análise sobre a ascensão desse sujeito neoliberal ou neossujeito, Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. seguem na mesma direção ao ressaltarem um importante aspecto da nova psicologia moral que passa a imperar nos mecanismos de autovigilância, no âmbito da lógica empresarial:

As novas técnicas da “empresa pessoal” chegam ao cúmulo da alienação ao pretender suprimir qualquer sentimento de alienação: obedecer ao próprio desejo ou ao Outro que fala em voz baixa dentro de nós dá no mesmo. Nesse sentido, a gestão moderna é um governo “lacaniano”: o desejo do sujeito é o desejo do Outro. Desde que o poder moderno se torne o Outro do sujeito (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 741).

A interiorização do desejo do Outro e a individualização da culpa parecem ser uma conjunção altamente eficaz e explosiva: ao mesmo tempo em que enfraquece politicamente o sujeito, o desloca cada vez mais para a esfera pessoal dos valores, negando-lhe a possibilidade de vislumbrar as razões políticas dos conflitos nos quais está imerso e de, por conseguinte, confrontá-los. Naturalizada a imersão do sujeito nas metas produtivas, ao ponto de sua vida estar praticamente reduzida à vida activa, esse neossujeito passa a se autogerir como uma empresa: “Trata-se agora de governar um ser cuja subjetividade deve estar inteiramente envolvida na atividade que se exige que ele cumpra” (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 303).

A partir da culpa individualizada (Dunker, 2020DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219.) desse neossujeito (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.) podemos aventar que o esgotamento e mesmo a depressão em seu limite, associados à ideia de aceleração de Hartmut Rosa, podem ser propulsores da produtividade neoliberal, centrada cada vez mais na crença do sucesso individual da ideia psicopolítica do empresário de si mesmo (Han, 2014HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio d’Água, 2014.). A autovigilância que otimiza o desempenho, e que sugeri resultar do próprio esgotamento, encontra estímulos exatamente na ausência de uma visão sociopolítica da realidade e de uma visão predominantemente individualista do mundo: “A individualização do conflito, sua transformação em forma de culpa em associação ao fracasso e a potência produtiva, faz com que a agressividade contra o outro, que motivaria um desejo de transformação da realidade, seja introvertido em uma agressividade orientada para o próprio eu” (Dunker, 2020DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219., p. 208).

Parafraseando Han (2014)HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio d’Água, 2014., podemos dizer que o sujeito produtivo se entrega à liberdade da sua própria coerção. Este sujeito explora e é explorado por si mesmo. Incapacitado de explorar a si mesmo, este sujeito se esgota e se deprime por não poder extrair mais de si. Byung Chul-Han compartilha da mesma leitura de Dunker e Safatle sobre a depressão. O deprimido é uma espécie de inválido na guerra produtiva interiorizada: “A depressão dá-se no momento em que o sujeito produtivo já não é capaz de poder. Ela é, em primeira análise, um estar cansado de fazer e poder. […] O sentimento de já não ser capaz de poder conduz a uma autocrítica destrutiva e à autoagressão” (Han, 2014HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio d’Água, 2014., p. 22).

Ambos os autores entendem que essa depressão é estéril politicamente: o sujeito deprimido não questiona o mundo, ele é incapaz de um exercício crítico em relação ao modelo de sociedade que concorreu para sua derrocada. Ele se culpabiliza e essa individualização da culpa gera autoagressão. Reduzido ao homo oeconomicus da sociedade neoliberal (Foucault, 2008FOUCAULT, M. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.), esse sujeito esgotado e deprimindo continua a contribuir para a propulsão da lógica competitiva ao atribuir a si – e a apenas a si – um fracasso que tem claramente origem no próprio sistema competitivo neoliberal. E, assim, o esgotamento imputa cada vez mais culpabilidade e autovigilância para que a pessoa continue ou volte a manter ou melhorar o seu desempenho que, por sua vez, a manterá esgotada e, assim, no típico sistema de feedback da aceleração do ritmo da vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A Cité na encruzilhada do consumo

A cultura urbana moderna se inicia com a monetarização da vida cotidiana que estimula aquela atitude blasé de indiferença e autoproteção a que se refere Simmel (1997)SIMMEL, G. A metrópole e a vida do espírito. In: Fortuna, C. (org.). Cidade, cultura e globalização. Oeiras, Portugal: Celta, 1997. p. 35-44. e culmina hoje com a financeirização de quase todas as esferas da vida social, criando esse neossujeito do rendimento: acelerado, esgotado e, por fim, muitas vezes deprimido. Pode-se deduzir que o blasé tinha certa consciência de sua condição e que, por isso mesmo, desenvolvia essa atitude autoprotetora. O blasé se afastava de qualquer excitação e buscava um estado mental de certo alheamento estratégico. Ao contrário, o neossujeito está imerso em todo o frenesi competitivo e parece completamente à mercê dos mecanismos psicopolíticos que o produzem. Ele não ensaia nenhuma reação, seja para confrontar ou para recusar os mecanismos que o impulsionam para uma produção sempre escalar e crescente.

Nesse contexto, é difícil prever que tipo de sociabilidades ainda almejaria esse sujeito do rendimento nos contextos urbanos contemporâneos, estando ele mais preocupado com seu próprio desempenho do que com as experiências interativas da vida urbana. Acelerado e esgotado, esse neossujeito parece cada vez mais imerso em sua própria existência, e a cultura urbana que emerge dessa lógica neoliberal nivela ou reduz parte da experiência pública a puros atos de consumo. A crítica a essa redução econômica da cultura urbana já foi feita por muitos autores que enxergam como a dimensão interativa das práticas de consumo criam modos de vida típicos da vida moderna (Campbell, 2001Campbell, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.; Featherstone, 1995Featherstone, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.; Miller, 2007Miller, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/68xnZMhnd73FV347vdBrvSH/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 18 ago. 2022.
https://www.scielo.br/j/ha/a/68xnZMhnd73...
), e não existe aqui a intenção de retomar os pormenores dessa discussão já feita em trabalho anterior.1 1 Ver Leite (2018b).

Contudo, Slater e Tonkiss (2021)SLATER, D.; TONKISS, F. A Sociedade de Mercado. São Paulo: Edusp, 2021. destacam um aspecto com o qual compartilho, se ajustada a questão para as realidades urbanas. Argumentam os autores que a cultura de consumo é em certa medida uma contradição em termos porque “nenhuma cultura real é possível com base na escolha individual mediada por mercadorias” (Slater; Tonkiss, 2021SLATER, D.; TONKISS, F. A Sociedade de Mercado. São Paulo: Edusp, 2021., p. 237). Nessa perspectiva, os autores destacam que embora a chamada cultura de consumo possa romper hierarquias e realizar em certa medida as promessas de identidades igualitárias pela via do consumo, incitam para que construamos nossas identidades mediante ao que chamam de “montagem de mercadorias em estilos de vida pessoais ou subculturas compartilhadas ou comunidades de gosto” (Slater; Tonkiss, 2021SLATER, D.; TONKISS, F. A Sociedade de Mercado. São Paulo: Edusp, 2021., p. 238).

Creio estar correta a análise de Slater e Tonkiss quando sugerem que a cultura de consumo é abertamente manipulada para fins de mercado, e as identidades que dela surgem sempre estarão à mercê de novas tendências e estilos que exigirão novos ciclos de consumo, fazendo com que as identidades individuais ou coletivas ancoradas na lógica do mercado enfrentem permanentes situações de instabilidade em decorrência da necessária atualização dos bens que retroalimentam a produção. A cultura de consumo incide, assim, na formação das identidades urbanas de modo autopropulsor ao próprio consumo, de maneira comparável à aceleração na modernidade (2019).

O espaço urbano em sua dupla dimensão estrutural (Ville) e simbólica (Cité) parece analogamente se prestar ao lócus ativo dessa cultura de consumo e da lógica desse neossujeito, à medida que enceta uma experiência urbana marcadamente efêmera, acelerada e voltada ao consumo dos espaços e lugares.

O indivíduo moderno precisava da atitude blasé para se proteger da monetarização e permanecer indivíduo no mundo; o neossujeito do rendimento, versão contemporânea e exacerbada do blasé, já não dispõe claramente de nenhum artifício que o livre ou proteja dos mecanismos psicopolíticos de alienação neoliberal porque a lógica econômica agora se tornou a própria cultura da contemporaneidade, e o que ela orienta como conduta adequada é justamente a aceleração contínua e maquinímica que incita a mera-vida e golpeia a Cité no que ela ainda tinha de possibilidade de manter aqueles ares que se pensava possuir a capacidade de nos libertar.

  • 1
    Ver Leite (2018b)LEITE, R. P. O futuro incerto das cidades: uma reflexão niilista sobre as atopias urbanas. Tempo Social, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 255-276, 2018b. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/123174/142060. Acesso em: 18 ago. 2022.
    https://www.revistas.usp.br/ts/article/v...
    .

REFERÊNCIAS

  • AGAMBEN, G. Nudez Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
  • Baudrillard, J. A sociedade de consumo Lisboa: Edições 70, 2014.
  • BRENNER, N. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2018.
  • BUTLER, J. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
  • Campbell, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
  • DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • DELEUZE G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2006.
  • DUNKER, C. A hipótese depressiva. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 180-219.
  • Featherstone, M. Cultura de consumo e pós-modernismo São Paulo: Studio Nobel, 1995.
  • FORTUNA, C. Cidades e Urbanidade Florianópolis: Editora Insular, 2020.
  • FOUCAULT, M. O nascimento da biopolítica São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • FRANCO, F. et al O sujeito e a ordem do mercado: gênese teórica do neoliberalismo. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 44-74.
  • HAN, B. C. A sociedade do cansaço Lisboa: Relógio d’Água, 2014.
  • HAN, B. C. Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder. Lisboa: Relógio D’água, 2015.
  • HAN, B. C. O aroma do tempo Lisboa: Relógio D’água, 2016.
  • HARVEY, D. A condição Pós-Moderna São Paulo: Loyola, 1992.
  • LEITE, R. P. Labirínticas: Veneza como empiria para uma razão cega. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 1-13, 2018a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/5Tcpj3fy9dWq6HDWsDDhMfr/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 18 ago. 2022.
    » https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/5Tcpj3fy9dWq6HDWsDDhMfr/?lang=pt&format=pdf
  • LEITE, R. P. O futuro incerto das cidades: uma reflexão niilista sobre as atopias urbanas. Tempo Social, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 255-276, 2018b. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/123174/142060 Acesso em: 18 ago. 2022.
    » https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/123174/142060
  • LEITE, R. P. Psicopolítica e distopias da sociedade de consumo. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 44., 2020, [s. l.]. Anais […]. São Paulo: ANPOCS, 2020. p. 1-18.
  • LEITE, R. P. Uma introdução à psicopolítica: autovigilância e ascese do desempenho. In: LEITE, R. P.; VIEIRA, E. C. J. (org.). Distopias urbanas Aracaju: Editora Criação, 2021. p. 311-340. (Coleção Sociologias Necessárias, v. 4)
  • Miller, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/68xnZMhnd73FV347vdBrvSH/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 18 ago. 2022.
    » https://www.scielo.br/j/ha/a/68xnZMhnd73FV347vdBrvSH/?lang=pt&format=pdf
  • NEVES, A. et al A psiquiatria sob o neoliberalismo: da clínica dos transtornos ao aprimoramento de si. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 126-179.
  • PELBART, P. P. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. 2. ed. São Paulo: N-1 Edições, 2016.
  • PRAZERES, A. J. Trans-humanismo e secularização: escatologia tecnognóstica. Campinas: Editora Saber Criativo, 2021.
  • ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.
  • ROSA, H. Lo indisponible Barcelona: Herder Editorial, 2020.
  • SAFATLE, V. A economia é a continuação da psicologia por outros meios: sofrimento psíquico e neoliberalismo como economia moral. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N.; DUNKER, C. (org.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 14-43.
  • SENNETT, R. Construir e habitar: ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro: Record, 2018.
  • SIMMEL, G. A metrópole e a vida do espírito. In: Fortuna, C. (org.). Cidade, cultura e globalização Oeiras, Portugal: Celta, 1997. p. 35-44.
  • SLATER, D.; TONKISS, F. A Sociedade de Mercado São Paulo: Edusp, 2021.
  • SLOTERDIJK, P. Tens de mudar de vida Lisboa: Relógio D’água, 2018.
  • VANDENBERGHE, F. Pós-humanismo ou a lógica cultural do neocapitalismo global São Paulo: Annablume, 2017.
  • WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo São Paulo: Pioneira, 1987.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2022
  • Aceito
    12 Ago 2022
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos Estrada de São Lázaro, 197 - Federação, 40.210-730 Salvador, Bahia Brasil, Tel.: (55 71) 3283-5857, Fax: (55 71) 3283-5851 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revcrh@ufba.br